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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Quando as editoras de manuais escolares tomam decisões que cabem aos professores...


Uma editora de manuais escolares mandou, por estes dias, uma mensagem a professores de Filosofia com o seguinte texto:
Caro(a) colega [nome completo do destinatário]
As Nações Unidas assinalam o dia 27 de janeiro de cada ano como Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Esta data foi escolhida por coincidir com o aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz. Quisemos associar-nos a esta evocação internacional e, nesse sentido, enviamos-lhe duas propostas de trabalho que esperamos se revelem úteis.
Continuação de bom ano letivo!
[Assinatura de representantes da editora]
Não obstante a "sensibilidade" se quer fazer passar há, nestas linhas, duas coisas obviamente intoleráveis:

Uma é aproveitar a data em causa, com tudo o que ela representa, para publicitar o manual e os seus anexos (que aparecem numa destacada fotografia que antecede o texto).

Outra é ter a veleidade de fazer propostas didácticas a professores, que se pressupõe saberem como ensinar. Não precisam, nem devem aceitar, que quem não é do ofício lhes diga o que fazer. Isto não é novo, mas deve acabar sob pena de se acentuar a desprofissionalização docente.

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Nota: Presumo que não tivesse sido apenas uma editora a ter esta iniciativa. Práticas destas tenho-as visto a diversos propósitos e por parte das várias empresas instaladas. E não tenho dado conta de grande contestação por parte das escolas e dos professores. Infelizmente!
Acrescento, o que já escrevi por diversas vezes neste blogue: o problema não está na actuação das editores, que são empresas; o problema está do lado das escolas e dos professores que não percebem exactamente o que está em causa.


domingo, 25 de janeiro de 2015

Publicidade e conhecimento

Luc Ferry
A publicidade a um nível altamente profissional demorou mais tempo a entrar nas escolas públicas portuguesas do que noutros países da América e da Europa, mas, assim que se instalou, o modo de operar foi rápido e avassalador. Antes haviam sido criadas as condições políticas (de "abertura" da escola à comunidade, de participação dos "parceiros educativos") e económicas (estado de necessidades das escolas), para tanto. Seguiu-se a abertura de uma nesga de currículo que não pára de aumentar para acolher mais esta e aquela pressão empresarial.

Como o tempo de aprendizagem não estica, afastam-se os conteúdos disciplinares que se diz não "servirem para nada" e, não se dizendo, aqueles que, por envolverem de modo especial o pensamento crítico, podem colocar em causa o efeito da publicidade. As Clássicas têm sido as vítimas mais evidentes, mas também a Filosofia e, porque o pensamento crítico não é apanágio destas duas áreas, um pouco de mais desta e daquela. Na verdade, se virmos bem, este pensamento tão elogiado quanto detido....

Efectivamente, a presença da publicidade na escola é, agora, uma realidade. Mais: uma realidade que se legitimou e que não encontra crítica social.

Seja isso porque a mensagem é (obviamente) disfarçada de um altruísmo que se impõe acima de qualquer suspeita (afinal, a manipulação é o seu campo de especialização) na forma de apoio, de incentivo, de suporte, etc. às crianças, aos jovens, às famílias, aos professores, à comunidade... seja porque as pessoas que percebem isso e discordam de uma tal intrusão no campo educativo formal não vêem outra saída para a manutenção das "dinâmicas" das escolas, muito valorizadas pelos pais e encarregados de educação, nos processos de avaliação externa, etc.

Lembro-me bem que ainda há cinco ou dez anos se achava estranho que "as grandes marcas" (que têm departamentos próprios para a publicidade nas escolas) passassem os portões das escolas. A excepção eram alguns patrocínios amadores e solidários de empresas locais que, em épocas especiais do ano lectivo, ajudavam a concretizar festas e pouco mais a troco de verem o seu nome num cartaz ou jornal de turma. As editoras de manuais escolares (em maior número e mais pequenas do que são agora) também os rondavam e conseguiam, em alguns casos, ir entrando, mas nunca com a pujança com que agora (as poucas e enormes) se foram instalando.

Nesta nova realidade, o que se pode, ou, antes, se deve fazer?

Tenho afirmado no De Rerum Natura que o problema não está do lado das empresas; está, isso sim, do lado do sistema público de ensino (e dos diversos agentes educativos). As empresas estão viradas para si e têm o propósito do lucro; o sistema público de ensino (é estranho ter de lembrar isto) está (ou deveria estar) virado para o Bem (no sentido filosófico) do aluno, da sociedade e da humanidade e tem (ou deveria ter) o propósito de difundir o conhecimento e desenvolver a inteligência. Estamos face a dois universos distintos, inconciliáveis na sua essência. Não vale a pena arranjarmos malabarismos discursivos para distorcer ou contornar esta realidade.

Assim, vejo que, mais tarde ou mais cedo, esse sistema, e cada escola, tem de parar para fazer uma dupla reflexão. A primeira é sobre a legitimidade desta cada vez mais aguerrida intrusão da publicidade no espaço e no tempo que é o seu, especificamente destinado à instrução; a segunda é sobre a possibilidade que, efectivamente, tem de levar os alunos a discernir a lógica publicitária e, sobretudo, conduzi-los a outros interesses que sejam mais consonantes com a condição humana.

Luc Ferry, filósofo, classicista, (polémico) ex-ministro da educação francesa explica bem esta ideia num livro e numa entrevista, que partilho com os leitores. De notar que a palavras a azul são minhas, não deste autor.
"... campanhas publicitárias... uma das suas principais missões é transformá-las tanto quanto possível em perfeitos consumidores. Esta lógica, na qual entram cada vez mais cedo, pode revelar-se destruidora. Ela instala-se nas suas cabeças mediante um trabalho de sapa: quanto menos dispusermos duma vida interior rica no plano moral, cultural e espiritual, mais nos expomos à necessidade frenética de comprar e de consumir. O tempo de «locação de cérebros vazios» que a televisão [e agora a escola] oferece aos anunciantes é, portanto, uma dádiva. Interrompendo sem cessar programas, esses canais [e agora a escola] visam, literalmente, mergulhar aqueles que os seguem num estado de ressaca
 In A sabedoria dos mitos (Temas e Debates/Círculo dos Leitores), 2014, 43.
"Digo aos meus amigos empresários (...) «vocês são esquizofrénicos, estão divididos em dois». Como empresários de direita (geralmente são de direita ou, então, são hipócritas), os valores morais deles são reaccionários. Gostam que as crianças sejam bem educadas por personalidades autoritárias que determinam as regras, etc. E eu digo-lhes: «Em casa são autoritários, reaccionários, de direita e nas suas empresas fazem exactamente o contrário. Fazem grandes campanhas publicitárias para transformar as crianças em (...) consumidores viciados. É preciso escolher. O que querem? Querem as crianças educadas, inteligentes, cultas? Ou querem crianças (...) consumidoras para que as vossas empresas funcionem. Você não podem ter as duas coisas. Não podem ter o mundo do consumo para que as vossas empresas funcionem bem com crianças educadas.» As duas coisas não funcionam. Esta é a grande contradição do mundo actual (...).
Vivemos num mundo de hiperconsumo, onde somos permanentemente tentados por todo o tipo de objectos maravilhosos. O consumo (...) tem a mesma estrutura que o vício. O único meio que eu conheço de lutar contra o consumo viciante é dar às nossas crianças o sentimento de que há coisas mais belas e mais importantes. É vital transmitir aos pequenos, quando eles têm 4, 5, 6 anos, os contos de fadas, as narrativas da mitologia grega para lhe dar o sentimento de que há coisas superiores ao registo do consumo. Não é proibindo o consumo que chegamos lá, isso não funciona. É preciso nivelar por cima, dano o sentimento de que há elementos na cultura que são mais intensos, mais profundos, mais divertidos. Por exemplo, o que é incrível na mitologia grega é que ela é muito crua, muito dura. Ela fala de sexo, de morte, de sadismo, de amor, de guerra. É isso que fascina as crianças. Não se deve edulcorar. Isto não perturba as crianças. Elas acham normal que os malvados sejam punidos com dureza. É preciso ler os contos de fadas, é preciso ler a mitologia grega. É o único meio de fazê-lo ir além do mundo do consumo."
In Entrevista a Café filosófico (aqui).

