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11.1.09

NELLY SACHS

TERRA DE ISRAEL


Não cantos de luta vos vou eu cantar
Irmãos, expostos ante as portas do mundo.
Herdeiros dos salvadores da luz, que da areia
arrancaram os raios enterrados
da eternidade.
Que nas mãos seguraram
astros cintilantes como troféus de vitória.

Não canções de luta
vos vou eu cantar
Amados,
só estancar o sangue
e as lágrimas, que gelaram nas câmaras da morte,
degelá-las.

E buscar as lembranças perdidas
que rescendem proféticas através da Terra
e dormem sobre a pedra
em que os canteiros dos sonhos enraízam
e a escada da nostalgia
que ultrapassa a Morte.

(in Poemas de Nelly Sachs, tradução de Paulo Quintela, Portugália editora, 1967 - original de Terra de Istrael / Land Israel, 1951)

5.1.09

[em face dos últimos acontecimentos]

YEHUDA AMICHAI

EU NÃO SEI SE A HISTÓRIA SE REPETE


Eu não sei se a história se repete
Mas eu sei que você - não.

Lembro-me que a cidade estava dividida
Não somente entre judeus e árabes,
Mas também entre você e eu,
Quando juntos lá estávamos.

Dos perigos, fizemo-nos um ventre,
Da guerra mortal, construímo-nos um lar,
Como o homem do norte distante
Que do gelo mortal,
Constrói para si uma casa
Protectora e aconchegante.

Reunificou-se a cidade,
Porém, juntos, lá não estávamos mais.
Sei eu, agora,
Que a história não se repete,
Assim como eu sempre soube que você - não.

(in ariel - Revista de Artes e Letras de Israel, 1983 - edição especial para língua portuguesa, recolhendo textos da edição normal - tradução de Clara Rosenberg)

21.2.08

[Te Deum por uma nova morada #3.]

(atribuido ao) Rei SALOMÃO

[O AMADO]

Como és bela, minha amada,
como és bela!...
São pombas
teus olhos escondidos sob o véu.
Teu cabelo... um rebanho de cabras
ondulando pelas faldas de Galaad.
Teus dentes... um rebanho tosquiado
subindo após o banho,
cada ovelha com seus gêmeos,
nenhuma delas sem cria.
Teus lábios são fita vermelha,
tua fala melodiosa;
metades de romã são teus seios
mergulhados sob o véu.
Teu pescoço é a torre de Davi,
construída com defesas;
dela pendem mil escudos
e armaduras dos heróis.
Teus seios são dois filhotes,
filhos gêmeos de gazela,
pastando entre açucenas.

Antes que sopre a brisa
e as sombras se debandem,
vou ao monte da mirra,
à colina do incenso.

És toda bela, minha amada,
e não tens um só defeito.

Vem do Líbano, noiva minha,
vem do Líbano
e faz tua entrada comigo.
Desce do alto do Amaná,
do cume do Sanir e do Hermon,
esconderijo dos leões,
montes onde rondam as panteras.

Roubaste meu coração,
minha irmã, noiva minha,
roubaste meu coração
com um só dos teus olhares,
uma volta dos colares.
Que belos são teus amores,
minha irmã, noiva minha;
teus amores são melhores do que o vinho,
mais fino que os outros aromas
é o odor dos teus perfumes.
Teus lábios são favo escorrendo,
ó noiva minha,
tens leite e mel sob a língua,
e o perfume de tuas roupas
é como a fragrância do Líbano.

És jardim fechado,
minha irmã, noiva minha,
és jardim fechado,
uma fonte lacrada.
Teus brotos são pomar de romãs
com frutos preciosos:
nardo e açafrão,
canela, cinamomo
e árvores todas de incenso,
mirra e aloés,
e os mais finos perfumes.
A fonte do jardim
é poço de água viva
que jorra, descendo do Líbano!

[A AMADA]

Desperta, vento norte,
aproxima-te, vento sul,
soprai no meu jardim
para espalhar seus perfumes.
Entre o meu amado em seu jardim
e coma de seus frutos saborosos!

(Capitulo 4 do Cântico dos Cânticos, tradução de Ivo Storniolo, in A Bíblia de Jerusalém, nova edição, revista: edições Paulinas, S. Paulo, Brasil, 1993 – em nota refere-se que “tomadas literalmente, tais descrições traçariam uma imagem grotesca da amada ou do amado; igualmente inverosímil é a sua interpretação alegórica que vê aqui descrições da Terra Santa ou do Templo. Na realidade, estes textos não ‘descrevem’; eles alinham metáforas tomadas de todo o domínio da natureza, física, animal, vegetal, que traduzem, por intermédio de impressões sensoriais, vista e olfacto, os sentimentos de admiração, de alegria e de prazer que a presença do ser amado desperta.”)

