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2012/09/24

Confiança

Muita gente, muita gente sem partido, politicamente adormecida e aparentemente indiferente, se dá conta agora que tudo isto resvalou para um problema cuja resolução implica mais do que remendos legislativos e "toques" nos diplomas. O problema está no próprio regime. A crise é mais funda. O problema não é a TSU, o problema não é de mais ou menos impostos. O problema não é, sequer, o da total ausência de medidas "estruturais," de horizontes, de perspectivas de desenvolvimento. O problema é o próprio regime e a confiança que as instituições e qualquer dos políticos actuais merecem ao comum dos cidadãos.
A pergunta que toda a gente faz, independentemente da tendência política ou da falta de inclinação para a política, independentemente de andarem a gritar contra este regime desde há muito ou apenas desde o passado dia 15, independentemente de fazerem ou não parte do grupo dos "idiotas" do poema de Brecht que se gabaram durante tanto tempo de não se interessarem por política e, mesmo, de não terem contribuído, por falta de comparência, para a situação actual (afinal tudo é, como dizia o Brecht nesse poema, político e afinal o lixo lançado para o baldio acaba à nossa porta), a pergunta que toda a gente faz é esta: mesmo que fosse legítimo, mesmo que fosse inevitável, de facto, o massacre de que são vítimas os portugueses neste momento, o que vem a seguir? Isto porque as causas de tudo o que se passa e as justificações para o massacre continuam obscuras e, certamente, ipso facto, a sua eventual "correcção", parece hoje claramente, servir apenas para manter tudo na mesma, logo teríamos, na melhor das hipóteses, soluções com maturidade reduzida (para usar terminologia do inimigo...). E depois?
O problema é, pois, outro. Trata-se de um problema de confiança. Por mais saltos mortais que qualquer dos actuais e passados responsáveis políticos dêem, por mais malabarismos que façam, por mais coelhos que saiam da cartola (no sentido literal e metafórico da expressão...), por mais discursos que produzam, mais ou menos dourados, mais ou menos realistas, mais ou menos patetas, mais ou menos insultuosos para a generalidade do povo português, por mais que tentem, os bonzos do regime, o poder  e os serventuários do poder estão totalmente desacreditados. Ninguém acredita em nada e ninguém acredita em ninguém —perdoem-me as duplas negativas— ligado a este poder. Quando digo ninguém, quero dizer isso mesmo: a desconfiança é total nas pessoas, nas instituições e nos valores que dizem defender e servir. Tudo parece uma ilusão. Parece que vivemos numa fantasia de Walt Disney.
Ninguém acredita em Passos Coelho, este aldrabão que começou por dizer uma coisa e acabou a fazer outra. Ninguém acredita em Gaspar. Que mente tortuosa se esconde por detrás daquela conversa flácida? Ninguém acredita no Portas, o rei da baderna! Quem acredita na Assunção da Fé? Quem acredita na Conjectura de Crato? E, claro, ninguém acredita no Relvas das equivalências, no Macedo das fábulas ou no Álvaro (quem?). Os outros nem sequer para anedota, infelizmente servem. Ninguém acredita na AR, que se sabe, por factos, ser hoje uma agência de gestão de activos. Ninguém acredita no Conselho de Estado (onde, como alguém dizia, apenas o Lobo Antunes se safa de ter as mãos sujas de sangue por ser cirurgião...). E ninguém acredita, desgraçadamente, neste Presidente da República! Como acreditar em Cavaco Silva?! E como era importante acreditar no Presidente da República.
O problema não é de fé, mas é de acreditar.
Muita gente, dizia eu, depois de um click qualquer que se produziu, sem grandes explicações, na nossa sociedade, poderá perceber agora o verdadeiro e profundo significado da expressão "há mais vida para além do défice." É preciso redefinir o regime e reconquistar a confiaça. Sem isso os problemas, nenhum problema, estes que temos entre mãos ou outros que apareçam no futuro, se resolvem.
Mas, muita gente está também assustada porque percebe, finalmente, que desenvolvimento e democracia caminham sempre de mãos dadas e não podem largá-las nem por um momento. A tarefa afinal é bem mais complicada e trabalhosa, e exige mais dos treinadores de bancada .
Também eu estou assustado porque não percebo se toda a gente percebeu que está na altura de agir, está na altura de colocar no contentor velhos dogmas, está na altura de procurar entendimentos e consensos, de assumir claramente as diferenças, tirando partido das semelhanças. Do respeito pelas diferenças entre os semelhantes e pelas semelhanças entre os diferentes nasce a confiança e a possibilidade de entendimentos.
Será que todos os indignados percebem que, depois de perceberem isto, será então altura de dar expressão política e institucional a toda essa acção? Será que estão à altura do momento? Será que os indignados percebem isto?
Está na hora de confiar, usando critérios muito mais apertados para estabelecer os padrões de confiança.