sábado, 29 de março de 2014

Da publicidade que utiliza a arte à publicidade que produz arte

Texto na continuidade de outro: aqui.

Certo artista foi contactado para fazer um grande mural. O parque de uma cidade portuguesa era o destino. Aceitou.

A sua inspiração foi a fotografia de um rapazito que, descalço, andava, há quase oitenta anos, pelas ruas dessa cidade apregoando a venda de pássaros.

A recente inauguração desse mural teve pompa e muita comoção: o rapazito agora, nos noventa, foi descoberto e compareceu; a presidente da Câmara esteve presente e contribuiu com a devida solenidade; as pessoas do costume deram um toque público ao acto; e... o director-geral da empresa - sim, empresa - que encomendou a obra, "no âmbito de uma estratégia promocional do novo Centro Comercial" qualquer-coisa, teve destaque.

Parece que declarou: "Quisemos desenvolver uma série de atividades na região que envolvessem a população e que, de alguma forma, transmitissem a nossa forma de estar nos sítios onde temos unidades comerciais, em que procuramos ter uma atividade ativa a nível social e de sustentabilidade, desenvolvendo muitos projetos com a comunidade"

O "negrito"é meu - a arte para transmitir a "forma de estar" da empresa "onde tem unidades comerciais" - para salientar que o parque de uma cidade é um espaço público, de todos, portanto, que não deveria ser apropriado por uma entidade privada que tem "uma forma de estar", a qual, nessa medida, impõe aos demais e com (legítimos) fins últimos que não são os estéticos. Apresentam-se como tal, mas são económicos.

O problema (e aqui há um problema) não é da empresa, é das entidades camarárias que, sendo, repito, públicas deviam agir em conformidade. Porém, em tempos em que tudo se mistura e confunde, a senhora presidente "salientou o empenho da [tal empresa] na promoção de atividades culturais, a par da atividade comercial que desenvolve no concelho e que, ainda este ano, será reforçada com a inauguração do centro comercial".

A arte serve para tudo, menos para servir como fim a si própria. Isso já se sabe.

E, em sociedades pretensamente intelectuais, ela é, tenho de admitir, muito apetecível como objecto publicitário, tanto para convencer, como para comover e ainda para agradecer a quem no-la proporciona a custo zero: usa-se a que já existe ou, se for preciso, produz-se, e à medida.

A notícia em que me baseei pode encontrar-se aqui.

domingo, 9 de março de 2014

"A acessibilidade não se consegue pela via do populismo"

O texto que se segue tem tudo a ver com um outro que escrevi há quase dois anos (aqui).

Obras clássicas de música, dança, pintura e cinema têm sido usados para publicitar uma multiplicidade de produtos e serviços. A poesia nem tanto, mas talvez ela seja o futuro das marcas que pretendam passar uma imagem de beleza e subtileza, de arrojamento e sofisticação.

No anúncio que se pode ver aqui, encena-se o poema O fim, de Mário Sá-Carneiro. Nada há no minuto em que a leitura decorre e em que as imagens do cortejo fúnebre avançam que faça supor tratar-se de publicidade a uma empresa. Ela só aparece no fim, discretamente numa frase.

Percebe-se que o realizador sabe do seu ofício: deixa as pessoas desfrutarem o texto e a estética, como se essa fosse a única intenção. E, com toda a naturalidade, dela faz decorrer o objectivo final: levá-las a preferirem aquela marca que, por via do poema, se dá a entender que é diferente de todas as outras.

E foi, de facto, esse o impacto que percebi naquelas com quem falei a propósito: enfim, os meios não serão muito legítimos, mas fazem reviver a poesia, fazem-na sair dos livros...

Não encontrando melhores palavras do que as do maestro Daniel Barenboim, uso-as, adaptando-as ao caso (para fazer sentido: entre parênteses rectos o que se suprime, a azul o que se acrescenta):
"Este tipo de familiaridade é tudo menos benéfico para o estado da [música clássica] poesia nos nossos dias. Usar fragmentos de grandes [obras musicais] e instalá-los na cultura popular (ou na falta dela) não é solução para a crise da [música clássica] poesia. A acessibilidade não se consegue pela via do populismo; a acessibilidade consegue-se com um acréscimo do interesse, da curiosidade e do conhecimento (…). No caso da [música clássica] poesia, a educação é a rampa, ou o elevador, que a torna acessível. A concentração na [música] poesia é uma actividade que tem de começar muito cedo na vida para se desenvolver de forma orgânica."
Enquanto no campo da educação formal não se assumir a responsabilidade de levar o conhecimento fundamental a quem o não tem, a estratégia publicitária acima descrita e o tipo de argumentos que a justificam pode usado com todo o desplante por quem tem outros interesses que não o próprio conhecimento.
Maria Helena Damião

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Mais uma vez: Qual é o problema!?


Um dia destes realizou-se em Cascais uma grande conferência, não sei exactamente sobre quê, organizada por certa revista conceituada na área da economia e a que a comunicação social deu um enorme destaque.

Servia de pano de fundo à tribuna dos palestrantes um painel pejado de publicidade.

Entre os palestrantes esteve o primeiro ministro de Portugal e o ministro que ocupa um cargo logo a seguir, vários ministros e secretários de Estado; esteve também o líder do maior partido da oposição.

Estiveram, ainda, directores, chefes e várias outras tipos de representantes de empresas.

Se estes não destoavam à frente do tal painel, pois a publicidade faz parte do seu mundo; aqueles... bem... pura e simplesmente, não podiam estar ali! Isto foi o que eu disse de mim para comigo.

Os mais altos representantes do Governo de um país, seja ele qual for, e o (talvez) futuro Governo, não podem, em circunstância alguma, ser associados a qualquer produto, marca, interesse particular. A isenção e a sua evidência é uma regra absoluta, não há nem pode haver excepções.

