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2023/01/11

2023: Ano Novo, Vida Nova?

Começou o ano e, até ver, poucas novidades. 

A guerra não terminou, a inflação aumentou, o fascismo não morreu e a corrupção está viva e recomenda-se. Para piorar a situação, o vírus pandémico reapareceu na China, pelo que não tardará a chegar à Europa...

Sobre a primeira questão: só os ingénuos podiam pensar que uma operação de "conquista territorial" iria terminar em dias, ou mesmo em semanas. Já lá vai (quase) um ano e não se vê fim à vista. Pesem os milhares de milhões, investidos na "defesa do Ocidente," nem a Rússia de Putin desiste dos seus intentos imperialistas, nem a Ucrânia de Zelensky, consegue expulsar os invasores. No meio, uma Europa sem recursos energéticos, sem exército e sem estadistas, incapaz de fazer ouvir a sua voz nos Fora internacionais. Apesar das "boas intenções" e aparente "unidade na acção", que Von der Leyen, Borrell e Stoltenberg continuam a propagar, nada de essencial mudou. Basta seguir o comportamento de figuras como Órban ou Erdogan (o primeiro membro da UE e o segundo membro da NATO) para deixar de acreditar em actos de coesão e lealdade, vindos de dois autocratas que, de democratas, pouco têm. O primeiro, não respeita direitos constitucionais e continua a desafiar e a desrespeitar as regras democratas europeias, que lhe valeram várias repreensões e penalizações da Comissão; o segundo, continua a receber milhões de euros da UE, para impedir a passagem de refugiados para a Europa, enquanto faz negócios com Putin e oferece gás e petróleo russo à Europa (!?). Uns cómicos, uns e outros. Ou seja, nesta guerra, perdem todos: perde a Ucrânia (parcialmente ocupada e destruída); perde a Rússia (o povo russo, entenda-se) sujeita a uma guerra que não escolheu e confrontada com as sanções do Ocidente; perde a União Europeia (dependente de recursos energéticos e alimentares, agora mais difíceis de obter devido às contra-sanções russas). O único país (até ver) que parece ganhar com esta guerra, são os EUA, que vendem armamento, gás liquefeito, petróleo e cereais à Ucrânia e à Europa. Um negócio das arábias! Porque não há "almoços grátis", quando a guerra terminar, serão os norte-americanos que irão "reconstruir" a Ucrânia, com um programa já anunciado como novo "Plano Marshall" (plano de recuperação europeia, após a 2ª guerra mundial.) Também, aqui, nada de novo. Trata-se da aplicação da "Doutrina de Choque", experimentada noutras latitudes (Iraque, Haiti, Grécia, Tailândia, Alemanha de Leste, União Soviética, etc...) onde, após uma catástrofe (guerra, terramoto, tsunami), os "empreendedores" norte-americanos, utilizam a sua capacidade económica e logística, para ajudar a "reparar" os danos. Os empreiteiros fazem fila...      

Porque isto anda tudo ligado, temos mais inflação. Acontece que a inflação, notória antes da guerra, piorou com esta. É natural. Com a pandemia, os preços que estiveram artificialmente congelados (juros, moratórias, etc...), voltaram ao nível previsto e agora, devido às contra-sanções russas, junta-se a especulação habitual em tempos de crise. Entretanto, a presidente do BCE (Christine - j´adore Dior - Lagarde) já decretou um aumento de juros bancários de 2% e anunciou que a coisa não vai ficar por aqui. O pior, são as consequências económicas para o cidadão comum. Apanhado, literalmente, "entre-dois-fogos", perdeu, no último ano, mais de 15% de poder de compra (basta ir ao supermercado) e vê, todos os dias, as taxas Euribor, (calculadas no pagamento das suas hipotecas) subir centenas de euros por mês! Já as medidas, anunciadas pelo governo, para compensar a perda de poder de compra, mostram-se insuficientes, pois os anunciados aumentos de 5%, ficam muito abaixo da inflação prevista. Uma "pescadinha de rabo-da-boca", que os "crânios" das finanças, parecem não ser capazes de resolver. Aparentemente, não há dinheiro para tudo, dizem-nos (Portugal é um país pobre, patati, patatá...). É verdade. Mas, então, se somos pobres e não temos dinheiro para tudo, porque é que insistimos em salvar bancos falidos, aumentamos a nossa contribuição para a guerra (NATO), continuamos a pagar uma dívida odiosa (contraída pelo estado) e queremos à viva força manter o deficit abaixo de 1%?...

