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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Precisamos dos professores nobres e decentes

"Ainda há homens bons e cada vez os ouvimos menos. Sabes quem é, na realidade, esse homem bom hoje em dia?
O professor.
Se existem homens que podem mudar o mundo, que podem fazer um mundo melhor são os professores. Hoje a bondade refugiou-se num professor nobre e decente que acredita no seu trabalho e acredita que as crianças que ensina amanhã serão cidadãos honestos e responsáveis.
Estamos a suicidar-nos em Portugal e Espanha e no Ocidente ao marginalizar os professores, ao tirar-lhes as ferramentas. Deviam ser os heróis privilegiados e favoritos de toda a sociedade que queira sobreviver culturalmente."
Arturo Pérez-Reverte, 2016

terça-feira, 4 de março de 2014

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Nunca o ocultei porque cumpri sempre

Amavelmente, o nosso leitor João Boaventura enviou-nos uma entrevista do jornalista Pedro Rolo Duarte ao escritor Vergílio Ferreira, que havia sido seu professor de Português no Liceu Camões, em Lisboa. Dessa entrevista, feita há mais de duas décadas, reproduzo extractos que incidem no ensino, tomando a liberdade de mudar o título.

(...) Fez em Março 15 anos que morreu o escritor Vergílio Ferreira. Foi meu professor – infelizmente, menos tempo do que eu (hoje...) gostaria –, tornei-me seu admirador tarde demais, mas ainda a tempo de o entrevistar para a revista K, em Abril de 1991. A entrevista, que o surpreendeu porque não se lembrava do meu nome e foi confrontado com um ex-aluno, em vez de um jornalista (...) Mas eu lembro-me bem dele: caminhava pelos corredores de mãos atrás das costas, ligeiramente curvado para a frente e era assim que entrava na sala, sem um sorriso, uma palavra, até que todos estivessem sentados e calados. Então começava a correcção do trabalho de casa e mais uma aula densa, fria, chata, cheia de gramática e apontamentos e perguntas a que nunca sabíamos responder. Uma vez por outra, chegava um "ponto". Uma vez por outra, uma aula sem matéria para dar, só com o professor tentando o diálogo, falando das árvores da Praça José Fontana ou de um livro que devíamos conhecer. Naquela turma não gostávamos muito do professor Vergílio Ferreira e comentávamos o facto de ser público - estava escrito na Conta Corrente - que ele detestava dar aulas. Detestei essa ideia e, tendo os seus livros em casa, comprometi-me a jamais lhes tocar. Até que um dia, há poucos anos, quebrei o compromisso e abri ao acaso um volume da Conta Corrente (...) Comecei a ler os romances, os romances todos, tudo, e escrevi-lhe uma carta, que nunca mandei, a pedir desculpa por não o ter lido antes. E agora estou à frente do escritor a contar-lhe esta história e a pedir-lhe, humildemente, que comente a minha própria atitude. Diz que "mais vale tarde do que nunca" e sorri, como só um professor sorri. Sentado num cadeirão castanho, rodeado de livros por todos os lados, o professor fala:

É talvez a primeira vez que alguém dá essa ideia de mim, enquanto professor. Têm-me referido alguma austeridade, um homem de poucas palavras, mas a isso é contraposto sempre o professor afável e tolerante. Não me lembro de pretender ser rigoroso. Havia, é verdade, uma coisa que me incomodava muito, que era o aluno distraído, a conversar para o lado - mas sempre que o detectava, atribuí a mim a culpa, entendia que era uma deficiência, sentia-me vexado, diminuído. A minha reacção nunca era castigar - mas dizer coisas que interessassem o aluno, tentar segurá-lo e captar-lhe a atenção. 

K: Mas era muito rigoroso, por exemplo, com a manutenção do Caderno Diário, coisa que rapazes com 17 e 18 anos já achavam que era exclusivamente da sua conta...

Ah, mas isso eram as regras do jogo. Eu tinha o hábito de, no fim de cada período, folhear os cadernos dos alunos, e acho que estava certo: se um aluno não tem o caderno diário em dia isso significa que está ausente das matérias, que não se interessou. O caderno diário é útil no dia-a-dia. Mas, sinceramente, nunca me julgaram assim tão rigoroso, embora ache natural que, se o senhor antipatizava comigo, não lesse a obra do escritor. Não sei o que hoje pensa do que pensava, mas presumo que, olhando da sua idade adulta para essa idade juvenil, algo se tenha alterado. Eu sempre fui contra o professor mandão, sempre descontente, marcando faltas de castigo, sempre fui contra tudo isso.

K: Embora detestasse dar aulas e assumisse essa opinião publicamente...

Olhe, nunca o ocultei porque cumpri sempre. Conheço professores que diziam gostar imenso de dar aulas - e eram professores que não davam as matérias, não faziam exercícios, nada. Ora, como eu tinha a consciência tranquila de cumprir, de ensinar como podia o que tinha de ensinar, estava à vontade para dizer que não gostava de dar aulas, porque não gostava mesmo! Estou, por outro lado, convencido de que, se me pusessem perante as duas hipóteses - ser apenas escritor ou ser escritor e ter uma segunda actividade, por exemplo, ensinar - eu preferiria sempre a segunda. Dedicar-me apenas à actividade literária significaria afogar-me na escrita, na leitura, perder contraste. Assim, depois de uma manhã de aulas, sentia-me livre para começar outra coisa e a escrita saía mais original, mais virginal. Se vivesse de manhã à noite mergulhado na tarefa literária, aquilo que escrevesse não teria a mesma vitalidade.

K: Então foi importante, para a carreira do escritor, a actividade do professor?

Sem dúvida que sim. Sabe, quando era rapaz era melhor aluno a ciências do que a letras. Fui para letras porque tinha aprendido latim no Seminário e resolvi capitalizá-lo, pô-lo a render, tirando um curso que por outro lado eu presumia dar-me rapidamente uma colocação. Não escolhi mal. Hoje, possivelmente, teria optado por outra secção, talvez filosofia, ou românicas. Mas deixe-me dizer-lhe que tive prazer em algumas aulas, em alguns momentos. Em Évora, por exemplo, dei literatura todos os anos, e escolhia sempre uma aula por semana para aquilo a que chamava paleio, conversa. Nessa aula, eu falava-lhes de literatura contemporânea, arte, levava-lhes álbuns com quadros de Picasso, Matisse, e era estupendo... Já em Bragança, onde tinha estado um ano, na altura em que os americanos estavam na berra - o John dos Passos, o Steinbeck, entre outros - eu dava a conhecer esses nomes, essas obras. A um moço de Bragança, que muitas vezes nem sequer tinha visto o mar, falar-lhe de um autor que ele não conheceria tão depressa de outra forma era uma maravilha. Eu não gostava realmente de dar aulas, mas às vezes agradavam-me esses momentos, sobretudo quando sentia que os alunos estavam a abrir os olhos... isso é comovedor, é emocionante... Agora, ir para uma sala dizer 'ó menino, o sujeito, o predicado, o complemento’, é realmente uma chatice! É necessário, mas há coisas absolutamente necessárias que se não gosta de fazer, não é?

K: Tem a noção de que o seu nome, no tempo em que estava no Camões, se confundia com o próprio Liceu?

Não, de maneira nenhuma. De resto, a pensá-lo teria sido já muito antes, quando estava em Évora, numa altura em que o meu nome já era conhecido.

K: Qual era a relação que estabelecia com os seus alunos?

Bom, é outra matéria-prima, a de Lisboa, muito diferente da de Bragança ou até de Évora. A cultura faz-se com o ambiente, o ambiente familiar, um filme que se vê, uma conversa no café, enfim, o mundo exterior. É evidente que um moço de Lisboa é mais desenvolvido, mentalmente, e por isso mais fácil de ensinar.

K: Quando saiu o Até ao Fim, depois do Para Sempre, explicou os seus títulos referindo-se à degradação e perda dos valores por parte da juventude. Não consigo perceber a relação, tanto mais que já tinha deixado de dar aulas, já tinha abandonado esse convívio directo com os alunos... 