Quem patrocina, já se sabe, muito legitimamente, tira ou procura tirar dividendos. Pode não ter sido o caso, não digo que foi, mas a simbologia é arrasadora: o poder político dando a cara, mas tendo na retaguarda o poder económico e dos negócios.

Presumo que este tipo de cenário se torne habitual, como já o é em escolas e universidade públicas, em museus públicos, etc., etc, etc e presumo também que muitas pessoas, caso leiam um texto como este perguntem: qual é o problema!?

Maria Helena Damião

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Qual é o problema!?

Desenho a que me refiro, encontrada na internet
Pelos anos noventa detive-me num desenho de Quino (do livro Sim... meu amor, datado de 1987) e nunca mais me esqueci dele, pelo disparate que retrata.

Numa cena tradicional, noivos caminham em direcção ao altar, mas na longa cauda do vestido dela e nas costas da casaca dele algo destoa: são os logótipos de marcas que subsidiam a boda.

Há dois ou três anos, em certa circunstância, falando-se entre colegas da publicidade cada vez mais presente nas escolas, incluindo nas universidades, a trocos de subsídios vários, justificados pela necessidade de auto-sustentação, lembrei-me desse desenho e, ironizando, disse que não tardaria sermos obrigados a usar logótipos no traje académico: eis-nos em provas e cerimónias oficiais qual outdoor andante!

A minha interlocutora, percebendo o disparate mas vislumbrando a possibilidade do cenário, perguntou-se se eu estava a falar a sério... Sendo ela uma pessoa inteligente, por breves segundos, hesitara em categorizar a minha piada como piada.

Deste modo percebi a real possibilidade do disparate: uma cena da banda desenhada podia ser transposta para a realidade e mesmo pessoas críticas já, de algum modo, a esperavam.

Em sequência procurei e, claro, encontrei: por exemplo, um pouco por todo o mundo, alunos com uniformes desta ou daquela marca, sobretudo de refrigerantes; em Portugal, estudantes do ensino superior com camisolas estampadas, sobretudo, com marcas de cerveja. Não vi paralelo em relação a professores, mas será passo que se segue.

Esta dissertação é a propósito de uma notícia publicada aquisobre a obrigação que agora recai sobre funcionários de museus, de vestirem roupa com publicidade:
"... por ordem da direção dos dois monumentos, que estão entre os mais visitados do país, os trabalhadores estarem "obrigados a fazer propaganda a [uma] cadeia de supermercados espanhola", a partir da próxima terça-feira. "É absolutamente inconcebível", desabafou João Neto, que questionou em seguida: "Por que é que o Governo não usa uma camisola com o emblema da 'troika' que é o seu mecenas?". Para este responsável, a situação no Mosteiro dos Jerónimos e na Torre de Belém "é bem explícita da política deste Governo relativamente à cultura", e considerou que "não se pode descer mais". De acordo com o sindicato, a medida será aplicada "contra a vontade" dos trabalhadores, "por lhes ter sido entregue, pela direção, uma farda, dita como de uso obrigatório, com o respetivo logotipo da cadeia aposto na frente". "A direção apenas informou que os fardamentos agora distribuídos foram oferecidos ao abrigo da lei do mecenato" (...). Para o sindicato, os trabalhadores circulam diariamente pelos monumentos no exercício das suas funções, acompanhando grupos de visitantes e excursões, e "vão fazer publicidade gratuitamente à cadeia em questão". A agência Lusa pediu uma reação à Secretaria de Estado da Cultura, que tutela os monumentos, sem obter resposta, até ao momento.
Bem pode João Neto, o presidente da Associação Portuguesa de Museus, indignar-se, que além de não conseguir mudar a decisão, decerto devidamente ponderada e formalizada, será olhado pela generalidade das pessoas como... estranho. Afinal, qual é o problema"? Há algum problema"?

domingo, 4 de março de 2012

Dependência independente ou independência dependente?

Há muitos anos um amigo meu, jovem à altura, foi destacado como magistrado para uma pequena cidade do interior. Ali chegado em época festiva, viu serem distribuídos, por empregados duma empresa bem identificada, cabazes a todos os que trabalhavam no tribunal, parecendo o seu tamanho ser pensado em função da importância do funcionário.

Estranhando o facto de também ter sido um "feliz contemplado", disse qualquer coisa do género: “Acabo de chegar, não conheço ainda ninguém, deve ser engano”. O empregado tentou argumentar que se tratava duma “tradição”, mas o meu amigo fez-se desentendido. No tempo em que ali esteve, que não foi muito, nunca mais ninguém tentou oferecer-lhe nada.

Quando ele contou isto, achou-se que o seu comportamento tinha sido obviamente correcto, que, de forma alguma, podia ter sido outro: um magistrado, no exercício das suas funções, não pode ou, melhor, não deve receber o que quer que seja de pessoas individuais ou colectivas sob pena de a sua independência deixar de ser o que era, ou de deixar de parecer o que deve, acima de tudo, ser: independente.

A independência, com todas as limitações humanas não controláveis que possa ter (e tem-nas), constitui um valor fundamental da magistratura, do ensino, da medicina, do jornalismo e doutras profissões cuja essência é pugnar pela igualdade de tratamento daqueles que servem. E, tal como a mulher de César, não basta sê-lo, tem também de parecê-lo. São, pois, duas condições que podem ser tratadas isoladamente, mas que não deixam de se associar.

Isto vem a propósito de um certo congresso dos magistrados do nosso Ministério Público que teve lugar por estes dias e que foi patrocinado por empresas de diversa natureza. Tal como em concursos de televisão recentes em que cantores, actores, compositores, etc. têm de dizer entusiasticamente a marca dos fatos e dos sapatos que usam, ao mesmo tempo que mostram a peça, também um magistrado leu, da tribuna, o nome de todas as empresas envolvidas. Reparei que pediu agradecimento, como nesses tais concursos.

Questionados por jornalistas, os magistrados que foram entrevistados falaram assertivamente a uma só voz: nada há de duvidoso, de estranho ou de menos digno em terem recebido apoios privados e, de maneira nenhuma, a independência e a dignidade da instituição que representam ficaram em causa. Com as verbas reunidas foi até possível doar vinte por cento de uma certa verba para uma certa instituição. Foi este pormenor que se convocou para "salvar a honra do convento".



quarta-feira, 10 de agosto de 2011

"Na Minha Aldeia, Cerveja a Copo"



Encontrei a notícia aqui: achou-se na Cinemateca Nacional um pequeno filme publicitário dos anos sessenta protagonizado por Raul Solnado destinado a promover o consumo de cerveja.

Publicidade à parte, o filme tem um carácter didáctico: explica, sob o ponto de vista da Química, o segredo de uma cerveja bem tirada.

Também é interessante sob o ponto de vista dos modelos sociais: qualquer semelhança entre este filme e os spots publicitários actuais destinados ao mesmo fim são, como se percebe, mera coincidência.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

No Dia Mundial da Criança - 1

Para festejar o Dia Mundial da Criança, muitas ou todas as escolas portuguesas do ensino básico associaram-se a empresas da mais variada amplitude e natureza. Desde empresas internacionais a empresas locais; desde empresas públicas a empresas privadas...