O fascismo está de volta. Nunca desapareceu, de resto. O último exemplo, veio do Brasil. Uma horda de bárbaros organizados e pagos pelos inimigos da democracia, resolveram assaltar o "planalto", onde se encontram os símbolos dos "três poderes" brasileiros (o político, o judicial e o legislativo). Um atentado terrorista, contra um governo sufragado e eleito democraticamente pelo Povo, invocando uma pretensa irregularidade que nunca existiu. De resto, as eleições brasileiras, foram amplamente escrutinadas por organismos internos e externos, que confirmaram a transparência de todo o processo. Só débeis mentais poderiam acreditar numa narrativa completamente falsa (as "fakes news" existem), que já tinha sido experimentada nos EUA, pelos acólitos de Trump (outro atrasado mental). Não vingou nos EUA, nem vingou no Brasil. Acontece que, ao contrário da sociedade americana - mais culta, com mais cidadania e mecanismos de transparência (transparency) e prestação de contas (accountability) - a democracia brasileira é frágil. A democracia tem apenas 37 anos e, numa sociedade pouca instruída, onde a desigualdade e os níveis de pobreza extrema são gritantes (33 milhões de pessoas com fome), a corrupção é transversal e a criminalidade mata 60 000 pessoas ao ano, torna-se mais difícil a gestão. Proliferam os interesses corporativos, infiltrados na corporação militar (veja-se a passividade da polícia e dos militares, durante o assalto aos edifícios governamentais), nos grandes agrários (agro-negócios do gado e soja) e nas igrejas evangélicas (populadas por débeis mentais). Estes são os principais bastiões de apoio do psicopata Bolsonaro. No domingo, pareciam "zombies", completamente possessos, espumando pela boca, enquanto eram conduzidos de volta para os autocarros que os transportaram para Brasília. Bolsonaro pode estar morto politicamente, mas o núcleo duro dos seus apoiantes não desapareceu. São fascistas e devem ser combatidos como tal. "Não podemos ser tolerantes com intolerantes", lembrava Popper. Lula e os democratas brasileiros que se cuidem. 

Finalmente, o jornal "Público" de hoje (11.01.23) "puxou" para a primeira página a notícia da detenção de um ex-autarca de Espinho, acusado de corrupção, tráfico de influências e lavagem de dinheiro (mais um!). Desta vez é do PSD. Qual a novidade? O problema é todos os partidos (do poder) terem "telhados de vidro." Por isso, protegem-se mutuamente. A questão da corrupção (é disso que estamos a falar) é transversal à sociedade portuguesa. Uma sociedade profundamente desigual, onde a pobreza, a iliteracia e o medo, continuam enraizados. Uma cultura de séculos, que não mudará por simples decreto ou alterações da constituição. No fundo, os partidos (os políticos) mais não são do que o "espelho" da nação. Se a "média" é má, porque é que os políticos haviam de ser melhores? É como falar de "ética republicana." O que é isso? Ética, tem-se ou não se tem. Não compreender isto e "esperar" que os "nossos" políticos sejam melhores que os da "direita" (ou vice-versa) é pensar que as diferenças ideológicas tornam os cidadãos mais honestos. Uma treta, claro. 

 

2022/09/25

"Indian Summer"

"Outubro quente, traz o diabo no dente" (provérbio português) 

De acordo com o calendário, começou o Outono. Para trás, o mais quente mês de Julho do século, a habitual seca e os fogos de Agosto, para além de uma "silly season" trivial, não fora a morte da monarca inglesa de maior longevidade no cargo. 

