Seriati, Itália (foto Pakistan Latest News) |
John Carpenter, cineasta americano de culto, realizou um filme ("The Thing") onde explora este sentimento, provocado por um vírus desconhecido. No filme, a "coisa" vem do espaço e aloja-se no corpo de um cão, adoptado por um equipa de cientistas, numa estação de investigação no Ártico. A metáfora perfeita do Corona. Acontece, que não estamos num filme de ficção científica, mas numa realidade que ganhou a dimensão de uma pandemia.
Aparentemente, só há duas soluções para combater a situação: uma vacina (que ainda não existe) e o isolamento - voluntário ou forçado - das populações infectadas. Contrariamente ao que possa pensar-se, a segunda medida não se destina apenas a manter pessoas em casa, mas a isolar o grupo de risco que necessita de mais cuidados. Para determinar quem, dos infectados, necessita de cuidados prioritários, é preciso fazer testes e ter material sanitário adequado o que, como se compreende, não existe na maior parte dos países, nem é possível adquirir de um dia para o outro. Daí, o método chinês, que se revelou fundamental para circunscrever o vírus à região infectada (Wuhan).
Ao contrário de epidemias conhecidas (malária, ébola, dengue, sars, etc.) normalmente circunscritas a territórios pequenos em países africanos, asiáticos e sul-americanos (os chamados países em vias de desenvolvimento), o "corona" espalhou-se pelo Mundo Ocidental, com uma rapidez sem precedentes. Habituados a viver em estados mais assépticos, graças a sistemas de saúde funcionais e maior prevenção, os europeus descobriram que não estavam imunes à "coisa". Pior: porque a maioria dos países ocidentais desvalorizou o surto de vírus na China, não foram tomadas medidas atempadas e, agora, corremos "atrás do prejuízo": uns mais que outros, mas, inevitavelmente, todos na mesma direcção: maior número de infectados, maior número de mortes e o colapso da maior parte das unidades médicas existentes...
Como o vírus é "democrático", não escolhe países, classes sociais, ou protegidos do reino. Atinge toda a gente, ricos e pobres, novos e velhos, famosos e desconhecidos, Que o digam personagens como o monarca de Mónaco, o príncipe Charles de Inglaterra ou, mais recentemente, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, para citar três exemplos avulso. Que chatice.
Os europeus (e os norte-americanos por extensão) descobriram também que tinham de seguir uma disciplina férrea (há quem lhe chame "estado de emergência") se queriam sobreviver. Em países autoritários, como a China e em "democracias musculadas", como a Coreia do Sul e Singapura, é sempre mais facil, mas, à falta de melhor método, a coação e as multas ajudam. De um dia para o outro, ficámos todos confinados ao nosso pequeno espaço doméstico, com saídas limitadas e a privacidade ameaçada. Passámos, sem dar por isso, a exilados em casa própria. Agora, somos todos sírios. Após esta crise, veremos. Pode ser que a experiência nos torne mais sábios e solidários.
A solidariedade, no entanto, não parece ser interpretada da mesma maneira pelos governantes desta Europa a 27. Como era esperado, as clivagens entre Norte e Sul (leia-se países "ricos" e países "pobres") voltaram a fazer sentir-se. Nem uma crise humanitária, com estas dimensões, parece ter demovido os "empedernidos corações" calvinistas e luteranos na Holanda e na Alemanha. Perante o apelo de Sánchez, Conte e Costa, apoiados por Macron, para que fossem criados "bonds" europeus como forma solidária de combater a crise (os chamados "Coronabonds"), a Holanda, a Alemanha, a Austria e a Finlândia (o bloco do "marco"), opuseram-se firmemente, argumentando que o Mecanismo Europeu de Estabilidade, criado em 2012, poderia ser utilizado para este fim. Acontece, que a sugestão dos países do Sul, que pretendiam "dividir o mal pelas aldeias" (criando um fundo temporário àparte), não convém à Holanda e à Alemanha, mais interessados em emprestar dinheiro, do qual possam receber juros. Já Portugal, Espanha e Itália, países fortemente penalizados com os "resgates" sofridos, após a crise de 2008, não querem repetir a experiência e criticaram fortemente esta posição, que trará menos solidariedade e mais desigualdade entre os países membros.
Esteve bem Costa, ao criticar publicamente o ministro das finanças holandês (Wopke Hoekstra) que "sugeriu que a UE investigasse o que justifica alguns países não terem verbas suficientes (!?) para lidar com os impactos económicos da crise motivada pelo coronavírus". Depois do cretino Jeroen Dijsselbloem ter afirmado, em 2017, que os países do Sul "só pensam em mulheres e vinho" (!?), esta é a segunda vez que ministros holandeses repetem afirmações arrogantes, com base numa pretensa superioridade, sustentada pelo dinheiro. De resto, o primeiro-ministro Rutte é da mesma opinião, o que não espanta, vindo de um governo cuja ideologia neoliberal sempre defendeu o primado da economia sobre as pessoas. A situação agravou-se, com o crescimento de dois partidos de extrema-direita (leia-se neo-fascistas) o PVV (Wilders) e o FvD (Baudet), o segundo dos quais tem a maioria na primeira câmara (Senado), o que pode explicar as reticências de Rute em libertar verbas de coesão, com medo de perder votos para a direita.
Azar dos Távoras: a Holanda, portanto um país com um dos melhores sistemas de saúde do Mundo, de acordo com os parâmetros da OMS, tinha (às 19h de hoje) um total de 9.762 infectados e 639 mortos pelo corona vírus, sendo já 10º país com mais casos de infectados no Mundo (worldometer).
Muito mais haveria a dizer. Por exemplo, sobre a política de confinamento seguida, que permitiu a milhares de holandeses regressarem de férias sem serem testados, o reduzido número de testes praticado diariamente (cerca de 2000) e a política de comércio semi-aberto no início, o que facilitou o contágio, como, de resto, aconteceu em Inglaterra. Contrariamente, ao que possa pensar-se, Portugal, Espanha e Itália, são os países com as medidas mais drásticas da Europa, relativamente ao isolamento e aplicação da lei neste momento. Isso não evitou a propagação do vírus como sabemos (a Itália tinha hoje 86.498 infectados e 9.134 mortos e a Espanha 72.248 infectados e 5.812 mortos, respectivamente), mas os restantes países para lá caminham. É só uma questão de tempo.
Nem só do corona vírus, morrem pessoas, no entanto. Nas últimas semanas, foram muitos os conhecidos e alguns amigos que faleceram. Deles, falarei no próximo "post".
(continua)