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segunda-feira, 23 de julho de 2012

PRÓS E CONTRAS A PROPÓSITO DO BOSÃO DE HIGGS

Para quem não viu na altura, o programa Prós e Contras da RTP1 que teve como tema a descoberta do bosão de Higgs, está disponível aqui. (1.ª parte) e aqui (2.ª parte). Participaram físicos (João varela, Gaspar Barreira e Carlos Fiolhais), filósofos (Olga Pombo) e teólogos (Bruno Nobre, também físico, e Afredo Dinis, também filósofo).

quarta-feira, 30 de maio de 2012

ENTREVISTA DE CARLOS FIOLHAIS SOBRE COIMBRA

Transcrevo, ligeiramente encurtada, uma entrevista que dei a 24 de Março de 2011, na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a Nádia Costa, estudante de Design Gráfico que acaba de concluir o seu Mestrado com um belo livro sobre Coimbra:

 P- O que é para si Coimbra? 

R- Coimbra é o sítio onde vivo, é uma cidade agradável para viver. Não é muito grande, não é muito pequena, tem o tamanho certo. Coimbra começa por ser, para mim e para muita gente, a Universidade. A colina principal está coroada pela Universidade. Uma inscrição em latim, por cima da porta da Biblioteca Joanina diz: “Esta Biblioteca coroa a fronte da cidade”. Coimbra tem.portanto, no seu sítio mais alto (outras cidades têm um castelo, Coimbra já teve), a Universidade, com a Joanina e a Torre como marcas distintivas. Uma pessoa vem de longe e vê o casario com a Joanina e a Torre.

Coimbra não é a cidade onde nasci, pois nasci em Lisboa, na Maternidade Alfredo da Costa, uma verdadeira “fábrica de portugueses”. Mas, com sete anos, vim para Coimbra acompanhando os meus pais. Não me perguntaram, mas acho que fizeram bem. Estudei aqui na escola primária, no liceu e na universidade. Depois estive na Alemanha quase quatro anos, e depois também nos Estados Unidos, um ano. Fora isso tenho meio século de Coimbra. Coimbra é bem mais antiga, mas comigo tem meio século.

É uma cidade que, de certo modo,  representa o país. O país é agradável para viver, tal como a cidade, apesar dos problemas que encontramos. Encontramo-los no país e encontramo-los aqui. Coimbra é uma espécie de “Portugal em pequenino”; tem o melhor e o pior de Portugal. A Universidade é, de certo, uma das coisas muito boas da cidade. Há  sítios da universidade que são de excelência até a nível, não apenas nacional mas também internacional. Mas não é preciso sair da cidade, para encontrar ilhas de pobreza. O nosso país é, infelizmente, assim, um país de grandes contrastes.

Encontramos aqui alguns edifícios muito bem recuperados, como a Torre, que está bonita, e encontramos edifícios a cair aos bocados. Portugal é assim: capaz do melhor e do pior, os dois ao lado um do outro. Em Coimbra existem monumentos bem conservados, como por exemplo, além da Torre, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, mas também há outros mal conservados, por exemplo Santa Clara-a-Nova. A Santa aqui está ao contrário, a Velha está Nova e a Nova está Velha... Em Coimbra há o Museu da Ciência, que já ganhou um prémio europeu, mas há também, quase ao pé, o Museu Académico, que está fechado ou quase. Coimbra tem o Jardim Botânico, um sitio excelente, mas muito perto tem o Parque de Santa Cruz, ao abandono. Coimbra tem partes de médico e partes de monstro…


Por falar de medicina, Coimbra é um sítio avançado na saúde, área em que oferece serviços de primeira qualidade, mas é também um sítio onde, por vezes, queremos tirar um simples radiografia e demoramos horas. Coimbra é capaz do melhor e do pior, tal como o país.

P- Coimbra é então o reflexo do país?

R-Sim. Aliás, já foi capital do país quando os cristãos vieram do norte para o sul. O actual Paço das Escolas, na primeira dinastia, foi  a casa de vários reis. Há uma centralidade de Coimbra que é histórica, para além de geográfica. Coimbra é, de algum modo, o centro do centro. Nem é litoral, nem interior. Nem é planície, nem é montanha. Situa-se onde acaba a planície e começa a montanha. Em meia hora podemos estar na praia ou na serra. É curioso que do ponto de vista da paisagem natural natural haja em Portugal grande variedade e Coimbra proporcione imediatamente essa variedade.


P- Pode dar exemplos dos problemas da cidade?

R- Falei da centralidade da Universidade. Mas esta, por vezes, e nem sempre a culpa é dela, actualmente até pouca culpa é dela, tem-se ligado mal com a cidade. Sempre houve esta separação entre os doutores  e os futricas. Uma das coisas que sempre me impressionou é que uma pessoa, mal fique licenciada, ou mesmo antes, já seja chamada de doutora. Esta estratificação social é nítida em Coimbra e conduz a uma separação até do ponto de vista futebolístico. A Académica é a equipa dos doutores, embora agora já não tanto, e o União de Coimbra é a equipa dos futricas. Coimbra só poderia melhorar se se entrosasse mais, se conseguisse esbater os contrastes sociais. Por outras palavras, temos um presidente da câmara, que toma em princípio conta da cidade, e temos um reitor, que gere uma cidade à parte. O reitor governa uma mini-cidade de muitos professores, funcionários e, sobretudo, estudantes, ao todo cerca de 23.000 pessoas numa cidade de 100.000 habitantes. Um quarto da cidade está na Universidade. A capacidade que a Universidade tem de mobilização de pessoas de fora, principalmente de jovens, devia ser uma força transformadora, criativ, da cidade, mas isso não se nota muito. As cidades actuais transformam-se não tanto por construir por fazer um prédio mais alto mas por serem capazes de mostrar ambição no domínio cultural, de exibirem a sua diferença no plano cultural. Por serem diferentes são sítios onde apetece ir. A A1 tem uma placa que diz “cidade do conhecimento”. É melhor que “cidade museu”, como estava antes, mas acho que talvez devesse dizer “cidade da ciência e da cultura”. Era por aí que Coimbra devia marcar a diferença.

P- E não marca?

R- Sim, há coisas em que marca. Temos aqui, por exemplo, um centro de neurociências e biologia celular: temos uma incubadora de empresas ligada à universidade, o Instituto Pedro Nunes, que é uma das melhoresa nível mundial; temos empresas ligadas ao software, absolutamente extraordinárias como a Critical Software; temos um supercomputador, a "Milipeia", que é o maior do país; temos uma série de coisas muito boas na ciência. Naquilo que depende mais da Universidade, como a ciência, vemos um certo avanço. Na cultura, área em que deveria haver um caminhar conjunto entre a Universidade e a cidade, a ligação não se vê. A capacidade de transformação que os estudantes têm, a criatividade que neles reside, não são aproveitadas da melhor maneira. Há várias iniciativas até, mas não há uma “movida cultural” em Coimbra. E  a responsabilidade é muito mais da cidade, que está encolhida, sem projecto cultural, do que da Universidade, que tem crescido nesta área. A Universidade, apesar de tudo, ainda é o sítio onde se vão fazendo coisas bastante interessantes. Na Associação Académica há grupos que promovem as mais variadas actividades culturais, um trabalho que acaba por não ter a caixa de ressonância que devia ser a cidade. Vemos grupos de teatro com pequenos públicos, que não conseguem fazer coisas que chamem pessoas de fora; há bons espectáculos que não têm, porém, a dimensão e o impacto para trazer gente de fora. Coimbra devia ser bastante mais exigente para consigo no domínio da cultura.

P- Pode dar-me exemplos de problemas da cidade?

R- O Estádio Municipal de Coimbra é um verdadeiro monstro. A câmara municipal está endividada até ao pescoço por ter feito uma aposta completamente errada no estádio. E os responsáveis não são punidos pela opinião pública. Parece que toda a gente acha bem que se tenha feito um estádio de 30.000 pessoas onde só vão 3000, se forem. Isso devia ter uma solução. Estamos todos a pagar uma coisa que não serve praticamente para nada. Qualquer solução seria melhor do que manter aquele OVNI, uma estrutura gigante que pousou naquele sítio da cidade e que não há meio de levantar voo e ir para o sítio extraterrestre de onde veio. É feiíssimo, desfigurou a maior praça da cidade em favor de um centro comercial.  Um outro caso é a penitenciária de Coimbra. Tem mais de cem anos e as condições são absolutamente desumanas. Hoje em dia, as prisões não se fazem no meio das cidades. São necessárias, mas não no meio de uma zona verde, entre o Parque de Santa Cruz e o Jardim Botânico. Se aquela prisão desaparecesse, o que é muito fácil, tínhamos ali um um parque verde excelente. Uma parte do edifício podia-se até aproveitar. Eu propus que se fizesse uma Casa do Conhecimento. Mas só vejo pequena política. Nunca se poderá mudar aquilo se não houver uma ideia e uma vontade política forte. E estes são apenas dois exemplos, o estádio e a penitenciária, de cancros da cidade. 