Bom, deixei de dar aulas mas não deixei de estar atento ao que se vai passando. A verdade é que, quando era miúdo, eu e as pessoas da minha geração tínhamos pais - eu tinha os pais emigrados, mas tinha umas tias... que nos impunham os seus valores - e nós não discutíamos. Um miúdo não discute, é até certo ponto passivo e, no que diz respeito a valores que o transcendem, ainda discute menos. Mandam-no ir à missa e ele vai. A minha geração ainda encontrou determinados valores - por exemplo, políticos. Não podemos esquecer que o comunismo teve extremo peso na mobilização de muitos jovens. Ora, quando se verificou ser o comunismo um logro - o maior do século vinte - todos os mitos se esvaíram. Ele era o eixo central de todos os valores. Em face de quê, hoje, um pai impõe um valor a um filho, se ele os não tem? Sê honesto - mas sê honesto porquê? O rapaz não pergunta mas sente. A juventude de hoje está desarmada de valores que a preparam para a vida. Foi isso que quis dizer.

K: É isso que ainda pensa?

Bom, eu defendo sempre como último valor - porque é o primeiro de todos - o homem e a vida. E pressinto que esse valor, da defesa do homem e da vida, começa a apontar genericamente para o que se chama ecologia e onde se inclui evidentemente a defesa da vida. Pressinto isso até nesse movimento extremamente equívoco que é o pacifismo, a que não adiro (embora, até por preguiça, seja bastante pacífico...).

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Era capaz de não dar grande resultado...

A propósito do texto do Desidério cujo título é O futuro do ensino.
Parafraseado Mark Twain (quando, num jornal, deu de caras com a notícia da sua própria morte), sou tentada a dizer que a morte do ensino, tantas e tantas vezes anunciada, é um pouco exagerada...

Alguns dos mais antigos registos sobre o ensino, quando esta tarefa apenas se esboçava, já anunciavam a sua extinção, que tem sido, de resto, retomada com regularidade.

No século XVIII, o inglês Samuel Johnson (1709-1784), literato, entre outras ocupações, com o bom humor que se diz que tinha, escreveu: “Os prelectores, em tempos úteis, mas agora que todos sabem ler e os livros são tão numerosos, já não são mais necessários. Se a atenção falha e se perde uma parte de prelecção está-se perdido, não se pode voltar atrás como se fosse um livro.” Se em vez de livro, escrevermos televisão, internet, robot ou outro recurso que há-de surgir, o sentido é exactamente o mesmo.

Tenho de concordar: quanto dinheiro se pouparia se os professores fossem substituídos por alguma coisa não humana. A sua preparação, sobretudo se for de qualidade, fica cara, os seus ordenados pesam imenso nos orçamentos dos estados. E tem de se lhes arranjar um sítio para se encontrarem com os alunos, sítios que se tornaram escolas cuja construção e manutenção é dispendiosíssima, sobretudo se algo-do-tipo-Parque-Escolar por lá passar. Acresce que, como (ainda) não fazem tudo sozinhos, desde a limpeza ao trabalho de bar, passando pelo secretariado, arrastam serviços de apoio... caríssimos também.

Assim, se eliminássemos os professores, esperando que os alunos, seguindo a sua "curiosidade natural" (essa entidade mítica!), individualmente ou uns com os outros, mas sempre por si mesmos, conseguissem, desde a idade de seis ou sete anos, procurar e encontrar os recursos para aprenderem autonomamente, poupar-se-iam milhões e milhões...

Só que (as excelentes ideias têm sempre um problemazito associado) era capaz de não dar grande resultado... Tendo em conta as tentativas que se fizeram para eliminar os professores, tentando não ser muito devastadora, eu diria que não são propriamente encorajadoras.

Reconheço que o que acima disse pode decorrer da minha pouco assumida mas (que sabe, fortemente instalada no meu inconsciente) costela corporativa.

Fotografia de Sebastião Salgado (Escola itinerante)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Culpados? Só podem ser os Professores


O Ricardo Araújo Pereira vê o mundo de uma forma muito direta. E claro é genial. E escreve muito bem. E tem razão, geralmente. Só não percebo a mania dele pelo Benfica... mas enfim. Aqui fica um crónica dele na Visão sobre os Professores, segundo ele os grandes culpados do estado do ensino em Portugal.

:-)

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Neste momento, é óbvio para todos que a culpa do estado a que chegou o ensino é (sem querer apontar dedos) dos professores. Só pode ser deles, aliás. Os alunos estão lá a contragosto, por isso não contam. O ministério muda quase todos os anos, por isso conta ainda menos. Os únicos que se mantêm tempo suficiente no sistema são os professores. Pelo menos os que vão conseguindo escapar com vida.

É evidente que a culpa é deles. E, ao contrário do que costuma acontecer nesta coluna, esta não é uma acusação gratuita. Há razões objectivas para que os culpados sejam os professores.
Reparem: quando falamos de professores, estamos a falar de pessoas que escolheram uma profissão em que ganham mal, não sabem onde vão ser colocados no ano seguinte e todos os dias arriscam levar um banano de um aluno ou de qualquer um dos seus familiares.

O que é que esta gente pode ensinar às nossas crianças? Se eles possuíssem algum tipo de sabedoria, tê-Ia-iam usado em proveito próprio. É sensato entregar a educação dos nossos filhos a pessoas com esta capacidade de discernimento? Parece-me claro que não.

A menos que não se trate de falta de juízo mas sim de amor ao sofrimento.

O que não posso dizer que me deixe mais tranquilo. Esta gente opta por passar a vida a andar de terra em terra, a fazer contas ao dinheiro e a ensinar o Teorema de Pitágoras a delinquentes que lhes querem bater. Sem nenhum desprimor para com as depravações sexuais -até porque sofro de quase todas -, não sei se o Ministério da Educação devia incentivar este contacto entre crianças e adultos masoquistas.

Ser professor, hoje, não é uma vocação; é uma perversão.

Antigamente, havia as escolas C+S; hoje, caminhamos para o modelo de escola S/M. Havia os professores sádicos, que espancavam alunos; agora o há os professores masoquistas, que são espancados por eles. Tomando sempre novas qualidades, este mundo.

Eu digo-vos que grupo de pessoas produzia excelentes professores: o povo cigano.

Já estão habituados ao nomadismo e têm fama de se desenvencilhar bem das escaramuças. Queria ver quantos papás fanfarrões dos subúrbios iam pedir explicações a estes professores.

Um cigano em cada escola, é a minha proposta.

Já em relação a estes professores que têm sido agredidos, tenho menos esperança.

Gente que ensina selvagens filhos de selvagens e, depois de ser agredida, não sabe guiar a polícia até à árvore em que os agressores vivem, claramente, não está preparada para o mundo.

Ricardo Araújo Pereira in Opinião, Boca do Inferno, Revista Visão

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Professores que marcam


Os professores que nos marcam na vida não são os bonzinhos, nem aqueles porreiros que aparentemente, na altura, nos parecem professores modelo. Na verdade, aqueles de que nos lembramos e a quem recorremos mais à frente na vida são aqueles que nos irritaram, e com os quais até desenvolvemos alguma antipatia, mas que se mantiveram firmes e nos passaram ensinamentos e valores. Tenho essa experiência como professor e tive-a como aluno.

Lembro-me normalmente de três docentes, todos da fase crítica, isto é, do básico, do preparatório e primeiros anos do secundário. É aí que se forma a personalidade e se criam hábitos de trabalho.

A minha professora primária estabelecia uma relação muito direta entre cumprir tarefas com sucesso e o seu elogio. Não há para mim, ainda hoje, nenhum elogio melhor do que o da Professora Olga. E eram todos muito simples, constituídos por palavras e sorrisos, mas eram fantásticos. Nem me lembro mais da forma dura, de cara muito séria, como encarava as falhas, especialmente aquelas que resultavam de falta de estudo e de trabalho. Quer dizer, lembro-me, mas não é o que me ficou dela. Foi ela que me contou a história do “five dollar lawn”, mostrando que fazer bem, perfeito, exige talento sim senhor, mas custa muito trabalho e dedicação. Foi ela que me ensinou a não desistir. Quando saí para o ensino preparatório disse-me, com a minha mãe ao lado, que confiasse em mim e nas minhas capacidades porque tinha feito um bom trabalho.

