GIACOMO LEOPARDI
Nasceu em Recanati, em 1798.
Filho de uma família da alta nobreza, , recebeu uma riquíssima educação desde tenra idade, à custa, no entanto, de uma situação de dolorosa clausura, motivada pela austeridade e disciplina maternas. Rapidamente os seus mestres eclesiásticos são dispensados, pois Giacomo revela-se brilhante ao ponto de os superar. Antes dos 15 anos já dominava as principais línguas modernas - francês, inglês e espanhol - , as clássicas e ainda o árabe, o hebraico e o sânscrito.
Começou a compôr o essencial da sua obra por volta dos 20 anos e é considerado um dos mais importantes poetas italianos a par de Dante e Petrarca.
Morreu em Nápoles, em 1837.
A Si Mesmo
Repousa para sempre,
exausto coração. Morto é o engano extremo
que eu supusera eterno. É morto. E sinto
que em nós de enganos caros
a mais da esp?rança, o desejar é extinto.
Repousa. Já bastante
hás palpitado. Coisa alguma vale
o teu bater, nem de saudade é digna
a terra. Tédio amargo
a vida, e nada mais; a lama é o mundo.
Quieto, pois. Desespera
por uma última vez. À raça humana o fado
não deu mais que o morrer. Ora despreza
a natureza, o triste
brutal poder que contra nós impera,
e o infinito vácuo do que existe.
(Tradução de Jorge de Sena, in Poesia de 26 séculos, 3ª ed: edições Asa, 2001)
Scherzo
Um menino inda eu era,
Com as Musas entrei em disciplina;
Uma delas pegou na minha mão,
E em todo aquele dia
Assim me conduzia
Em visita à oficina.
Mostrou-me parte a parte,
As ferramentas da arte
E os serviços diversos
P'ra que cada, a rigor,
Se emprega no lavor
Das prosas e dos versos.
Eu olhava e inquiria:
«Musa, a lima onde está?» E eis me dizia:
«Gastou-se, a lima; agora, andem sem ela.»
E eu: «Mas de a arranjar
Não cuidais - ajuntei - quando está cega?»
Volveu-me: «Sim; mas tempo - esse, não chega.»
(tradução de Pedro da Silveira, in Mesa de Amigos, Direcção Regional dos Assuntos Culturas dos Açores, 1986 - há uma reedição recente, revista aumentada, da Assírio & Alvim)
À Lua
Lembro-me, ó graciosa lua,
Que há um ano, sobre esta colina,
Cheio de angústia, eu vinha contemplar-te:
E tu pendias então sobre a floresta
Como fazes agora, iluminando-a por completo.
Mas velado e trémulo do pranto
Que me assomava aos olhos o teu rosto
Me parecia, que laboriosa
Era a minha vida: e ainda o é, nem muda de feição,
Ó minha amada lua. E todavia faz-me bem
Esta lembrança e o contar a idade
Da minha dor. Oh!, como é doce,
No tempo da juventude, quando ainda longo
É o curso da esperança, breve o da memória,
A lembrança das passadas coisas,
Embora triste e embora as fadigas durem!
(de Cantos, apresentação, selecção, notas e tradução de Albano Martins, prefácio de João Bigotte Chorão e acompanhado de uma pintura de Armando Alves, Vega, s/d)
O Infinito
Sempre gratas me foram esta colina tão só
E esta sebe alta e extensa
Que não deixa ver o último horizonte.
Mas quando me demoro a contemplá-la
O meu espírito gera para além dela
Intermináveis espaços, silêncios sobre-humanos
Uma paz escura, profunda; e pouco falta
Para o terror me assaltar o coração. E quando
Ouço o vento sussurrar nas plantas
Comparo o infinito de tanto silêncio
A esta voz, e lembro-me da eternidade
Das estações mortas, do tempo presente
E vivo, do seu murmúrio brando. Assim
Se aniquila o meu espírito na imensidão:
E é-me grato naufragar neste mar.
(tradução de Ernesto Sampaio, in Rosa do Mundo, Assírio & Alvim, 2001)
vemos, ouvimos o Lemos
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