P- Coimbra tem cancros?

R- Sim, eu nunca fui à penitenciária, até porque nunca fui preso, e não vou ao estádio, para não contribuir para o desatino, mas os dois estão à vista de todos. Por outro lado, a construção do Centro Comercial Fórum é inenarrável. Há uma torre que  macaqueia a torre da universidade. É um sítio que podia jogar com a paisagem da margem esquerda de Coimbra, mas que a destruiu. Outro sítio que não está bem é a Rua da Sofia, que já foi uma rua nobre. Estão aí algumas igrejas e colégios do tempo em que D. João III trouxe a Universidade para Coimbra, mas está tudo semi-abandonado. O trânsito não faz sentido, a rua devia ser entregue aos peões. A Baixa tem um casario algo decrépito, agravado agora por terem feito um buraco para o metro passar e não se saber se o metro vai ou não passar por esse buraco. Provavelmente, com a crise, não haverá metro nenhum e, portanto, ficará o buraco. A Alta também tem prédios que estão a cair e dever-se-ia actuar. Bem sei que é mais fácil de dizer do que de fazer, mas as cidades históricas têm de cuidar do seu património. Oxalá a candidatura à UNESCO proporcione uma transformação. Já começou a haver na Universidade. Mas, lá está, a separação entre Universidade e cidade: falta o resto. A cidade praticamente não entrou na candidatura. A Sé Velha não deveria também ser parte do património mundial?

P- O que se podia fazer na Baixa?

R-  Se for a uma praça chamada do Arnado, não encontra a dita Praça, mas sim um bloco preto com o tamanho da praça. Isso visto da Torre parece inacreditável. Nunca foi demolido, não sei porquê. Pode-se dizer: foi no tempo do PREC que deixaram construir aquilo. Pois foi, mas uma coisa que deixaram fazer agora, e não há PREC nenhum, foi as Torres do Mondego, que estragaram o postal ilustrado que era a vista de Coimbra de Santa Clara. Faz sombra sobre o pavilhão de Hannover do Siza Vieira e do Souto Moura. As obras estão embargadas, mas o Parque Verde, que foi bem recuperado, com uma ponte pedonal emblemática, está ensombrado por aquela mini-Manhattan, entalada entre uma via-férrea e um rio. O objectivo é o lucro e não a qualidade de vida. Outro cancro!

A Estação Velha não tem ponta por onde se lhe pegue. Qualquer cidade  tem uma estação de comboios melhor do que aquela. Passa-se por cima da linha, o estacionamento é inapropriado, as bichas de táxi são inefáveis. Isso é uma coisa que está tal  e qual como no século XIX, parece um museu ferroviário. Em equipamentos públicos, Coimbra parece não saber que uma cidade tem de ter uma estação ferroviária, um tribunal, etc.

P- E a Alta?

R- O Estado Novo fez algo muito criticável. As obras na Alta arrasaram uma cidade medieval, para fazerem prédios mussolínicos. Enfim, está feito, está feito, mas se me tivessem perguntado teria recomendado algo um bocadinho diferente. Das reconstruções recentes, a do Museu da Ciência está muito bem feita. Temos coisas pelas quais vale a pena vir a Coimbra, e que deveríamos publicitar mais. À Biblioteca Joanina vem muita gente, mas pode vir mais. Podemos projectar o Museu da Ciência e a Biblioteca Joanina ainda mais, reforçando o circuito turístico. A cidade sempre foi uma cidade de ciência e sempre foi uma cidade do livro, de editores, autores, livrarias e bibliotecas.  O Museu Nacional Machado de Castro, ao lado, está fechado há demasiado tempo. Deveria também ser mais ligado ao resto. O potencial que aqui existe é incrível. Perto do rio, Santa Clara-a-Velha e a Quinta das Lágrimas são dois dos bons sítios de Coimbra.  

P-  Coimbra pode ser considerada uma cidade de lutas?

R- Sim. Coimbra tem alguma tradição nesse aspecto. A juventude que habita a universidade é irreverente, lutadora. A Geração de 70 quis mudar o país sem o ter conseguido: Antero Quental, Eça de Queirós, etc. Mas mais tarde, chamaram-se “Vencidos da Vida”. Queriam tornar Portugal mais europeu, na altura o modelo era França, iam à Estação Velha buscar caixotes de livros franceses. Depois veio a República e a Universidade levou uma reforma grande, passou a ter concorrência. Acabou a Faculdade de Teologia e criou-se a de Letras. Alguns dos políticos da 1.ª República foram professores aqui. No Estado Novo, Coimbra esteve muito ligada a figuras do regime. Salazar foi aqui professor e Coimbra ficou com essa marca. Mas houve, em 1969, uma revolta estudantil que, de facto, foi premonitória do 25 de Abril  que ocorreu cinco anos depois. O 25 de Abril também passou por aqui, como é evidente. Eu lembro-me bem disso, pois era estudante na altura. Hoje em dia, os movimentos estudantis não me parecem nem grandes nem ambiciosos. Os estudantes teriam porventura mais razões para se revoltarem do que julgam. A chamada Geração à Rasca, expressando descontentamento por causa do trabalho precário e do desemprego, fez grandes manifestações em Lisboa e Porto, mas em Coimbra quase não houve nada.

 P- Os estudantes, hoje em dia, não estão a actuar como seria de esperar?

R- Os estudantes de Coimbra têm uma coisa muito boa:  estarem reunidos na Associação Académica, que representa todos os estudantes, e que é  a maior do país e  uma das mais antigas do mundo. Acho que, se a Associação Académica quisesse, muita coisa poderia mudar, até ao nível do funcionamento da universidade e da cidade, coisas concretas que têm a ver com a vida dos estudantes. Mas parece que muitos se preocupam mais com o fado e a festa.

P- Vê Coimbra a cores ou a preto e branco? 

R- Há zonas a preto e branco e outras a cores. Tem sítios a preto e branco, que é preciso colorir. E tem sítios a cores onde é preciso não borrar a pintura. Há a hipótese de fazer um excelente quadro. A localização, o tamanho, os meios, por exemplo, bibliotecas, laboratórios, de serviços, etc. são magníficos. O objectivo de Coimbra poderia ser emular Cambridge, uma cidade tranquila para estudar, mas também um sítio de grande progresso. Cambridge é um sítio efervescente, com indústria de software,  biotecnologia,  coisas que Coimbra já começou a ter. Eu sou optimista e estou em crer que o quadro, daqui por uns tempos, vai melhorar, o país todo vai melhorar. Não me preocupa tanto o que falta fazer, preocupa-me, isso sim, não haver planos para fazer. O bloqueio da vontade é o pior dos bloqueios. Mas tem bom remédio.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A VELHA E ABANDONADA CADEIA DE COIMBRA


Já é proverbial a falta de segurança do Estabelecimento Prisional de Coimbra (EPC) (na figura). A última evasão foi protagonizada por um grupo de três detidos, entre os quais um preso perigoso condenado pelo assassínio de um polícia, assumiu aspectos recambolescos, com a travessia de um túnel, o salto do muro e o assalto a um carro de uma senhora que teve o azar de ir a passar na rua em frente, tal como eu e tantas outras pessoas passam. Parece que só deram pela fuga dos presos quando a senhora se foi queixar à polícia...

A cadeia não tem condições mínimas para acolher pessoas condenadas, qualquer que seja a gravidade da pena. Foi construída há mais de cem anos e as suas condições são hoje completamente desadequadas. Hoje não se fazem cadeias no interior das cidades. Há muito que é tempo de construir uma cadeia fora da urbe e de de adaptar o velho espaço prisional para um equipamento cultural, localizado entre os jardins de Santa Cruz e Botânico. Propus há muito o nome de "Casa do Conhecimento", assim como propus o objectivo de localizar aí a maior biblioteca do país, já que o espólio à disposição é enorme (a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a rebentar pelas costuras, vai celebrar em 2013 os seus 500 anos). O edifício da nova prisão, na Pampilhosa do Botão, não parou agora, por falta de verba, simplesmente nunca começou por falta de empenho quer da Câmara PSD quer do governo PS de José Sócrates (há em Coimbra uma espécie de bloco central da inacção). Curiosamente, o anterior Presidente da Câmara, Carlos Encarnação, considerou a ideia excelente, apesar de não ter contribuído em nada para ela. O actual Presidente da Câmara, inquirido, nada respondeu. Veja-se este excerto da notícia do jornal PÚBLICO, da autoria de Aníbal Rodrigues:
"[A nova prisão] Nem sequer se trata de uma daquelas obras desejadas pelo Governo anterior das quais o actual foi obrigado a desistir devido à crise. A construção do novo Estabelecimento Prisional de Coimbra, que deveria ser erigido na freguesia do Botão, caiu ainda durante o Governo de José Sócrates.