20.7.06

[em face dos últimos acontecimentos]

ISRAEL ELIRAZ

A ALDEIA

2


Amontoa-se o meio-dia
sobre as folhas carnudas

uma abelha selvagem indica-te a estrada pulverosa.

Demoras-te, examinas as costuras
que estalam sob o impulso.

O verão devasta
o outro lado do verão.

O gavião leva um rato
para o minarete da mesquita

vai uma vaca
para o seu macho.

Passa um homem a vender histórias
que não vos fazem mais novos

(tradução de Pedro Tamen, a partir da versão francesa de Colette Salem, in Poesia no Porto Santo, DRAC, 2002)

21.4.06

[500 anos depois - 6]

A propósito dos 500 anos do massacre de Lisboa, o meu amigo Ruy Ventura, "católico praticante", publicou no seu blogue, Estrada do Alicerce, um belíssimo poema dedicado a uma sua antepassada, condenada pela Inquisição ao uso do "odioso 'sambenito'", de seu nome Catarina Dias.
Agradeço ao Ruy a beleza do poema e a beleza do testemunho de, sem deixar de afirmar o que é, não renega a árvore genealógica, que para outros seria motivo de humilhação.
[500 anos depois - 5]

JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE

CEMITÉRIOS JUDEUS


Também eu tenho mortos sob
a praça e a rua da cidade
e quando me sento, pelo fim de
uma tarde, no conforto dos pesados
bancos de madeira
das igrejas mais antigas
repouso sobre os corpos mortos que
talvez tenham sido lugar de vida. Então
eles também me pertencem e os lábios
como podem dizer palavra de
oração?

E estando vivo o meu pai já não o tenho
porque perdeu o meu nome.

O amarelo, a cor da alegria, junto a
um rosto que se vai esquecer.

Nem os meus sonhos são de um amante
forte. (Resposta a Yehuda Amikai.)

(de Bellis Azorica, Relógio d'Água, 1999)

20.4.06

[500 anos depois - 4]

MÁRIO RUI DE OLIVEIRA

JERUSALÉM


Também assim os versos
caem perto do que esquecemos e arrastam
a mil anos de distância
esta espécie de uivo
este grito de veludo escondido em nós
desde que os glaciares derreteram

nossas mãos
assemelham-se tanto a cidades destruídas

Jerusalém, meu coração

(de Bairro Judaico, Assírio & Alvim, 2003)
[500 anos depois - 3]

FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

Uma fronteira ao acaso


Lembras-te de Netafim, caro amigo? Contámos a história
de Deus ao longo da estrada que cruzava o Sinai, rente ao
deserto, à poeira, à luz da noite, ao medo do fim do dia -
o nosso êxodo é de palavras sinceras, de rituais repetidos

sem medo ou vergonha. A história do rabino era fantástica,
atravessando numa bicicleta voadora o céu de Eilat e as margens
do mar Vermelho. A noite colheu-nos ao volante do carro,
como um resumo da história de Deus. É esta a nossa sinagoga:

o deserto, os declives das montanhas, as aldeias escondidas,
o vento que arrasta poeiras e esconde as fronteiras das cidades,
nela entramos por acaso, conforme a voz nos chama para

uma prece ou para uma refeição. Olhemos a fronteira de Netafim,
os nomes comovem-nos. Falar com Deus é estar ligado ao deserto,
preparar a morte, escolher os frutos, adormecer em Jerusalém.

(de O Puro e o Impuro, edições Quasi, 2003)

19.4.06

[500 anos depois - 2]

NELLY SACHS

VOZ DA TERRA SANTA


Ó MEUS FILHOS
A morte passou pelos vossos corações
Como por uma vinha -
Pintou Israel a vermelho em todas as paredes da Terra.

Para onde há-de ir a pequena santidade
Que ainda mora na minha areia?
Através dos canais da solidão
Falam as vozes dos mortos:

Deponde sobre o campo as armas da vingança
Pra que elas falem baixo -
Pois também o ferro e o trigo são irmãos
No seio da Terra -

Para onde há-de ir a pequena santidade
Que ainda mora na minha areia?

A criança no sono assassinada
Levanta-se; torce pra baixo a árvore dos milénios
E prende a estrela branca anelante
Que outrora se chamou Israel
Na sua coroa.

Reergue-te de novo, diz ela
Pra lá, onde lágrimas significam Eternidade.