No ensino preparatório tive uma professora muito severa que era professora de matemática e de ciências. Embirrei logo com ela, nem me lembro bem porquê: não era a Prof. Olga. E ela comigo. De maneira que tive negativa a matemática e a ciências logo no primeiro período. Devia ser um puto reguila, porque me lembro distintamente de uma vez que me colocou na rua numa aula de ciências. Mas fez-me ver, com enorme paciência, que a atitude é muito importante. Não são só as capacidades e a disponibilidade para trabalhar, mas é também fundamental desenvolver uma atitude inconformada e séria perante as dificuldades. Ficou-me na cabeça o seu exemplo, a sua teimosia e intransigência, o seu olhar trocista e um sorriso grave que metia na boca, comprimindo os lábios, quando acabava de falar. Era uma mulher muito inteligente que nos colocava desafios. E que exigia resultados.

Lembro-me ainda de um professor de Filosofia, uma disciplina da qual nunca gostei (defeito meu), e da minha professora de Biologia que era uma versão muito próxima da Professora Olga. Mas esses não me irritavam. A que me irritava solenemente era a professora de Português. Detetou a minha tendência para despachar depressa os textos, pelo que sempre que eu acelerava e desleixava, o que era frequente porque detestava aquela disciplina, gritava o meu primeiro nome numa voz estridente: Joaquim. Bolas! Mas funcionava. A leitura e a escrita precisam de tempo, ou melhor, ensinam-nos o valor do tempo. Ensinam-nos, se quisermos, a prestar atenção aos detalhes, ao pormenor. É lá, nos pormenores e no detalhe, que estão os ensinamentos: “Não é uma pena perder isso, Joaquim, só porque está com pressa?”. Ainda hoje não uso o meu primeiro nome. Mas não a esqueci e ouço muitas vezes a sua voz.

(publicado originalmente em http://re-visto.com/professores-que-marcam)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Sindicalismo Docente e Desemprego dos Professores


Trancrevo o meu artigo de opinião, saído hoje "Público":

“Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele — parte mínima que se substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que quer que sejam), mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral dessas agremiações” (Fernando Pessoa, 1888-19359).

Por se tratar de um mal endémico que atinge cada vez maior percentagem da população cursada superiormente, o desemprego dos professores atinge, como tal, proporções inusitadas. Todavia, esta situação é demasiado profunda para nos atermos, apenas, aos sintomas actuais sem procurar a sua etiologia.

Façamos, portanto, um flash-back recuando à época imediatamente a seguir a 25 de Abril. A exemplo do Estado Novo, o Partido Comunista sabia que a Educação era a porta de entrada para a politização das camadas estudantis juvenis porque, como nos ensina a sabedoria popular: “De pequenino é que se torce o pepino”. Desta forma, de uma maneira geral, os lugares provisórios da carreira docente foram distribuídos por pessoas filiadas nesse partido político ou simplesmente politizadas por ventos soprados de Moscovo sem ter em conta as respectivas habilitações literárias chegando a ponto de haver “professores” a darem aulas a alunos com idênticos ou, até, mais estudos. Conta-se até o caso de um desse “professores” que, no primeiro dia da apresentação das aulas, esclareceu os seus alunos: “Perguntem-me tudo o que quiserem, só não me façam perguntas sobre a matéria que supostamente vos devia ensinar mas que desconheço”.

Por não pecarem pela ingratidão e para, por outro lado, em sentimento menos nobre, terem as costas quentes, logo esses “milicianos” do ensino procuraram a sombra protectora da Fenprof que, assim (e nem sempre pelos melhores motivos), se tornou o sindicato docente com maior representatividade em número de associados. Eram estes “professores” recrutados, devido ao boom a que se assistiu na escolaridade, de entre estudantes universitários dos cursos mais diversos ou até de menor habilitação académica.

Na altura, este facto levou-me a escrever: ”O estudante de Direito, quando está ainda a aprender – dá aulas e intitula-se professor! Quando já sabe, defende em juízo e é titulado como advogado” (Jornal de Notícias, 25/06/1992). Exemplos idênticos eram o pão nosso de cada dia no caso de outros estudantes universitários de outros cursos. Alguns destes estudantes, menos acomodados a esta situação terminaram as suas licenciaturas seguindo as carreiras profissionais para que se tinham habilitado. Outros, os mais cábulas e/ou habituados a um vencimento no fim do mês, não as terminaram, deixando-se ficar no ensino até aí se conseguirem encaixar definitivamente, fazendo passar a imagem de uma espécie de serviço prestado à comunidade educativa, como se de uma obra de caridade se tratasse sem proventos remuneratórios.

Veja-se o caso dos estudantes que se tornaram militares. Aos estudantes universitários incorporados no serviço militar obrigatório, como oficiais milicianos, e, como tal, arriscando a vida em vários teatros de guerra em terras de África, por carência de oficiais do quadro permanente (recorde-se que, antes desta situação, a Academia Militar tinha um número de excessivo de candidatos para um escasso número de vagas) , não tendo os seus cursos sido interrompidos por vontade própria, só nos derradeiros anos de guerra lhes foi permitido o ingresso na Academia Militar, podendo vir, com isso, a preencher promoções para a patente de capitão. Segundo muitos analistas políticos, foi este facto que gerou, por parte dos chamados oficiais de carreira, o clima de descontentamento que esteve na génese do 25 de Abril.

Estes factos, somados à incontroversa diminuição da natalidade da população portuguesa e ao aparecimento desregrado de escolas superiores de educação com privilégios concursais para a docência dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico dos seus diplomados relativamente aos licenciados universitários, não podiam deixar de gerar o desemprego nos docentes que só agora começam a sentir verdadeiramente, e, sem uma solução à vista, os efeitos nefastos de uma política educativa que tem andado a reboque de um sindicalismo que pretende vestir o camuflado de mercenário a uma profissão em luta por questões meramente laborais, como sejam vencimentos e horários de trabalho. Como se se esgotasse o exercício docente na recusa sindical permanente de uma organização profissional de interesse público em que o Estado delegue poderes na assunção de responsabilidade de actos próprios de uma profissão havida como uma das mais nobres por Fernando Savater, filósofo e catedrático de Ética nosso contemporâneo: “Considero os professores e professoras como a corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantas trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático”.

Por demais evidentes, com raras e honrosas excepções, as tentativas de sacudir a água do capote não dão aos sindicatos o direito de alijar responsabilidades, por si próprias criadas, pelo desemprego dos professores devidamente habilitados. Deverá ser a própria sociedade civil a exigir que os responsáveis por esta situação expiem a sua culpa em acto de contrição pública, não as imputando a terceiros. É o mínimo que se lhes pode e deve exigir para que a culpa não morra solteira!

sexta-feira, 23 de março de 2012

A consciência amarga de que sou um péssimo professor

“Aulas más são as que os rapazes não querem ouvir. Mas então - poderia eu defender-me - que culpa temos nós de os rapazes serem barulhentos, desinquietos e desatentos? É verdade é que às vezes a culpa não é nossa: é toda deles, a quem mais apetecia estar na rua que na escola. Mas justamente para isso é que serve o bom professor - e o meu drama resulta  de que só me interessa ser bom professor. Ser bom professor consiste em adivinhar a maneira de levar todos os alunos a estarem interessados e não se lembrarem que lá fora é melhor. E foi o que ontem não consegui... fiquei tão doente que parti o giz que tinha nas mãos e não fui capaz de continuar a aula... quem devia ir para a rua era eu ... consciência amarga de que sou um péssimo professor” (Sebastião da Gama, in Diário).

A frase do professor, também poeta, que abre este texto, firma uma ideia antiga: que não há comportamentos perturbadores – burburinho, indisciplina, violência – em sala de aula sem responsáveis directos e, dependendo das opiniões, aponta-se o dedo a um aluno ou aos alunos; ao contexto, em particular, ao escolar; e, claro, a um professor ou aos professores.

Detenhamo-nos nos professores.

Em diversos estudos pedagógicos está identificada a crença que aqueles que são “bons”, mesmo “bons”, organizam a vida da turma de tal modo que tais comportamentos ficam à porta. E dando-se o caso de se confrontarem com um, por mais difícil que ele se afigure, sabem como agir eficazmente.

Esta crença que o “bom professor é aquele que mantém os alunos disciplinados e em silêncio” (Gonçalves, 1988) pode ter efeitos devastadores.