As empresas, deram suporte logístico às festas: espaços, técnicos, equipamentos, prendas...

Tudo devidamente identificado com os símbolos que lhes dão identidade no mercado... A sua filantropia não se confunde com discrição. Nem tem de se confundir. A lógica das empresas é, toda a gente sabe, tornarem-se conhecidas, darem uma boa imagem de si, fazerem com que os seus produtos sejam desejados... Até se inventou uma palavra para isso: "marketing".

Se as escolas estabeleceram ligações com a comunidade próxima - como se recomenda sistematicamente nos documentos curriculares -, se as crianças se divertiram - como toda a gente acha que está bem que aconteça em ambiente de educação formal -, se tiveram direito a balões - o que dá sempre um toque de cor e de alegria -, o que é que aqui pode incomodar?

O que pode incomodar algumas pessoas (não, não serão muitas) nesta associação escola-empresas (noto: para um fim aparentemente legítimo) é o facto de a Escola, como instituição, pela sua especificidade, não se reger (ou não se dever reger) pela lógica empresarial. Mais: de neste caso particular, estar ao serviço de empresas, parecendo, até, que são estas que estão ao serviço dela.

Num dia dedicado à infância e aos direitos que lhes estão consagrados, as empresas (mais uma vez) puderam entrar nas escolas, ou andar de mão dadas com elas, tendo acesso a milhares e milhares de potenciais e apetecíveis clientes.

No Dia Mundial da Criança, pelo menos nesse dia, as crianças não deviam ser usadas e manipuladas. E foram-no.

Nota: Tendo o leitor curiosidade de perceber a extensão do "fenómeno" que referi, bastará fazer uma consulta na Internet, não terá a menor dificuldade em encontrar inúmeros exemplos.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Estranhas relações?

Recebo na caixa de correio electrónico da instituição pública a que pertenço, e que me paga o salário, uma informação (ou será publicidade?) que me deixa atónita. Passo a explicar...

Uma certa federação nacional da minha área profissional (que, confesso, nem sabia que existia) informa-me que se tornou parceira de um grupo privado de saúde. Ou teria sido o contrário? Não é que isso faça grande diferença...

Informa-me também que pertenço a uma "nobre classe". Pertenço!? Como tal nunca antes se tinha passado pela minha cabeça, surge-me numa pergunta: uma "nobre classe" (presumo que "profissional" e não "social") em comparação com outras?

Como calha estarmos entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio, surge-me outra questão: não são, ou devem ser, as "classes" iguais, em termos de acesso a cuidados de saúde!?

Parece que não... pois, se assim fosse, que sentido teria destacar-se que pertenço a uma "nobre" classe!? Deve ser porque há outras classes "não nobres" com direitos diferentes...

Adiante... Passo ao que se me propõe, e que é o seguinte: "dispor de todos os serviços" prestados em duas clínicas a preços reduzidos. Esses serviços são de medicina (em variados ramos), de psicologia clínica, de estética (em todos os aspectos que se possa imaginar para não deixar envergonhada a "nobre classe") e, claro, estando na moda, de medicina tradicional (em variantes que eu desconhecia). A benesse estende-se aos meus familiares directos.

Depois do elogio e da panóplia de atenções de que sou alvo, confesso que me sinto um pouco mal ao escrever a frase que se segue e que corresponde ao que me atormenta: não se esboçará no que acima disse uma relação estranha entre uma certa federação profissional e uma certa empresa privada?

Nota: Propositadamente, não identifico nem a Federação nem a Empresa pois entendo que isso constituiria publicidade a ambas o que, por certos, elas dispensarão.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Depois dos Deuses e de Deus… naturalmente,o hipermercado.

Neste época de Natal, surgiu um anúncio publicitário curiosíssimo duma cadeia de lojas de hipermercado. Descrevo-o aqui segundo a recordação com que dele fiquei.

Uma "voz" interroga um(a) consumidor(a) anónimo(a), sobre o seu comportamento durante o ano. Com um olhar entre o incrédulo e o desorientado, este(a) move-se em redor à procura de quem pergunta. Prontamente vários sujeitos com aspecto humano surgem (do nada?) e o(a) consumidor(a) anónimo(a), confessa, prontamente, que cometeu um pecadilho.

Por sua vez, os sujeitos com aspecto humano (que se assemelham a júris de concursos televisivos, mas com aspecto mais austero), complacentes, listam boas acções do(a) consumidor(a) que superam o pecadilho quotidiano, concedem-lhe uma auréola, que o(a) faz transcender a condição humana, e permitem-lhes… comprar.

Comprar: eis o prémio de quem denuncia o Mal e faz o Bem! A alegria das alegrias!

Como ocidentais, penso que não podemos deixar de estabelecer um paralelismo entre estes sujeito(s) com aspecto humano e os deuses gregos olhando, lá de cima, do Olimpo para os mortais, cá em baixo, ora escarnecendo, ora cuidando, ora esperando o momento de intervir. Ou com o Deus dos Católicos, olhando também lá de cima, do Céu, para os que foram feitos à Sua Imagem, mas que, cá por baixo, desenvolveram a tendência para se desviarem da orientação divina.

Enquanto numa lógica teísta o nosso comportamento é hetero e auto-regulado para ascender à Eterna Felicidade, que há-de surgir num futuro mais ou menos distante, mas incerto; numa lógica publicitária, o nosso comportamento é directamente regulado por alguém desconhecido que, num instante, sem delongas e com toda a certeza, permite-nos ter o que (mais) desejamos.

A dúvida não pode, pois, deixar de se instalar em qualquer um: não valerá mais ter paraísos terrenos, concretos, de acesso imediato, do que paraísos celestes contingentes e adiados? Na dúvida, é de aproveitar os que temos, tão à nossa mão, num hipermercado perto de nós.

sábado, 6 de novembro de 2010

Ecologista sem ser extremista!?

O leitor Manuel Rocha, em comentário a texto anterior, fez notar a aceitação que o programa da RTP 2 Desafio Verde, tem nas escolas portuguesas. Tal como o poeta, “fui ver”...

Não foi preciso navegar muito na internet para confirmar essa aceitação e outras ligações deste programa do canal público de televisão a diversas instâncias do sistema educativo. Então:

1. Existe um projecto recente que se designa Passatempo Desafio Verde nas Escolas;
2. Direcções Regionais de Educação, acolhem-no nas suas páginas;
3. O mesmo acontece com o Portal das Escolas (onde consta o logótipo da Comunidade Europeia, do Ministério da Educação e do QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional);
4. Escolas integram também a referência a esse Passatempo na sua página.

Todas estas instâncias podem ter presença no Facebook e num blogue.

