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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Gilberto Mendonça Teles (1931-2024)

        A morte de um poeta entristece não apenas os familiares e amigos. Atinge os admiradores, os que o julgavam perene e eterno. Gilberto Mendonça Teles deixa um rastro de amigos e admiradores do tamanho de um rabo de sereia. Os livros de poemas e de crítica ficam, sempre novos, instigantes, como referência de um trabalho diversificado e apurado. Como afirma no poema "No curso dos dias": 

    Agora que me vou é que me deixo

    ficar perdidamente nesta estrada:

    vou numa roda-viva, mas sem eixo,

    numa coisa futura, mas passada.

     (...)

    Alguma coisa vai ficando, além do

    tempo em que me dou e me reparto:

    ficou meu coração, ficou batendo,

    batendo na penumbra de algum quarto.


    Ficou o que mais quero e vai comigo:

    - tudo que amei e que ficou amado,

    talvez esta esperança que persigo

    como uma sombra andando no cerrado.


    Ficou este poema, cujas musas

    molharam nalgum curso os seus cabelos

    para compor as novas semifusas

    dos meus silêncios, dos meus atropelos.


    Mas no curso dos dias que há por dentro

    de cada um de nós, na nossa história,

    alguém por certo encontrará o centro

    de tudo que ficou na trajetória.


    E o que ficou, ficou: raiz noturna

    enterrada nas ruas, nos quintais;

     vento varrendo o pó de alguma furna,

    chuvas de pedra, alguns trovões, Goiás.


TELES, Gilberto Mendonça. Os melhores poemas de GMT. Sel. de Luiz Busatto. São Paulo: Global, 2001.


                                                  Foto:  Jornal Opção

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Cassiano Ricardo

 

Cassiano Ricardo


       Uma constatação impõe-se no que diz respeito à recetividade de poesia nos anos de 1950 a 1960: Cassiano Ricardo (São José dos Campos, 1895 – Rio de Janeiro, 1974), hoje um nome um tanto esquecido, era o poeta mais admirado e criticado no país. Desde a década de 1940, é nítido o apreço que os intelectuais lhe dedicam: em 1947, Roger Bastide publica dois artigos sobre o poeta, no suplemento cultural Letras e Artes, (21 e 28 de setembro). Há mais resenhas e artigos sobre a sua produção poética do que sobre qualquer outro poeta, nas décadas de 1950 e 1960. Um dos motivos deve-se ao fator temporal, Cassiano Ricardo estava na estrada há muito tempo: havia estreado em 1915, com o livro Dentro da noite. A década de 60 será decisiva para a consolidação da importância de Cassiano Ricardo na cultura brasileira. Expande-se a sua fortuna crítica, com a publicação de vários trabalhos sobre sua poesia: o ensaio de Oswaldino Marques, O laboratório poético de Cassiano Ricardo é de 1962; Mário Chamie publica Palavra - Levantamento na Poesia de Cassiano Ricardo em 1963. Em seguida, sua produção merece a atenção de expressivos nomes da crítica literária: Álvaro Lins o enfoca, em Jornal de crítica 6a. série, (1951); Sérgio Milliet dele se ocupa em Panorama da moderna poesia brasileira (1952); Eduardo Portela o estuda, em Dimensões I (1958); Péricles Eugênio da Silva Ramos o analisa em importante obra, A literatura no Brasil, v. III; José Guilherme Merquior dedica-lhe um ensaio em Razão do poema (1965), em que afirma: “Um poeta presente, querendo viver sem evasões, que aceita a luta e considera a eternidade uma forma de não-existência: não-existência, porque a força do atual, aqui e agora, exclui o eterno como abstrato, sem peso e sem resultado. Poeta solidário, de convivências”. Pertenceu à Academia Paulista de Letras, ao Conselho Federal de Cultura e à Academia Brasileira de Letras.

    Cassiano Ricardo foi poeta, jornalista, historiador e ensaísta. Participou ativamente de grupos de militância moderna, como o Verde Amarelo e Anta, junto aos companheiros Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Raul Bopp, Cândido Mota Filho. Fundou, em 1937, a “Bandeira”, movimento político de oposição ao Integralismo. Dirigiu, à época, o jornal O Anhanguera, que defendia a ideologia da Bandeira, sintetizada na fórmula: “Por uma democracia social brasileira, contra as ideologias dissolventes e exóticas”. Eleito presidente do Clube de Poesia (1951), em São Paulo, reeleito outras vezes, instituiu um curso de Poética e incentivou a publicação de novos poetas. Seu primeiro livro revela um poeta lírico, influenciado por colorações parnasianas e simbolistas. O segundo livro, A flauta de Pan, (1917) integra-o na corrente moderna, incorporando ardorosa defesa da postura nacionalista. A produção seguinte situa-se entre as expressivas do Modernismo, com os livros Vamos caçar papagaios (1926), Borrões de verde e amarelo (1926) e Martim Cererê (1928). Com O sangue das horas (1943), empreende nova rota, na linha de um lirismo de introspecção filosófica, que se estende a Um dia depois do outro (1947). Na sequência, sua produção (A face perdida, 1950) evolui em densidade e adesão às experiências de vanguarda oriundas da Poesia Concreta: Jeremias sem chorar (1964) registra esta inquietação de um poeta experimental, de trajetória marcada pela constante renovação, aplicado às novas técnicas gráficas. Em poema sobre foguete interplanetário: “Apertei o botão mágico, / Desci como um anjo, agora, / de asa fechada (asa flechada) / dentro de uma fotografia. //E eis-me de novo, vil pedestre / que sobra na rua, como sobra / uma cobra / na calçada”. Sua vertente de historiador fica nítida em Marcha para o oeste (1940).