O falecimento de Isabel II e a cobertura das exéquias fúnebres por parte da comunicação social portuguesa, atingiu níveis inimagináveis e provavelmente nunca vistos (falo por mim, que vejo televisão desde 1957). Os diferentes canais, desde a circunspecta RTP, às televisões de cabo SIC, TVI, CNN e CMTV, não se pouparam a esforços (e, presume-se, orçamentos) para enviar os seus mais reputados "pivots" ao Reino Unido: de Balmoral a Saint James, passando por Windsor e Westminster, lá estiveram todos, a Clara, o José Rodrigues e o Nuno Santos, atropelando-se, ao sol e à chuva, para nos dar a imagem que faltava, pois o "serviço público" é isto: "dar ao público o que ele deseja ver", mesmo quando não havia nada para mostrar. Patéticos, alguns dos comentários de jornalistas experimentados, que não se cansaram de repetir os quilómetros e as horas passadas nas filas, por todos aqueles que quiseram prestar a última homenagem à rainha. Eram mais de sete quilómetros de fila, talvez oito, arriscava um com maior rigor...Chama-se a isto, em jargão jornalístico, "encher chouriços". Mas, não foi apenas a televisão portuguesa que exagerou. No dia do funeral, contei 22 canais de televisão em todo o Mundo, que cobriam o acontecimento, China incluída. É obra!

Com a mudança de estação, entrámos naquilo que os anglo-saxónicos apelidam de "Indian Summer" (verão indiano), uma designação que terá a sua origem na mitologia dos nativos americanos. Segundo a lenda, o sangue dos ursos mortos filtra-se pelos solos e viaja através das raízes para as folhas das árvores, colorindo-as de vermelho, a cor dominante das copas durante os meses de Outubro e Novembro no continente norte-americano. Outra explicação, tem origem no mito indiano, segundo o qual os meses de Outono correspondem à principal temporada de caça, devido às suaves temperaturas desta época do ano, quando os animais selvagens são atraídos para fora dos seus esconderijos e são mais fáceis de caçar. Na Europa, chamamos a este interregno "Dias de São Martinho", santo cujo dia é celebrado a 11 de Novembro. São dias de transição suave, algures entre os últimos calores de Verão e as primeiras chuvas do Outono, sem vento e de temperatura amena. No entanto, todos sabemos que, lá mais para a frente, virá a tempestade. Não será diferente desta vez, pois as nuvens acumulam-se no horizonte e nem todas serão obra da natureza. 

A maior "tempestade", que influencia e paralisa meio Mundo, é sem dúvida a guerra Russia-Ucrânia, iniciada há, precisamente, sete meses. Um desastre de dimensões incalculáveis, desde logo a nível humano, para além dos prejuízos materiais e da destruição massiva que atinge sobretudo a Ucrânia e o seu martirizado povo. Sete meses passados e apesar dos desejos expressos pela maioria dos comentadores (há quem lhes chame "wishful thinking") a verdade é que a guerra decide-se no terreno e, provavelmente, irá prolongar-se para além do Outono. Este é um cenário que pode convir à Rússia (cada vez mais isolada no plano internacional, devido às sanções aplicadas pela UE e pelos EUA) que dispõe de reservas de gás e petróleo das quais dependem os países do Norte e do Centro da Europa, que não hesitará em usar como "moeda de troca" nesta guerra de contra-sanções. De resto, alguns dos países que aprovaram as sanções (Áustria, Hungria, Republica Checa, e.o.) continuam a comprar e a pagar em rublos o gás russo de que necessitam, fazendo jus ao princípio "negócios, primeiro!". Resta saber o que restará da "unidade europeia", nesta guerra que só interessa às grandes potências (EUA e Rússia) quando o "Verão indiano" terminar e o Inverno começar. Nessa altura, as bandeirinhas azuis e amarelas nas janelas, poderão começar a desaparecer.