Tais efeitos começam, talvez, na culpa que se condensa em cada um: os colegas, os pais, os alunos culpam-no, ele assume a culpa, culpa-se ou rejeita culpar-se… O que se segue? Seguem-se pensamentos («não consigo motivar os alunos» ou «nada interessa os alunos», «nada há fazer com alunos assim»...), sentimentos («não sou capaz», «odeio aquele aluno, a turma», «tenho medo», «só quero fugir«...) e actuações (desinvestimento, diminuir a exigência...) destrutivos, tanto em termos profissionais como pessoais.

E em grande segredo, em grande silêncio. Um dia, outro, meses, anos, com a consciência amarga a roer a alma.

Tudo isto está errado.

O desempenho docente, ainda que evidencie falhas, não pode nem deve ser descontextualizado da escola e do sistema educativo. O que toda a gente sabe! Toda a gente sabe, mas não deixa de impedir a comunicação entre professores (implicando a confrontação solitária com os problemas); de alicerçar o sentimento de fracasso profissional (é desgastante o confronto com situações com as quais não consegue lidar eficazmente) e implicar a demissão dos responsáveis institucionais (cada problema é de ordem individual, cada um tem autonomia e responsabilidade pela sua área de trabalho).

Assim se compreende que os problemas comportamentais só se revelam quando tomam proporções incontroláveis e, em certos casos, saltam para a televisão. Nesta circunstância – torna-se irónico! – não é raro os professores admitirem – porque saber já sabiam – que, afinal, o problema era antigo e comum.

Mas, nem mesmo nestes casos é certo que o sistema educativo e as escolas tomam medidas informadas, razoáveis, coerentes e consequentes, sendo que o seu desfecho pode não ser o mais desejável… muitas são as situações em que a «corda parte pelo lado do mais fraco».

Sai o professor para outra profissão, para reforma antecipada, ou pior... Abandona o ensino porque, apesar das condições adversas em que está, não viu apoio dos colegas, da escola, de ninguém. E alguns dos que saem são bons, muito bons, ainda que não perfeitos ou mágicos – quem o É? Ficam os alunos, a sociedade a perder.

Referências completas:
GAMA, S. (s.d.).
Diário. Lisboa, Ática.
GONÇALVES, O. (1986). Contruições para uma perspectiva cognitivista na formação de professoes. Jornal de Psicologia, vol. 5, nº 1, 21-25.

domingo, 20 de novembro de 2011

Fui Il Postino

No passado mês de Outubro, no dia 9, o escritor António Lobo Antunes visitou o crítico de literatura George Steiner, na residência desde, que fica perto de Cambridge. Na longa conversa que tiveram, em francês, publicada na revista Ler deste mês falaram, como talvez não pudesse deixar de ser, da função de professor, que Steiner exerceu com devoção e paixão, como um carteiro que leva uma mensagem a outrem...

"George Steiner: Sou antes de mais um professor. Foi essa a minha vocação. A minha culpa seria a de ser um mau professor. Sempre tive medo disso. Terei eu o direito de ensinar? Quem mo dá? É um direito enorme, moral, psicológico. Escrevi um livrinho, As lições dos Mestres, em que estudo esse fenómeno. E sempre disse a mim próprio: «Com que direito entras numa sala para dares uma aula?» É isso. É como para si o escrever todos os dias: o ensino foi para mim uma vocação. A própria palavra rabin, rabi, quer dizer «professor», nada mais, nada menos. São homónimas. O rabi é, pura e simplesmente, o senhor que dá as aulas. E isto, não o escolhi, isto escolheu-me, como a literatura o escolheu a si; e isto trouxe-me grande angústias e grandes alegrias. E quando tive de deixar o ensino foi o mais duro golpe da minha vida. Sinto muito a falta dos meus alunos.

António Lobo Antunes: O meu pai era professor e depois, quando teve
de se retirar, por alturas da sua reforma, aos 70 anos, tive a impressão de que ele era, ao mesmo tempo, mestre e discípulo de si próprio.

George Steiner: Sim, tentamos. É uma fórmula belíssima. Tentamos. Mas sinto muito a falta da contradição, do bom aluno que diz «não». Falta-me a resistência, a mão que pressiona contra uma resistência viva.

(...)

George Steiner: Se eu pudesse ensinar de novo, se tivesse os meus alunos nesta sala (...). Acabam de colcar um retrato meu na Universidade de Londres, um retrato que, a meu pedido, ficou com o nome de Il Postino. Conhece o filme acerca de Neruda, Il Postino [O Carteiro de Pablo Neruda]? Define-me em absoluto. Eu sou o postino: trago as cartas dos grandes escritores e é preciso colocá-las nas caixas certas. Nem sempre é fácil. Quando se explica aos novos alunos da Universidade de Londres por que razão existe um quadro deste senhor, eles acham todos que Il Postino é o meu nome. Ao que eu digo: «Não expliquem, deixem-nos pensar assim.» É um grande privilégio, cuja coroação é a vossa presença aqui. É maravilhoso poder levar cartas! Não fui banqueiro, não vendi casacos de peles; de todos os desastres possíveis fui postino. É isto ser professor. O bom professor abre livros aos outros, abre momentos aos outros. E eu tive alunos muitíssimos dotados, o que foi um grande privilégio: saber que eles são mais dotados do que eu.

António Lobo Antunes: Era isso que dizia o meu pai. Nunca compreendi muito bem a sua paixão pelo ensino. Era para ele uma grande paixão (...). Ele realizava-se nas suas aulas na Faculdade de Medicina. Para ele, eram um imenso prazer. E, após a sua reforma, ensinava aos netos. Lembro-me de, quando tinha sete anos, termos viajado de autocarroa té Paris; fomos a Espanha, à França, à Suíça, à Itália, e ainda me lembro do seu discurso de meia hora em frente a um Tintoretto, sobre as perspectivas das estrelas em Tintoretto, em frente a um Rembrandt, e para mim, uma criança, isso foi muito aborrecido.

George Steiner: Mas nunca mais se esqueceu.

António Lobo Antunes: Não.

George Steiner: É isso. Logo, ele era um bom professor."

In Ler, Livros & Leitores, páginas 47 e 52 (Tradução do francês de Joana Jacinto).

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Dúvida Metódica

Sara Raposo e Carlos Pires são dois professores de filosofia da Escola Secundária de Pinheiro e Rosa, em Faro. Criaram e mantêm um blogue de extraordinária qualidade que tem por designação Dúvida Metódica.

Aí exercem, sobretudo com os seus alunos, a nobre tarefa de pensar e de levar a pensar.

No Dia Mundial da Filosofia, que hoje se comemora, é justo que o De Rerum Natura destaque este propósito que, não sendo exclusivo da Filosofia, nela revela toda a sua essência e esplendor.

Para assinalar este dia, entenderam os referidos professores realizar um debate online: a ideia é, em vez de falar da Filosofia, filosofar.

Pode o leitor participar nesse debate clicando aqui.

domingo, 21 de agosto de 2011

domingo, 29 de maio de 2011

Eu, a redentora do país…

Pode o leitor ouvir aqui o discurso de uma professora, de seu nome Amanda Gurgel, pouco comum em circunstâncias formais, em que intervêm vários responsáveis pela educação.

Ainda que esse discurso seja relativo ao que se passa no sistema de ensino do brasileiro, muitos apectos que aflora são verdadeiros para outros sistema de ensino, nomeadamente para o nosso.

Estou a referir-me, por exemplo, à invocação constante de números para afirmar o progresso na educação, progresso que o quotidiano parece desmentir...

Não é fácil dizer isto olhos-nos-olhos às pessoas que apresentam esses números... Mas foi o que a delicada professora Amanda fez...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Mortes em Viena

Em tempos não muito distantes - década de trinta - e (também) conturbados sob o ponto dos valores que devem nortear a educação, uma dupla morte aconteceu: de um homem, Moritz Schlick (na imagem acompanhado pelos seus filhos), e, com ele, de um contexto de pensamento, o Círculo de Viena.

David Edmonds e John Eidibow contam estas duas mortes lamentáveis, em primeiro lugar, sob o ponto de vista humano, mas também sob o ponto de vista do conhecimento, da reflexão epistemológica que ele requer, sob o ponto de vista da verdade e da liberdade...

