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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

CORRIGIR O GENOMA HUMANO COM EDIÇÃO GENÉTICA




Na próxima 3ª feira, dia 3 de Março de 2020, pelas 18h00, vai ocorrer no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra a palestra "The Modern Prometheus": corrigir o genoma humano com edição genética, por Pedro Antas,  investigador pós-doutorado no Centro de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, no laboratório Mecanismos Moleculares de Doença, onde actualmente coordena um projecto financiado pela Fundação Americana Choroideremia Foundation.

Esta palestra integra-se no já popular ciclo "Ciência às Seis – 4ª temporada", coordenado por António Piedade, Bioquímico, escritor e Comunicador de Ciência.

Sinopse da palestra:
“Hoje, inúmeras doenças genéticas poderiam ser tratadas num abrir e fechar de olhos. Podemos corrigir mutações de um gene com uma facilidade impensável há 10 anos atrás. Aliás, já nasceram os primeiros bebés geneticamente modificados. 

Mas afinal o que é uma doença genética? Como é que a podemos curar? E se o desenvolvimento dessa cura abrir portas para criarmos descendentes por medida? Até onde estamos dispostos a ir? O que está a sociedade disposta a aceitar?

Nesta palestra propomos-nos abordar algumas destas questões e falaremos, em particular, da doença Coroideremia, doença genética que provoca perda de visão a partir dos 20 anos de idade.”


Nota sobre Pedro Antas:
Pedro Antas é investigador pós-doutorado no Centro de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, no laboratório Mecanismos Moleculares de Doença, onde actualmente coordena um projecto financiado pela Fundação Americana Choroideremia Foundation. Licenciou-se em Biologia Celular e Biotecnologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e fez o seu mestrado em Biologia Humana na mesma faculdade. Obteve o seu grau de doutoramento na University College of London num trabalho desenvolvido no The Francis Crick Institute em Londres, em Biologia das Células Estaminais e Cancro. No seu período em Londres presidiu à PARSUK- Associação de Investigadores e Estudantes Portuguese no Reino Unido, e integrou também o Centro de Science Policy da Royal Society que providencia aconselhamento cientifico ao governo britânico.   



ENTRADA LIVRE
Público-Alvo: Público em geral e interessado
Link para o evento no facebook

terça-feira, 29 de outubro de 2019

ComceptCon 2019: Evolução Humana

Evento: ComceptCon 2019: Evolução Humana
Local: Museu de Leiria
Data: 2 de Novembro, a partir das 10h
Entrada gratuita
Programa e inscriçõeshttp://comcept.org/comceptcon-2019/

Mais informações:

A COMCEPT – Comunidade Céptica Portuguesa, associação de promoção da ciência, vai realizar a sua oitava convenção anual, a ComceptCon 2019, que irá decorrer a partir das 10h00 do dia 2 de Novembro, no Museu de Leiria.
O título da convenção deste ano será “Evolução: o ser humano na árvore da vida”.

Durante a ComceptCon irão decorrer quatro conferências dirigidas a todas as pessoas que se interessem pela relação entre a ciência e a sociedade. A manhã começará com uma palestra sobre o ABC da Evolução, pela bióloga Diana Barbosa, Presidente da COMCEPT, seguida de uma intervenção sobre as novidades da Evolução Humana, tendo como oradora Eugénia Cunha, Professora Catedrática convidada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e Directora da Delegação Sul do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.

Depois de uma pausa para o almoço, João Pedro Tereso, investigador em arqueobotânica no CIBIO-InBIO, falará da Evolução da paisagem e mudanças nas sociedades humanas antes do Antropocénico. A última palestra será dedicada à variação genética humana e ficará a cargo de Jorge Rocha, professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e coordenador do grupo de Genética Evolutiva Humana, no CIBIO-InBIO.

No final, haverá um debate com os quatro oradores em torno do tema O que nos dizem os testes genéticos comerciais. Será dada a possibilidade intervenção do público, de modo a proporcionar uma aproximação entre estes e os cientistas.

Mas este ano traz uma novidade: devido ao evento calhar num fim-de-semana prolongado, o Museu de Leiria irá proporcionar uma visita ao Vale do Lapedo e ao Centro de Interpretação do Abrigo do Lagar Velho, para conhecer a história da descoberta do Menino do Lapedo. A vista terá lugar no dia anterior, dia 1 de Novembro, às 15h.

Numa época de nacionalismos e de extremismos, importa conhecer a história do percurso da humanidade para compreender a sua origem comum, o seu percurso migratório e entender que apesar das diferenças morfológicas não há diversidade genética suficiente para falar de raças humanas.

Neste evento, os participantes poderão conversar directamente com os cientistas e esclarecer as suas dúvidas, seja durante o período de perguntas, seja durante o intervalo.
Para mais informações sobre o evento, pode consultar a página do evento: http://comcept.org/comceptcon-2019/


domingo, 23 de junho de 2019

O Conceito de “Raça” Existe? Uma Breve Síntese à Luz da Ciência.


De quando em vez retoma a discussão na sociedade se a espécie humana se divide em raças.  Contudo, desde há décadas que é consensual dentro da comunidade científica, com base do que se conhece de biologia e de genética, que não faz sentido falar-se em raças. Assim se vê que este é um daqueles temas em que o consenso científico ainda não passou para o senso comum da sociedade. Nesta perspectiva, é pertinente a reflexão trazida pelo Miguel Mealha Estrada sobre este tema, que aqui se reproduz. 

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Texto de Miguel Mealha Estrada:

Num mar de desinformação científica, o qual inclui a genética, assistimos cada vez mais à proliferação da iliteracia científica, muita com intuitos nefastos e com o propósito de consolidar o populismo que cimenta as políticas extremistas, alimentando os mais vulneráveis com respostas falsas, não científicas e exponencialmente perigosas.
Historicamente, houve episódios em que a ciência foi abusada, deturpada e encomendada à medida da ideologia vigente na altura ou da crença preferencial. Relembremo-nos que no século XIX foi cunhado o termo Eugenia para designar um conjunto de ideias que ganhava cada vez mais apoios. A ideia subjacente era de uma ciência que servisse a humanidade ao retirar do pool genético “raças inferiores”, indivíduos imorais e com patologias do foro mental e genético.
E a história não para aqui. Ainda mais recentemente, durante o século XX tivemos cientistas na Alemanha Nazi que escreveram acerca de “raças” para o benefício da sua crença, nos EUA vários ideólogos apoiavam-se na ciência para manter a segregação, a escravidão, o colonialismo, e escreviam contra misturas entre etnias e contra a imigração. Tudo isto com o apoio na palavra “raça”.

