Passou apenas um ano sobre a tomada de posse do governo e nada garante que esta legislatura chegue ao fim.
De facto, não nos lembramos de um governo que, em pleno "estado de graça", tenha cometido tantos erros em tão pouco tempo. Teríamos de recuar aos últimos anos de Cavaco, Guterres ou Sócrates, como termo de comparação, mas, em todos esses casos, os governos referidos estavam em fim de mandato e, à excepção de Cavaco (que tinha saído um ano antes para se candidatar à presidência da república) nenhum dos outros primeiro-ministros dispunha de uma maioria absoluta.
O governo actual não só tem essa maioria absoluta (a segunda na história do PS), como dispõe de uma legislatura superior a 4 anos (devido à interrupção da anterior legislatura por causa do chumbo do OE 2021). Temos, portanto, um governo para durar, teoricamente, até Outubro de 2026.
Se acrescentarmos a estas duas realidades, as verbas que o governo vai receber do PRR (16 000 milhões) e dos programas europeus de coesão 20-20 (em curso até 2023) e 20-30 (mais de 40 000 mil milhões), Portugal poderá receber cerca de 60 000 milhões de euros, até ao fim da década! "Uma pipa de massa!", no léxico de Durão Barroso. A nossa "ultima oportunidade", gritava Costa em todos os comícios em que participou no último Verão (leia-se, "votem em nós que há muito dinheiro para distribuir!"). Um clássico. É assim que se constroem as "clientelas" (redes de "compadrio" e patrocinato), uma característica da cultura mediterrânica, da qual não nos conseguimos livrar.
Com tanta "massa" para gerir, o governo não esteve com meias medidas e vai de convidar um empresário de sucesso ("independente", como convém nestas coisas) para elaborar um plano para a década, já que sem estratégia não se chega a lado nenhum. O homem em questão (António Costa e Silva) esmerou-se e, após alguns meses de reclusão, apresentou um projecto-piloto, onde identificava dezenas de áreas de intervenção, consideradas prioritárias para a modernização do país. Até aqui, tudo bem.
Formado o governo, Costa e Silva foi convidado para ocupar a pasta de ministro da Economia e do Mar, função que continua a ocupar nos dias que correm, ainda que a tutela dos fundos europeus (a "massa" que interessa) esteja nas mãos do ministro das finanças, Fernando Medina (noblesse oblige).
E é aqui que a "porca torce o rabo". Aparentemente, com boas ideias, mas sem poder gerir o dinheiro à sua disposição, o ministro da Economia vê-se na necessidade de consultar Medina, o verdadeiro "dono do cofre", sempre que deseja aplicar os fundos que, em tese, deviam estar sob a sua tutela.
Uma contradição que, não poucas vezes, tem levado o ministro a ser criticado pelos seus pares, devido a afirmações extemporâneas em Fora de Empresários e na Comunicação Social. O clássico problema dos "independentes", que não seguem a cartilha partidária, neste caso agravada pela maioria absoluta de um só partido.
Com Medina ao leme, a política financeira do governo prossegue a linha iniciada com Centeno e continuada com Leão: trata-se de "cativar" parte das verbas orçamentadas para que, no fim do exercício fiscal, sobre dinheiro para pagar a dívida pública e diminuir o défice (actualmente 114% PIB e 1,5% do PIB, respectivamente). Foi assim que Centeno, aproveitando uma conjuntura favorável de juros baixos (graças a Draghi, que injectou biliões de euros de capital no mercado, para impedir a especulação) e ao "boom" turístico dos últimos anos (que representa 12% do PIB português), pôde fazer um brilharete: continuar a pagar a dívida e diminuir o défice, por um lado; e compensar a perda de salários e apoios sociais, por outro. Um verdadeiro "dois em um", só possível no governo da "geringonça" (2015-2019). Ou seja, passámos de uma "austeridade de direita" (Passos Coelho), para uma "austeridade de esquerda" (António Costa).
Acontece que, pelo meio, houve uma pandemia (2020-2022) e, neste momento, há uma guerra que dura há mais de um ano. A coisa não está fácil e estas são, certamente, variáveis que o governo não pode controlar. O problema é andarmos há mais de 10 anos nisto ("resgate" financeiro, intervenção da Troika, pandemia, guerra, inflação) e não sairmos da "cepa torta"! Mais, neste momento, a crise social e económica é tão ou mais grave que a de 2011-2015, com a pobreza e as desigualdades a aumentarem diariamente. Basta seguir a Comunicação Social, para confirmar os dados que ilustram esta triste realidade. A pobreza absoluta, medida de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo INE (menos de 600 euros/mês) atinge já 25% da população (2,5 milhões); o ordenado médio nacional, não ultrapassa os 1200 euros; o número de pessoas, dependentes do Banco Alimentar, aumenta todos os dias; o mesmo relativamente à população dos sem-abrigo nas grandes cidades, estimada em mais de 5000 pessoas, só em Lisboa e no Porto! Com o fim das moratórias, regressaram as hipotecas por pagar, agora mais caras devido à inflação (calculada em 8,9% no início deste ano).
Se a situação já é assustadora nos estratos sociais mais desfavorecidos, na chamada classe média não é muito melhor. Dado que os aumentos não acompanharam a inflação, a perda de poder de compra neste grupo de rendimentos, é real. Basta pensar que o governo aumentou em média os salários em 5%, quando a inflação já atinge quase os 9%! Ou seja, os consumidores perdem, em média, 4% do seu poder de compra todos os meses. Muitos produtos de primeira necessidade (alimentação, electricidade, gasolina, gás) tiveram auments de 20%! Podíamos continuar, com os preços da habitação nas grandes cidades, inflacionados com o "boom" turístico e com os "vistos gold" (estes concedidos a estrangeiros que invistam um mínimo de meio-milhão na compra de uma habitação).
É contra este estado de coisas, que diferentes grupos da sociedade têm vindo a protestar em manifestações cada vez mais participadas: os professores, os médicos, os enfermeiros, os moradores dos bairros periféricos, os funcionários da CP e do Metro, os funcionários da Autoridade Tributária e dos Tribunais, entre outros...
Como se isto não bastasse, temos os sucessivos escândalos que, semanalmente, abalam o governo, com demissões em cascata de autarcas, secretários de estado e ministros, para não falar da corrupção generalizada que atinge transversalmente toda a sociedade portuguesa e do pagamento de indemnizações pornográficas a gestores incompetentes. Com este cenário, começam a estar reunidas as condições para a chamada "tempestade perfeita", que neste caso atinge toda a sociedade.
Perante isto, o que faz governo? Entretém os parceiros sociais (sindicatos e patrões) com reuniões intermináveis e inconclusivas, que deixam toda a gente insatisfeita, continuando a empurrar os problemas com a barriga, refugiando-se na "mantra": "há que manter as contas certas".
Se os ministros, não têm muito mais para dizer, já António Costa (demagogo-mor do reino) prossegue o seu caminho europeu do estrelato, viajando para Bruxelas e para Kiev (a nova "meca") onde promete helicópteros russos sem peças, para combater fogos (!?) e tanques "Leopard" avariados, a Zelensky. Tudo, sempre com um sorriso na cara, não vão as pessoas levá-lo a sério...
Sempre que Costa fala, lembra-me aquele personagem, interpretado por Nanni Moretti em "Aprile", durante um debate televisivo entre Berlusconi e Massimo D'Alema (primeiro-ministro italiano social-democrata), quando comenta: "D'Alema, diz qualquer coisa de esquerda, mesmo que não seja de esquerda, ao menos civilização..."