"Na manhã de 21 de Junho de 1936, Moritz Schlick “saiu do eléctrico a pouco metros dos degraus de pedra que conduziam à imponente entrada principal, apressou-se a atravessar o portão de ferro e a cruzar o cavernoso átrio central e virou à direita, subindo as escadas em direcção às salas de Direito e de Filosofia. O professor de 54 anos estava atrasado para a sua lição sobre a filosofia do mundo natural, na qual iria examinar os tópicos como a causalidade, o determinismo e a questão de determinar se os homens possuem ou não livre-arbítrio.

Schlick estava longe de ser um orador brilhante – apresentava as suas palestras num tom monocórdico e dificilmente audível – mas as suas aulas estavam sempre cheias. Os estudantes apreciavam a lucidez dos seus comentários e a vastidão dos seus interesses, que se estendiam à lógica e à ética. Grisalho e envergando colete, possuía um porte digno e autoritário, e era popular entre a geração mais nova (…). Era também altamente influente na academia como fundador e principal mentor de um grupo de filósofos e cientistas conhecidos como Círculo de Viena, que haviam feito da sua doutrina do positivismo lógico a corrente dominante na filosofia (…).

Enquanto se apressava para a sua lição, esperava-o nesse dia nas escadas uma figura indesejada, a de Johann (ou Hans) Nelböck, um antigo doutorando. Nelböck tinha sido duas vezes internado em asilos psiquiátricos para ameaçar Schlick, sendo diagnosticado como paranóico esquizofrénico (…).


O professor, habitualmente tão imperturbável, ficou aterrado – o que confessou a diversos amigos e colegas. Alertou a polícia e contratou um guarda-costas. Mas, ao fim de algum tempo, não tendo a intimidação resultado em nada, foi decidido dispensar a sua protecção, e Schlick cessou todos os contactos com a polícia… «Receio», disse ele a um colega, «que eles comecem a pensar que o louco sou eu.»
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Às 9.15 quando Schlick chegou ao patamar das escadas que o levavam às salas de Filosofia Nelböck sacou de um pistola automática e disparou quatro vezes à queima-roupa (…). O professor Dr. Moritz Schlick morreu instantaneamente. Ainda hoje existe uma placa de bronze a assinalar o local.

Houve uma segunda vítima do tiroteio. Nelböck pusera igualmente fim ao Círculo de Viena, já ameaçado pelo cada vez mais virulento anti-semitismo que invadia todos os níveis do sistema educativo do estado católico-corporativo austríaco. Na verdade, num triste reflexo da escala a que o preconceito chegara na cidade, logo se espalhou a notícia do assassinato de Schlick, a imprensa assumiu de bom grado que o professor devia ser judeu e o seu assassino um apoiante do governo católico-corporativo. Surgiram dezenas de artigos nos jornais, alguns deles lançando rancorosos ataques a Schlick enquanto expressavam simpatia e admiração para com o assassino (…)

Uma mão cheia de corajosos, que incluíam o filho de Schlick, tentaram refutar as principais acusações levantadas contra o professor. Não era verdade que fosse judeu ou ateu. Era alemão e protestante (…). Também não se associava com os comunistas. E também não era verdade que se fizesse rodear de assistentes judeus (…).

Nelböck foi julgado pelo crime. E mesmo num clima tão envenenado como este, e apesar dos sentimentos do público de que Schlick tivera o que merecia. O veredicto do tribunal foi aquele que seria de esperar (…). A pena de dez anos (…) foi algo branda (…) mas o tribunal levou em consideração que ele confessara e que possuía um passado de doença mental. No entanto, dada a gravidade do crime, o culpado foi também condenado a uma punição adicional – a de dormir numa cama rija, sendo-lhe entregue uma nova a cada três meses.

No caso, não viriam a ser necessárias muitas dessas enxergas de quebrar costas. O caso Nelböck rapidamente se tornou uma cause célebre, e aos olhos do público o assassino enclausurado foi promovido de solitário psicologicamente instável a herói pangermânico. No seguimento do Anschluss ele acabou por beneficiar de liberdade condicional e passou os anos de guerra a trabalhar para o Terceiro Reich como técnico de divisão geológica da Autoridade para o Óleo Mineral."

Referência completa:
- Edmonds, D. & Eidinow. (2001). O Atiçador de Wittgenstein. Lisboa: Temas e Debates, pp. 137-141.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O mal-estar na profissão docente

A partir dos anos de 1970, a investigação do ensino começou a dar atenção especial à pessoa que o professor é, e ao contexto escolar em que ele está integrado. Isto para melhor se perceber o seu trabalho.

De entre as diversas linhas de estudo que se organizaram, uma das mais produtivas é a que se tem dedicado ao mal/bem-estar na profissão, sendo que a maior parte dos trabalhos publicados incidem no primeiro aspecto.

Em Portugal, nesta matéria, têm-se por incontornáveis os trabalhos de José Esteve, professor da Universidade de Málaga, onde se esclarece que o mal-estar docente é um conjunto de reacções dos professores à mudança social, as quais se traduzem no sentimento de desajustamento em relação à profissão e na impotência para a exercer de modo correcto.

As pesquisas de carácter empírico que realizou permitiram-lhe apurar dois grupos de factores que contribuem para a formação de tais reacções:
- factores de primeira ordem “que incidem directamente sobre a acção do professor na sala de aula, modificando as condições em que desempenha o seu trabalho” e
- factores de segunda ordem que se referem “às condições ambientais, ao contexto em se exerce a docência” e sobre os quais o professor não tem controlo directo.
Além disso, identificou várias fontes de mal estar:
1) aumento das exigências sobretudo devido ao desempenho de novas tarefas que não são acompanhadas pela formação adequada;
2) inibição educativa de outros agentes de socialização. Por exemplo, ensinar certas atitudes, que tradicionalmente eram da competência da família;
3) desenvolvimento de fontes de informação alternativas à escola, o que implica uma revisão do papel do professor;
4) ruptura do consenso social sobre o que deve ser a educação escolar: de um certo acordo tradicional passou-se para uma pluralidade de opiniões;
5) aumento das contradições no exercício da docência: o professor desempenha papéis que não são de fácil conciliação, por exemplo, prestar apoio afectivo e classificar;
6) mudanças de expectativas em relação ao sistema educativo: de um ensino de elite, baseado na selecção e competência passou-se para um ensino de massas mais incapaz de assegurar um trabalho adequado dos alunos;
7) modificação do apoio da sociedade ao sistema educativo: parece existir a ideia de que os professores são os únicos culpados do funcionamento escolar;
8) menor valorização social do professor, sendo o aspecto económico um revelador desta situação;
9) mudança dos conteúdos curriculares, devido ao extraordinário avanço das ciências e à transformação das exigências sociais;
10) escassez de recursos materiais e deficientes condições de trabalho;
11) mudança das relações professor-aluno: o grande número de alunos, as características particulares de alguns, a falta de autoridade do professor são exemplos de aspectos que contribuem para tal;
12) fragmentação do trabalho, dado que o professor é chamado a desempenhar múltiplos funções o que além de provocar dispersão é impeditivo de um desempenho adequado.
Batem certos, portanto, os resultados da investigação de Esteve com a espontaneidade patente no texto Querem que eu dê aulas!?
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Referências:
ESTEVE, J. (1991). Mudanças sociais e função docente. A. NÓVOA (dir.) (1991). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 93 e seg.
ESTEVE, J. (1992). O mal estar docente. Lisboa: Escher.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O SINDICALISMO DOCENTE NO FINAL DA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI

"O tempo passado e o tempo presente fazem ambos parte do tempo futuro (T.S. Eliot, 1888-1965).

Agitam-se novamente sindicatos docentes em acções de luta conjunta que me levam a recuperar um meu texto do passado que adapto ao tempo presente.

E se, como nos disse José Luís Borges “temos como futuro o esquecimento”, hoje, mais do que nunca, entendo dever ser feita uma reflexão aprofundada sobre um sindicalismo docente que continua a fazer da rua palco ruidoso, do género das manifestações das grandes massas operárias de pendor revolucionário de fins do século XIX.

Ademais, foi de estranhar o silêncio cúmplice de sindicatos docentes a um corajoso artigo de opinião de Helena Matos (Público, 21/10/2008), bem contundente, até, pelo título escolhido: “Para que servem os sindicatos?”

