JOÃO MOITA
Sentado ao
fogo, junto da minha mulher, inquilina da minha solidão, recordo os anos da
juventude. Nessa altura, o mosto fermentava nas caves da idade, e nós aguardávamos
o vinho maduro com a impaciência dos sóbrios. Tudo foi preparação. Os enforcados
amavam as nossas travessias, as mães rezavam com as mãos postas sobre o linho
corrompido pelo sal. Onde as aves desertavam, erguíamos um templo de suspeita e
sedução. Eram os dias do amor e do arrependimento. Hoje sei que a embriaguez é
só esta indiferença com que pressinto o sangue nos dedos da minha mulher, que
borda, e que a sabedoria nos abandona no fim. Ainda esta noite comungarei com
deus. Amanhã serei as uvas frescas na videira.
(Rembrandt, Tobias
e Sua Mulher)
(de Fome, in Uma Pedra sobre a Boca, Guerra & Paz, 2019)
3 comentários:
Belo trabalho! Por causa desse texto lerei todos!
Me arrisco erupcionando umas memórias, se tiver interesse, visite-me.
https://oabissal.blogspot.com/
Gostei muito do seu blogue 🤗
Adorei.
Vou voltar certamente.
Se me permite deixo-lhe as minhas sugestões de poesia, de jantares a tertúlias e concertos https://primeirolimao.blogspot.com/2019/10/10-ideias-para-quem-gosta-de-poesia.html
Vanessa Casais
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