Detenhamo-nos no "desafio feito às escolas do primeiro e segundo ciclos do Ensino Básico" (não esquecendo que o objecto de atenção são crianças de seis a onze anos), em cujo anúncio se podem perceber várias coisas inquietantes:

- o desafio é feito aos alunos, não se fazendo qualquer referência aos professores. A mensagem do professores-perfeitamente-dispensáveis é reforçada junto dos pequenos aprendizes;

- o desafio consiste, por exemplo, em "aplicar lâmpadas economizadoras em toda a escola", "criar uma horta de produtos biológicos para a cantinar". Como se percebe, não são propriamente iniciativas que crianças tão pequenas (nem maiores que fossem) possam levar a cabo sozinhas em contexto escolar (nem noutro que fosse), porém, dá-se-lhes essa ilusão;

- como também se lhes dá a ilusão de que "tudo depende da sua imaginação", ou seja, que mudar alguma coisa na escola depende apenas e só de como "pedalam" nessa imaginação, sem que existam, claro está, quaisquer constrangimentos externos. É a conhecida lógica do a-criança-quer-a-criança-pode;

- a concretização do desafio implica necessariamente que as crianças façam filmagem dos vários passos do projecto "desde a discussão de ideias até à sua implementação", dando-se-lhes a ideia, ética e legalmente errada, de que podem registar em suporte digital tudo e mais alguma coisa. Elas não saberão, mas os adultos que redigiram o anúncio em questão têm obrigação de saber quais são, nos termos da Constituição da República Portuguesa (art.º 35.º) e da Lei da Protecção de Dados Pessoais, as restrições ao registo em vídeo de imagens de pessoas, sobretudo quando se trata de menores de idade. Também têm obrigação de saber que existem restrições apertadas na recolha de dados em contexto escolar, legitimada pelo Despacho n.º 15 847/2007, de 23 de Julho (Diário da República, 2.ª série, n.º 140), que não dispensa um pedido formal ao próprio Ministério da Educação.

Mas há mais: a própria expressão “passatempo”, tendo sentido em contextos informais, mas perde o sentido em contexto escolar, que é um contexto de aprendizagens formais, de trabalho. Não se devem levar as crianças a confundir as actividades que têm lugar nestes dois tipos de contextos.

Além desta confusão, caso as crianças, sensibilizadas pelo apelo ao “passatempo” assistam ao programa de televisão a que me referi, que se afirma como "ecologista sem ser extremista", provavelmente aprendem que:

- qualquer um pode ser (eco)criminoso;
- descobrir (eco)criminosos está ao nosso alcance, decorrendo daí o dever de denunciá-los, desmascará-los e mostrá-los;
- a justiça "em praça pública", dispensando o tribunal, permite a declaração inquívoca de culpabilidade, devendo "os réus" resignar-se ao silêncio e acatar admoestações;
- se podem tratar pessoas de modo inquisitorial e insolente, mesmo as mais velhas.

De tudo o que li fiquei (mais uma vez) com a forte impressão de que nas sociedades contemporâneas tudo se mistura e confunde. O sistema educativo e as escolas em concreto, na ânsia de serem modernas, de não se fecharem sobre si, de não se situarem à margem da realidade dos alunos, de responderem a solicitações externas, trazem para o campo do ensino e da aprendizagem formal as mais diversas propostas. Não discriminando, não seleccionando, tudo deixam passar, tudo aceitam e, mais do que isso, aplaudem, acriticamente...

Neste passo devemos perguntar, como faria Hannah Arendt ou como faz Fernando Savater: o que aprendem sobre ecologia as crianças se postas a trabalhar sózinhas ou umas com as outras? E que valores "ocultos" reforçaram?

Estranhos tempos em que tanto se afirma a reflexão e em que tanto ela falha, precisamente nos locais - neste caso, sistema educativo e escola - onde devia estar sempre presente.

terça-feira, 9 de março de 2010

ANUNCIANDO A CORRIDA AO ESPAÇO


No "New York Times" de hoje (secção de ciência) Dennis Overbye publicita um livro a sair em Maio com cartazes e anúncios espaciais do tempo da guerra fria. Uma amostra está em cima. Ler mais aqui.

“Another Science Fiction: Advertising the Space Race 1957-1962.” It is being published on May 25 by Blast Books.

O link no título do livro é para um artigo sobre a corrida ao espaço de John Noble Wilford, um jornalista que cobriu o programa Apollo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

15 dias a comer iogurtes

Não passa pela cabeça de ninguém que todas a músicas sejam boas, só pelo simples facto de serem músicas. Mas, por alguma razão, há uma convicção subliminar difusa de que todos "estudos científicos" são iguais. E todos bons. Há uma razão para isso, que é o sistema de revisão pelos pares. Ou seja, um conjunto de investigadores escreve um artigo em que descreve um trabalho e respectivas conclusões. Este artigo é lido por outros cientistas, que podem sugerir alterações ou esclarecimentos adicionais e que propõem ou não a sua publicação. O editor, com base nas opiniões dos vários revisores, decide ou não publicar o artigo. É um sistema que tem provado os seus méritos, um pouco como a democracia (é o pior sistema, à excepção de todos os outros). É inegável que o conhecimento tem avançado com este sistema, havendo evidentemente alguns problemas. Pode-se dizer que funciona tão bem como a qualidade dos seus intervenientes, tal como a democracia. Por isso, nem todos os artigos (ou "estudos") são iguais. Há estudos melhores que outros. Uns são publicados em revistas mais prestigiadas e rigorosas (nem sempre a relação entre as duas é linear) que outros. E o sistema de revisão não é à prova de falhas. Os resultados podem ser sempre de algum modo "penteados" pelos investigadores sem que os revisores (que não repetem as experiências) dêem por isso. Ou mesmo falseados. Portanto, se cientistas sérios escreverem artigos que são revistos por revisores empenhados e publicados por editores responsáveis, temos um estudo credível (e revistas que publicam frequentemente estudos assim são tendencialmente mais lidas e têm um maior impacto). Tendo em conta que todos os intervenientes são seres humanos, é evidente que isto nem sempre funciona bem. Ou seja, há trabalhos com erros metodológicos graves e conclusões abusivas ou erradas, que podem perfeitamente ser publicados. Claro que, se for um assunto relevante, em que trabalhem vários grupos independentes, há uma tendência natural para as coisas serem esclarecidas. E esta penso que é uma das grandes virtudes da ciência: o auto-escrutínio da comunidade científica.

Quando se recorrem aos "estudos" nos meios de comunicação o problema é mais grave. Por vezes nem sequer há a necessidade de explicitar de que "estudos" é que estamos a falar, bastando a sua evocação vaga. Mais frequentemente não há referências aos métodos utilizados (se estamos a falar de uma amostra estatisticamente significativa, se foi feito um controlo negativo, etc.), se o estudo está de acordo com a restante literatura (ou se é um forasteiro e nesse caso, porquê?), se há uma revisão sobre o tema (e como esse trabalho se enquadra), ou uma perspectiva crítica de outros cientistas. Compreendo que (por experiência própria, já fui jornalista de ciência no Público por três meses) nem sempre isto é compatível com os tempos de produção noticiosa. Em qualquer dos casos julgo que os jornalistas deveriam optar por uma escrita defensiva, atribuindo as afirmações aos seus autores (e não assumindo-as como "certas"), mantendo uma certa sobriedade. O deslumbramento com "coisas giras" é o motor para a amplificação do disparate. E nada disto é inocente: as máquinas de marketing das companhias farmacêuticas e indústria de suplementos alimentares sabem muito bem como uma perspectiva "que interessa às pessoas" pode muito bem disfarçar a falta de solidez dos estudos e de consenso científico acerca de questões de interesse comercial (como iogurtes com pro-bióticos).