(in Poemas de Nelly Sachs, tradução de Paulo Quintela, Portugália editora, 1967 - original de Coros Depois da Meia-Noite / Chöre Nach der Mitternacht, 1946)
[500 anos depois - 1]

SOU JOSÉ VOSSO IRMÃO

João XXIII recebeu, em audiência de 17 de Outubro, cerca de duzentos delegados judeus da United Jewish Appeal dos E. U. A., que se haviam deslocado a Roma. Acolheu-os de braços abertos e com uma citação bíblica: «Sou José, vosso irmão!»
Numa carta dirigida ao Superior Geral dos Franciscanos, o Papa escreveu, pensando nos judeus: É preciso lançar mão de todos os meios para superar mentalidades ultrapassadas, ideias preconcebidas e expressões pouco corteses.
Sabe-se que João XXIII mandou suprimir a qualificação pérfidos que se encontrava numa das orações de Sexta-Feira Santa, consagrado à conversão dos judeus.

(relatado por Henri Fesquet, in Fioretti do Bom Papa João, tradução de Maria Eugenia Varela Gomes, Livraria Morais editora, 1964 - negritos meus)

27.1.05

NELLY SACHS

CORO DOS QUE SE SALVARAM


Nós que nos salvámos,
De cujos ossos ocos a Morte já cortava as suas flautas,
Em cujos tendões a Morte já passava o seu arco -
Os nossos corpos ainda gemem
Com a sua música mutilada.
Nós que nos salvámos,
Ainda pendem os baraços torcidos para os nossos pescoços
Em frente de nós no ar azul -
As ampulhetas ainda se enchem com o nosso sangue gotejante.
Nós que nos salvámos,
Ainda em nós roem os vermes do medo.
A nossa estrela está enterrada no pó.
Nós que nos salvámos
Vos pedimos:
Mostrai-nos devagar o vosso Sol.
Levai-nos a passo de estrela em estrela.
Deixai-nos aprender devagar de novo a vida.
De contrário poderia a canção dum pássaro,
O encher do balde no poço
Fazer rebentar a nossa dor mal selada
E arrastar-nos em espuma -
Nós vos pedimos:
Não nos mostreis ainda um cão que morde -
Poderia ser, poderia ser
Que nos desfizéssemos em pó -
Perante os vossos olhos em pó nos desfizéssemos.
O que é que aguenta ainda inteira a nossa teia?
Nós que nos tornámos sem hálito,
Cuja alma fugiu para Ele da meia-noite
Muito antes de nos terem salvado o corpo
Na arca do momento.
Nós que nos salvámos,
Apertamo-vos a mão,
Reconhecemos o vosso olhar -
Mas só e ainda nos aguenta a despedida,
A despedida no pó
Nos aguenta convosco.

(tradução de Paulo Quintela, in Poemas de Nelly Sachs, Portugália, 1967 - Poetas de Hoje - o original pertence ao seu primeiro livro In den Wohoungen des Todes / Nas Moradas da Morte, de 1946)

18.7.04

(atribuído ao) Rei DAVID

Quem habitará, Senhor, no vosso santuário,
quem descansará na vossa montanha sagrada?

O que vive sem mancha e pratica a justiça
e diz a verdade que tem no seu coração,
o que não usa a língua para levantar calúnias
e não faz o mal ao seu próximo
nem ultraja o seu semelhante,

o que tem por desprezível o ímpio
mas estima os que temem o Senhor,
o que não falta ao juramento, mesmo em seu prejuízo,
e não empresta dinheiro com usura
nem aceita presentes para condenar o inocente.

Quem assim proceder
jamais será abalado.

(do Livro dos Salmos - tradução usada na liturgia católica)

11.3.04

[enviado por um amigo]

Esta manhã explodia o terror em Madrid...

Ontem, as laudes da liturgia das horas propunham-nos este salmo...


Salmo 76(77)
Lembrando as maravilhas do Senhor
Somos afligidos de todos os lados, mas não vencidos (2Cor 4,8).

[...]
Será que Deus se esqueceu de ter piedade?
Será que a ira lhe fechou o coração?
Eu confesso que é esta a minha dor:
"A mão de Deus não é a mesma: está mudada!"

Mas, recordando os grandes feitos do passado,
vossos prodígios eu relembro, ó Senhor;
eu medito sobre as vossas maravilhas
e sobre as obras grandiosas que fizestes.

São santos, ó Senhor, vossos caminhos!
[...]

Voltemos a rezá-lo!...

5.12.03

NELLY SACHS

Nasceu em Berlim, em 1891.
Começou a publicar em 1921 e recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1966.
Morreu em 1970.

