VAI E VEM, opus derradeiro do cineasta João César Monteiro [Figueira da Foz, 2 de Fevereiro de 1939 - Lisboa, 3 de Fevereiro de 2003], encerra o ciclo POEMAS COM CINEMA, na próxima terça-feira, 8 de Fevereiro, no Teatro do Campo Alegre, no Porto.
«O tal saber de experiências feitas (por vezes tão falaz) não se inquietou com o filme seguinte. Atemorizou-se à ideia de que “Vai e Vem” não acabasse, que o movimento da vida cessasse antes do movimento da câmara. Por muito pouco necrófilo que se seja, é quase impossível deixar de associar filmes filmados nessas circunstâncias a filmes- testamento.
Quando, num plano especular, que parece póstuma homenagem a tantos e tão belos planos especulares da obra de César, se vai Urraca — a das barbas — que, sem elas ficou igual, “sem tirar nem pôr”, a Adriana, essa dimensão, sempre latente, invade tudo (banda- imagem e banda- som) na nona das dez viagens do eterno vai e vem do autocarro da carreira 100. É quando
o coro dos ucranianos canta a canção “Enganaste-me, traíste-me”. E o protagonista ou a protagonista da canção (nesse coro, o sexo é indefinido) também foi enganado e traído dez vezes, entre a segunda-feira de uma semana e a quarta da semana seguinte.
É a seguir a essa viagem que lemos no autocarro, onde, logo no princípio, víramos, em vez dos habituais anúncios, “A única luz é a do arcabuz”, a frase “Some came rambling”. No filme de Minnelli de 1959, alguns (sobretudo verdade para Shirley MacLaine) passaram a correr. Neste, João Vuvu passou a “vaguear” ou a “vadiar”. João de Deus, Max Monteiro, João Vuvu, ou seja quem for o personagem que João César Monteiro habitou entre as “Recordações da Casa Amarela” (1989) e “Vai e Vem” (2003) foi, acima de tudo, o Vagabundo. Talvez, depois de Chaplin, ninguém merecesse tanto esse nome como ele.»
João Bénard da Costa, Crónicas: Imagens Proféticas e Outras, 1º vol., Assírio & Alvim.
ANTIGA CASA FAZ FRIO
(…)
A si, João César, daria todos os meus cigarros.
Mas agora, suponho, era coisa de pouca serventia.
O marinheiro da entrada manda-lhe saudades.
E olhe que a cozinha está melhor e o tinto
de Trancoso não provoca nem repulsa nem azia.
Manuel de Freitas, in Poemas com Cinema (org. Joana Matos Frias, Luís Miguel Queirós, Rosa Maria Martelo), Assírio & Alvim.