Mas, ideologias à parte, vamos dar uma olhada à realidade e ver o que nos informa a ciência. Como irão ver, o assunto é extremamente complexo:

Se olharmos para a história da taxonomia e da sua relação com o conceito de ‘raça’, entramos num oceano de disparidades pseudocientíficas (embora tenhamos em conta o rudimentar conhecimento científico de outros tempos, e por tal temos de dar um desconto). Já no período da ciência europeia moderna, o botânico e médico iluminista Carl Linnaeus, mais conhecido por Lineu, viria a adquirir reconhecimento pelas suas intervenções a nível económico, social e científico. Mas foi na área da taxonomia (classificação das espécies com base nas suas características) que ficou globalmente conhecido: não só reuniu as espécies em grupos (filos e famílias) com base em características semelhantes, como criou uma nomenclatura binominal em latim para designar as espécies, permitindo que os naturalistas de qualquer nacionalidade compreendessem numa só língua qual a espécie que estava a ser designada. Lineu delineou que reconhecia as diferentes espécies não por raça, mas muito importante, e no que toca à ciência, por área geográfica: americanos, europeus, africanos e asiáticos.
Contudo, este método de Linnaeus, embora geograficamente correto, apresenta o erro fatal de apresentar em termos taxonómicos uma homogeneidade que simplesmente não existe por mera geografia. No entanto, no trabalho de Lineu havia uma sensação de que a mulher estava a um nível abaixo do homem, herança de uma visão Aristotélica na qual se baseava.
Contudo ainda nos dias de hoje temos cientistas que abusam e deturpam a ciência perante as suas convicções ideológicas e políticas. Existem cientistas que são aliados à extrema-direita, deturpando a ciência à medida da sua crença. Mas talvez o pior, sejam os cientistas bem-intencionados (felizmente cada vez menos), que continuam a usar uma terminologia taxonómica que sugere o conceito de ‘raças’, pelo único propósito de se referirem a um grupo, confundindo ainda mais a ciência.
Por exemplo, na China ensinam às crianças que os Chineses provêm de uma ‘raça’ diferente, diretamente da linhagem do Homo erectus. Tal é a necessidade de um povo em sentir-se diferenciado, superior, o seu narcisismo fantasioso.
Faz-me lembrar um debate na BBC com o então Nick Griffin líder do BNP (British National Party), em que disse ao então secretário do Ministério da Justiça, Jack Straw, que defendia que Inglaterra deveria ser constituída pelo povo indígena que lá habitava desde a idade do gelo. Quando confrontado com a curadora do museu de História Natural em que lhe disse “mas não habitava cá ninguém na idade do gelo”, Griffin num ápice mudou a retórica. Disse “perdão, quando o gelo derreteu”. Parece uma anedota? Mas não é. Existem pessoas que acreditam nesta alucinação e ainda votam nele.

Mas afinal o conceito de raça existe?

A realidade é que é absolutamente inútil tentar dividir a nossa espécie Homo Sapiens em termos de raça. Tem sido demonstrado cada vez mais que subdividir a nossa espécie Homo sapiens em diferentes unidades raciais, numa análise objetivamente cientifica, é uma tarefa falaciosa e completamente inútil.

Mas porquê?

Bom, aqui entra a complexidade da coisa.
A biologia molecular comparativa continua o seu estudo em foco geográfico para determinar diferenças entre populações, e não fazer algum atentado à taxonomia de ‘raça’. Isto é ciência.
Sem dúvida nenhuma que ainda existe debate dentro da ciência não só em relação às diferentes possibilidades de taxonomias entre populações como também nos métodos científicos para atingir consenso. Isto é saudável, pois existe a necessidade, para compreender e estudar os nossos ecossistemas e biodiversidade, de uma linguagem que denomine um certo tipo de conhecimento.
 Contudo, o os cientistas reconhecem que tais métodos não são aplicáveis para a classificação de variantes dentro das próprias espécies, que são as unidades fundamentais de análise quando examinamos e estudamos a estrutura da vida.

O Homo sapiens é o recém-chegado da nossa linhagem evolutiva. Em termos evolutivos, fisicamente as variações na nossa espécie são na realidade uma minoria em relação à totalidade do genoma, e só podem ser compreendidas através do prisma do nosso processo evolutivo num contexto geográfico.
A variação entre espécies é extremamente crucial para a sobrevivência e adaptação da nossa espécie. Relembremo-nos que a evolução não se foca de maneira nenhuma com uma finalidade de atingir uma perfeição, e nem sempre se conforma ao fenómeno de adaptação para evoluir como se pensava. Já Charles Darwin sublinhava que o essencial à evolução é o conceito de variação. E porque é a variação numa espécie essencial à sobrevivência e evolução da mesma? Simplesmente porque a variação consegue oferecer a melhor solução a algum problema evolutivo. Se há um problema evolutivo, por exemplo, a nível de doença, se não existisse variação que pudesse oferecer a melhor resposta a esse problema, o problema ficaria com as ferramentas genéticas que existissem, muito provavelmente guiando-nos à extinção.

Vamos agora dar uma breve olhada em algumas problemáticas na replicação do ADN, pois é essencial compreender este aspeto. É precisamente este aspeto de replicação que é extremamente importante em como atua o conceito de variação entre espécies e se elimina cientificamente do vocabulário o termo de ‘raça’.
O ADN é a peça central à reprodução de organismos, o que também nos elucida em relação à grande diversidade em que a vida no planeta evoluiu. Contudo a nota preliminar e importante é termos a noção que a replicação do ADN não é sempre exata. Na realidade alguns defeitos e erros podem ocorrer e até com alguma frequência. Estes defeitos e erros têm a denominação de mutações.  

Vários fatores podem gerar este fenómeno. Vamos ver o exemplo de Seleção Natural: a seleção natural irá dar atenção a uma nova variação, ou mutação, em 3 sentidos diferentes. Pode ver a mutação como benéfica, em que então irá ficar em favor (e propagar) essa mesma nova mutação, pode ver essa mesma mutação como patogénica, e pelos seus mecanismos eliminar essa mesma mutação da população, ou poderá considerar essa mutação como neutra, à qual não lhe dará importância.