No entanto, enquanto durou a perspectiva de que Coimbra iria ganhar uma nova prisão fora do perímetro urbano, desencadeou-se uma discussão participada sobre qual o uso a dar ao actual EPC, generoso em área, com um edifício histórico no seu interior, e situado numa zona nobre da cidade.

Quando foi director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC), Carlos Fiolhais defendeu publicamente que o edifício principal da prisão acolhesse uma "Casa do Conhecimento", um equipamento que deveria ter dimensão nacional, assumido localmente e financiado pelo Estado, a exemplo do Centro Cultural de Belém ou da Casa da Música. A Casa do Conhecimento deveria também receber parte do acervo da BGUC.

Para o anterior presidente da Câmara de Coimbra, Carlos Encarnação, o município deveria comparticipar a construção desta Casa com receitas a obter através da urbanização de parte dos terrenos a libertar pelo EPC. "Teria de ter livros, mas também outras coisas, o que vulgarmente se designa informação, imagem e vídeo", adiantou então Carlos Fiolhais sobre uma ideia que Carlos Encarnação considerou "excelente".

O PÚBLICO tentou ontem ouvir o actual presidente da Câmara de Coimbra, Barbosa de Melo, mas tal não foi possível."
Pode-se dizer, sem risco de ser contrariado, que a velha penitenciária tem sido abandonada por todos!

quarta-feira, 14 de março de 2012

O FUTURO DAS CIDADES

Informação chegada ao De Rerum Natura.


O Autor, as Edições Minerva Coimbra e a Directora do Museu Nacional de Machado de Castro têm o prazer de convidar V. Exa. para o lançamento dolivro O FUTURO DAS CIDADES, da autoria de José Mendes

A apresentação será feita pelos Profs. Luís Braga da Cruz e Carlos Abreu Amorim, no próximo dia 20 deMarço, pelas 18H30, no Museu Nacional de Machado de Castro (Largo Dr. José Rodrigues - Alta de Coimbra).

O livro: Partindo da análise de sete mega-tendências globais,em “O Futuro das Cidades” o autor elenca um conjunto de desafios que se colocamàs cidades contemporâneas, propondo o conceito “Cidade Incubadora”. Este ensaio pretende demonstrar que, apesar da conotação da ideia de cidade a fatores de insegurança, poluição ou desigualdade, as urbes representam propostas de valo rcom potencial. A ideia desta publicação é tornar-se uma referência bibliográfica para os que pensam e planeiam as cidades atuais. Mais do que um tratado ou exercício futurista, o autor propõe, na sua mais recente publicação, um conceito de futuro para as cidades do presente.


O autor: José Mendes é professor catedrático de Sistemas Regionais e Urbanos na Universidade do Minho, onde ocupa atualmente o cargo de Vice-Reitor para a Inovação. Ao longo da sua carreira, foi consultor para questões do planeamento do território em diversas instâncias nacionais e internacionais, como o Governo Português, o Governo Regional dos Açores, a Agência Portuguesa do Ambiente, a CCDR-Norte, o Gabinete para a Mobilidade Elétrica, dezenas de municípios, a Comissão Europeia, a European Training Foundation, o Natural Environment Research Council (UK),entre outros. Foi docente e investigador convidado na Universidade de Bolonha (Itália), na Universidade de São Paulo (Brasil), na Silesian Technical University (Polónia) e na Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique). É autor de vários livros e de cerca de 70 artigos científicos.

sábado, 3 de março de 2012

COIMBRA EM 24 HORAS


Tive recentemente de receber um visitante da Sorbonne, Paris, que só podia estar em Coimbra durante exactamente um dia. Tive, por isso, de fazer primeiro mentalmente e depois na prática um roteiro que aqui fica registado, como sugestão a quem tenha de ciceronear convidados.

Apanhado ao fim do dia o visitante no Hotel Astória, que conserva o seu charme apesar de não possuir o conforto dos hotéis modernos, o rumo foi a pé, pelo Parque da Cidade, até ao Parque Verde, para um jantar de peixe e vinho do Dão no restaurante Portuguesa. Da Ponte Pedro e Inês vê-se o casario iluminado, encimado pela Biblioteca Joanina e pela Torre universitária, agora resplandecente pelo restauro. Havia fados na À Capella, o bar da Rua Corpo de Deus, o que permitiu passagem nocturna pela Porta da Almedina.

Na manhã seguinte, o dia começou com a visita ao Mosteiro de Santa Clara a Velha, um das jóias da cidade. Seguiu-se, muito perto, a Quinta das Lágrimas, com o jardim medieval, a Fonte dos Amores e a Colina de Camões. E, ao lado, uma volta rápida pelo Portugal dos Pequeninos, uma espécie de cápsula dos tempos do Estado Novo. De carro, apesar de ter de se dar uma volta escusada (o trânsito em Coimbra tem razões que a razão desconhece), o acesso foi fácil até Santa Clara a Nova, onde o carro passa à justa pela porta, para ver a vista de postal ilustrado e o interior da igreja, que bem precisa de restauro. Descida rápida até à Baixa (o Bragaparques, apesar de caro, é conveniente), para, atravessando a profunda ferida urbana que fez o projectado metro, desfrutar de uma bica e um pastel no Café de Santa Cruz e de uma visita ao antiquíssimo Mosteiro de Santa Cruz, onde uma mini-exposição na Sala do Capítulo, contíguo ao extraordinário claustro (a paz absoluta no centro da cidade!), mostra relíquias de São Teotónio. Ainda houve tempo para um pulo até ao Pátio da Inquisição, onde a visita ao Centro de Artes Visuais (que só abre de tarde) teve de ser substituída pela dos socalcos exteriores ao Teatro da Escola da Noite, onde há um inesperado plano de água.

Recuperada a viatura, não sem antes ver a Praça Velha (há novidades por perto, como o alfarrabista nas traseiras da Igreja de São Bartolomeu), ala que se faz tarde até à Alta. Almoço no Café Couraça, com vista para a Mata do Botânico, que aguçou o apetite para o passeio pós-prandial no Jardim Botânico. Na Universidade, a Biblioteca Joanina, a Capela e a Sala dos Capelos fazem parte do inescapável circuito turístico, mas mostrei também o novo (o Anfiteatro de Fernando Távora) e o velho (antigas salas azulejadas de Direito) fora do circuito. Seguiu-se o Museu Nacional de Machado de Castro, com um giro pelo criptopórtico e pela mostra sobre o carro eléctrico de Coimbra, enquanto a exposição principal não reabre. Por último, depois de breve entrada na Sé Nova, uma visita longa ao Museu da Ciência, começando pelo Gabinete de Física Experimental, o “Museu dos Bichos” e a Galeria de Minerais, todos eles no Colégio de Jesus, para terminar, após um lanche na Cafetaria do Museu, no Laboratorio Chimico. No regresso ao hotel, ainda houve tempo para ver, embora só por fora, a Sé Velha e a Torre do Anto. A noite caía e as 24 horas de Coimbra terminavam. Se mais tempo houvera, Coimbra mais teria para oferecer.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

PARABÉNS, STEPHEN HAWKING


Minha crónica no Sol de hoje:

Na velha Trinity Street entre os históricos Trinity College e King’s College da Universidade de Cambridge fica um outro não menos histórico colégio daquela prestigiada instituição: o Gonville and Caius College. Entre os membros desse Colégio está Stephen Hawking, o físico teórico muito conhecido pelos seus trabalhos na área da astrofísica e cosmologia e na divulgação científica (o seu livro Breve História do Tempo vendeu milhões de cópias em todo o mundo). Não há muito tempo Hawking era visto com frequência a passear por aquela rua de Cambridge e mesmo num ou noutro dos extensos greens de Cambridge, na sua cadeira de rodas, sempre acompanhado por uma enfermeira ou um assistente. Agora já quase não aparece em público dada a sua cada vez mais precária condição física. No passado dia 8 de Janeiro, na data em que ele fez 70 anos (e na data em que passaram 370 anos após o falecimento de Galileu), não pôde comparecer para agradecer os parabéns e os aplausos dos seus muitos amigos e admiradores. Foi ouvida uma sua mensagem, que ele sugestivamente intitulou Breve História de Mim, na voz sintética do computador, já que o próprio há muitos anos não consegue falar.

Cambridge é um autêntico viveiro de génios. Membros célebres do Trinity foram o físico J. J. Thomson, o descobridor do electrão, e o matemático e filósofo Bertrand Russel. Membros ilustres do Christ foram o biólogo Charles Darwin, o descobridor da evolução, e o escritor C. P. Snow. E membros famosos do Caius foram o biofísico Francis Crick, um dos descobridores do DNA (a notícia foi anunciada num pub, o Eagle, podendo o visitante ver a placa comemorativa) e o economista Milton Friedman. A inspiradora paisagem verde, o microclima favorável e, sobretudo, a tradição ancestral de desenvolvimento das ciências e das artes (a Universidade tem mais de 800 anos) facilitam, sem dúvida, o sucesso em Cambridge.

