Pelo menos uma vez por ano, vinha ao seringal.
Quando chegava, era uma festa. Tiros se disparavam e, logo depois, os
interessados em batismos, crismas, casamentos e outros ofícios religiosos iam
também chegando.
Os serviços sacerdotais duravam cerca de uma
semana. Às vezes, sendo grande a demanda, um pouco mais. Se a procura excedia à
expectativa, ou alguém, por motivo sério, não podia comparecer, até pelo rumo
casamentos e batizados se realizavam.
Pelo rumo? Sim, o simpático reverendo se
certificava do local da morada do solicitante e, a mão estendida na direção
indicada, praticava o ato pleiteado.
Ao fim de cada encontro com o rebanho,
embrenhava-se na mata, em caçada que envolvia uma noite, pelo menos, em espera
de caça grande, de hábitos noturnos. Sim, o dinâmico sacerdote, além da paixão
pelo ofício, tinha outra: a das caçadas. Sem aquele e sem estas, não sabe se
conseguiria sobreviver.
Uma feita, eu era garoto, vi, no campo, que
alguém, de batina, provocava o touro. Era o padre, chegando. Como o animal
partisse para o ataque, resolveu tourear, usando a própria batina. Mas o touro,
que era manso, parece que o reconheceu e desistiu do confronto. Estava-me
divertindo com ele, explicou.
Querido por todos, nunca faltava à assistência
periódica. Mas uma vez não veio. Adoecera. Em seu lugar veio um padre
desconhecido que, de saída, descartou a possibilidade de atos pelo rumo. Um
absurdo!, disse. E duvidava muito de que seu colega os praticasse. Não parou
por aí: por isso ou por aquilo, casamentos e batizados deixariam de ser feitos.
No tocante ao batismo, por exemplo, queria saber a religião do padrinho.
Informado de que um padrinho era espírita,
estrilou: não batizava o guri! Ora, o escolhido para padrinho era o próprio
dono do seringal. Mas Pedro Félix (este o nome do pai da criança), falou ao
candidato a compadre:
– Não se preocupe. Eu converso com ele e
resolvo o caso.
Abordado, o sacerdote se manteve irredutível.
Isso, enquanto outras dificuldades criava para os interessados nos atos sacros.
Pedro era um homem quieto, mas decidido. Foi até o interior da casa e, na
volta, teve nova conversa com o reverendo.
Falou-lhe ao pé do ouvido e o padre substituto
logo se rendeu a seus argumentos, celebrando o batizado. Foi mais longe:
praticou todos os atos que estava dificultando. Cumprida a pauta, não esperou o
dia seguinte. Caçada? Nada disso. Deu uma desculpa e nunca mais retornou ao
seringal.
Restabelecido, o padre preferido voltou à
rotina de suas viagens e caçadas. Adolescente, fui estudar na cidade próxima e,
nesta, pude conhecê-lo melhor. Seu fã clube, ali, também era grande. Mas era
famoso, ainda, pelas histórias que contava, de caçadas e pescarias.
Anos decorridos, em uma volta que o mundo deu,
tornei à cidadezinha de meus pagos. Perguntei pelo velho sacerdote. Fora para
os Estados Unidos e ali se dedicava à publicação de histórias fantásticas,
relacionadas com índios, caçadas e pescarias, que vivenciara na selva
amazônica. Alguns livros seus me foram, então, mostrados. Também nos States
tornara-se celebridade.
Curioso, talvez o leitor queira saber o dito
por Pedro Félix ao sacerdote que, uma feita, o substituiu. Pedro nunca revelou.
Mas D.ª Marocas, velha danada para ouvir atrás das portas, costumava contar
que, calibrado por generosa dose de pinga, Pedro simplesmente abotoou o padre
substituto pelo colarinho da batina, mostrou-lhe o punhal à cinta e
segredou-lhe:
– Escuta, padre podre, vai já batizar meu
filho, com o padrinho que eu escolhi, senão meu punhal vai ver o que há por
baixo dessa batina fedorenta, está entendendo?
Prudente, o sacerdote entendera.
JOBIM, Romeu. Entre crônicas e contos. Brasília:
Centro Editorial, 2011. p. 126-128