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terça-feira, 23 de junho de 2015

Luís Falcão

Sabemos que o tempo passou
Que alguma coisa deveria ter sido dita
(talvez depois, talvez mais tarde)
Deixamos atrás de nós
Uma sequência desconexa de gestos irreparáveis
E, feridos,
Por todas as coisas
que poderíamos ter evitado a nós próprios
Caminhamos para o silêncio
E para a escuridão indefinível dos bosques.



Luís Falcão (05/11/1975 § †22/06/2015)
in «PÉTALAS NEGRAS ARDEM NOS TEUS OLHOS», edição Assírio & Alvim, 2007.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Álvaro Mutis — 25/08/1923 § 22/09/2013


(clique na imagem para a ampliar)


«UN BEL MORIR…»

De pé numa barca parada no meio do rio
cujas águas passam em lento remoinho
de lodos e raízes,
o missionário abençoa a família do cacique.
Os frutos, as jóias de vidro, os animais, a selva,
recebem os breves sinais da bem-aventurança.
Quando descer a mão
terei morrido no meu quarto
cujas janelas vibram à passagem do eléctrico
e o leiteiro virá em vão pelas garrafas vazias.
Para esse momento ficará bem pouco da nossa história,
alguns retratos em desordem,
umas cartas guardadas não sei onde,
o que foi dito naquele dia ao despir-te no campo.
Tudo se irá desvanecendo no esquecimento
e o grito de um macaco,
o fluir esbranquiçado da seiva
pela ferida casca do látex,
o chapinhar das águas contra a quilha em viagem,
serão assunto mais memorável do que os nossos longos abraços.



Álvaro Mutis in «Os Versos do Navegante — antologia poética», selecção e prólogo de Lauren Mendinueta e tradução de Nuno Júdice; ed. Assírio & Alvim, 2013. Fotografia de Daniel Mordzinski.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Gerrit Komrij § 1944-2012




A TERCEIRA PAISAGEM

Quando num tacho em varanda abrigada
Floria o aloendro, era uma festa.
Agora que tens ao sol do Sul morada,
De plátano e carvalho o sonho resta.

Com a ventura, assim, sempre a fugir,
Andar de cá para lá fez-se preciso,
Que as árvores todas poder reunir
Só num local chamado paraíso —

O sítio onde estarias deslocado.
Porque pousar um pé que fosse aí
Era o fim da cantiga mais certeiro.

Antes assim. Sem o carvalho em ti,
Escapava-te o milagre do pinheiro:
Ter numa agulha a folha por inteiro.

in «Contrabando — uma antologia poética», tradução do neerlandês de Fernando Venâncio