Isto a propósito de um artigo publicado no Público de hoje. O jornalista viajou a convite da Danone até Paris para ser bombardeado com propaganda acerca dos iogurtes que contém suplementos para regularizar o "trânsito intestinal". O facto de ter ido não tem nada de mal (eu teria ido também, se tivesse o tempo e a oportunidade!). A sua ida não implica nenhum compromisso quanto ao conteúdo ou mesmo publicação de um artigo sobre o assunto (a decisão de publicar até nem é do jornalista).

Lendo o texto todo, reconheço que há um algum esforço de fazer um trabalho jornalístico algo distanciado do folheto de publicidade da Danone (ouvindo outras partes), mas transpira vários equívocos e incoerências. Escolhi alguns para comentar:
"20 anos de história e artigos científicos que credibilizam a publicidade"
Mais à frente no próprio artigo é possível ler que "os estudos actuais mostram alguma falta de consenso (...)". E, quanto à história, não credibiliza nada. A homeopatia tem mais de 150 anos e isso não faz com que tenha uma acção fisiológica real. A mitologia propaga-se muito bem pelo tempo.
"Um iogurte com milhões de bactérias especiais que o P2 resolveu testar."
(....) Foi o médico que deu a prescrição certa ao P2, referindo que estava comprovado que os resultados do Activia eram sentidos após a primeira semana, mas que só ao fim de 15 dias de consumo diário de um iogurte por dia é que as bactérias funcionavam a valer."
Portanto, tudo isto configuraria um ensaio clínico, com uma amostra de um (ou dois?), com as conclusões tiradas previamente. Nicolau Ferreira escreve à frente (e bem) que é um estudo muito pouco científico. Então para quê todo este "embrulho"?
"Assim, se alguém nos perguntar se o Activia resulta, responderemos com um encolher dos ombros pouco científico: "Durante estes 15 dias não, mas também não tivemos uma dieta especialmente butirogénica [rica nas tais fibras que são o alimento das bactérias]." O iogurte, no entanto, come-se bem."
A percepção dos jornalistas se o Activia "resulta" não seria nunca prova se resulta ou não (aliás, depois de toda a doutrinação a que foi sujeito pela Danone, o estranho é que não conclua pelos extremos benefícios do iogurte). Por exemplo, eu até acredito que a Bárbara Guimarães esteja plenamente convencida de que o creme anti-rugas que anuncia na televisão funcione lindamente. Mas isso não é uma demonstração da sua acção. E o simples facto de a Bárbara Guimarães pensar que funciona possivelmente é o suficiente para induzir nas suas (mencionadas) amigas a mesma convicção. E, nos espectadores do anúncio, espera a empresa que o vende. E o facto de pensarmos que temos menos rugas se usarmos um creme hidratante mais caro,possivelmente até tem um efeito positivo no nosso bem estar e valerá o dinheiro (para quem o possa pagar). Mas isso não significa que tenha uma acção fisiológica melhor do que um outro creme hidratante mais barato.

O que está aqui em causa é a convicção veiculada pelo marketing, de que podemos ter todos vidas miseráveis (sem tempos livres, actividades de lazer ao ar livre, prática desportiva ou uma alimentação equilibrada), mas que de algum modo vamos ser todos felizes se tomarmos uns comprimidos ou ingerirmos alimentos com certos suplementos.

Para terminar, tenho curiosidade sobre estas indicações da Associação Portuguesa de Nutricionistas (APN), transcritas no artigo:
"Alguns dos efeitos benéficos das bactérias como a Lactobacillus e a Bifidobacterium - o género a que pertence a espécie da bactéria do Activia - são, segundo a APN, "a melhoria da flora intestinal (...), a diminuição de diarreias, gases e obstipação, o reforço das defesas do organismo, a prevenção de alergias e facilitarem o processo digestivo".
Que defesas naturais do organismo estamos a falar? Glóbulos brancos? Anti-corpos? Coagulação mais rápida?

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Comerciais divertidos e... tecnológicos.

Intel inside: imagine the possibilities


What we mean by a star at Intel


Team Work at Intel


Co-worker at Intel


Sony robot


:-)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O dever de formar com ou contra a sociedade?

Sétima sessão do ciclo O dever de educar, no próximo dia 27 de Janeiro, pelas 18h15, na Livraria Minerva Coimbra.

No presente, aceita-se como verdadeira a ideia de que a educação escolar deve seguir os desígnios da sociedade circundante, os seus anseios e necessidades e acompanhar a sua evolução. Desta maneira, alega-se, preparam-se-ão os mais jovens para essa mesma sociedade. Poderá ter esta ideia discussão?

É convidado Carlos de Sousa Reis, professor do Instituto Politécnico da Guarda, investigador na área da filosofia da educação, que conhece como poucos os valores que norteiam (parte d)a nossa sociedade, uma vez que se tem dedicado à sua identificação e análise. De entre os trabalhos de referência que publicou sobre o assunto, fazemos referência ao seguinte: O Valor (Des)educativo da Publicidade.

Local: Livraria Minerva (Rua de Macau, n.º 52 - Bairro Norton de Matos), em Coimbra

Próxima sessão: 10 de Fevereiro.

As sessões deste ciclo são quinzenais e estão abertas ao público.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

La Fura, política e os fazedores de mitos



Desde o primeiro espectáculo em Lisboa que acompanho o fantástico grupo catalão La Fura dels Baus, que esteve este mês em Portugal com o Naumon. Todos os espectáculos dos La Fura contêm uma mensagem ou uma crítica, por vezes muito apropriada como no caso de um dos espectáculos de que mais gostei, o «OBS» que vi no Passeio Marítimo de Algés em 2001. O Obsesiones del ser humano é uma crítica à sociedade contemporânea do espectáculo, onde a substância da mensagem não interessa mas sim o espectáculo em que é travestida e transmitida. O OBS compara a sociedade actual imbecilizada pela televisão com as sociedades medievais. O enredo sugere que embora os tempos tenham mudado, a barbárie mantém-se, agora mantida não com golpes de espada mas sim golpes de concursos televisivos e propaganda publicitária.

Não consegui ver o espectáculo XXX mas segui a celeuma que criou um pouco por todo o mundo - na Alemanha, por exemplo, o espectáculo foi cancelado por pressão de grupos cristãos. O espectáculo foi inspirado n'«A filosofia de Alcova», a obra do Marquês de Sade que o grupo escolheu para representar a sexualidade do Século XXI:

«Muito antes do nascimento da psicanálise, já a obra de Sade iluminava as orientações mais ocultas do subconsciente humano e libertava-as de toda a prisão moral».

