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15.10.05

[nascido a 15 de Outubro de 70 a. C, faria hoje, portanto, 2075 anos, se fosse vivo]

PUBLIUS VERGILIUS MARO

BUCÓLICA SEXTA


Foi esta nossa Tália a que primeiro
verso siracusano vos compôs
e sem corar os bosques habitou.
Quando eu cantava os reis e seus combates
Cíntio me aconselhou pegando orelha:
«Títiro, o que convém a um pastor
é cuidar das ovelhas e ter verso
fácil e simples.» Vou então agora
ser poeta dos matos cuja frauta
modesta também seja. Que poetas,
Varo, sempre terás cuja ambição
seja a de irem cantando teus louvores
nessas funestas guerras. Se estes versos
tiverem um leitor que delas goste,
também a ti, ó Varo, hão-de cantar
tamargueiras e bosques, que obedeço
ao que me for mandado. Febo quer,
a tudo a preferindo, aquela página
que teu nome trouxer como motivo.
Piérides, em frente, que Mnasilo
e Crómis, os dois jovens, encontraram
a Sileno deitado numa gruta,
como sempre bem cheio todo o corpo
dos licores de Iaco. Da cabeça
as coroas lhe tinham descaído,
no chão a cantarinha ainda à mão.
Os moços, já que o velho muitas vezes
os trouxera ao engano na esperança
de lhe ouvirem o canto, o prendem firme
com as próprias grinaldas. Em socorro,
que tímidos estavam, Egle veio,
Egle, a mais formosa das Formosas
que são todas as Náiades, e pinta
ao Silvano que estava despertando
as têmporas e testa com amoras
que lhe deixaram tudo como em sangue.
Se riu ele da manha: «Por que atais
estes laços assim? Soltai-me, jovens,
já basta que se veja que tivestes
para tanto o poder. E vos direi
de versos meus o que saber quereis.
E para ela tenho eu outro favor.»
Logo começa e se podiam ver
Faunos e feras em cadência juntos
dançar como dançavam dos carvalhos
as balançadas copas. E jamais
gostou tanto o Parnaso de ouvir Febo
e tanto a seu Orfeu apreciaram
as montanhas do Ísmaro e Ródope.
Ela cantava como se um imenso
vazio houvesse e nele se juntassem
as sementes das terras, mares, ares
e do fluido fogo, os elementos
logo depois, também a pouco e pouco,
ganhando consistência o curvo céu,
em seguimento endurecendo o solo,
nos oceanos a ficar Nereida,
tomando sua forma tudo o que há.
A Terra com espanto viu brilhar
o sol-nascente, viu cair a chuva
das nuvens lá nos altos, começaram
os bosques a surgir e a vir andadndo
esparsos animais por virgens montes.
Cantou depois das pedras que atirou
Pirra e dos reinos que Saturno teve
e das aves do Cáucaso e do furto
que foi de Prometeu, da fonte de Hilas,
marinheiro a chamar e, pela costa,
por toda a costa, os ecos «Hilas! Hilas!»
A Pasífae cantou ele também,
a que feliz seria se jamais
existissem rebanhos, pudesse ela
com amor de novilho consolar-se.
As filhas de Proteu, com os mugidos,
os seus falsos mugidos, supuseram
ter os campos enchido, mas jamais
caíram na vergonha de se unir
a brutos animais, embora o medo
houvesse nelas de puxar arado
e por vezes passassem algum tempo
a procurar na fronte os rijos cornos.
Virgem sem sorte vaga nas montanhas
enquanto ele, deitado nos jacintos,
corpo de neve estende e sob azinho
rumina claras ervas ou persegue
uma qualquer novilha. E vós, ó Ninfas,
ó Ninfas de Dicte, fechai aos bosques
todo o passo que houver, para que a nós
se não revele, por qualquer vestígio,
esse errante bovino, que talvez
amor de verde pasto ou de rebanho
ou novilha lhe desse tentação
de penetrar estábulos gortínios.
Depois canta ele a moça que, atraída
pelo pomo de Hespéria, lá ficou;
em seguida, as irmãs de Faetonte
prendem amarga casca assim fazendo
que do chão brotem fortes amieiras.
Logo cantou de Galo o seu errar
nas margens do Permesso e de que modo
outra irmã o levou até Aónia,
de Febo ao coro e em honra do Herói
todos se levantaram; como Lino,
o pastor que como um deus cantava
e seu cabelo ornava de aipo amargo
com flores junto disse a ele um dia:
«A ti calamos dão Musas as que outrora
ao velho ascreu os deram, com os quais
costumava, cantando, os duros olmos
fazer descer do monte; dize tu
as origens do bosque de Guireu
para que nele tenha orgulho Apolo.»
Quem cantarei agora será Cila,
de Nilo filha, a que cingiu de monstros
suas alvas virilhas e tormenta
deu às naus de Dulíquio, os assustados
nautas dilacerando os cães marinhos?
Ou será o que disse de Tereu
sua metamorfose e dos presentes
que lhe deu Filomela, com a fuga
que ele fez para os ermos, com as asas
que a infeliz ganhou para voar
por cima dos abrigos que lá tinha?
Tudo o que Febo outrora compusera,
com o ditoso Eurotas o cantando
e logo o transmitindo a seus loureiros
cantou então Sileno, com os vales
em seu eco o lançando para os astros
até chegar a hora da recolha
de ovelhas ao redil e despontar
Vésper no céu para pesar de Olimpo.

(de Obras de Virgílio, tradução do latim do Prof. Agostinho da Silva, Temas e Debates, 1997)

1.4.04

LUCIANO
(125-190)

Já que não tinha nada de verídico para narrar..., virei-me para a mentira, mas uma mentira mais desculpável do que a daqueles [os autores de ficção], porquanto numa coisa serei eu verdadeiro: ao confessar que minto. Desta forma, isto é, declarando que não digo nem um pingo de verdade, creio ficar absolvido da acusação que porventura me façam. Escrevo, pois, sobre coisas que não testemunhei nem experimentei, e que não soube da boca doutrem; mais ainda: que não existem em absoluto e que, de qualquer forma, não são susceptíveis de ocorrer. Portanto não deve o leitor dar o mínimo crédito às minhas histórias.

(do Prólogo de Uma História Verídica, prefácio, tradução e notas de Custódio Magueijo, editorial Inquérito, s/d - edição bilíngue)