MÃOS
Dos jardineiros da Morte,
Que da macela do berço,
Que medra nas várzeas duras
Ou na encosta,
Fizeste nascer morte, o monstro de estufa do vosso ofício.
Mãos,
Que arrombais o tabernáculo do corpo,
Filando como dentes de tigre os sinais dos mistérios -
Mãos,
Que fizestes vós,
Quando éreis as mãos de crianças pequenas?
Pegastes numa gaita de beiços, nas crinas
Dum cavalo de baloiço, agarrastes a saia da mãe no escuro,
Apontastes pra uma palavra na cartilha -
Era talvez Deus, ou Homem?

Ó mãos degoladoras,
Morreu a vossa mãe,
A vossa mulher, o vosso filho?
Pra manterdes assim só a morte nas mãos,
Nas mãos degoladoras?

(de Nas Moradas da Morte / In den Wohnungen des Todes, Berlim, 1946)


MÃE DE LUTO

DEPOIS DO DESERTO do dia,
no deserto do entardecer,
sobre a ponte q o amor
com lágrimas construiu sobre dois mundos,
veio o teu menino morto.
Todos os teus caídos castelos no ar
os cacos dos teus palácios devorados pelas chamas,
cânticos e bênçãos
desmoronados no teu luto,
cintilam à volta dele como um castelo
que a morte não conquistou.

A sua boca orvalhada de leite,
a sua mão que se adiantou à tua,
a sua sombra na parede do quarto
uma asa da noite,
com a lâmpada extinta regressando a casa -
na praia para Deus
espalhado como cibo pra pássaros num mar
o som do eco da prece de criança
e o beijo caído por sobre o debrum do sono -
Ó mãe de lembrança,
nada mais é teu
e tudo -
pois as estrelas cadentes buscam
através dos campos de papoilas do esquecimento
no seu caminho de regresso o teu coração,
pois todo o teu conceber
é dor desamparada.

(de Escurecer as Estrelas / Sternverdunkelung, Amsterdão, 1949)


MAS DE NOITE,
quando os sonhos c'uma lufada de ar
levam paredes e tectos de quartos,
começa a peregrinação pra os mortos.
Sob o pó de estrelas os procuras -

A tua saudade vai construindo a irmã -
dos elementos que a mantêm escondida
traze-la cá pra dentro
até que ela respira no teu leito -
mas o irmão vai dobrar a esquina
e o esposo regressou já muito alto
então a humildade faz-te emudecer -

Mas depois - quem interrompeu a viagem -
começa o regresso -
Como os queixumes das criancinhas
assustadas co'a Terra
estás tu -
a morte dos mortos abateu-se
c'o tecto do quarto -
protectora jaz a minha cabeça sobre o teu coração
o amor - entre ti e a morte -

Assim chega o crepúsculo
espalhado co'a semente rubra do Sol
e a noite desfez-se em lágrimas
dia dentro -

(de Terra de Israel / Das Leiden Israels, Francoforte do Meno, 1964)


Escuro ciciar do vento
na seara
A vítima pronta ao sofrimento
As raízes estão caladas
mas as espigas
sabem muitas línguas maternas -

E o sal no mar
chora na distância
A pedra é uma existência de fogo
e os elementos puxam pelas cadias
pra a união
quando a escrita espectral das nuvens
recolhe imagens primevas

Mistério na fronteira da morte
«Põe o dedo nos lábios:
Silêncio Silêncio Silêncio» -

(de Enigmas em Brasa / Gluhende Ratsel, incluído em Spate Gedichte, Francoforte do Meno, 1965)

(poemas incluídos em Poemas de Nelly Sachs, antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela, Portugália, 1966)
YEHUDA AMICHAI

é um poeta e novelista. Grande parte da sua obra foi traduzida para outros idiomas, assim como a sua novela Não desta época, Não deste lugar. Em 1982, recebeu o Prêmio Israel de Poesia.
[Como já foi dito, há mais informações no Quartzo]


NOS MONTES DE JERUSALÉM

Aqui onde a ruína anseia reerguer-se,
Seu desejo é agregado ao nosso.
Mesmo os espinhos, cansados de ferir,
Querem consolar.
E a lápide, arrancada de uma sepultura profanada,
Foi colocada na nova muralha, com seu nome e suas datas.
E alegra-se, porque não será esquecida.
E as crianças, as únicas que poderiam tudo mudar,
Brincam entre rochas e ruínas.
Elas nada querem modificar.

O cancelamento de uma noite de amor no Neguev
Faz nascer uma flor nos montes de Jerusalém.
Coisas se esvaziam e se enchem,
E nem sempre você está entre as que se enchem.
E o tomilho, nem sempre cura,
Mas rasga uma profunda ferida no esquecimento,
Recordação de uma sede antiga.