A história pessoal de Hawking é a da sua vitória contra a terrível doença, a esclerose lateral ameotrófica, que o atacou há quase 50 anos, mais exactamente em Janeiro de 1963 quando estava a começar o doutoramento em Cambridge, depois de ter obtido a licenciatura pela Universidade de Oxford (Hawking é natural de Oxford). Os médicos, na altura, não lhe deram mais do que dois ou três anos de vida. A festa dos seus 70 anos mostra que, por vezes, os médicos se enganam redondamente... O prognóstico grave não o impediu não só de terminar o seu doutoramento, mas também de se tornar um dos físicos com mais renome: deteve durante 30 anos a cátedra Lucasiana que foi outrora ocupada por Isaac Newton, membro do Trinity College.

A Stephen Hawking todos os físicos e todos os amigos da física, incluindo os leitores dos seus livros, desejam bastantes mais anos de vida!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

PORTUGAL EM CAMBRIDGE


Minha crónica no Público de hoje (na imagem o Corpus Christi Colege, em Cambridge):

Uma das ruas mais pitorescas de Cambridge dá pelo nome de Portugal Street. Desemboca na Portugal Place, perto dos agradáveis greens daquela cidade universitária inglesa que se estendem à volta da cidade, alguns nas traseiras dos colégios mais famosos, ao longo do rio Cam. Parece que o nome da praça e da rua, de belas e antigas casas alinhadas, se deve à proximidade do cais onde era desembarcado o vinho do Porto que vinha para as mesas dos colégios, designadamente para as high tables, onde só o master, os fellows e os seus convidados têm lugar.

Outra presença portuguesa em Cambridge encontra-se na mais movimentada St. Andrew Street: é o restaurante Nando, onde é servido o renomado peri-peri chicken (o churrasco tão gabado pelo ministro da Economia Álvaro Santos Pereira), que pode ser acompanhado por portuguesíssimas cervejas, e finalizado com um pastel de nata e uma bica.

Na Cambridge inglesa (tal como aliás, na não menos universitária Cambridge norte-americana, perto de Boston, no Massachusetts), há bastantes portugueses. Alguns são emigrantes tradicionais, ou filhos deles, tal como, por exemplo, as duas portuguesas a trabalhar na hotelaria que encontrei no University Arms Hotel e que, graças à Ryan Air, um autocarro aéreo, conseguem dar um pulo fácil às suas terras natais. Mas outros são emigrantes especiais, estudantes em busca de formação especializada e ainda cientistas já especializados, aos quais vulgarmente se chama “cérebros fugidos”. Na Universidade de Cambridge há numerosos estudantes portugueses a fazer a licenciatura e o doutoramento. E também há, embora em menor número, investigadores e professores, como o Tiago Rodrigues, que, nascido em Paredes de Coura, no Alto Minho, depois de ter concluído o doutoramento em bioquímica na Universidade de Coimbra, trabalhou em Madrid e está agora em Cambridge a investigar o cancro. Recentemente guiou-ne, com indisfarçável entusiasmo, pelo colégio de Corpus Christi, ao qual está associado, gabando-lhe as facilidades e contando-me as tradições ainda mais ancestrais do que as que conheceu em Coimbra.

Depois do vinho do Porto e do frango de churrasco, temos, portanto, a exportação de cérebros como uma das formas contemporâneas de ligação entre Portugal e o Reino Unido. Os estudantes e cientistas portugueses em terras de Sua Magestade britânica estão organizados no PARSUK, a Portuguese Association of Researchers and Students in the United Kingdom, que é muito activa em organizar encontros e outras actividades (do outro lado do Atlântico, há uma instituição similar, a PAPS, Portuguese American Post-Graduate Society). Falam inglês tão bem como os nativos e estudam ou fazem ciência tão bem ou, nalguns casos, bem melhor do que os nativos. A Universidade de Cambridge é uma escola de élite, um sítio por onde andaram Isaac Newton, Charles Darwin e Francis Crick, só para referir alguns cientistas, ou Francis Bacon, Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein, só para acrescentar alguns filósofos. Mas isso não intimida os cérebros portugueses, que aí triunfam com idêntica facilidade, embora menos publicidade, do que fazem os nossos melhores treinadores e futebolistas que actuam lá fora. Não há desmentido possível: o treinador do Chelsea, André Villas-Boas, e o jogador do mesmo clube Raul Meireles são mais conhecidos em Portugal do que qualquer um dos nossos cientistas no Reino Unido. Dou uma informação curiosa sobre futebol: as suas primeiras regras têm o nome de Cambridge Rules por terem sido estabelecidas nessa cidade em 1848 e logo ensaiadas num enorme green junto ao University Arms Hotel.

O Tiago e os seus colegas merecem ser mais conhecidos cá dentro. Não só mais conhecidos mas também mais aproveitados. Eles não receiam o futuro, que, no seu ponto de vista, tanto pode ser lá fora como cá dentro. Têm uma grande vontade de ajudar o país, o que podem fazer em qualquer um dos lados, embora, para nós, fosse evidentemente preferível que o fizessem cá dentro. Deviam poder ter a escolha, que cada vez têm menos, entre permanecer e regressar. Numa época em que a economia prevalecente no mundo não é o comércio do vinho do porto ou do pastel de nata, nem a microeconomia do futebol, mas sim a economia do conhecimento, custa ouvir os incitamentos do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e do ministro-adjunto Miguel Relvas à fuga de cérebros e, ainda por cima, tentar dirigi-los, com argumentos bacocos, para o Terceiro Mundo, desprezando a Europa e os Estados Unidos. O nosso maior potencial não está no vinho nem nos pastéis, muito menos nos músculos dos jogadores, mas sim nos cérebros, em particular os jovens, que activamente se ocupam, em Portugal e por esse mundo fora, na ciência, na tecnologia, na filosofia e nas artes. Tudo leva a crer que as afirmações de Passos Coelho e de Relvas não foram lapsus linguae. Foram, isso sim, o resultado de um profundo equívoco.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A CIDADE DOS VAMPIROS


Minha crónica na última revista "C" (no desenho, traje dos estudantes de Coimbra no século XVI, segundo autores holandeses):

Coimbra mereceu honras de artigo recente no New York Times. Um jornalista norte-americano passou por Coimbra e escreveu uma curiosa crónica. Ficou sobretudo impressionado com o pitoresco dos estudantes de capa e batina, cuja aparência ele, neste tempo da Saga do Crepúsculo, não hesitou em designar de “vampiresca”. Com uma pitada de humor, acrescentou que nenhum deles lhe tentou sugar o sangue...

Tivesse, porém, o visitante vindo a Coimbra num século anterior, essa comparação não lhe teria ocorrido, até porque o Drácula de Bram Stoker só remonta a 1897. O austríaco Heinrich Friedrich Link, que visitou Coimbra em 1798, comparou o traje dos escolares ao dos padres. De facto, o hábito talar tem uma origem eclesiástica, devido à ancestral ligação entre a universidade e a igreja. Link afirmou que “as ruas estão permanentemente cheias dessas pessoas vestidas de negro que oferecem um aspecto triste e fradesco”. Não admira, por isso, que o Marquês de Pombal tenha, embora debalde, querido banir com o traje antigo e que, no início da República, a capa e a batina quase tenham sido proibidas.

No século XIX, o uniforme dos estudantes de Coimbra foi comparado com as vestes dos antigos alquimistas. Em 1842, o príncipe polaco Feliz Lichnowsky falou dos “estudantes, com um traje negro, em parte eclesiástico, em parte da idade média, como se fossem discípulos de Fausto ou de Paracelso”. E, na mesma linha, em 1866, o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen comentou, após uma visita a Coimbra, que“o traje é pitoresco, lembra Fausto e Teofrasto”.

Estudei em Coimbra pouco após o luto académico de 1969, pelo que não usei capa e batina. Apesar de me parecer um vestuário um pouco quente para o Verão, nada tenho contra o seu uso por quem goste. Todos os visitantes estrangeiros que tenho guiado na Lusa Atenas me têm perguntado pela origem e significado do traje, pelo que não desprezo o valor turístico para a cidade dessa indumentária temporalmente exótica. Já, quanto ao resto do país, acho algo ridícula a imitação que escolas recentes têm feito das tradições coimbrãs, inventando trajes que nunca poderiam ter existido nessas instituições.

Não estranho, pois, a boa recordação que o traje de Coimbra deixa nos modernos visitantes. Mas há um passo da peça do New York Times que me chamou mais a atenção. O jornalista situa a cidade indiferentemente em dois lugares do tempo separados de três séculos e meio: “Igrejas antigas, praças pitorescas e a falta quase total de lojas internacionais podem fazer situar tanto a Alta como a Baixa na década de 1950 - ou na de 1590.” Tal significa afinal que viu, do ponto de vista arquitectónico, urbanístico e comercial, uma cidade parada no tempo. É um pouco injusto, convenhamos. O visitante podia ter referido, por exemplo, o Parque Verde, com o Pavilhão Centro de Portugal, ou o Pólo II da Universidade, com a sede da Faculdade de Ciências e Tecnologia. Mas é, convenhamos também, um pouco justo, já que à beira do Mondego, e pese embora o muito activo Departamento de Arquitectura, são raros os edifícios de traça contemporânea. Os vultos “vampirescos” dos estudantes seriam ainda mais impressionantes se, aumentando o anacronismo, os cenários fossem fachadas dos dias de hoje...