Aqui entramos na área complicada da taxonomia, quando se aborda a temática de ‘raça’. Qualquer subdivisão de uma espécie em subespécies não é geneticamente e em termos taxonómicos suficiente, pois não existe a possibilidade de objetiva e cientificamente determinar a identificação da diferenciação de subespécies a nível de mutação. Neste prisma o processo de reprodução não tem implicação, ou qualquer outro critério, pois não passa de semântica subjetiva.
Na realidade, as pequenas diferenças que se notam no Homo Sapiens são fatores adaptativos à área geográfica onde habitam, que influencia a cor dos olhos, pigmentação da pele, suscetibilidade a certas doenças, altura entre outros poucos fatores. Mas tais fatores na realidade não têm praticamente relevância estatística para sequer poder usar o termo ‘raça’ pela seguinte razão: todas essas variações amontam a 0, 1% do genoma comum humano: sim, independentemente das diferenças mencionadas, o nosso código genético é 99,9% comum ao Homo sapiens.    
Podemos então concluir que usar o termo ‘subespécies’ servirá apenas se for de alguma forma útil em termos de referência específica a um taxonomista.
De resto, como seres humanos, temos a intrínseca necessidade de classificar o que nos rodeia, muito provavelmente no inicio da linguagem há uns 100,000 anos atrás. Por tal, a taxonomia tem as suas origens já desde o inicio da linguagem.

O egocentrismo humano como espécie superior

É interessante termos a noção de como, ao longo da história da ciência, os cientistas deram como adquirido que eramos os seres superiores do planeta: o ato divino de Deus na sua criação mas, como já vimos anteriormente, só para alguns.
Por um fator de curiosidade vamos dar uma olhada à mais famosa árvore filogenética feita por Ernst Haeckel denominada “Pedigree of Man”:


 Baseado no trabalho de Ernst Haeckel, The evolution of man (1896). 


Contudo existem erros cruciais nesta filogenia. Apenas o conceito de uma árvore, pequena com ramificações é um erro. De uma forma mais científica, teríamos de ter uma floresta filogenética (outros cientistas preferem a imagem do arbusto) cheia de ramificações, sem um tronco central ou pilar de referência. Para tal teríamos de recuar milhões de anos.
Mas aqui fica como a ciência via a estrutura da vida, onde o homem era o ser superior, numa visão enquadrada no contexto do seu tempo.

Em termos comparativos, ficamos aqui com uma representação filogenética viável e científica da “árvore da vida”, como a compreendemos no presente. Agora vejam bem, na imagem seguinte, a diferença entre o avanço da ciência e a antiga ciência evangelista, em que predomina o homem branco:

Créditos: Visual.ly


Erros Antropológicos na Noção de Divergência Humana

Imaginemos este cenário: estão na baixa de Lisboa e observam vários turistas a passar, com feições distintas. Conseguem adivinhar com certeza de onde vêm? A que continente pertencem? As chances de ficarem incrédulos o quão errados podem estar é altíssima.
Isto quer dizer que a nível morfológico é extremamente difícil, senão impossível detetar a etnia de um esqueleto ou por partes ósseas. O método mais viável de revelar uma etnia é o crânio, devido a fatores típicos de populações, tais como cavidade nasal, perímetro cranial, etc.
Contudo, a ciência não é exata. Vamos ver o exemplo do “Kennewick Man”. O esqueleto do Kennewick Man tem cerca de 9000 anos, e foi encontrado no estado de Washington, EUA em 1996. A análise do esqueleto foi interessante: quando os peritos forenses estudaram o esqueleto, notaram traços Caucasianos no mesmo e nenhuma característica nativa americana. Tendo em conta a idade do esqueleto é no mínimo muito estranho devido à disparidade geográfica das populações de então. Para acentuar o mistério, na zona do pélvis estava feita uma acentuação com uma ponta típica dos Pale indianos exatamente nesse período. Após uma reconstrução feita por especialistas em modelo real, usando a tecnologia mais avançada, qual é o espanto em que na realidade o Kennewick Man se parecia com o ator Britânico Patrick Stewart, mais conhecido pelo seu papel como Capitão da nave USS Enterprise.
Após uns anos, o mistério adensou-se quando com nova tecnologia, os peritos forenses (e usando a métrica craniana), concluíram que a aproximação mais viável a uma etnia não era com americanos nativos ou caucasianos, mas sim com os Ainu, antigos descendentes de ilhas do arquipélago do Japão! Portanto: a tarefa de concluir a identificação de uma etnia através de um crânio é perigosa, pois embora seja mais viável, mesmo assim está suscetível a erros estatísticos.
Por tal os cientistas são muito cuidadosos em assumir uma etnia em relação à morfologia óssea.
Claro que existiram cientistas que aproveitaram a onda da medida do crânio para promover as suas crenças hoje tidas como pseudocientíficas. Um exemplo é o cientista do século XIX Samuel George Norton, que mediu vários crânios de várias etnias em que ele denominava “diferentes raças”, com o propósito de estabelecer uma correlação entre raça e inteligência. Claro que o passo seguinte foi demonstrar que indivíduos de etnia ‘branca’ têm um perímetro cranial um pouco maior e por consequência, maior inteligência. Sabemos hoje que em termos neurobiológicos é uma falácia, como nos demonstra esta meta-análise.
Características tais como inteligência (situação geográfica, cultural e estatuto social), capacidade atlética, dieta, cor da pele e morfologia corporal são de uma complexa vastidão em termos que englobam geografia, adaptação e mutação, como já vimos anteriormente. Mas absolutamente. E nenhuma destas características serve como diagnóstico para descrever diferentes grupos no planeta.

Testes de ADN

Então o que nos dizem os testes de ADN em relação a ‘raça’? Hoje em dia temos à nossa disponibilidade um leque variado de testes de ADN, maioritariamente dedicados a pessoas que têm curiosidade em saber as suas ascendências. Mas na realidade, o que é que realmente esses testes nos informam? Basicamente informam-nos acerca do ADN no nosso genoma e, possivelmente, de onde tem origem.
Contudo, se usarmos métodos diferentes à nossa disposição, poderemos ter resultados completamente díspares. Estes testes resumem-se apenas a genes e ao genoma, mas infelizmente têm vindo a ser conectados com identificação de ‘raças’, o que é cientificamente completamente errado.
Uma nota importante neste erro crasso de identificação é que em cada humano o genoma é um mosaico de ascendências passadas, o qual pode incluir partes de ADN de outras espécies. Inevitavelmente é inviável usar o genoma para identificar ‘raças’ não existentes dentro da nossa espécie, mas sim, diferenças e variabilidade. Resumindo, não dão nenhum significado real à ciência, muito menos em determinar variantes, alelos e adaptações que provêm das mais variadas condições evolutivas.
Claro que existem diferenças genéticas entre diferentes populações em diferentes regiões geográficas, mas para além de melhor adaptação, não têm nenhum significado atribuído  a ‘raça’.
As diferenças estão lá, mas são superficiais. Portanto se o conceito fantasioso de ‘raça’ explica o que quer que seja acerca do Homo sapiens, a resposta científica é redondamente NÃO!