Mark Borkowski, descrito pelo acérbico Jeremy Paxton como «o maior publicitário que conheço», foi o relações públicas escolhido pelos La Fura para divulgar o XXX em Inglaterra. Assim, quando descobri na Amazon que sairia em Agosto o seu livro «The Fame Formula: How Hollywood's Fixers, Fakers and Star Makers Shaped the Publicity Industry», o cartão de visita dos La Fura e o título do livro despertaram a minha curiosidade e resolvi encomendá-lo.

O livro revelou-se inesperadamente uma leitura fascinante. Escrito num estilo leve com laivos de humor tipicamente britânico (algumas partes recordaram-me Tom Sharpe) o autor, que de facto domina a cena publicitária, pelo menos em Inglaterra, conta-nos com alguns detalhes picarescos a história da indústria das relações públicas. Borkowski começa por explicar como os publicitários moldaram a mundo do espectáculo - e por arrasto todo o mundo - desde o vaudeville do século XIX e continua pelos primórdios do cinema mudo até à mega indústria actual.

Mas o livro realmente surpreendente foi o que comprei simultaneamente por sugestão da Amazon, «Alpha Dogs: How Spin Became a Global Business» de James Harding, editor do Times - curiosamente analisados em conjunto pelo Guardian -, que conta basicamente a mesma história mas agora no mundo da política.

No livro figura proeminentemente a Sawyer Miller, inicialmente a D. H. Sawyer & Associates criada por David Sawyer, um aristocrata idealista da Nova Inglaterra. A alteração de nome deu-se devido a Scott Miller, actualmente presidente e fundador do Corey Strategy Group. Como refere logo na introdução o autor:
«This is the story of three drop-outs who changed the world’s politics. They didn’t mean to do it. One had hoped to be an actor; one dreamed of playing American football; the third was a disenchanted spy. They stumbled into the election business because it paid well, because it seemed meaningful, because it was more fun than real work. They had a knack for television, the new medium of politics.»
A Sawyer Miller esteve nos bastidores de todas as campanhas presidenciais norte-americanas desde a eleição de Richard Nixon e rapidamente alargou globalmente os seus serviços. Por exemplo, foi a Sawyer Miller que desenhou a campanha eleitoral de Cory Aquino nas Filipinas. O consultor que acompanhava a caravana da candidata (Mark Malloch Brown, um antigo jornalista que é hoje ministro do governo inglês) viajava no chão do autocarro para que a sua presença não fosse detectada por potenciais eleitores e jornalistas. Mas a Sawyer Miller supervisionou campanhas eleitorais um pouco por todo mundo, na Venezuela, Chile, Panamá, Colômbia, Rússia, Coreia do Sul, Ucrânia, Israel, Perú, etc., como escreve Harding na introdução:
«The men from the Sawyer Miller Group helped Cory Aquino to lead the People Power revolution in the Philippines and advised democrats in Chile on the removal of General Pinochet; they led their clients to victory in Bolivia, Colombia, and Ecuador, as well as to defeat in Greece and Peru; they worked pro bono for Tibet’s Dalai Lama, and they got paid in sweaty bundles of hundred-dollar bills in Nigeria»
E a revelação mais espantosa foi de facto saber que um executivo da Sawyer Miller, que era budista, ofereceu os seus serviços ao Dalai Lama e é o responsável pela sua transformação numa super-estrela a nível global, lançando as bases ao mesmo tempo para a transformação de uma realidade medieval sob domínio teocrático na fantasia romântica de um Tibete que nunca existiu mas que tantos inflamou em vésperas dos Jogos Olímpicos.

De facto, até à sua reincorporação na China, o Tibete não era mais que uma sociedade absolutamente feudal, com uma nobreza minoritária, um clero todo-poderoso e um povo escravizado pelo poder dos mosteiros - mais de 95% da população tibetana era constituída por servos e escravos sem terra e sem liberdade pessoal. O livro «Friendly Feudalism: The Tibet Myth» do historiador e cientista político Michael Parenti é uma leitura que permite de facto avaliar o poder destes «cães alfa» na lavagem da memória colectiva e na criação de mitos sem a mais remota semelhança com a realidade.

Os primeiros rapazes nos bastidores da Sawyer Mills eram idealistas que ajudaram a derrubar ditadores um pouco por todo o mundo. Estes pioneiros spin doctors políticos acreditavam que o poder dos mass media seria benéfico para a política e para a democracia mas, como refere Harding, acreditavam igualmente que a televisão seria o caminho para uma «democracia rejuvenescida, mais verdadeira e mais saudável». E será que num mundo em que, por exemplo, os Tories vão pagar ao spin doctor mais do dobro do que pagam ao seu líder político, ainda há política ou existirão apenas obsessões fureras?

domingo, 8 de junho de 2008

Publicidade de “boas maneiras”


No meu dia, Dia da Criança, gostava que me levassem ao [nome de um centro comercial] para ver o espectáculo musical [designação do grupo musical].
Um beijinho,
[espaço para a criança escrever o seu nome]



Estas são as palavras de um bilhete com design agradável que me chegou às mãos, via escola, pouco tempo antes de 1 de Junho.

A estratégia que aqui está subjacente não é nova, já a descobri há alguns anos, mas parece-me que tem vindo a ganhar terreno e a tornar-se comum.

Refiro-me, muito concretamente, a certas ligações que empresas e marcas estabelecem com escolas: financiam projectos, obras, materiais, ou, simplesmente, propõem-se ilustrar, apoiar a leccionação de temáticas curriculares nas mais diversas áreas como a saúde, a cidadania, a cultura...

Sem ter feito qualquer investigação para perceber em profundidade as características e extensão de tais ligações, baseando-me apenas e só na constatação que o quotidiano permite, darei exemplos, que fui guardando, daquilo que refiro.

- Escolas do Ensino Básico promovem um concurso de desenho. O vencedor vê o trabalho impresso em sacos de supermercado com o seu nome e da instituição a que pertence.
- Uma escola decide transformar um dos seus ginásios em anfiteatro. As obras são patrocinadas por um Banco a troco da afixação de um enorme cartaz publicitário na parede mais exposta aos olhares de quem passa;
- Escolas implementam o cartão electrónico para controlo de entradas e saídas e de outros passos dos alunos com o apoio de fábricas da região. O logótipo dessas fábricas consta, naturalmente, nos ditos cartões.
- Escolas do 1.º ciclo do Ensino Básico recebem um escritor. Num cartaz, onde se destaca a editora, solicita-se aos meninos que comprem um livro.
- Jardins-de-Infância levam as crianças a um certo centro comercial, onde alunos de medicina ou enfermagem simulam uma consulta aos bonecos que os petizes levam e explicam os riscos de apanhar Sol. Trazem para casa amostras de um certo protector solar.
- Escolas do 1.º ciclo do Ensino Básico deixam entrar profissionais da saúde para elucidar as vantagens da higiene bocal. Trazem para casa amostras de pasta de dentes, elixir, e uma escova de uma certa marca.