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A MORTE ANUNCIADA DO METRO MONDEGO


Meu artigo de opinião na revista C saída hoje:

Nos anos 60 do século XIX, fizeram-se obras para alargar a rua Ferreira Borges, na Baixa de Coimbra, e cortou-se uma parte da Igreja de S. Tiago. Nos anos 40 do século passado a destruição da Alta em nome do progresso foi um prejuízo lamentado por muitos. Há pouco, a Baixa voltou a ser destruída, com a abertura de um canal para a instalação da linha urbana do Metro Mondego (linha do Hospital). O progresso é, por vezes, cego e bruto.

A recente destruição da Baixa de Coimbra poderá ser pior do que as outras. Da primeira vez, ficou uma rua maior, antes à disposição dos carros e agora à disposição dos peões. Da segunda vez, ficaram edifícios de estilo mussolínico que albergam uma boa parte da Universidade. Desta vez, poderá não ficar nada, pois o governo da nação acaba de anunciar a morte do Metro Mondego. Fica o buraco, o buraco na cidade e o buraco no orçamento.

De facto, já se gastaram, desde o início do projecto, 140 milhões de euros. O governo quer simplesmente repor os carris, que mandou tirar, na linha suburbana (a linha da Lousã), o que vai custar mais 70 milhões de euros, mas não há nenhuma garantia de que esse investimento seja rentável, pois a linha, desligada ou mal ligada à rede ferroviária nacional (que, neste dias de crise, está a ser muito reduzida), não será provavelmente sustentável, podendo os carris vir a ser novamente retirados, ou a linha aproveitada, como outras, para percursos pedonais. Quer dizer, o governo, principal accionista da empresa Metro Mondego, se prosseguir na sua intenção, vai querer mandar 210 milhões de euros para o lixo. Não é uma derrapagem: é um estampanço! Bem sei que não é nada comparado com a nacionalização do BPN, mas mostra a leviandade de políticos de todos os quadrantes, não apenas os de ontem como os de hoje.

Houve um mau planeamento deste projecto. Há duas necessidades diferentes, às quais se pretendeu suprir com uma só solução. Uma é a necessidade de melhorar a circulação de pessoas em Coimbra, urbe que tem sido esquecida pelo poder central, enquanto se investia nos Metros de Lisboa e do Porto. Por essa Europa fora, em cidades como Coimbra, existem linhas de eléctrico rápido (um metro de superfície), que asseguram a circulação diária a quem vive e trabalha na cidade e também a quem vive fora e lá vem trabalhar. Ainda há pouco estive em Heidelberg, sítio da universidade alemã mais antiga, e vi como os transportes são modernos. Outra necessidade é a melhoria do ramal da Lousã. Por essa Europa fora, há comboios suburbanos, que servem as populações que dormem fora e acorrem às cidades. As duas necessidades poderiam ter sido e podem ser tratadas em separado. Seria um grande erro desistir das duas ideias do Metro Mondego. Mas temos, nesta hora de aflição financeira, de estabelecer prioridades e avançar apenas com aquilo que for mais útil a mais gente. Na Baixa de Coimbra, um canal de circulação, mal ou bem, já foi aberto. E os carris no ramal da Lousã já foram arrancados. Temos de estudar bem o assunto e avançar com a construção do que for irreversível. Na minha opinião, a cidade de Coimbra não poderá ter futuro sem uma rede de transporte rápido. Quando mais tarde a fizerem, mais tarde surgirá o futuro.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Salamanca, de novo

Volto a Salamanca, onde vivi algum tempo por diversas vezes. Já cá não vinha há uns tempos largos, mas tudo, no casco da cidade, parece eterno: prédios, pessoas, lojas, pináculos de catedral, campanários, ninhos de cegonha. No meio da constante agitação barulhenta, colorida e alegre o eterno transforma-se constantemente porque a beleza intemporal dos lugares vive e anima-se a toda a hora com pessoas, vozes, movimentos.

Todos sabem, Salamanca é uma cidade encantadora, que parece ter sido feita, ao longo dos séculos, para a podermos agora apreciar. Ou seja, andar nas suas ruas, olhar as suas pedras, entrar nos seus palácios austeros e escurecidos, deambular por entre as pessoas naquela agitação barulhenta e alegre que só as cidades espanholas têm.


Aquela Plaza Mayor é de facto o centro do Mundo para os salamantinos. E para os que vêm de fora. E que valor imenso isso tem para os cidadãos. Conviver uns com os outros, usufruir a vida, todos os dias conversar um pouco, ver e ser visto, espairecer, mas sempre enquadrado pela beleza e a harmonia daquela praça notável. E depois sair (ou entrar) por cada uma daquelas portas da Praça percorrendo ruas e encontrar outras praças que com ela se harmonizam. E ver que as casas abrem varandas e janelas e os mercados compram e vendem e as tabernas bebem, comem e discutem e os cafés fervilham de agitação ruidosa.


Que arte estes espanhóis têm de fazer cidades com vida. E de usufruir os momentos, não só porque respeitam e recuperam os lugares e os monumentos, mas porque vivem e respeitam a sua cultura. De que não se envergonham, que afirmam e cultivam numa transversalidade admirável.


Nas Festas da Cidade, por várias vezes, ao som do tamborileiro (um homem com pífaro e tambor que anda pelas ruas tocando músicas tradicionais) vi pessoas de todas as condições – desde moças a senhoras de idade e porte, de camponeses endomingados a comerciantes – formarem espontaneamente grupos e dançarem em conjunto, ao som do tamborileiro. E mui acertada e alegremente, o que é que julgam?


Tão longe de nós e tão perto, os espanhóis; tão diferentes e tão semelhantes. Em Espanha penso sempre no lado de nós que não chegámos a ser. Do mesmo modo que eles pensam em nós como o lado de cá que não chegaram a ter (nem a ser também). Não sou iberista, a nossa cultura é suficientemente rica. E é a nossa. Respeito a memória dos muitos milhares que ao longo das nossas fronteiras sacrificaram vidas para manter independente a nossa terra, durante séculos.


Mas isto não me impede de amar as paisagens espanholas e sobretudo as suas cidades barrentas e densas, as suas catedrais pesadas, as suas ruas duras e fluidas. Somos diferentes, mas há uma espécie de nostalgia mútua e cruzada que nos aproxima e afasta, nos identifica e distingue.

E no meio disto tudo houve uma bela surpresa. No “Pateo de la Universidad”, onde, todos os dias, passam muitos milhares de turistas e ficam especados frente ao grande portal de estilo plataresco à procura de «la rana», uma empresa de Coimbra. A Artescan, do Instituto Pedro Nunes, com dois engenheiros no alto duma grua tirando dados para uma reprodução em 3D de todo o rendilhado da pedra. O facto é tão importante que há reportagens na televisão e os diários do dia seguinte (“La Gazeta” e “El Adelanto”) fazem fotografias de primeira página e grandes reportagens sobre esta «tecnología puntera a nivel mundial», que lhes irá possibilitar uma recuperação perfeita daquela preciosidade arquitectónica. É bom ver como há empresas de Coimbra que estão dando cartas lá por fora.

João Boavida

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

MUITO DE TUDO


Minha crónica no "Público" de hoje (na imagem a jabuticaba):

Foi o filósofo Agostinho da Silva que disse que o “brasileiro é um português à solta”, um português longe da sua terra e com muito espaço em volta. Ele devia saber do que falava pois, nascido no Porto, viveu no Brasil entre 1947 e 1969. Mas o escritor Miguel Real já o emendou dizendo que o brasileiro é “muito mais do que um português à solta”. De facto, há muitos brasileiros, alguns mais à solta do que outros, e cabem todos no Brasil. Há brasileiros portugueses como há brasileiros alemães e japoneses, para além de haver, claro, brasileiros descendentes dos índios.

Conforme me respondeu com tanta exactidão como concisão um colega brasileiro, quando lhe perguntei em visita recente se ainda havia muitos bandidos: “Aqui tem muito de tudo”. O que mais impressiona quem visita o Brasil é a imensa variedade de pessoas e coisas. Algumas trazidas há muito de Portugal: por exemplo, no restaurante Manoel e Juaquim, em Copacabana, no Rio de Janeiro, há bom bacalhau e o passante é convidado a entrar por um letreiro que diz “Aqui desde 1500”. Muitas outras trazidas de diversas partes do mundo. O Rio foi descoberto pelos franceses antes de ser conquistado pelos portugueses. E, antes disso, foi índio. Os franceses confratenizaram alegremente com os índios tupinambás e os lusitanos não puderam dispensar, no assalto ao morro, a ajuda dos índios temiminós. Mas antes de ser português o Rio não era Rio. O escalabitano Estácio de Sá fundou a cidade do Rio de Janeiro no ano de 1565, pelo que há um erro óbvio na tabuleta (o anúncio é um pouco “solto”, como aliás a publicidade brasileira em geral). O professor, de origem transmontana, que me elucidou sobre a abundância no Brasil olvidou, porém, tanto os franceses como os índios: para ele “sô” Estácio foi o primeiro carioca.