Conclusão:

 A cultura também exerce um peso em certas diferenciações, contudo, a falta dela, especialmente a científica, exerce um peso maior, quando a beleza da biologia e ciência cai nas mãos dos ignorantes, que usam a complexidade da biodiversidade para alimentar crenças populistas. Mais uma vez, um apelo ao governo para que insista na educação científica da população, pois a falta dela certamente alimenta o extremismo, a ignorância, a intolerância e um atalho ao supermercado do pronto-a-pensar.
É desta ignorância que se alimenta a extrema-direita e o populismo, pois é fácil compreender o mundo com a ignorância. Saber dá mais trabalho, mas compensa.
O conceito de ‘raça’ é um constructo social. Só existe uma espécie: Homo sapiens.

domingo, 2 de setembro de 2018

O GENOMA DO TRIGO

Crónica primeiramente publicada na imprensa regional.




A primeva seara dourada e ondulante anuncia a civilização Humana.

Desde há cerca de dez mil anos que o trigo, então domesticado pela sedentária agricultura que espigava em prosperidade civilizacional, tem sido amparo para a alimentação de uma população humana sempre crescente. O trigo tornou-se, e ainda é, um dos principais cultivos para a alimentação da Humanidade.

Mas, o exponencial crescimento da população humana cria uma enorme pressão para o aumento da produção do trigo, seu sustento. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o trigo é cultivado em cinco continentes tendo sido produzidas, só em 2016, 749 milhões de toneladas. Contudo, a produção actual será de todo insuficiente para sustentar a futura necessidade Humana: por exemplo, estima-se que em 2050 a população atinja as 9600 milhões de pessoas, o que faz com que a FAO calcule que seja necessário um aumento em cerca de 60% na produção de trigo, para amainar a fome.

Para resolver este problema, um dos aspectos a considerar é o integral conhecimento do genoma deste cereal, por forma a tornar mais produtivas as espécies de trigo actualmente existentes. E os cientistas tem trabalhado intensivamente na procura deste conhecimento, no mapeamento mais completo possível de todos os genes trigueiros.

Numa investigação que começou há 13 anos, uma equipa de 202 cientistas, provenientes de 73 instituições científicas de todo o mundo, conseguiu obter uma versão mais actualizada, e com uma notação de qualidade mais pormenorizada, do genoma do trigo. Este resultado foi publicado recentemente no número 6403 da prestigiada revista Science. Este trabalho foi possível graças à criação do Consórcio Internacional de Sequenciação do Genoma do Trigo (IWGSC), que reuniu mais de 2400 participantes de 68 países durante a investigação.

Para além do artigo que apresenta a anotação mais completa do genoma deste cereal (http://science.sciencemag.org/content/361/6403/eaar7191), foram ainda publicados outros seis artigos (outro na revista Science, um na Science Advances e quatro na Genome Biology) que interpretam as potenciais aplicações deste conhecimento novo, e de como ele pode ser potencialmente determinante para o desenvolvimento de novas variedades mais resistentes a pragas e com possibilidade de cultivo em climas extremos. O desenvolvimento de novas variedades produtivas em climas extremos é visto com particular interesse num planeta em plena alteração climática de origem antropogénica. Os resultados permitem também compreender certas doenças que afectam este cereal e a sua relação com a alimentação e saúde humanas.

A espécie de trigo estudada foi a Triticum aestivum, da variedade Primavera Chinesa (Chinese Spring). Esta espécie de trigo possui sete cromossomas repetidos três vezes, pelo que são 21 cromossomas no total. Esta repetição no trigo moderno reflecte a sua hibridização a partir de três espécies ancestrais. É uma história inscrita nos genes que agora se lê melhor.

Neste trabalho, é apresentada a localização genómica exacta de 107 891 genes. Para comparação, refira-se que este genoma é cinco vezes maior do que o humano, e 35 vezes maior do que o do arroz. Esta dimensão e a complexidade encontrada no genoma, que tem 85% de ADN repetido, explicam os 13 anos de longa investigação.

Em particular, uma equipa da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida, liderada por Odd-Arne Olsen, investigou os genes que codificam proteínas responsáveis por reacções alérgicas nos humanos, como a doença celíaca entre outros problemas imunitários advindos do consumo de trigo. Os resultados obtidos estão no artigo publicado na Science Advances (http://advances.sciencemag.org/content/4/8/eaar8602). “Com toda esta nova informação, sabemos exactamente quais os genes do glúten que estão a causar reacções alérgicas, dando-nos uma ferramenta para remover ou modificar as sequências que codificam essas proteínas”, refere Odd-Arne Olsen, citado pelo jornal Público.

Com este conhecimento, novas searas continuarão a compaginar esta relação milenar do trigo e do Homem.

António Piedade

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

IMPACTO DOS METAIS NA REPROGRAMAÇÃO DA EXPRESSÃO GENÉTICA




Na próxima 4ª feira, dia 7 de Março, pelas 18h00, vai ocorrer no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra a palestra "Impacto dos metais na reprogramação da expressão genética", por Claudina Rodrigues-Pousada, uma das mais destacadas cientistas portuguesas com 40 anos de carreira de investigação, Professora Catedrática do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB). Recebeu em 2016 a Medalha de Mérito para a Ciência, atribuída pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.





Esta palestra integra-se no ciclo "Ciência às Seis"*.

Resumo da palestra:
"A capacidade para a adaptação a alterações das condições intra e extracelulares constitui um pré-requisito para a sobrevivência e evolução de um ser vivo. Os mecanismos moleculares responsáveis por esta adaptação são muito conservados na natureza e permitem que a célula tenha a plasticidade necessária para se ajustar às sucessivas alterações ambientais, um acontecimento homeostático designado por resposta ao stress.
No meu laboratório estudamos estes mecanismos na levedura Saccharomyces cerevisiae, um eucarionte, que possui um programa complexo de expressão genética, quando exposta a uma plétora de alterações ambientais como por exemplo vários metais. Entre estes estão as altas concentrações de cobalto, de ferro, os compostos de arsénio e o cádmio que é muito tóxico.
A homeostase das células de levedura é exercida através de um mecanismo altamente coordenado da regulação da transcrição, para o que são necessários vários factores, que podem actuar individualmente ou em combinação para levar a cabo funções específicas. Através da transdução de sinais produzidos pelo stress, assiste-se a uma reprogramação genética que por um lado leva a uma paragem transitória dos processos normais celulares e por outro lado a um aumento da expressão dos genes que codificam as proteínas de «stress». Destas proteínas fazem parte as «chaperones moleculares» que são responsáveis por manter a correcta estrutura das proteínas incluindo a dos factores de transcrição que modulam a expressão genética bem como uma diversa rede de outras proteínas que exercem funções diferentes. Para além dos diferentes factores de transcrição são também relevantes as modificações pós-transcricionais e pós traducionais. Nós estudámos uma família de genes que exercem uma função transcricional e que é designada pela família Yap, que contém 8 proteínas (Yap-1…Yap8).
Nesta conferencia vou falar do factor Yap8 que é activado pelos compostos de arsénio que embora tóxicos são utilizados no tratamento de algumas doenças."

