Inês Lacerda Araújo
Filosofia de todo dia
Como os filósofos
concebem o homem? Hoje se recusa a usar o termo geral homem, a cultura europeia
exige que se desfilem os gêneros em sua diversidade.
Tudo bem, trata-se
de uma idiossincrasia de nossa época, que revela como a própria civilização
ocidental pretende ser inclusiva e despida de preconceitos. Mas essa é outra
história, que, aliás, esconde a enorme distância entre um novaiorquino e um
habitante dos confins africanos, entre uma executiva paulista e um sertanejo, e
assim por diante. Sempre são minorias poderosas ou não, que impõem suas
concepções e estilos de vida, como se unicamente a sua valesse como modelo
universal.
Feitas essas
observações, vejamos como os filósofos, ao abstrair e generalizar com seus
conceitos, conceberam o homem sem o atenuante (ou o agravante...) do “politicamente
incorreto”.
A mais usada
definição e uma das mais antigas, é a de Aristóteles: “animal racional”, e sua
também a menos famosa, “animal político”. Aquele que tem a razão, raciocina,
pensa, difere dos irracionais e mais ainda, necessita do convívio para não só
viver, como para viver bem. E esse viver bem requer a prática das virtudes, que
podem ser resumidas no equilíbrio, na justa medida.
Os estoicos
ressaltam a vida prática, moderação nos prazeres, serenidade, refletem sobre os
desejos, de como são naturais, mas com seus inconvenientes: “A quem não basta
pouco, nada basta” (Epicuro).
O homem do
humanismo clássico se contrapõe à concepção cristã, de criaturas com alma
imortal, destinada a julgamento, marcada pelo pecado. O Renascimento põe o
homem em contato com o cosmo, divinos são o cosmo e o próprio homem, cuja mente
é capaz de desvendar os segredos do universo; ao invés de submissão à natureza,
a compreensão da natureza.
Somos, segundo
Pascal, um simples caniço, mas um caniço pensante, pensamentos estes que uma
simples mosca pode perturbar. Oscilações da natureza humana, vista pelo prisma
de sua finalidade, “é grande e incomparável”, mas se for comparada com os
animais, baixa e vil. Mas não se deve limitar a sua baixeza e nem ignorar sua
grandeza.
Em contraste, Kant
eleva o homem à mais nobre e abstrata razão, uma razão pura para teorizar e uma
razão prática para seguir os estritos comandos morais. O puritanismo nos amarra
a imperativos éticos, e o idealismo de Kant nos ata a conceitos puros que são
condições necessárias para o nosso entendimento.
A virada da
modernidade sai dos limites da razão, para o homem que trabalha, transforma e
se transforma, a práxis marxista nos define como feitores de uma história de luta
social e econômica, somos o “homo
oeconomicus”, produtores.
Nessa virada está
também Nietzsche, o iconoclasta, ateu, destruidor de todos os mitos e
mistificações em torno da moral, da metafísica, da natureza humana. Não
passamos disso, humanos, muito humanos em nossas valorações; aquilo que
consideramos grande e nobre deve ser reavaliado. Em lugar da imposição de
sistemas morais, sermos espíritos livres. Livres das religiões quando tiranizam
e se impõem como necessárias, absolutas e supremas. A vontade de potência
rejeita o espírito gregário, de rebanho e enaltece a criação, a vida livre, as
forças vitais; contra verdades impostas, sermos nossos próprios juízes.
Problema: para
Freud jamais seremos estes seres livres e criadores. Espremido entre o inconsciente
e suas turbulências, e a sociedade civilizada e suas regras, o eu (Ego) e suas
neuroses procuram estabilizar-se entre um e outra.
Afinal, quem e o
que somos? Um pouco disso e daquilo, atribulados com nossas invenções e
limitados em nossas pretensões.