Hoje, com o eixo do crescimento económico a deslocar-se para Oriente e para Sul, há cada vez mais de tudo no Brasil. E, no entanto, encontra-se uma certa unidade na imensa variedade. Como escreveu a filósofa paulista Marilena Chauí, “tem um povo pacífico, ordeiro, generoso, alegre e sensual, mesmo quando sofredor, é um país sem preconceitos... desconhecendo discriminação de raça e credo, e praticando a mestiçagem como padrão fortificador da raça, é um país acolhedor para todos os que nele desejam trabalhar e, aqui, só não melhora e só não progride quem não trabalha... é um ‘país dos contrastes’ regionais, destinado por isso à pluralidade económica e cultural”. Falta o desenvolvimento, assegurado pela ciência e pela tecnologia? Faltava. Hoje não falta nada, e o país, depois dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula da Silva, vai em frente com um crescimento que aos portugueses faz inveja. A economia brasileira cresceu 7,5 por cento em 2010 relativamente ao ano anterior, o maior crescimento num quarto de século. O Brasil é conhecido pelas paradinhas de Pelé e pela bossa-nova de João Gilberto. Mas bem podia ser, como divulga a última revista Veja, pelos comandos neurológicos inventados pelo médico paulista Miguel Nicolelis, que quer abrir a Copa do Mundo de 2014 com um pontapé dado por um adolescente tetraplégico, ou pelo walkman inventado pelo brasileiro-alemão Andreas Pavel que permitiu aos seus utentes “soltar a franga que têm dentro”. Para não falar já do avião movido a álcool, o Ipanema da Embraer, do engenheiro Satoshi Yokota, de origem japonesa, ou do sucesso mundial da marca Havaianas obtido pela empresa Alpargatas de São Paulo. Fiquei até com a ideia que, se a crise aqui se agravar, o Brasil nos pode dar “uma mãozinha”. Temos, graças a “sô” Estácio, uma rede onde cair...

O Brasil é também o país da auto-crítica, condição indispensável do progresso. O meu amigo brasileiro ensinou-me o que era a jabuticaba, um fruto tropical que há muito por lá. Vende-se no Rio no meio das longas filas de trânsito (muitos carros vão e vêm às horas de ponta para a Barra da Tijuca, os subúrbios onde pululam os shoppings). E explicou-me: “Se só há no Brasil e não é jabuticaba, pode está certo que está errado”.

PS) Emendei o nome do restaurante portugues no Rio para "Manoel e Juaquim", mesmo assim com 0 u e o o trocados (agradeço a indicação a Manuel Mota).

quarta-feira, 20 de julho de 2011

LISBOA, GEODIVERSIDADE E GEOCONSERVAÇÃO


Com a devida vénia republicamos o artigo do geólogo Galopim de Carvalho que saiu na revista “arquitectura paisagista”, Nº 07, Junho a Dezembro de 2011)

Se perguntarmos aos nossos governantes, juristas, economistas, quadros técnicos e científicos, agentes de cultura, opinion makers e outros intelectuais se conhecem a natureza e a história do terreno onde nasceu e cresceu a sua cidade, a esmagadora maioria, à semelhança do cidadão comum, vai dizer-nos que não sabe. E não sabe porque, desde sempre, o nosso sistema de ensino não dispensou à geologia a atenção que esta disciplina justifica e merece, situação que tenho denunciado. Os cidadãos, que tiveram formação académica e profissional nos domínios da Geologia, são excepção ao grosso da população que desconhece o chão que pisa e no qual assentam as fundações do prédio onde vive.

A urbanização de Lisboa, como em muitas outras cidades, cobriu e ocultou quase toda a área em que se expandiu e os poucos testemunhos das rochas que formam o substrato da cidade, e que o acaso permitiu que sobrevivessem ao camartelo, ao betão e ao asfalto, muito pouco ou nada dizem a quem todos os dias passa por eles.

Relativamente à história da cidade, são muitos os que conhecem a lenda do desafortunado Martim Moniz, entalado nas portas do Castelo de S. Jorge, em 1147. Nem todos sabem o que aqui aconteceu entre esta data e o tempo dos primeiros humanos que pisaram estas terras no Paleolítico inferior, há mais de cem mil anos, sendo relativamente raros os que têm uma ideia de uma história mais antiga que aqui recua ao chamado período Cretácico, quando, bem perto, ainda havia dinossáurios, como o demonstram as pegadas deixadas em Pego Longo, na vizinhança de Carenque, vergonhosamente deixadas ao abandono. Desse período da Era Mesozóica lembremos o lioz usado na construção dos Jerónimos, da Torre de Belém, do Palácio da Ajuda e da maior parte da estatuária e cantaria local. Esta bela pedra ornamental, explorada na região, por vezes, incorrectamente referida como mármore, é um calcário gerado há cerca de 95 a 97 milhões de anos, num mar litoral, muito pouco profundo, de águas mais quentes do que as que hoje banham as nossas praias no pino do verão. Nesse tempo toda esta região era mar e as serras de Sintra e da Arrábida estavam a muitos milhões de anos de surgirem, alterosas, acima dele. Nesse mar raso, populações imensas de um tipo muito particular de moluscos, a que chamamos rudistas, com conchas mais espessas do que as das ostras, cobriram os fundos e, proliferando umas sobre as outras, edificaram, camada após camada, os estratos de calcário que ainda podemos ver, por exemplo, nas Avenidas Infante Santo, perto da Cova da Moura, e Calouste Gulbenkian, sob o aqueduto das Águas Livres, ou na base do bairro dos Sete Moinhos, à entrada de Lisboa pela ponte Duarte Pacheco.

A pedra negra das velhas calçadas da cidade é basalto, ou seja, lava consolidada de vulcões que aqui estiveram em grande actividade há uns 70 milhões de anos, já o mar tinha abandonado toda esta região. Um esplêndido testemunho das potentes escoadas deste basalto ainda pode ser admirado num enorme escarpado, resto de antiga pedreira, no interior de um espaço desportivo, na Rua Aliança Operária.

No tempo imenso que se seguiu a este mar de fogo e cinzas, toda esta região evoluiu num ambiente continental, cuja idade remonta aos 40 milhões de anos, marcado pela secura do clima, propício à deposição de calcários lacustres, como são os de Alfornelos e da Brandoa, e a grandes enxurradas, como as que ainda se podem observar na Calçada de Carriche, nas camadas sedimentares repletas de calhaus arredondados.

Há cerca de 23 milhões de anos, o mar regressou a esta região e gerou, de novo, um ambiente construtor de calcário, mas, desta vez, por um grupo de minúsculos invertebrados coloniais – os briozoários – à semelhança dos corais. Um belo exemplo deste ambiente marinho recifal está protegido como geomonumento, na Rua Sampaio Bruno.

A geologia ensina-nos que as antigas fábricas de cerâmica que moldaram o barro extraído dos próprios locais, hoje desactivadas ou demolidas, invadidas pela cidade, só existiram porque esse mar recuou e passou a haver nesta região uma paisagem aplanada, propícia à sedimentação argilosa de um grande rio, povoada por grandes crocodilos, mastodontes (grandes herbívoros ancestrais dos elefantes), e muitos outros mamíferos, entretanto extintos. Ossadas destes animais têm sido desenterradas dos respectivos sedimentos, como são os areeiros que deram nome à praça que remata, no topo, a Avenida Almirante Reis. Graças ao trabalho de geólogos e paleontólogos que, a partir de finais do século XIX, estudaram, minuciosamente, os restos fósseis de animais e plantas recolhidos nestes terrenos, atribuídos ao período Miocénico, permitiram-nos ter uma ideia muito razoável da biodiversidade que caracterizou esta pequena parcela da Estremadura no respectivo intervalo de tempo, estimado entre 23,5 e 5,3 milhões de anos.

A geologia ensina-nos, ainda, que o chamado gargalo do Tejo não passava por aqui. Se, há uns 2 milhões de anos, já houvesse humanos nestas terras, eles poderiam ir a pé até à Outra Banda. Este troço final do grande rio resultou de abertura facultada por um importante sistema de fracturas, posterior a essa data, que o desviou do caminho que levava para a sua antiga foz, mais a sul, na península de Setúbal, numa faixa de terreno vizinha da actual Lagoa de Albufeira.