Sobre a professora Claudina Rodrigues-Pousada:

Acabou a licenciatura em Farmácia pela Universidade do Porto no ano de 1968, tendo em seguida iniciado um estágio no laboratório de Bioquímica do Centro de Biologia (CB) do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC). Com bolsas do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) e dos Serviços Culturais da Embaixada de França foi, em 1973, para o Institut de Biologie Physico-Chimique (IBPC), laboratório dirigido pelo Professor Donal Hayes, tendo realizado a tese 3.º ciclo que defendeu em Julho de 1976 na Universidade de Paris VII; em Janeiro de 1980 defendeu o doutoramento de Estado no IBPC. Em 1976 entrou como funcionária da FCG na qualidade de investigadora assistente no CB; em 1980 passou a investigadora e em 1983 a investigadora sénior depois de ter realizado as provas de agregação no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade do Porto. Começou a dirigir o seu laboratório em 1976 e entre esta data e 1979 ia por períodos longos a Paris ao IBPC para finalizar experiências e discutir os resultados obtidos com o Professor Hayes. Introduziu no seu laboratório as metodologias da Biologia Molecular, doutorou trinta alunos e publicou mais de cento e vinte artigos em revistas internacionais com arbitragem.

Prémios principais. Foi galoarda com vários prémios, nomeadamente o prémio de Genética pelo Instituto de Genética Médica Jacinto Magalhães (1994). Nesse ano foi também eleita membro da organização europeia de Biologia Molecular (EMBO). Recebeu o prémio de excelência atribuído pela Ministra da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior (2003/2004), Professora Doutora Graça Carvalho; foi eleita membro honorário da Sociedade Internacional do Stress Cellular (CSSI, 2005); recebeu em 2009 o Diplôme d’Honneur da Federação Europeia das Sociedades de Bioquímica (FEBS) e o prémio Almofariz (figura do ano) da revista Farmácia; recebeu Seeds of Science “Consagração” da Ciência Hoje e foi eleita em 2011 “fellow” da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). Em 2016 recebeu a Medalha de Mérito para a Ciência, atribuída pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Professor Manuel Heitor. Organizou vários eventos científicos sendo os mais importantes o 27.º Congresso da FEBS e o 2.º Congresso Internacional da Resposta ao Stress em Biologia e Medicina.

*Este ciclo de palestras é coordenado por António Piedade, Bioquímico e Divulgador de Ciência.

ENTRADA LIVRE

Público-Alvo: Público em geral

Link para o evento no facebook.

quarta-feira, 9 de março de 2016

A descoberta de um gene

Tal como precisamos de todas as peças de um puzzle para podermos entender na sua plenitude a imagem que compõe, em investigação científica precisamos conhecer muitos detalhes bioquímicos dos processos para podermos dizer, com rigor, que determinados genes têm funções específicas.

Foi o que fizeram os investigadores do Laboratório de Fisiologia Celular e Ressonância Magnética, do ITQB NOVA, que descobriram uma nova via para a síntese de fosfolípidos, componentes fundamentais das membranas celulares, e os genes responsáveis, com resultados publicados em julho de 2015,na Environmental Microbiology.



Hoje às 12h, no auditório do ITQB NOVA, em Oeiras, a investigadora Carla Jorge conta-nos sobre o processo desta descoberta. A entrada é livre.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

SEXO ENTRE NEANDERTAIS E HUMANOS MODERNOS

Texto primeiramente publicado na imprensa regional.



A história da evolução humana tem sido várias vezes alterada nas últimas décadas. Para isso têm contribuído pelo menos duas áreas da investigação antropológica: várias descobertas de novos fósseis em África, Ásia, Europa, Médio Oriente, Indonésia, entre outros locais; o desenvolvimento de novas e muito sensíveis técnicas de microextracção de ADN e sequenciação de genomas antigos. Qualquer uma destas áreas tem trazido novas e empolgantes informações sobre a evolução da nossa espécie. Contudo, os estudos genéticos têm permitido extrair muito mais informação para além dos achados fósseis e inclusive na ausência destes!

Prova disto, são dois artigos publicados nas duas últimas semanas nas revistas Science e Nature, ambos relacionados com estudos genéticos, que vêm agitar as águas em que navega a história da evolução humana.

Na Science, foi publicado um estudo que analisa a herança genética no nosso genoma proveniente do homem de Neandertal e que associa essa herança, de pouco mais de 2% do genoma humano moderno, com doenças como a depressão, o vício do tabaco, o enfarte do miocárdio e algumas lesões cutâneas.

Na Nature, foram publicados os resultados de uma análise do genoma de um neandertal cujos restos foram encontrados numa gruta situada nos Montes Altai da Sibéria, perto da fronteira entre a Rússia e a Mongólia. Estes resultados são surpreendentes. Eles mostram a existência de vestígios muito antigos de genes de homem moderno nos antepassados do neandertal analisado.

Este trabalho indica que poderão ter havido relações sexuais entre neandertais e humanos anatomicamente modernos há cerca de 100 mil anos. Ora isto implica que a data em que os primeiros Homo sapiens migraram de África para a Eurásia terá de ser reavaliada e muito antecipada. Recorde-se que os primeiros fósseis de Homo sapiens encontrados na Europa têm cerca de 45 mil anos, altura em que o continente europeu era povoado pelos neandertais. Pelo menos é isso o que os fósseis até agora encontrados nos dizem.

Antes deste estudo, pensava-se que a primeira vez que as duas espécies fizeram sexo teria sido há cerca de 47 a 65 mil anos (o que deixou no nosso genoma a herança de cerca de 2% de genes neandertais) e que o homem moderno teria saído pela primeira vez de África há 65 mil anos.

Estas novas análises mostram que o homem moderno que deixou a sua marca genética naquele neandertal encontrado na Sibéria, só pode ter pertencido a um grupo que migrou de África dezenas de milhares de anos antes do que os antepassados directos dos europeus e dos asiáticos actuais.