Do referido texto, transcrevo dados referentes a sindicatos docentes (extraídos da Agência Lusa, 2006) que, segundo Helena Matos, “são uma extensão da administração pública e por ela sustentados”: “Os 450 professores que estão destacados nos sindicatos representam uma despesa anual superior a oito milhões de euros. No ano lectivo passado, estavam destacados 1327 docentes (…) que custavam por ano 20 milhões de euros, segundo estimativas do governo.”

Como é consabido, no terreno movediço de conveniências ocasionais, surgiu, anos atrás, uma denominada Plataforma Sindical, que eu tive como de contra-natura, entre catorze sindicatos de professores que, forçosamente, viria a conduzir a desavenças e clivagens profissionais com todos os traumas que a repulsão entre pólos opostos, por si só, justifica. Assim, por exemplo, na declaração conjunta de adesão à Greve Geral do próximo dia 24, figuram as siglas de vários sindicatos – SNPL, Fnei, FENPROF, Pró-Ordem, Sepleu, SINAPE, SIPE, SIPPEB e SPLIU - sem delas constar a poderosa FNE (Federação Nacional de Educação). Simples omissão ou, pelo contrário, atendendo à pluralidade de interesses em jogo, porque, como li algures, “a opinião comum que é possível obter tem sempre um limite trágico”?

Tempos atrás, disso mesmo nos viria a dar prova a Federação Nacional de Educação, quando o seu secretário-geral, João Dias da Silva, durante o seu 9.º Congresso (2008), reconheceu ter ela “perdido visibilidade ao integrar-se na Plataforma Sindical, dizendo que no futuro serão necessários acordos para impedir que alguns sindicatos se sobreponham a outros injustamente”.

Será talvez a altura dos dirigentes de um sindicalismo arcaico, ou pelo menos démodé, se debruçarem atentamente sobre a tese de doutoramento em Sociologia de Manuel Carvalho da Silva, defendida no ISCTE, em Julho de 2007, intitulada Centralidade do Trabalho e Acção Colectiva – Sindicalismo em Tempo de Globalização, que termina com a seguinte advertência: “Os sindicatos estão desafiados a ter futuro”. E esse futuro, ainda segundo ele, passa por um mundo mais exigente e ajustado aos novos tempos em que cada um deve procurar ser mais qualificado, a excelência deve ser perseguida e os mais capazes devem ser premiados em resultado do seu contributo para os resultados.

Este género de sindicalismo, adaptado às necessidades dos tempos que correm, parece não ter caído nas boas graças do Partido Comunista Português. Assim, cito do Público (09/01/2008): “Manuel Carvalho da Silva poderá abandonar a liderança da CGTP e não ser sequer candidato a secretário-geral no próximo congresso que se realiza a 15 e 16 de Fevereiro. Carvalho da Silva terá mesmo já comunicado a dirigentes do PCP que não está disponível para continuar a dar a cara pela maior central sindical portuguesa, perante o tipo de imposições que este partido tem feito quanto à composição da futura direcção, bem como à estratégia e programa a seguir no futuro pela CGTP”.

Em notícia do mesmo jornal (23/01/2009) lia-se, em título, “Futuro do movimento sindical está em risco, diz a UGT de Portugal”. A razão apresentada pelo respectivo secretário-geral, João Proença, foi o risco “face ao baixo nível de sindicalização dos jovens portugueses, uma realidade que obriga a repensar a imagem dos sindicatos”. E acrescentava: “A UGT deve manter uma política de sindicalismo com propostas, que trabalha para obter acordos e que nunca faz da luta um objectivo de acção”.

Sintomaticamente, um estudo, incidindo sobre uma população de 16 países europeus, publicado no mês de Fevereiro de 2009 nas Selecções do Reader’s Digest, colocava a profissão de líder sindical entre as profissões menos confiáveis em Portugal. Para tentar inverter esta tendência, em tempo de mudança para um novo paradigma, um sindicalismo que se deseja moderno e responsável não deve continuar a assumir uma política reivindicativa, exclusivamente, laboral, descurando os verdadeiros problemas de um sistema educativo que tarda em encontrar um rumo que não tenha por bússola fortes pressões sindicais.

Embora num clima de excepção que justifica todas as formas de luta actual, temo que, em resquícios de uma luta sindical do passado, uns tantos sindicatos docentes responsáveis por manifestações constantes no sector da Educação queiram continuar um clima de conflito permanente, terreno fértil para a desestabilização da sociedade portuguesa e prejuízo constante para o sistema educativo português. Ontem como hoje. E amanhã?

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ordem dos Professores: breve historial das ordens profissionais

“O tempo passado e o tempo presente, fazem todos parte do tempo futuro” (T.S. Elliot, 1888-1965).

O prometido é devido. O meu último post -“Uma Ordem dos Professores?” (19/04/2010) – suscitou uns tantos comentários que agradeço porque, como defendeu Emerson, “todo o homem que encontro é-me superior em alguma coisa; e, nesse particular, aprendo com ele”.

Seis meses após a publicação da lei fundamental saída da Revolução de 28 de Maio, é publicada legislação para os diversos organismos representativos de profissões e seus destinatários, determinando que “as Ordens para as profissões liberais surgem ao lado dos grémios para industriais e comerciantes, sindicatos para operários e casas do povo para profissões não diferenciadas”. Reza ainda esta legislação que “os sindicatos nacionais dos advogados, dos médicos e dos engenheiros podem adoptar a denominação de Ordens” (Decreto-Lei 23.050/33, de 23 de Setembro).

Sempre que vem à baila a criação de uma Ordem dos Professores surgem vozes com o argumento volátil como o éter de que esta forma de organização profissional de direito público teve a sua etiologia no Estado Novo, sendo, consequentemente, atentatória da vivência democrática. Aliás, esta tese encontra cómodo respaldo na roçagante toga académica de Vital Moreira quando argumenta “que as ordens profissionais tiveram a sua origem no sistema corporativista do Estado Novo" (Público, 05/7/2005).

Dias mais tarde, este professor de Direito de Coimbra e eurodeputado do Partido Socialista, reforça o seu parecer com o argumento de que “a Ordem dos Advogados foi criada num dos primeiros governos da Ditadura que precedeu e preparou o Estado Novo, sendo depois integrada na organização corporativa juntamente com as demais criadas” (ibid., 26/07/2005).

Aceitar o argumento de tempos de governação que precederam o Estado Novo – dos primórdios da II República ao começo da I Dinastia – poderá responsabilizar D. Afonso Henriques, também ele, de ter sido o precursor do Estado Novo e, com isso, da Ordem dos Advogados. Acontece que “a Ordem dos Advogados foi criada sete anos antes da implantação do chamado Estado Novo, e uma escassa quinzena de dias após a Ditadura Militar que o antecedeu, pelo Decreto n.º 11.715/26, de 12 de Junho" (cf. site da Ordem dos Advogados, "Resumo histórico da Ordem dos Advogados”).

Esclarece-se que as ordens dos Advogados, dos Médicos e dos Engenheiros “foram depois representadas na Organização da Câmara Corporativa (Decreto-Lei 24.083, de 27.XI, 1934), representação que a Ordem dos Advogados repudiou por considerar deprimente, da sua corporação, a subordinação” (“Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira", vol. XIX, p. 577). Ainda segundo esta fonte, “todas as três ordens funcionam, mas somente a dos Advogados continua excluída da Câmara Corporativa”.

Só anos mais tarde surge a Ordem dos Engenheiros (Decreto-Lei 27.888/36, de 24 de Novembro) e a Ordem dos Médicos (Decreto-Lei 29.178/38, de 24 de Novembro), sujeitando-se ambas a ter assento na Câmara Corporativa. Após um prolongado hiato de 34 anos, é criada uma nova Ordem: a dos Farmacêuticos (Decreto-Lei 334/72, de 23 de Agosto).

Embora seja apresentada pelos seus opositores mais encarniçados, v.g., sindicalistas afectos ao Partido Comunista e não só, como uma espécie de “ultima ratio ou, mais prosaicamente, tábua de salvação, o óbice de natureza política antifascista de terem tido as ordens profissionais a génese durante a vigência do Estado Novo, esta falácia desmorona-se qual baralho de cartas viciadas se for tomada em linha de conta as inúmeras ordens profissionais criadas depois de 25 de Abril, que cito de memória e sem a preocupação de as alinhar em função da data da respectiva criação: Ordem dos Médicos Veterinários, Ordem dos Médicos Dentistas, Ordem dos Arquitectos, Ordem dos Economistas, Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, Ordem dos Biólogos, Ordem dos Psicólogos, Ordem dos Notários, Ordem dos Nutricionistas, Ordem dos Enfermeiros e Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas. Ou seja, quase o triplo das ordens profissionais criadas antes de 25 de Abril.