No que se refere às paisagens que marcaram este nosso espaço urbano, apenas é possível referir com objectividade a dos últimos tempos marcados pela presença dos nossos antepassados humanos. Para trás tudo se perdeu em consequência das convulsões tectónicas que elevaram umas áreas e deprimiram outras e dos efeitos da erosão que, sendo imperceptível à escala da nossa dimensão temporal, é bem visível quando se trata de milhões de anos. As chamadas sete colinas de Lisboa são o resultado da dialéctica entre as forças que elevam e constroem relevos e as que, por via dos agentes de erosão, os escavam e arrasam.

Desta acção erosiva resultaram vales como, para citar os mais importantes na determinação do tecido urbano, o Vale de Alcântara, bastante encaixado, ao estilo de um canyon, nos calcários do Cretácico, o Vale de Arroios, percorrido pela Avenida Almirante Reis, que conflui, no Rossio, com o da Ribeira de Valverde, que deu traçado à Avenida da Liberdade. Na zona oriental da cidade tem importância a bacia hidrográfica do Vale de Chelas, uma das últimas áreas de expansão de Lisboa.

Páginas de toda esta história, milagrosamente conservadas na densa malha urbana, visíveis em alguns raros locais e afloramentos rochosos na capital, despertaram, em começo dos anos 90 do século que findou, a atenção do Museu Nacional de História Natural (MNHN). À semelhança de um qualquer património construído e aceite como um monumento, também estas ocorrências geológicas começaram a ser entendidas como tal e, assim, justifica-se o cuidado de as protegermos e legarmos aos vindouros como documentos de um património natural que, não raras vezes, a civilização, o progresso e, também, a ignorância vão destruindo ou soterrando. Alertada a Câmara Municipal de Lisboa (CML) para este valioso património, ao tempo do vereador Rui Godinho, que, em boa hora, tomou este assunto em mãos, algumas destas ocorrências foram intervencionadas no sentido de as colocar à fruição por parte do público.

Após alguns anos de estagnação, a actual vereação retomou esse trabalho pioneiro, e que foi exemplo para outras cidades do País, havendo, neste momento, um projecto visando concluir o que havia sido iniciado e estender esta mesma preocupação a outros sítios entretanto referenciados por funcionários da Câmara com preparação geológica adequada.

Lisboa dispõe, hoje, de um conjunto de geomonumentos já musealizados ou em vias de musealizaçao, no espírito do que definimos como um Exomuseu da Natureza (1.º Encontro Nacional do Ambiente, Turismo e Cultura, reunido em Sintra, em 1989, por iniciativa do Centro Nacional de Cultura, ao tempo da saudosa Helena Vaz da Silva). Concebido como um conjunto de ocorrências naturais, esta estrutura museológica, geograficamente dispersa, pode ser coordenada a partir de um museu, de uma autarquia, de uma universidade ou de uma fundação que as identifica, inventaria, e as aceita como “peças de museu” que, como tal, protege, estuda, valoriza e explica ao cidadão. Sendo evidente que tais ocorrências não cabem, fisicamente, dentro do edifício de um museu convencional e tendo em atenção que o seu enquadramento natural, no local onde se encontram, é essencial à sua compreensão, elas têm, forçosamente, de permanecer fora das paredes da referida instituição.

Na letra do protocolo, então assinado pela CML e pelo MNHN (22 de Junho de 1998), os geomonumentos da capital, sendo propriedade material da Autarquia, são considerados pólos científicos, pedagógicos e culturais da Universidade de Lisboa.

Galopim de Carvalho

quinta-feira, 14 de julho de 2011

GUIMARÃES, CAPITAL DA CULTURA?


Leio nos jornais que o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, que tem a legitimidade proveniente de ser o representante eleito da população vimaranense, perdeu a confiança na pessoa que está à frente da organização da Capital Europeia da Cultura. Estará cansado de esperar por uma organização decente.

Parece-me que aqui está uma magnífica oportunidade de poupar dinheiro público. A extinção dos Governos Civis foi apenas um gesto simbólico. Não se sabe ainda se outras extinções se seguirão, como a das Direcções Regionais de Educação. E por que não extinguir as Capitais da Cultura? Tudo leva a crer que têm sido um regabofe no gasto de dinheiros públicos, mesmo quando a procissão ainda só vai no adro. Até há uma Fundação (Fundação Cidade de Guimarães, com iniciais FCG que se confundem com as da Fundação Calouste Gulbenkian), para organizar o evento...

De Capitais da Cultura tenho uma modesta experiência. Não propriamente Capitais Europeias, mas sim Capitais Nacionais da Cultura. Há um bom par de anos convidaram-me para ajudar na organização de Coimbra - Capital Nacional da Cultura, com o pelouro da ciência, mas só lá estive poucas semanas. O regabofe que vi deixou-me escandalizado. Os responsáveis chegaram a alugar uma sede vistosa e sumptuária - um palacete - por um preço exorbitante, com a complacência da Câmara na altura PSD. O programa, caríssimo, foi uma verdadeira insignificância pois não ficou nenhuma marca na cidade. Como me vim embora logo, não cheguei a ver o decorrer de toda a desorganização. E, se isto era uma Capital Nacional, imagino o que não será uma Capital Europeia da Cultura...

Imagino também que a desavença seja agora, como é costume, não por falta mas por excesso de dinheiros. Numa altura de crise, com carências de todo o tipo, Guimarães, que é uma cidade muito simpática e onde gosto de ir, não merece isto. E o resto do país, que teve Guimarães como berço, também não...

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A NOSTALGIA DAS CAMPAINHAS DAS PORTAS MAIS AS ATENTAS PORTEIRAS


Dado o grande êxito da última crónica sobre cafés às cores, não hesitámos em pedir à escritora Cristina Carvalho mais uma das suas prosas. Respondeu-nos muito amavelmente, na volta do correio, com o texto que se segue. Desfrutem:

A verdade é que tenho nostalgia de ver aquelas lambadas que os miúdos levavam das porteiras dos prédios ali em Campo d’Ourique e noutros bairros de Lisboa. Elas saltavam das cadeiras do átrio da entrada onde passavam o dia todo sentadas a fazer croché, orelhas atentas ao menor ruído inusitado, olhos espertos e capazes de vislumbrar um pequenino rato na curva dum degrau e a vassoura atrás da porta era um assustador instrumento de dissuasão que conseguia dispersar as intenções de qualquer atrevido que ousasse perturbar o ritmo da vida duma escada decente.

Conheciam toda, mas toda a gente que passava, quem saía, quem entrava, a que horas saía a pessoa do segundo esquerdo e a que horas entrava a viúva do rés-do-chão, o-raio-dos-miúdos-mal-educados lá de cima, a estúpida que sacode o pano do pó para a rua, a sopeira que deixa cair as molas da roupa no saguão, os magalas das sopeiras, as desavergonhadas das sopeiras que cantam o dia todo e não desenvolvem, umas entram, outras saem e não param naquela casa, algum defeito há-de haver! qual o dia do mês em que vinham os homens: o do gás, o da electricidade, o guarda-noturno, o limpa chaminés, o da mercearia, o da frutaria, o da leitaria, o simpático, o jeitoso, o bem cheiroso, o mal cheiroso, o antipático, o do cabelo oleoso, o que pisca os olhos, o que elas gostam e o que elas não gostam.

E aí vêm as férias do Natal mais as da Páscoa e as Férias Grandes que têm direito a iniciais maiúsculas como se de época santa se tratasse – oh miúdos, se vos apanho!! saí-me daqui das redondezas, não vos quero ver tão depressa e vou fazer queixa ao teu pai e tão depressa não vais passar aqui na rua, quanto mais à minha porta…

Todas estas ameaças eram mordiscadas logo de manhã pelas Santas Porteiras das Latas de Solarine Coração bem apertadas na mão esquerda, trapos de limpeza na mão direita e um bafejar, um hálito de limpeza no espelho de cobre que marcava os botões das campainhas da porta.

Era verão e as manhãs mornas. Era verão e as manhãs longas. E por ser verão de manhãs mornas e longas, a vida esticava-se ao comprido pelas ruas, e pelos passeios, a vida como um grande gato mole, a vida parada de cor acinzentada apesar do brilho do sol, apesar dos homens e das mulheres, apesar das crianças, apesar das férias e dos piropos dos rapazes e das raparigas frenéticas num pulsar doido de sexos e espreitadelas pelas esquinas ainda furtivas. Nessas manhãs longas e mornas, os miúdos estão de férias, a escola acabou, a marcha da aprendizagem inquieta da obediência cega sem direito a comentários nem refrões, por agora, tinha chegado ao fim. Os miúdos estavam de férias. Brincavam na rua o dia todo, de manhã à noite e o que fazer? o que fazer todo o dia?