Contudo, a equipa internacional de cientistas que realizou o estudo admite saber muito pouco sobre esses primeiros migrantes. Sergi Castellano, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva na Alemanha e coautor do estudo, sublinhou à AFP que as análises efectuadas “só” mostram que estes primeiros viajantes “se separaram bastante cedo dos outros homens modernos de África e que procriaram com neandertais há uns 100 mil anos”. Mas sublinha que “esta é a primeira prova genética da presença do homem moderno fora de África, apesar de ser indirecta, uma vez que não temos ossadas daqueles primeiros migrantes, mas apenas as marcas genéticas que deixaram nos neandertais”.

De qualquer forma, este estudo vem confirmar que houve cruzamentos com descendência fértil entre neandertais e Homo sapiens, e galvanizar a procura de vestígios fósseis dos primeiros homens modernos a chegar à Eurásia.


António Piedade

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

FRONTEIRAS DA CIÊNCIA EM COIMBRA


Comunicado de imprensa do Rómulo:

“Fronteiras da Ciência” é o novo ciclo de palestras destinadas ao público em geral que decorrerão no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade, entre 25 de Fevereiro e 15 de Julho do corrente ano. Esta iniciativa do Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade está ser coordenada por António Piedade, Bioquímico e Comunicador de Ciência.

Com este ciclo, constituído por 11 palestras, pretende-se dar a conhecer aos cidadãos interessados o estado actual do conhecimento científico em diversas áreas da ciência como sejam a Física, a Química, a Biologia, a Matemática, a Astronomia, a Antropologia, a Genética e a Saúde Humana. É um convite a uma viagem pelas fronteiras do conhecimento científico. Os palestrantes, convidados pelo Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade, são cientistas reconhecidos nacional e internacionalmente pela excelência da sua investigação científica e são também excelentes comunicadores da sua ciência ao grande público. Ao longo do ciclo, serão apresentados, numa linguagem acessível a todos, os desafios com que se deparam os cientistas das diversas áreas atrás indicadas e destacados os contributos para o nosso dia-a-dia resultantes do avanço do conhecimento científico.

É indicado a seguir a data de cada uma das palestras, o título e nome do respectivo palestrante:

 25 de Fevereiro – “Biogeografia da Cor”, por Jorge Paiva, Biólogo, Investigador no Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, galardoado com o Grande Prémio Ciência Viva 2014.

11 de Março – "Desafios da Química no século XXI”, por Paulo Ribeiro-Claro, Químico, Professor no Departamento de Química da Universidade de Aveiro.

 07 de Abril - “Determinismo e susceptibilidade: duas caras na fronteira da nova genética”, por Claudio E. Sunkel, Geneticista, Diretor do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e Vice-diretor do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S).

 21 de Abril – “Neuroestimulação: o bom, o mau e o desconhecido”, por Alexandre Castro Caldas, Neurocientista, Director do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, foi até 2004 Professor Catedrático de Neurologia na Faculdade de Medicina de Lisboa e Director do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria em Lisboa.

 28 de Abril – "Onde estão hoje as fronteiras da Física? Da matéria e energia escura aos sistemas complexos", por Carlos Fiolhais, Físico, Professor Catedrático do Departamento de Física da Universidade de Coimbra e Director do Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra

05 de Maio - "Um ESPRESSO para outros planetas", por Nuno Cardoso Santos, Astrónomo, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e Professor da Universidade do Porto.

19 de Maio – "Apesar de tudo, a vida é feita de moléculas", por Miguel Castanho, Bioquímico, é Professor Catedrático de Bioquímica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, desde 2007, e sub-diretor desde 2011. Coordena o Instituto de Medicina Molecular. É Vice-Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

02 de Junho – “Viajar com os ossos: da nossa história natural à resolução de casos criminais”, por Eugénia Cunha, Antropóloga, Professora Catedrática do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra.

16 de Junho – "Matemática para o século XXI", por Jorge Buescu, Matemático, Professor Associado com Agregação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática.

 01 de Julho – “Melhoramento Humano”, por Alexandre Quintanilha, Físico e Biólogo, Professor Catedrático Jubilado da Universidade do Porto, investigador do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S). Deputado na Assembleia da República onde preside à Comissão de Educação e Ciência.

15 de Julho – “Envelhecimento”, por Miguel Godinho Ferreira, Biólogo Celular e investigador principal e director do grupo de investigação Telómeros e Estabilidade Genómica no Instituto Gulbenkian de Ciência.

Todas as palestras terão início pelas 18h00, com acesso livre ao público.
Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade está situado no piso 0 do Departamento de Física da Universidade de Coimbra.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A DESCOBERTA DO ADN




O ADN foi descoberto em 1869, mas a sua identificação como a "matéria" dos genes só foi demonstrada cerca de 75 anos depois!! Porquê?

Primeira palestra do ciclo "Conversas com ADN", coordenado por António Piedade.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