2009/05/20

Viver de pé atrás

Hoje, a propósito do tema da qualidade e do preço dos combustíveis, ouvi alguém comentar que há um problema de confiança dos consumidores nas gasolineiras. Concertação de preços --ninguém acredita nela, mas deve ser como as bruxas...--, aditivos desconhecidos --não existe nenhuma certificação independente neste domínio--, é tudo "guerra comercial", proclama com leveza o secretário de Estado da tutela. A esta desconfiança nas gasolineiras, acrescentava o comentador, junta-se a desconfiança nas empresas do sector financeiro, bancos e outras, envolvidas nos tempos que correm em casos que deslustram totalmente o seu objecto social. Em quem podemos nós acreditar?
A somar a tudo isto, acrescento eu, existe uma total desconfiança dos cidadãos nas instituições do Estado. Desconfiamos das polícias, das finanças, da justiça, da saúde, da educação, das autarquias, dos serviços municipalizados, etc, etc, etc. Ninguém escapa! Desconfiamos do Estado porque colocamos nas suas mãos uma parte significativa dos nossos proventos, fora o que nos é sacado à sorrelfa, e em troca somos brindados com a sua ineficácia e com o seu total e absoluto desprezo por nós. E desconfiamos do Estado porque, quando tudo aponta para que seja o Estado o alvo de todas as desconfianças, somos nós que somos por ele tratados com desconfiança...!
A própria imprensa, veículo através do qual nos vão chegando, timidamente, alguns ecos das pequenas e grandes traições da confiança, não merece grande confiança, ela própria, conhecendo-se o seu enquadramento institucional e a sua própria lógica de funcionamento, totalmente distorcida, que fere de morte qualquer sombra de confiança que nela pudéssemos originalmente depositar.
A elementar prudência leva a que vivamos, pois, hoje mais do que nunca, de modo generalizado e permanente, de pé atrás.
Bem podem as marcas, as empresas e outras instituições, particulares ou oficiais, invocar pretensos inquéritos que nos tentam fazer acreditar que elas são dignas de toda a confiança. Volta não volta lá ouvimos a empresa A a gabar-se que foi distinguida com o galardão de merecedora da maior confiança dos Portugueses, ou a marca B a dizer que estes a distinguem entre todas as outras. Para acreditar em tudo isto era necessário que os próprios inquiridores, as empresas de sondagens, de auditorias, etc nos merecessem confiança. Mas, não merecem. A discrepância entre o mundo real e o mundo por eles fabricado é total. E sabemos todos que é possível produzir resultados bastante lisonjeiros "martelando" as componentes dos inquéritos e das análises e introduzindo factores de amortecimento de eventuais apreciações negativas ou aldrabando pura e simplesmente os resultados por interesses corporativos. O mesmo se passa no caso da defesa do consumidor. Quem nos defende dos defensores?
As instituições vão sobrevivendo, no meio da generalizada desconfiança que delas os cidadãos hoje têm. E sobrevivem muito à custa de toques e retoques de imagem. O culto da boa imagem é fundamental. O universo institucional vive para a e da imagem. Muito legítimo e importante trabalho académico acabou como mero lastro das técnicas de produção de imagem. O que gera desconfiança sobre os produtores de imagem --que buscam "legitimidade científica" para a venda a retalho-- e sobre a academia --que não parece servir para muito mais do que inspirar os retalhistas. Enquanto a boa imagem passar, o mundo de faz de conta das empresas, organismos oficiais e outras instituições vai-se aguentando. Mas nós sabemos que as imagens são efémeras e o Photoshop uma grande ferramenta.
É uma verdadeira espiral de desconfiança esta em que nos encontramos mergulhados. O conto do vigário é hoje o primeiro e único mandamento desta nova religião.
Religião? Eu falei em religião?! Bem, o melhor é não me alongar mais...