CAMPAINHAS…

Todas doiradas, apetitosas, botõezinhos a brilhar e eles a passar como um vento, como uma cauda de ventania, um suspiro, um relâmpago, qualquer coisa muito ágil, verdadeiras línguas de calor e fogo, zááááas e zzzzttttttt e zzzzzttttttttt e zás zás mais zás, zás, zás, as suas mãozinhas espalmavam-se contra o espelho de todas as campainhas de todas as portas de todos os prédios de todas as ruas de todas as limpezas de todas as porteiras do mundo inteiro mais os gritos e os-ais-e-os-uis-que-te-apanho-meu-malandro e deixaste aqui dedadas, sujaste-me a porta toda, vais apanhar ai vais, vais! olhávassoura, olhávassoura e grita e grita e corre, corre, vai o verão vem o outono, vem a escola, vão os gritos, alegria que esmorece, tudo desaparece, quase tudo sem se ver, quase tudo sem se ouvir…

Era esta a nostalgia de que vos falava. Das mãozinhas nas campainhas das portas. Quando as porteiras os corriam à vassourada, depois de todas as cabeças de todas as donas de casa espreitarem às janelas, umas mais altas, outras mais baixas, umas curiosas, outras furiosas.

Era esta a nostalgia de que vos falava, esta das campainhadas. Hoje isto já não é possível, já nem há miúdos dispostos a carregar nos sinais luminosos, muito complicados e secretos dos painéis eletrónicos e computorizados que existem nas paredes dos prédios e onde uma pessoa tem de memorizar vários códigos secos e onde uma pessoa tem de ser extremamente hábil e inteligente para perceber por onde é que se começa, que botão tocar ao de leve, com a polpa da cabeça do dedo, dum certo dedo, em primeiro lugar para que dê acesso a uma informação que por sua vez acende uma luzinha de presença que vai indicar qual o próximo botãozito que se deve acionar de seguida até chegar ao apito final. Aqui sim! Zumbido, silvo, apito, qualquer coisa e a porta, com um estalido, abre-se finalmente depois de termos sido filmados de alto a baixo por uma câmara oculta sabe-se lá onde e por quem!

E as porteiras tal como as verdadeiras campainhas, aquelas porteiras que se eternizavam em cima duma almofadinha numa cadeira de madeira que rodava, rodava, rodava todo o dia numa azáfama preguiçosa, desapareceram para nunca mais serem vistas.

São as profundezas da vida. Misteriosas. Inequívocas.

Cristina Carvalho

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Café às cores


Com a amável autorização da autora, reproduzimos a última crónica da escritora Cristina Carvalho no sítio Literatura PNet:

Desde que se democratizou o consumo do cafezinho nas nossas próprias casas, quem não tiver uma maquineta de tirar bicas, daquelas que engolem cápsulas de várias cores – cada cor seu paladar como os “rajás fresquinhos” – não tem nada! Você pode não ter mais nada, mas uma maquineta de tirar cafés, tem, com toda a certeza. Tem-na na sala, naquela mesita baixa ao pé da televisão, tem-na na cozinha ao lado do micro-ondas, até a tem no vestíbulo da entrada se já não tiver cabimento em mais lado nenhum. Tem-na.

Começa porque a máquina é bastante cara. Mas isso não tem, realmente, grande importância. Faz parte daquelas aquisições que o vão fazer sobressair no seu estado social, mais não seja porque é yesssss! Máquina de café mais o estojozinho ou sem estojo, uma coleção de cápsulas brilhantes e eficazes. Um problema: que fazer com as cápsulas usadas? Fora? Lixo? E o ambiente… Mas já inventaram um capsulão, a verdade é essa! E desde que o capsulão apareceu no bairro, é tudo muito melhor, muito mais limpo. Mais o preço das cápsulas e a estafa, a demora inacreditável, a espera submissa na asséptica loja onde ali e só ali – a não ser que um cristão tenha internet e faça a encomenda – se pode comprar o aveludado cafezinho.

Tudo isto se desculpa porque oferecer a um amigo, uma visita ou o próprio tomar este aromático líquido, é compensador.

Não é de todo desagradável estar em pé numa daquelas lojas lindas, educadas tempos e tempos sem fim! Esperar longos minutos com uma senha na mão e observar demoradamente os empregados tão aromáticos como o próprio café e parece que quase não falam, parece que os seus pezinhos deslizam sobre nuvens de algodão doce quando saem por detrás do balcão e gentilmente nos estendem os braços e nos entregam o saco com o que acabámos de comprar. Atendimento altamente! Nada tem já a ver com aquelas lojas de café que existiam no Martim Moniz ou na Praça da Figueira onde homens enormes, gordíssimos, de batas brancas manchadas com riscos e sombras acastanhadas que eram a mancha desenhadas por vestígios de pó de café, suportavam o peso duma existência inteira dedicada à delicada composição dos lotes de café. E uma pessoa saía com um pacote de papel pardo na mão, atado por um cordel, nas extremidades.

Hoje, nestas novas lojas, há ar condicionado e um balcão para provas de café e altas colunas coloridas onde estão inequivocamente arrumadas milhares e milhares de cápsulas que apresentam as tais cores variadas conforme o nome e a proveniência e há esperas e sorrisos e desejos e vinganças e encontros e desencontros, tudo num certo espaçar de tempo com determinada ideia: eu não sou qualquer um. Eu gasto deste café. E mesmo que se esteja ali vinte, vinte e cinco, trinta minutos ou mais à espera de ser atendido, não existe um esgar, um azedume, qualquer tom de impaciência nessa espera desgastada. Há uma sobranceria qualquer, uma ideia, uma máscara, um enfeitar, um regozijo, satisfação, enlevo, um gozo premeditado, um prazer que se imagina por se receber mão na mão, olhos nos olhos, o impulso quase triste de se caminhar na direção da porta de saída ostentando um saquito ufano recheado de caixinhas multicores cheias de pó de café comprimido e burguesote.

E finalmente, quem sabe, ó céus! ó enlevo máximo! ó sublime visão de categoria, de grande categoria: à nossa espera, ali encostado rente ao passeio a fervilhar de gente cheia de saquitos de cápsulas, para cá e para lá, rua acima, rua abaixo, um automóvel cor de prata e lá dentro, óóóóó!!! John Malcovitch empoado, sentado, de sorriso cândido, John com asas, John sem asas, John nas nuvens mais o seu amigo, o Clooney, aquele rapaz que tresanda a café do bom, do requintado, o George nas alturas a subir uma escadaria celeste, degraus de algodão, fato branco, luminoso, imaculado.

Ah se todos os Johns e todos os Malcovitch’s e todos os Georges e todos os Clooneys do mundo inteiro soubessem o sacrifício que um mortal passa para beber e ter acesso a uma só cápsula, uma só indestrutível cápsula de café…

Cristina Carvalho

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A LEI PROTECTORA DE MALFEITORES EM NOME DA SUA PRIVACIDADE



“Há lágrimas espremidas pelas mãos da prepotência e a lei acobarda-se de levar aos olhos do fraco o lenço que vela os olhos da Justiça” (Camilo Castelo Branco, 1825-1890).

A história conta-se em poucas palavras:

Desloquei-me hoje ao Coimbra Shopping, a fim de fazer as minhas compras habituais no Continente. Estacionei o meu carro no “sector C”. Saí da viatura cerca do meio-dia tendo regressado, efectuadas as compras, pouco depois das 13 horas.

Para grande espanto meu tinha a parte traseira do lado esquerdo do carro com uma grande mossa. Dirigi-me a um dos vigilantes que tomou conta da ocorrência e me aconselhou a dirigir-me à Polícia de Segurança Pública, a fim de apresentar queixa.


Foi o que fiz, cerca das 17 horas, preenchendo um formulário posto à minha disposição. Tendo apelado ao visionamento das câmaras de vigilância do parque de estacionamento, que pessoa amiga me dissera aí haver, fui informado, pelo agente que me recebeu, que esse visionamento teria que ser solicitado, através de um advogado, como forma de protecção à “privacidade do cidadão” que me amachucou o carro pondo-se a milhas. Este recurso aos serviços de um advogado faria recair sobre a minha bolsa o ónus de uma despesa quiçá superior ao preço do conserto do carro. Ou seja, o crime está protegido pela privacidade de quem o comete...e pela disponibilidade financeira de quem dele é vítima!

Não me admira, portanto, que com esta protecção que é dada a quem pratica actos criminosos contra a propriedade alheia passe a ser uma prática comum em nome da privacidade de quem não é apanhado em flagrante. Por último: o violento embate no meu carro terá deixado marcas no automóvel do autor da "façanha". Ingenuamente, o vigilante do referido parque de estacionamento solicitou-me o número do meu telefone admitindo a hipótese de o respectivo causador vir a assumir a sua culpa, comunicando a ocorrência e a respectiva responsabilidade na recepção do Continente...

Dado, como sou, em acreditar nos provérbios populares, neste caso, “quem espera sempre alcança”, desta feita estou em crer que bem posso esperar… sentado, como soe dizer-se. Assunto arrumado, portanto, em nome da privacidade de quem bateu na minha viatura e se pôs em fuga!

O FENÓMENO DA CONSCIÊNCIA É COMO O DA EXISTÊNCIA DO UNIVERSO - DAVID LODGE

Faleceu David Lodge, o polifacetado escritor britânico que manteve na ficção uma ironia finíssima e absolutamente corrosiva. A diversidade h...