DUPLA HÉLICE SEXAGENÁRIA

Texto publicado na revista Papel


O avô Jaime faz anos. Sessenta anos de vida cumpridos no dia 25 de Abril, dia de festa e de grandes revoluções. Francisco e Rosália, os seus netos gêmeos, estavam radiantes como qualquer petiz o está quando alguém que lhes é querido faz anos. Também eles tinham feito 10 anos no passado dia 14 do mesmo mês de Abril. A coincidência de todos fazerem anos no mesmo mês aumentava a sensação de uma cumplicidade entusiasta entre avô e netos.
Rosália observa as duas velas de aniversário espetadas no topo do bolo. Tinham uma forma helicoidal e o número 60 construído pelo 6 e o 0 impressos em cada uma delas. As duas faziam lembrar uma dupla hélice o que fez recordar a Rosália algo que tinha lido num jornal na biblioteca da escola: a forma da molécula dos genes também tinha sido descoberta havia 60 anos.
- Avô! – pergunta Rosália – é interessante teres nascido no mesmo ano em que uns cientistas descobriram a dupla hélice…
- De ADN – completou o Avô perante a hesitação de Rosália. – Sim é uma coincidência que me agrada, mas não passa disso. De uma coincidência. De facto nasci no dia em que uma revista científica muito importante, que se chama Nature, publicou o artigo de James Watson e Francis Crick sobre a estrutura em dupla hélice do ácido desoxirribonucleico, que diminuímos para a sigla ADN. Foi uma publicação que fez nascer uma nova era na biologia e outras disciplinas afins…
- Como a química e a física? – questiona Francisco até ai pouco interessado.
- Essas foram necessárias para a descoberta da dupla hélice do ADN. Outras nunca mais foram as mesmas. Estou a falar da compreensão da vida através das moléculas e átomos que a constituem. Biologia molecular, bioquímica, genética entre outras disciplinas. Vocês já falaram de moléculas e átomos na escola, não falaram? – questiona o avô Jaime com as sobrancelhas pacientes.
- Já! – respondem os gêmeos em uníssono. – E também na internet.
- Pois a internet… - suspira o avô pensativo. – Querem que vos conte a história do ADN?
- Queremos – respondem Rosalia e Francisco com as vozes entrelaçadas.
- Apesar de eu ter nascido a 25 de Abril, fui na realidade concebido uns 9 meses antes. Poderíamos celebrar em vez do nascimento, o dia da concepção, quando um espermatozoide do meu pai fecundou um oócito da minha mãe. Mas a tradição da nossa cultura secular só podia celebrar o que via acontecer como coisa concreta e definida. Mas ao longo daqueles 9 meses, os genes que eu recebi dos meus pais celebraram um plano para fazer desenvolver, célula a célula, tecido a tecido, órgão a órgão, primeiro o embrião, depois o feto, e por fim o meu organismo completo nascido bebé.
- Não consigo imaginar o avô bebé – riu a Rosalia.
- Bom. O que eu vos quero dizer é que as coisas da ciência, assim como as da vida, não surgem do nada. Têm uma história de desenvolvimento, passo a passo e com muito trabalho e esforço. Cada descoberta acrescentando mais um pouco de conhecimento ao nosso entendimento científico do mundo, neste caso.
- Queres dizer que a dupla hélice também esteve grávida? – pergunta Rosália com ar de malandra.
- Fazes-me rir. Não esteve grávida, não teve mãe. Apesar de ter sido uma senhora que se chamava Rosalind Franklin que fez as experiências fundamentais com cristais de sais de ADN e cujos resultados permitiram a Watson e Crick desvendar a estrutura. Sabem como é que ela fez as experiências?
- Não!! – disse a curiosidade dos dois netos.
- Como se tirasse radiografias com raios x a pequenos cristais de sais de ADN. O modo como os raios x são desviados pelo ADN foram registados numa imagem que depois foi analisada com o conhecimento físico e matemático desenvolvido pelo físico Bragg e outros colegas. A técnica chama-se em rigor cristalografia por difracção de raios x e foi, e é, muito usada para estudar a estrutura regular e a disposição espacial tridimensional como os átomos e algumas moléculas se organizam quando são cristalizadas, quando estão na forma de cristais.
- Como os cristais de neve? – pergunta Rosália sorridente.
- Sim. Só que em vez de água, imprescindível para a vida, estamos a falar de ADN – diz o avô Jaime contextualizando.
- O ADN foi descoberto pelo químico alemão Friedrich Miescher, em 1869. Ou seja 84 anos antes da desboberta da sua estrutura. Miescher descobriu que todas as células tinham uma substância ácida no núcleo. Mas não foi logo que os cientistas associaram o ADN com a hereditariedade, com os genes que os pais passam aos filhos.
- Hereditariedade?! O que é? – pergunta Francisco com os braços abertos.
 - É a forma como as características que nos tornam seres vivos individuais são transmitidas de geração em geração – explica o avô. - Foi trazida à luz pelas famosas experiências com ervilhas de Gregor Johann Mendel, um monge e botânico austríaco, em meados do Séc. XIX.
- As minhas experiências com ervilhas são sempre más – resmunga Francisco.
- Mas tens de as comer, assim como a outros vegetais se queres crescer e perceber estas coisas da hereditariedade – aconselha Rosália fraternal. - Não é verdade avô?
- Bem o dizes minha neta. Mas voltemos à história. Mendel não sabia nada acerca de ADN nem precisou desse conhecimento para estabelecer as suas leis da hereditariedade que ainda hoje são estudadas e válidas para explicar a transmissão de determinadas características de pais para filhos, como sejam a cor dos olhos, pro exemplo.
- Mas o que é que o ADN tem a ver com a hereditariedade? – pergunta Francisco ainda meio horrorizado com a ideia de ter de comer ervilhas.
- Os genes são feitos de ADN – afirma categórico Jaime.
- Então os genes estão no núcleo das células! – exclama Rosália vitoriosa.
- Sim. No núcleo das células como as que nos constituem – confirma o avô. - Mas a identificação do ADN como a molécula responsável pela hereditariedade genética demorou muito tempo, não foi imediata.
- Porquê? – soltou Francisco com os sobrolhos carregados.
- É que a composição química do ADN parecia aos químicos, biólogos e geneticistas muito pobre e repetitiva para poder conter em si a informação necessária para gerar a imensa complexidade de um ser vivo, para além da enorme biodiversidade que vive no planeta Terra. Cada unidade do ADN, chamado nucleótido, é composto por um açúcar (a desoxirribose) um parte inorgânica constituída por um grupo ortofosfato, e por uma de quatro substâncias azotadas a que chamamos bases: a guanina, a adenina, a citosina e a timina. Para simplificar referimo-nos a elas pelas letras G, A, C e T respectivamente.
O avô Jaime faz uma pausa para dar tempo a que Francisco e Rosália desfaçam qualquer dúvida com o olhar. E continua.
- Até aos anos quarenta do século XX muitos cientistas estavam mais inclinados para atribuir esse papel às proteínas. Estas eram constituídas por muitas mais unidades diferentes e apresentavam-se em incontáveis combinações e estruturas distintas. Os diferentes genes necessários para construir um organismo tinham de ser compostos por proteínas e nunca pelo monótono ADN. Assim, durante cerca de 60 anos o material dos genes era considerado de natureza proteica.
- E como é que se descobriu que não eram? – pergunta Francisco armado em detective.