Outra "tempestade" previsível, é a crescente influência dos partidos populistas de extrema-direita (de tendência fascista) que, ontem na Suécia (e hoje, em Itália) poderão vir a integrar governos de regimes democráticos, depois de terem conseguido votações expressivas que rondam os 20% nas eleições legislativas de ambos os países. Este crescimento exponencial, torna-os parceiros ideais da direita tradicional e conservadora que, desta forma, poderá governar e implementar medidas protecionistas, xenófobas e anti-imigração, normalmente sempre mais difíceis de pôr em prática. Se, na Suécia, o tema da segurança foi central durante toda a campanha (devido ao aumento da criminalidade no seio das comunidades imigrantes nas últimas duas décadas); já, em Itália, os principais lemas defendidos pela assumida candidata fascista (neta de Mussolini) foram "a família, a pátria e a religião", a par da imigração e dos refugiados, temas centrais em todas as campanhas (de Salvini, ex-governante e cujo partido integra o actual bloco nacionalista ao "regressado" Berlusconi, o populista-mor do reino, que apoia Putin, o que o coloca numa posição ambígua perante o eleitorado italiano. Resta acrescentar que Putin "himself", tem sido um dos principais apoiantes dos movimentos populistas e de extrema-direita na Europa e nos EUA (Trump), numa estratégia que visa enfraquecer os países do bloco ocidental. Tudo "bons rapazes", portanto.    

Resta a crise social e económica, propriamente dita, que veio para ficar. Chama-se "inflação" e já cá estava antes da guerra e do crescimento dos partidos populistas de direita na Europa. Nos EUA atingiu os 8,3% nos últimos dias e, na zona euro, ronda os 7%. Portugal não foge à regra e apesar do crescimento económico anunciado para o próximo ano (6,5%), a verdade é que partimos de valores mais baixos, pelo que o crescimento real é, proporcionalmente, inferior. Na realidade, e apesar do anúncio feito por António Costa (de que todas as pensões e reformas abaixo dos 705euros, iriam receber um bónus de 50%) os pensionistas e reformados portugueses, vão perder esse aumento em 2023 e 2024, já que os valores das pensões deixarão de ser indexados à inflação, como tem sido regra até agora. Dito de outro modo: o governo prepara-se para congelar os aumentos das pensões e reformas no futuro, o que significará de facto uma perda do poder de compra real nos anos que aí vêm. Chama-se a isto "dar com uma mão e tirar com a outra"...

Mas, nem tudo são más notícias. Nos EUA, Trump foi acusado pelo Departamento de Justiça de fuga ao fisco e de sonegar documentos secretos da Casa Branca, encontrados na sua mansão da Florida. A acusação, e provável condenação, poderá significar o fim das suas ambições políticas e a perda de direitos nas próximas eleições, o que não deixa de ser uma boa coisa. Também Steve Bannon (ideólogo da Alt-Right, promotor de movimentos de extrema-direita na Europa e ex-assessor de Trump) foi acusado de corrupção e apropriação de bens angariados na campanha eleitoral, tendo-se entregado à justiça. Outra boa coisa, portanto. 

Finalmente, o Brasil. Do outro lado do Atlântico, chegam boas notícias: a uma semana das eleições, as sondagens (de todos os quadrantes) dão Lula como provável vencedor, com uma diferença de 14 pontos sobre Bolsonaro (47% versus 33%). A confirmarem-se estes números, será necessária uma 2ª volta, já que nenhum dos candidatos atingirá a maioria absoluta (50+1) necessária para poder governar. Depois de quatro anos de gestão danosa e conflituosa com o eleitorado brasileiro, o actual presidente, um tosco fascista, sem qualquer preparação para governar, poderá ser afastado e, inclusive, acusado por crimes de peculato e envolvimento em crimes sob investigação. A grande incógnita, parece residir na influência que os grupos evangélicos (70% do eleitorado de Bolsonaro) têm nestas eleições. Independentemente das simpatias pessoais, o que está em jogo no Brasil é muito mais do que uma simples disputa entre dois candidatos. Trata-se da escolha entre democracia e fascismo, o que não é coisa pouca. Vai Brasil!

Nunca o Outono pareceu tão quente.