Boa noite, para onde vamos?
- Para a Buraca, sff.
Muito bem. Pelo Monsanto, não?
- Sim. A esta hora não há tráfego.
É verdade. Já se nota o fim das férias. Os turistas são cada vez menos, Há um mês atrás não se podia andar em Lisboa...
- Eu sei. Ainda por cima, com a visita do Papa pelo meio... tive de fugir para longe. Lisboa parecia uma feira. Já era uma feira antes, mas, com as Jornadas, piorou.
Nem me fale disso. Se fosse só o Papa! Eram os peregrinos, os turistas, os "ubers", os tuk-tuk, as trotinetes, eu sei lá. Nem se podia circular. Passei o tempo todo a fazer serviços para estrangeiros. Nem sei onde é que eles conseguiram meter tanta gente...
- Em casas particulares, em conventos, em pavilhões desportivos, em quartéis... nalgum lado foi. Mas Lisboa está na "moda" e toda a gente quer vir cá... Em si, não é mau, o pior é que a cidade está a "rebentar pelas costuras" e não há casas baratas para viver.
Para os estrangeiros, há. Eles podem pagar. Olhe, ainda este Verão apanhei um casal francês com um bebé, que andava à procura de casa em Lisboa. Estiveram numa casa do Bairro Alto e saíram ao fim de um mês, tal era o barulho à noite. Disseram-me que não queriam educar o filho naquele ambiente. Acabaram por mudar-se para Campo de Ourique e agora estão satisfeitos.
- Sim, Campo de Ourique ainda mantém alguma identidade. É um bairro simpático. Já os bairros históricos, como Alfama, Mouraria, Castelo, Bairro Alto, são para esquecer.
Para esquecer! Sou de Alfama e passei lá a juventude. Já não mora lá ninguém do meu tempo. Os prédios foram quase todos vendidos e, agora, são Alojamentos Locais e estabelecimentos nocturnos. De fugir!
- Um desastre, a política de habitação da Câmara de Lisboa...
Os estrangeiros compram tudo. A minha tia, tinha uma casa de 5 divisões na Rua São João da Praça e não queria vendê-la pois estava a guardá-la para uma das filhas. Era uma casa antiga, que ela tinha herdado da avó e queria que ficasse na família. Apareceu um americano a querer comprar a casa e ela rejeitou sempre. Mas ele insistia, pois gostava muito do bairro e queria ter uma casa em Lisboa. Finalmente, acabou por convencer a minha tia a vender a casa por 1 milhão de dólares! Ela acabou por aceitar (imagine, 1 milhão de dólares!) e fez bem. Com esse dinheiro comprou 3 casas para os filhos todos.
- Incrível, essa história, mas deve haver muitas iguais, certamente.
Sim, até porque os americanos estão a descobrir Portugal. Eu ajudei a fazer a mudança e perguntei ao americano (que era de Nova-Iorque) qual o interesse dele em vir viver para uma cidade como Lisboa? Ele disse-me que negociava em imobiliário e que as revistas americanas da especialidade indicavam Lisboa como uma das cidades mais interessantes para investir até 3 milhões de dólares...
- Estou a ver. Nem é necessário investir tanto. Basta investir 1 milhão e têm direito a um "visto gold". Uma mina. O pior é que não criam empregos e, daqui a uns anos, revendem os imóveis pelo dobro ou pelo triplo.
Fazem eles bem. Eu tenho um irmão em Darwin, na Austrália e este ano fui lá visitá-lo. Ele disse-me que lá é o mesmo. Aproveitámos para fazer umas férias em Bali. A vida lá é muito barata e como estávamos perto, fomos até à Indonésia, que eu não conhecia. Bali é muito bonito, mas muito pobre. Há muitos pedintes e vê-se muita prostituição. A ilha vive do turismo e os residentes não frequentam as lojas e os supermercados reservados aos estrangeiros. Um euro equivale a 14.000 rupias, mas com 28.000 rupias come-se uma refeição nos restaurantes vietnamitas, chineses, etc...A comida é boa e as pessoas muito simpáticas. O clima é que é difícil de suportar. Um calor húmido. Até fiquei mal disposto. Tinha de tomar três duches por dia. Não gostava de viver para aqueles lados...
- Sim, os países tropicais são difíceis de suportar para um europeu. É tudo uma questão de hábito. Tenho um amigo no Luxemburgo, cuja filha casou com um japonês na Austrália. Vieram viver para o Luxemburgo, mas, ao fim de uns tempos, voltaram para a Austrália, pois ele não aguentava o frio na Europa. Agora, vivem em Sidney.
Pois é, passamos a vida a protestar a nunca estamos contentes. Até nas redes sociais, estamos sempre em desacordo. Eu frequento o Facebook e leio sempre a Raquel Varela de quem gosto muito. Conhece?
- Por acaso, até a conheço pessoalmente. E então?...
Pois, ela há uns tempos escreveu um texto sobre a guerra na Ucrânia, onde não tomava partido. Ela não acredita nisso das nações e dos nacionalismos. Ela diz que é uma internacionalista e que defende as pessoas, não os países. Eu meti-me na discussão e, a determinada altura, apareceu lá um tipo a chamar-me nomes e a defender ditaduras, como a Rússia e outros países semelhantes. Está a ver? Eu, nem queria acreditar...
- Imagino. Quem frequenta redes sociais, está sempre habilitado a encontros desagradáveis. Mas, tem bom remédio: é desligar o computador.
É o que me dá vontade de fazer. Apanha-se cada um...
- Bem, já chegámos. Pode parar por aqui.
Obrigado e tenha uma boa noite.
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