- Através de uma experiência muito elegante planeada e executada por Avery e seus colaboradores. Usando um vírus chamado bacteriófago e umas bactérias, estes investigadores mostraram sistematicamente e sem deixar qualquer dúvida que o que era passado de geração em geração era o ADN e não as proteínas. Ou seja, que o material dos genes era o ADN. Este conhecimento só foi divulgado em 1944, e foi uma peça decisiva do puzzle que iria ser progressivamente resolvido até aos nossos dias.
 - Ainda não tinhas nascido avô – recorda Rosália abraçando-o.
- Pois não. Mas no ano em que nasci, 1953, começou a entender-se como é que a molécula de ADN cumpria o seu papel de molécula dos genes e da hereditariedade – Jaime faz uma pausa de suspense. - Depois dos trabalhos experimentais e resultados obtidos por Rosalind Franklin, como disse há bocado, Watson e Crick criam, em fevereiro de 1953, um modelo estrutural para o ADN que respondia àquelas e outras perguntas. O seu modelo apresentava uma estrutura em duas fitas de ADN entrelaçadas uma na outra formando uma dupla hélice. No artigo da Nature que publicaram no dia do meu nascimento, 25 de Abril, escreveram que esta estrutura tinha grande significado biológico. De facto, permitiu explicar como a informação genética é armazenada e transmitida entre gerações.
- A famosa dupla hélice de ADN cujo aniversário também hoje comemoramos nas velas helicoidais no teu bolo e que vais soprar daqui a nada – comenta Rosalia enrolando com os seus dedos meninos os seus cabelos ondulados.
- Mas conhecer a estrutura abriu uma enorme janela para novos horizontes de conhecimentos. Watson, Crick e o Wilkins ganharam o prémio Nobel em 1962 por esta descoberta.
- Rosalind não?! – diz Rosália surpreendida.
- Ela tinha entretanto falecido, provavelmente devido a doença causada pela sua exposição prolongada aos raios x com que trabalhara para nos desvendar o conhecimento do mundo biomolecular – responde Jaime com um olhar perturbado com injustiça. – Mas continuemos. Nesse ano de 1962 descobriu-se mais uma peça do puzzle genético: Marshall W. Nirenberg e colaboradores decifraram o código genético.
- Código genético?! Os genes estão codificados?! – questiona Francisco cada vez mais curioso.
- Sim. Niremberg e seus colegas mostraram que cada um dos aminoácidos que constroem as proteínas são codificados por sequências de três bases no ADN. Tinham aprendido a ler a linguagem genética e entendido como é que ela é traduzida para que as proteínas que nos compõem sejam construídas. No fundo, tinham descodificado o manual da vida e verificado que ele era universal!
- Isso foi em 1962 – assenta Rosália. – Mas então o que é que aconteceu com o genoma humano que foi conhecido totalmente no ano em que eu e o meu irmão nascemos, em 2003?
- Estás a referir-te à sequenciação completa do genoma humano. Ou seja, sabermos em que sequência é que estão, em cada uma das duplas hélices, as 3 mil milhões de bases que as constituem em cada núcleo de cada uma das nossas células o nosso genoma.
- Saber a ordem em que estão 3 mil milhões daquelas letras G, A, C e T? – questiona Francisco perdido entre as letras.
- É verdade. Esse feito, anunciado ao mundo no dia 14 de Abril de 2003, é um dos mais impressionantes da história da ciência. O Projeto de Sequenciação para descodificação do Genoma Humano teve início em 1990 e no dia 23 de Outubro de 1998 foram publicados na revista científica Science, os objetivos para o Projeto do Genoma Humano, por Francis Collins e colaboradores. Neste artigo os cientistas apontavam uma meta para a descodificação total do genoma humano para 2013, no 60º aniversário do conhecimento da estrutura em dupla hélice do ADN.
- Então conseguiram acabar essa tarefa 10 anos mais cedo do que o planeado – observa Rosália.
- Sim querida neta. Fruto do trabalho de um enorme grupo interdisciplinar internacional, e também pelo avanço da informática, do desenvolvimento de computadores e de equipamentos de sequenciação cada vez mais rápidos e eficientes. Digo-vos que o trabalho foi feito por várias aproximações. E de facto os primeiros dados provisórios foram publicados em 15 de Fevereiro de 2001, na revista científica Nature, pelo Consórcio Internacional para a Sequenciação do Genoma Humano, e no dia seguinte na Science, por J. Craig Venter e colaboradores.
O avô Jaime refresca-se com uma limonada antes de retomar algo que parecia ter-se esquecido antes.
 - Mas deixem-me voltar umas décadas atrás. É que esta sequenciação não teria sido possível sem que duas técnicas bioquímicas decisivas tivessem sido inventadas antes.
- Um microscópio e uma máquina de fotografar ultra rápida… para fotografar todas as bases no ADN – sugere Francisco.
- Não querido neto. As bases do ADN são muito mais pequenas do que aquilo que o mais potente microscópio alguma vez construído consegue ampliar. O que estou a recordar foi a incontornável contribuição de Sanger e Coulson, que descreveram, em 1975, um método que permitia conhecer em detalhe todas as letras de uma sequência de ADN.
- E a outra descoberta? – pergunta Rosália.
- A outra descoberta, também decisiva, foi a invenção da PCR, que quer dizer “reação da polimerase em cadeia”, por Kary Mullis, na primavera de 1983. Ou seja há 30 anos. Outra efeméride deste ano. A invenção desta ferramenta bioquímica foi uma autêntica revolução na área da Genética, uma vez que possibilita a síntese muito rápida das cadeias de ADN, a partir de uma pequena amostra, o que permitiu avanços notáveis na análise dos genomas dos seres vivos. Recorrendo à PCR, é possível sintetizar um bilião de cópias de uma única cadeia de ADN em poucas horas. Atualmente existem no mercado máquinas que realizam o processo de forma automática e muito rapidamente. A tal ponto que é possível sequenciar o nosso genoma a partir do ADN existente numa pequena gota de sangue ou mesmo a partir da nossa saliva.
- Acho que já tinha ouvido falar dessa PCR na fantástica série CSI… - recorda Rosália entusiasmada.
- Sim. A sequenciação do genoma de cada um de nós já é uma realidade e abre novas perspectivas para o desenvolvimento de tratamentos para doenças antes julgadas incuráveis.
- Assim como descobrir o autor de um dado crime, descobrir os extraterrestres que vivem escondidos entre nós e também fazer renascer animais extintos como os dinossauros… - diz Francisco entusiasmado. – Como no Jurassic Park.
- Em parte, Francisco. Identificar uma pessoa através do seu perfil genético, sim. O resto que dizes ainda é um pouco do domínio da ficção científica. Mas lá chegaremos – diz o avô sorrindo e afagando a cabeça de Francisco. - Já agora uma curiosidade para acabar.
- Qual é?!
- Se fosse possível colocar o genoma Humano que existe em cada uma das nossas células, em forma de uma “fita” estendida, o seu comprimento seria de aproximadamente 8.636 Km. Ou seja três quartos do diâmetro do equador terrestre.
- Tão comprido?! – pergunta com espanto Rosália. – Como é que cabe dentro das nossas células?
- Boa pergunta. A dupla hélice de ADN está por sua vez enrolada compactamente em supra estruturas que são os cromossomas. Possuímos 23 pares de cromossomas. Cada par proveniente de cada um dos nossos pais. A forma como os genes estão dispostos nos cromossomas dava para outra grande conversa. Mas agora vamos ao bolo e celebrar os meus 60 anos e, já agora, da dupla hélice de ADN sexagenária.

António Piedade

O FENÓMENO DA CONSCIÊNCIA É COMO O DA EXISTÊNCIA DO UNIVERSO - DAVID LODGE

Faleceu David Lodge, o polifacetado escritor britânico que manteve na ficção uma ironia finíssima e absolutamente corrosiva. A diversidade h...