Poderia dar outros exemplos, mas penso que estes são suficientes para tecer algumas considerações.

Em todos os casos, a coberto de um bem intencionado e abnegado apoio à educação, que vai ao encontro ao desenvolvimento da criatividade e à promoção da leitura, da segurança e bem-estar dos alunos, além de complementar o trabalho de educadores e professores, a publicidade infiltra-se num terreno fácil e fértil na obtenção de resultados em seu próprio proveito, à revelia das regras que, no geral, lhe são imposta por lei.

Por outro lado, as orientações da tutela para a educação vão no sentido de se estabelecerem ligações entre a escola e o meio envolvente, de se sensibilizarem as crianças e os jovens para os problemas do quotidiano, e para se envolverem em situações concretas, pressupondo-se que, assim, o seu interesse pelas aprendizagens aumenta e estas se tornam mais significativas.

Além disso, não tenho dado conta de que os pais ou encarregados de educação se queixem. Pelo contrário, o que ouvi foram elogios às práticas que descrevi.

Parece, então, estar tudo certo.
Mas não está, está tudo errado.

Sob o ponto de vista da publicidade, as crianças e os jovens são um público apetecível: além de ficarem a conhecer empresas e marcas, de que serão potenciais clientes durante os longos anos de vida que terão pela frente, levam para casa um conhecimento paralelo ao escolar e, portanto, com o mesmo peso ou um peso maior. Isto, claro, sem falar na persuasão que este público exerce sobre os adultos para comprar isto e aquilo, ou isto em vez daquilo.

Mas não é às empresas e marcas que se deve imputar, em primeiro plano, a responsabilidade da situação de que falo, mas sim às escolas.

A lógica das primeiras é sabida: imporem-se no mercado e terem lucros. Por isso, a publicidade a que recorrem foi, é e será interesseira. Sempre poderemos alegar que os meios não justificam os fins, mas não iremos longe com este argumento.

Já as escolas deveriam fazer jus ao que uma certa retórica indica: serem centros de aprendizagem crítica. Ou seja, o que se ensina, deveria ensinar-se livremente sem amarras políticas, religiosas ou… económicas. Logo, não tem sentido que a publicidade, pela sua própria natureza sectária, lá entre. E, no entanto, pelo que percebo, ganha cada vez mais espaço nos manuais escolares, nos muros das escolas, nos materiais escolares, nos projectos em que os alunos se envolvem.

Paradoxalmente, isto acontece ao mesmo tempo que circulam no sistema de ensino diversos programas de educação para o consumo consciente e para a gestão do pecúlio, que têm, geralmente, lugar na área curricular não disciplinar que se designa por Formação Cívica.

Vejo, ainda, um outro problema na intrusão a que me refiro: quando, empresas e marcas entram na escola e contactam directamente com crianças e jovens estão em vantagem, por exemplo, em relação a investigadores. Estes, para realizarem os seus estudos em ambiente escolar público com alunos menores, têm de submeter os seus pedidos e obter autorizações por escrito das seguintes entidades e pessoas: (1) Comissão Nacional de Protecção de Dados; (2) Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular; (3) Agrupamento de Escolas ou Escola; (4) Professores (caso se justifique); e (5) Pais/encarregados de educação.

Devo, a terminar, esclarecer que não defendo uma escola fechada sobre si própria, mas a abertura ao mundo que a cerca tem de ser criteriosa: a porta não pode estar franqueada a tudo e a todos; por sua vez, os alunos, nessa qualidade, não podem ser conduzidos a qualquer lado.

Imagem retirada de:
http://farm3.static.flickr.com/2345/2384287748_3019ce575d.jpg

sábado, 12 de abril de 2008

O valor (des)educativo da publicidade


Vale a pena ler

Título: O Valor (Des)Educativo da Publicidade
Autor: Carlos Francisco de Sousa Reis
Edição: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2007

Carlos de Sousa Reis é um filósofo de formação que tem por profissão o ensino numa área, tão mal amada hoje em dia, que é a Teoria da Educação.

Quando decidiu fazer Mestrado, escolheu as Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e foi nesse âmbito académico que conjecturou e desenvolveu uma interessantíssima dissertação que originou o livro acima referido.

Nele apresenta uma análise exaustiva que fez da publicidade televisiva, a qual lhe permitiu desmontar de modo consistente factores cognitivos, afectivos e sociais bem como a realidade cultural e económica em que se organizam os media na actualidade.

Esta investigação é sustentada por uma exploração teórica que Carlos de Sousa Reis enfrenta com grande segurança e à qual imprime grande solidez no plano dos fundamentos. Dessa exploração, apesar de abrangente, não ficam pontas soltas, na medida em que dela derivam sínteses claras, esclarecedoras das posições heurísticas que o autor adopta.

Ao contrário do que é costume, nesta obra não se evitam ou desvalorizam problemas que, devido a tendências de um tempo dominado por um certo pragmatismo tecnicista, parecendo banais são essenciais; antes se enfrentam e examinam ao detalhe, segundo uma lógica de reflexão exímia. É precisamente nesta atitude teórico-empírica que radica a possibilidade da solução desses problemas.

Para melhor apresentar o conteúdo do livro em destaque, em boa hora vindo a lume, aqui deixo, ao leitor, as palavras do autor que são, afinal, as mais fiéis:

“Neste trabalho discutimos a forma como a sociedade tem sido moldada pela natureza dos media e pelo seu conteúdo. Em particular, reflectimos sobre as consequências do advento dos media electrónicos, que trouxeram a chamada cultura mosaico, em grande medida oposta à tradição erudita e escolar. Perante as transformações já induzidas pelos mass media e as outras que se adivinham, cada vez mais, os educadores se preocupam com a preparação para o novo ambiente mediático e tentam encontrar modos de formar usuários activos e críticos.
Em particular, a preocupação a respeito do poder da publicidade é crescente, pois atribui-se-lhe uma grande responsabilidade na indução de hábitos e atitudes deploráveis, a par da manipulação de valores. Tudo parece justificar hoje uma analítica que esclareça o valor deseducativo da publicidade e foi este o propósito que motivou o presente trabalho.
Se a publicidade começa por valer-se de um conhecimento derivado da prática, logo descobriu a grande vantagem de funcionalizar os avanços das ciências humanas e sociais para se servir deles com vista a alcançar os seus propósitos de indução do consumismo. De modo específico, apresentam-se as aplicações publicitárias derivadas do behaviorismo, do gestaltismo, da psicanálise e do motivacionismo, bem como, das teorias dos traços da personalidade, dos mecanismos das mensagens subliminares, das derivadas das teorias da mudança de atitudes e, ainda, da publicidade fundada na analítica dos estilos de vida.”

O FENÓMENO DA CONSCIÊNCIA É COMO O DA EXISTÊNCIA DO UNIVERSO - DAVID LODGE

Faleceu David Lodge, o polifacetado escritor britânico que manteve na ficção uma ironia finíssima e absolutamente corrosiva. A diversidade h...