Todos aqui se ocupam da tarefa de lembrar.
A ruína se lembra, se lembra o jardim,
O poço recorda suas águas e o bosque, que o plantaram,
Lembra-se, na laje de mármore, um holocausto distante
Ou mesmo, somente o nome de um doador morto,
Para que seja lembrado um pouco mais que os outros.

Mas nomes não são importantes nestes montes.
Como no cinema, quando da lista de participantes na tela
Antes do filme, ela ainda não é interessante; e no fim do filme -
Já não o é mais. Acendem-se as luzes, as letras se dissolvem
E desce a ondulada cortina, as portas são abertas e do lado de fora é noite.

Para esses montes somente o verão e o inverno são importantes,
Somente o seco e o molhado: e até mesmo as pessoas
São meros receptáculos da água dispersa em volta,
Como poços e cisternas e fontes.


NAS LARGAS ESCADAS - A POSTOS À ESPERA DA FELICIDADE

Nas largas escadas que descem para o Muro das Lamentações
Uma linda mulher me apareceu: "Você não se lembra de mim,
Eu sou Shoshana, em hebraico. Sou outra em outras línguas.
É tudo futilidade".
Assim disse ela na hora do crepúsculo, de pé entre o destruído
E o em construção, entre a luz e a escuridão.
Pássaros negros e pássaros brancos trocavam lugares
Ao compasso intenso da respiração.
A luz das câmeras dos turistas iluminou também a minha memória:
O que faz você aqui entre o prometido e o esquecido,
Entre o esperado e o imaginário?
O que faz você aqui à espera da felicidade,
Com seu lindo rosto de garota-propaganda do turismo de Deus,
E sua alma dilacerada e rasgada como a minha?

Ela me respondeu: Minha alma está dilacerada e rasgada como a sua
E é isso que a faz bonita,
Como uma fina renda.


O MOINHO EM YEMIN MOSHE

Este moinho jamais moeu farinha.
Ele moeu ar santo e os pássaros
da saudade de Bialik, ele moeu
palavras e tempo triturado, ele moeu
chuva e até mesmo bombas,
mas ele jamais moeu farinha.

Agora ele nos descobriu,
E mói a nossa vida, dia a dia,
fazendo de nós farinha da paz,
fazendo de nós o pão da paz
para as gerações futuras.


UM PASTOR ÁRABE PROCURA UM CABRITO NO MONTE SION

Um pastor árabe procura um cabrito no Monte Sion,
E no monte em frente eu procuro por meu filho pequeno.
Um pastor árabe e um pai judeu
Ambos no seu temporário fracasso.
Nossas vozes se encontram sobre
A piscina do Sultão, no vale entre nós.
Nenhum de nós quer que o filho e o cabrito
Entrem no terrível processo
Da música da Páscoa "Um Cabrito".*

Depois achámo-los entre os arbustos,
E nossas vozes retornaram a nós
E choraram e riram por dentro.

As buscas de um cabrito ou de um filho
Foram sempre
Começo de uma nova religião nestes montes.

_______________________________________

* Uma cantiga infantil cantada no encerramento da Páscoa dos judeus, com o propósito de ilustração moral, mostrando como os opressores dos judeus, através da História, foram destruídos pela divina retribuição por terem perseguido o "um cabrito" - o Povo Judeu.

(Apresentação do Autor, poemas e nota publicados em ariel - Revista de Artes e Letras de Israel, 1983 - edição especial para língua portuguesa, recolhendo textos da edição normal - tradução de Clara Rosenberg)

26.11.03

ESCRITOS DE QUMRAN

DA REGRA DA COMUNIDADE


O som da minha harpa por sua ordem santa
o sopro dos meus lábios à sua justa medida.
O dia e a noite começam, entro no pátio de Deus
a tarde e a manhã terminam, recito os seus preceitos.
Enquanto durarem eu hei-de estar
como fronteira, sem retorno.

(trad. José Tolentino Mendonça, in Rosa do Mundo - 2001 poemas para o futuro, Assírio & Alvim, 2001)

18.9.03

NELLY SACHS

Vós que nos desertos
buscais veios de água ocultos -
de dorso curvado
escutais à luz nupcial do Sol -
filhos duma nova solidão com Ele -

As vossas pegadas
calcam a saudade
para os mares de sono -
enquanto o vosso corpo
lança a folha escura de flor da sombra
e em terra de novo sagrada
o diálogo que mede o tempo
entre estrela e estrela começa.

(de Poemas de Nelly Sachs, antologia versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela, Portugália, 1967)