2010/01/23

Pedido...

Solicito aos habituais leitores do Face que me expliquem o sentido da seguinte frase:
"Vamos continuar a ser-nos fornecidos elementos indispensáveis [para avaliar o orçamento...]"
A frase é de autoria de Manuela Ferreira Leite e foi pronunciada (duas vezes, para que não haja dúvida!) à saída do seu encontro de hoje com o Primeiro Ministro.

2010/01/22

A tradição ainda é o que era...

Tudo aponta para que o próximo Orçamento de Estado (OE) venha a ser aprovado com os votos favoráveis do PS e do CDS. Nada que nos espante, pois já o tinhamos previsto aqui no último Verão. Sempre que o PS governou em minoria - com Soares nos anos setenta e oitenta e com Guterres nos anos noventa e no período 1999-2001 - todos os acordos para viabilizar os respectivos OE foram feitos à "direita". De uma coisa não podemos acusar o PS, que se auto-proclama um partido de "esquerda": é de falta de coerência. A tradição, sabemos, tem sempre muita força.

2010/01/18

A voz do dono

Este tipo de pensamento tem dono e portanto age, melhor reage, sob o efeito da trela. A sua vocação é o mimetismo. É mimético do que o chefe diz e nada diz por si mesmo. Há muitos exemplos de criaturas que representam este tipo de produção mental. Os mais notórios são aqueles que pertencem ao universo dos acólitos e que têm o treino de secundar. Secundam a opinião do chefe pois nada mais lhes agrada do que agradar ao chefe. Isto não significa que gostem do chefe ou que admirem o chefe. O chefe aliás, nos tempos que correm, é chefe numa prestação de tempo e portanto não garante ao que secunda, ao que amplifica o que o chefe quer que se saiba, uma carreira longa, um tempo de privilégio que dure uma vida. Por isso os secundários têm de ser infiéis por natureza. Eles apostam num chefe e já estão a olhar para o próximo. São traidores por natureza.
Acontece também que este tipo de criatura caixa de ressonância, por vezes, quando está ameaçada a sua situação de segundo, pode ser voraz e perigosa. Quando enraivece pode mesmo morder e mais que argumentar o que a cartilha da circunstância dita, pode agredir, insultar, lançar boato, explorar os baixos instintos da massa e lançar o opróbrio sobre quem, ameaçando-o dirá ele, afirme uma verdade, defenda uma causa, afirme um desígnio de mudança para melhor, em suma queira naturalmente, por sensatez e mesmo por bondade, um mundo melhor, portanto diferente.
O cão de fila, outro nome para este tipo de “segundo”, é a expressão mais agressiva deste tipo de criatura. A expressão é feliz pois é um cão que fila aquele que é dissidente, o que é do outro clube e se quer passar para o dele não havendo espaço nem cargo, e principalmente o que afirma que há uma alternativa à situação, que nem tudo é a dívida pública, nem os impostos, nem a economia, nem a Europa, e que Pirandello e Pessoa já o diziam. O cão de fila diz o que o chefe diz de um modo mais peremptório que o chefe. O que o chefe diz de um modo suave, mesmo que cinicamente suave, ou hipocritamente suave, o cão de fila diz com os dentes cerrados e espera a contestação para lançar o gás pimenta do verbo de um modo obviamente definitivo. Não gosta do debate, gosta de opinar de cima para baixo e aprecia o argumento populista, manobra bem a intriga e paga bem, a um outro candidato a segundo capaz de fidelidade por cima do cadáver da ética. Paga obviamente com os dinheiros de outros, nomeadamente com os dinheiros públicos – também acontece pagar em géneros e em cargos, situações, viagens ao estrangeiro, na conta de um familiar, através de um empreiteiro que constrói fora do país.
Todas as manhas são possíveis num país com séculos de manha. O que assusta mais o cão de fila é ver outro cão de fila a aproximar-se do seu lugar na fila. Nessa situação é capaz de matar o próximo e de mandar matar o próximo do próximo, como a Máfia. É um tipo deveras perigoso porque nunca consta daquele tipo de cartaz que havia no Texas a dizer “procura-se morto ou vivo”. Está sempre do lado dos que procuram, dos que fazem a lei e nunca do outro lado. É um tipo que se disfarça de boa pessoa e que diz constantemente que não tem outra agenda que não seja a agenda do chefe. Bem vistas as coisas, neste tipo de criatura, descobrimos sempre mais de um chefe desejado e alguns mudam mesmo rapidamente para o chefe da posição antagonista com a rapidez da bala. Da fidelidade reafirmada são capazes de passar a outra religião qualquer desde que essa seja a que fica por cima nos tempos subsequentes. Têm um feitio traçado para acumulação de capital. Seja através de acções, seja na bolsa, seja em imobiliário. Vêm normalmente de baixo e quanto mais de baixo, maior é a voracidade. São, na opinião dos chefes, insubstituíveis. Neste preciso momento abundam, proliferaram com a falta de ar e de debate. São de facto muito dados a crescer no mofo e gostam de tudo o que é bafiento. São muitas vezes difíceis de distinguir dos outros, porque nem todos caiem na esparrela da ostentação do que adquiriram por via ilícita. Muitos passam aliás por pessoas de bondade e dedicadas à causa pública de alma e coração. Não vêem um pobre sem lhe encher a mão de cêntimos desde que alguém faça a fotografia. Enfim, são como tartufos e não são uma espécie em vias de extinção.
Na realidade este tipo de criatura assume um papel na engrenagem e na engrenagem cumpre como a mola, sem brilho algum, sem entusiasmo algum, sem coração. E dizer que pensa é afinal um erro crasso porque pensar é outra coisa, é algo que se faz na solidão e no debate, o que pressupõe justamente a ausência do chefe. Quanto muito a presença simbólica do mestre. O pensamento escravo é afinal um contra-senso nos termos e uma forma específica do pensamento único, aquele que regula o mercado pela sua própria regra sistémica de injustiça estruturante e sempre disposto a cimentá-la dinamicamente. É um gestor constante da verdade única.

2010/01/17

Mergulhados na ausência

Com a devida vénia (neste caso, uma vénia sentida e humilde, não uma mera vénia de circunstância) aqui reproduzo um artigo do historiador Paulo Varela Gomes, publicado ontem no jornal Público de ontem.