De interesse me parece, outrossim, a referência ao facto da filosofia que, inicialmente, presidiu à criação de ordens profissionais apontar inequivocamente estas associações profissionais de direito público exigindo, como condição sine qua non de inscrição plena uma licenciatura universitária responsável pela qualidade dos actos profissionais prestados à comunidade pelos respectivos membros.

No caso de profissionais sem este grau académico, era, apenas, facultada a inscrição de forma condicionada. Por exemplo, aos diplomados pelas antigas escolas médicas de Goa e do Funchal (escola com vida efémera e pouco conhecida) só era permitido o exercício profissional no então Ultramar Português. Aos diplomados pelas escolas de farmácia de Coimbra e Lisboa (a licenciatura era apenas ministrada na Faculdade de Farmácia do Porto) era vedado o exercício de análises clínicas, sendo-lhes apenas consentida a direcção técnica das farmácias.

Foi, portanto, com uma certa estranheza, ou mesmo estupefacção, que, em desrespeito por este modus faciendi, tomei conhecimento de que a então Associação Nacional dos Professores do Ensino Básico, constituída maioritariamente por professores diplomados pelas antigas Escolas do Magistério Primário, anunciar num seminário, realizado em Viseu, o firme propósito de se transformar em Ordem (Diário de Coimbra, 07/05/91). Hoje, com a posterior criação das ordens dos Enfermeiros e dos Técnicos Oficiais de Contas a exclusividade da exigência de uma licenciatura universitária passou a letra morta. A título de informação a latere, só em 83 foi criada no ensino politécnico a primeira escola superior de educação para ministrar, tão-só, cursos a nível de bacharelato para a formação de professores do 1.º ciclo do ensino básico e educadores de infância.

Em destacada notícia do Público (12/04/2010), é-nos dado conta que a antiga Associação Nacional dos Professores do Ensino Básico, hoje Associação Nacional de Professores ,passando a englobar professores de outros graus de ensino, “volta a pedir a criação da Ordem”.

Quando o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados apresentou na Assembleia da República, em 25 de Fevereiro de 2004, uma petição para a criação de uma Ordem dos Professores, subscrita por cerca de oito mil assinaturas, que não foi votada sob a alegação do Partido Socialista de estar para breve a publicação de uma lei-quadro, por coincidência ou não, viviam-se resquícios do tempo agitado do não reconhecimento pela Ordem dos Engenheiros da licenciatura em engenharia de José Sócrates, obtida na extinta Universidade Independente, em 1996.

Essa legislação viria a ser publicada em 2008, Lei n.º 6, de 13 de Fevereiro, especificando no ponto 2 do respectivo artigo 2.º, destinar-se a regulamentar o exercício da profissão quando essa regulação “envolver um interesse público de especial relevo que o Estado não deve prosseguir por si próprio”. Mas não terá a Educação “ interesse público de especial relevo” na formação daqueles que, por exemplo, irão exercer a medicina ou a advocacia ou, ainda, a engenharia?

Defensor público, desde a primeira hora, desta forma de associativismo entendi a necessidade de mergulhar nas raízes das ordens profissionais, suas exigências e suas finalidades em Portugal contemporâneo sem o descuido de o fazer de “pena ao vento”, como diria Eça.

Em face deste statu quo, continuo na firme convicção – de cabeça fria e sem arrebatada paixão – que só a criação duma Ordem dos Professores poderá definir com toda a propriedade os deveres e os direitos dos docentes com a carne sofrida pelo azorrague da descriminação de que têm sido vítimas relativamente a outros profissionais de posse de uma ordem profissional criada, por vezes, por processos pouco claros na intenção, equivocados na atribuição e desqualificados pela menor preparação académica dos seus membros a nível de bacharelato ou, por vezes, nem isso.

Ainda mesmo sem querer assumir o papel de profeta da desgraça, uma classe que se não organize devidamente na defesa dos seus lídimos direitos, continua a caminhar para uma triste e vil servidão. E, de certeza, ninguém se deseja prefigurado em caricata sombra do prestigiado professor liceal de outrora ou numa triste e fragilizada figura de um forte e combativo Espartaco, agora, exangue para continuar a luta pela dignificação duma carreira docente liberta dos grilhos de prepotentes medidas oficiais em prejuízo dos professores e da própria Educação em geral.

Ou será que os professores portugueses, em nosso tempo, como escreveu o poeta francês de finais do século XIX, Jean Rimbaud, “acabam por achar sagrada a desordem do seu espírito?

P.S.: Tenho na forja um novo post em que será abordada a temática da profissão liberal, uma espécie de Fio de Ariadna.

sábado, 17 de abril de 2010

UMA ORDEM DOS PROFESSORES?

Minha carta publicada hoje no "Público":

"Volta à luz da ribalta a criação de uma Ordem dos Professores. Desta feita, com o impacto de merecer notícia de primeira página no PÚBLICO (12/4/2010), intitulada 'Associação volta a pedir criação de uma Ordem.'

Em página interior inteira, podia ler-se este pequeno excerto: 'A proposta da ANP surge num momento em que os responsáveis da educação se mostram pela primeira vez receptivos à ideia´
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E mais se lia: 'A Federação Nacional de Professores, a maior organização sindical dos docentes, tem insistido que a criação de uma ordem apenas serviria para ‘dividir a classe’. Para a Fenprof, ‘há uma ética e uma deontologia historicamente construídas, assumidas e respeitadas pela classe docente’, sendo os sindicatos ‘os espaços de análise destas questões.

Da notícia, ressaltam dois factos dignos de registo:

1. O argumento da FNE, relativamente à divisão da classe provocada por uma Ordem dos Professores.

2. O facto de, para a Fenprof, existir uma ética e uma deontologia assumidas e respeitadas pela classe docente, através da via sindical.

Ou seja, uma ordem para todos os professores promoveria a 'divisão da classe'. Dezenas de sindicatos e outras organizações docentes contribuem para a sua união! Uma ética e uma deontologia assumida e respeitada pela classe docente? Onde estão plasmados os seus princípios e a garantia do seu cumprimento?

Mas a questão essencial dos obstáculos à criação de uma Ordem dos Professores reside na resposta às seguintes perguntas: Quem tem medo da criação de uma Ordem dos Professores? Os sindicatos docentes? O Ministério da Educação? Ou ambos?

Os sindicatos têm razões de sobra para não quererem uma Ordem dos Professores pela hemorragia do dinheiro das quotas que lhes deixaria de entrar nos cofres. Por outro lado, ao ministério da Educação convém continuar a ter o controle draconiano sobre estes profissionais da função pública: os professores.

Numa espécie de presente envenenado, surge agora o próprio ministério da Educação com a proposta de um organismo a tutelar os professores, quais marionetas comandados ao longe por cordéis da 5 de Outubro, propondo para os docentes uma espécie de ERCS (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) em substituição de uma Ordem dos Jornalistas, defendida, anos atrás, por conceituados nomes da Comunicação Social, , v.g., Octávio Ribeiro, Bettencourt Resende e Miguel de Sousa Tavares e, de certo modo, José Manuel Fernandes, ao tempo, director deste jornal.

É atribuída a Churchill a opinião de ser a democracia a pior forma de governo, mas não se ter descoberto outra melhor. De igual modo, as ordens profissionais poderão ser a pior forma de associativismo profissional mas ainda não se descobriu outra melhor. Em jeito de adivinha e perante a remota possibilidade de existir outra melhor, qual é a coisa qual é ela?"

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O problema mais importante e urgente

É à Escola e aos professores que, desde a Antiguidade, muitas sociedades, com destaque para as sociedades ocidentais, têm confiado a educação formal de crianças e jovens.

E porque é que o têm feito? Entendo que há uma razão fundamental que, curiosamente, vejo escapar em muitas discussões actuais sobre a função de tal educação e na qual vislumbro três pólos: o desenvolvimento de certas capacidades cognitivas, afectivas e motoras dos sujeitos; o funcionamento a níveis aceitáveis de comunidades e estados; e a transmissão e ampliação da herança civilizacional.