        POÉTICA

        Que é a Poesia?

        uma ilha

        cercada

        de palavras

        por todos

        os lados.


        Que é o Poeta?

        um homem

        que trabalha o poema

        com o suor do seu rosto.

        Um homem

        que tem fome

        como qualquer outro

        homem.


COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de Literatura Brasileira. 2. ed., coord. Graça Coutinho e Rita Moutinho. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fund. Biblioteca Nacional, ABL, 2001.


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Flávio Kothe

        Reli por esses dias algumas páginas de Flávio Kothe, no livro Literatura e sistemas intersemióticos (1981). Fui seu aluno, no Mestrado em Literatura Brasileira, na UFMG, em meados de 1990; habituei-me, desde então, a seu temperamento rebelde, polêmico. O ensaísta afirma que a literatura portuguesa é uma literatura mediana, de autores pouco representativos, se comparada às grandes literaturas do Ocidente. Mais do que a gravidade do juízo, surpreende a serenidade com que se expressa. Afirma: "ela (a literatura portuguesa) não é uma das melhores literaturas nacionais. Ela não tem o nível da literatura francesa, alemã, inglesa, russa ou espanhola" (Kothe, 1981, 65). Discordo do mestre, nesse aspecto. Nem necessito de argumentos plasmados em torcicolos, ou em altas esferas de metafísica  para tanto. O prêmio Nobel concedido a José Saramago, em 1998, rebate o ensaísta brasileiro, de forma robusta. Autores da estatura de Camões, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Camilo Pessanha, Vitorino Nemésio, Mário Cláudio, Lobo Antunes e Agustina Bessa-Luís equiparam a literatura produzida em Portugal às demais produzidas na Europa. 

    Flávio Kothe tem suas idiossincrasias, discute temas importantes, mas padece de germanologia. Posiciona-se diante da cultura munido de argumentos excessivamente elitistas, eurocêntricos. Adota uma postura implacável diante de clássicos de nossa literatura, nomes que, na sua ótica, apenas reproduzem a ideologia da classe dominante. Mesmo reconhecendo talento em Machado de Assis, não o situa no mesmo plano de Dostoiévski, Flaubert, Tolstói e Goethe. Prefere situá-lo um degrau abaixo, ao lado de Eça de Queirós. Segundo o ensaísta, predomina no Brasil o hábito da leitura reverencial dos clássicos.  Reconheço que por vezes acerta, ao defender que os alunos do ensino médio sejam orientados a desenvolver uma leitura crítica das grandes obras. Concordo, também, quando reconhece que, no nosso ensino médio, como não se estudam obras estrangeiras que não sejam as portuguesas, o nosso aluno fica privado de grandes confrontos culturais. Professor de Estética na UnB, durante quase duas décadas, Flávio Kothe tem produzido obras importantes, no terreno da Teoria Literária e da Semiótica, obras de consulta recorrente para os estudantes de Letras, Literatura, Comunicação Social, Filosofia, e História.



quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Antônio Cícero (1945 - 2024)

         Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.

Em cofre não se guarda coisa alguma.

Em cofre perde-se coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por 

admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.


Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é,

 velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, 

estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro

Do que um pássaro sem voos.

(...)


                                                        
                                                         (Foto: Letras in. verso e reverso)

Em memória do poeta, filósofo, crítico literário e letrista de canções. 

domingo, 29 de setembro de 2024

Armando Freitas Filho (1940 - 2024)


        Triste notícia, a morte do poeta Armando Freitas Filho. Divulgou a poesia de Ana Cristina César, homenageou Carlos Drummond, "agulha de areia // ampulheta"; Murilo Mendes,  João Cabral, "ligeira linha alinhavada". Cantou o cotidiano; o Maracanã, "bancadas balançam / as flâmulas ágeis"; a Central do Brasil, as feiras livres, a "Zona do Mangue", Brasília, "lua de cartolina", "lago de celofane") e muito mais.