Na verdade, como humanos, cedo percebemos que a educação formal nos permite vir a desfrutar de capacidades que trazemos em potência ao nascer e que tal se faz com base em conhecimentos acumulados ao longo do tempo, conhecimentos que valorizamos e, nessa medida, transformamos em memória funcional.

Assim, transmitir conhecimentos, técnicas, valores, instruir, preparar para a cidadania, para a consciência do mundo, para o progresso, para o bem, para o belo, para a liberdade, até para a felicidade, são alguns dos grandes propósitos que têm conduzido o sonho e a acção educativa.

É certo que há muitos momentos em que a tais propósitos têm dado lugar aos seus contrários: regimes aberta ou disfarçadamente totalitários encarregam-se disso nas suas primeiras medidas.

Porém, desde os esboços de democracia grega até ao presente, temos conseguido fazer face a esses regimes bem como a crises de toda a ordem. Por isso, a escola e os ideais que persegue, ainda que com inúmeras variantes, sobreviveram, o mesmo se pode dizer do ensino, a profissão que os concretiza. Mas isto não constitui qualquer garantia de que assim continue a acontecer.

Efectivamente, a educação é uma tarefa interminável, que requer, a cada momento, reconstituições com cada sujeito e para cada sujeito, de modo que este se aproprie de uma parte do humano, se conduza por ele e, eventualmente, o transmita a outros. Percebe-se que qualquer falha menor nessa tarefa, acarreta prejuízos incalculáveis: debilita-se a vocação e o entendimento que temos de “pessoa”; perece o passado e compromete-se o futuro.

Pela permanência e urgência de tal tarefa, muitos assemelham-na à de Sísifo, mas também pelo esforço que é preciso despender e pela vontade de a empreender, tendo por certo que nunca ela se concretiza por inteiro, que é sempre preciso recomeçar do nada ou de próximo do nada…

Esta é a consciência que acompanha os verdadeiros professores, aqueles que apreenderam o sentido de educar e que sabem que está nas suas mãos e só nas suas mãos cumprir tal desígnio.

São estes professores do Ensino Básico, Secundário e Superior, jovens e experientes, que eu vejo todos os dias desistir. Nas suas palavras, nem sempre explícitas, frequentemente sussurradas, percebo:

- Fadiga extrema, pelas inúmeras tarefas burocráticas que têm de concretizar sem falta ou falha e em tempo limitado mas nas quais não percebem qualquer sentido a não ser impedi-los de estudar, preparar aulas, dar atenção aos seus alunos.
- Desorientação absoluta, face aos discursos da tutela e de especialistas em educação, a que são continuamente expostos. Discursos que são, as mais das vezes, incompreensíveis e contraditórios, mas onde, no entanto, se vêem desapossados da sua função de ensinar e reduzidos a “meros” orientadores, acompanhantes das aprendizagens.
- Desencanto inquieto, por terem tentado tudo o que estava ao seu alcance para compreenderem esses discursos e, quando perceberam o seu alcance lesivo, para o filtrarem de modo que nas suas sala de aula causassem o menor impacto possível. Porém, não obstante os seus esforços, não podem negar que eles invadem, de modo incontrolável, as suas práticas, que sabem tornar-se erradas por não conduzirem a aprendizagens válidas.
- Apresentação insustentável de uma imagem socialmente favorável, pela necessidade de reproduzirem esses mesmos discursos, sob pena de serem mal interpretados, avaliados, julgados pelos seus pares ou outros. Assim, escondem a sua voz, sabendo que estão a atraiçoá-la e a atraiçoar os que dela podiam beneficiar.

Sublinhei as palavras extrema, absoluta e inquieto e insustentável para que se perceba o estado limite a que os bons professores, os professores que se interessam, chegaram: sabem bem que não fazem o que devem, e que é ensinar, ou seja, sabem bem que muito dificilmente conseguem levar o conhecimento que importa aos alunos, de modo que estes o amem e desenvolvam a sua inteligência. Em alguns percebo que esse estado é próximo do vegetativo, arrastam-se e cumprem, numa tentativa de sobrevivência pessoal, até terem coragem de mudar de profissão ou de pedir a reforma antecipada.

Infelizmente, a investigação que se faz na área pedagógica corrobora o que acabo de afirmar: o mal-estar dos professores vai além da mera insatisfação, torna-se num abandono incontornável ainda que indesejado.

Termino este texto com as palavras de Eric Weil (1904-1977), na esperança de que elas sirvam para despertar a necessidade de se repensar a importância e urgência da educação para todos neste início século.
"O perigo futuro poderá traduzir-se numa ameaça muito maior: o perigo de uma humanidade liberta da necessidade e do constrangimento exterior mas impreparada para dar conteúdo à sua liberdade. Neste sentido, não seria exagerado afirmar que não existe nenhum problema mais importante, mais urgente, que o da educação. E os nossos sucessores podem vir a ser incapazes de o resolver se demorarmos demasiado tempo e se, desde já, não reflectirmos suficientemente sobre esse problema. Podem mesmo vir a ser incapazes de ver o problema e de tomar consciência daquilo que já vem mal de trás - exactamente da mesma maneira que a filosofia grega, nos seus últimos momentos, deixou de procurar uma resposta válida para todos os homens livres e para toda a comunidade de homens livres e apenas procurou encontrar consolação para os raros indivíduos que continuavam a pensar que tudo tinha acabado mal. Ela renunciou assim a perceber que era possível, ou teria sido possível, encontrar um remédio.”
Referência bibliográfica: Weil, E. (s.d). A educação enquanto problema do nosso tempo. Pombo, O. (2000) Quatro textos excêntricos. Lisboa: Relógio D´Água, páginas 70-71.
Imagem: Sísifo, por Max Klinger (1914).

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Money makes the education go round - 2

Texto na sequência de outro que poderá ser lido aqui:

Espero que o leitor não me interprete mal quando afirmo que o investimento no ensino e na aprendizagem não pode ser apresentado como estando directa e linearmente dependente de “incentivos financeiros”. Obviamente, não defendo o empobrecimento dos professores, defesa que se fez em tempos que se esperam passados, sob o pretexto destes, por terem sido alvo de um “chamamento interior”, decidirem dedicar-se a uma missão, mais do que a uma profissão. Obviamente, também não defendo que devam ser retiradas todas as bolsas de estudo aos alunos, pois sem elas seria impossível a muitos deles estudarem.

O que defendo é que os “incentivos financeiros” não podem ser apresentados como condição necessária e suficiente para ensinar e para aprender, pois entendo que estas duas actividades têm valor em si mesmas.

Sabemos que o ensino e a aprendizagem não acontecem no vazio, que estão relacionadas com as circunstâncias em que ocorrem, e sabemos também que as circunstâncias lhes podem ser favoráveis ou desfavoráveis, mas, ainda assim, não podemos confundir a essência do ensino e da aprendizagem com as suas circunstâncias.

O que nos diz a pedagogia sobre o assunto, no que respeita ao ensino? Nesta área disciplinar fizeram-se investigações sobre as principais preocupações dos professores? Se sim, as preocupações com os “incentivos financeiros” são as mais evidenciadas?

A resposta é a seguinte: dispomos de numerosas investigações sobre o assunto, realizadas em diversos países, desde os anos de 1960 até ao presente. Os resultados de estudos de revisão dessas investigações indicam que as preocupações dos professores se situam em aspectos como: indisciplina na turma, motivar os alunos para aprender, lidar com alunos que manifestam diferenças individuais (de aprendizagem, culturais,. etc.); planificar e concretizar o trabalho em sala de aula; estabelecer comunicação com pais; sobrecarga do trabalho administrativo; dificuldade de aplicar as orientações curriculares e outras da tutela, dada a sua frequente mudança e inadequação.

Ou seja, parece que as grandes preocupações dos professores se centram no seu trabalho, que é ensinar. Mais concretamente, parecem estar preocupados em fazer bem esse trabalho e referem preocupar-se com os impedimentos que encontram no caminho para chegar a esse fim.

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Faleceu David Lodge, o polifacetado escritor britânico que manteve na ficção uma ironia finíssima e absolutamente corrosiva. A diversidade h...