Disritmias
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66 — N-1:18 a 22 — 1985
DISRITMIAS CARDÍACAS-ASPECTOS
CLÍNICOS E TERAPÊUTICOS
Maria Cecília Solimene*
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DISRITMIAS CARDÍACAS — ASPECTOS CLÍNICOS E TERAPÊUTICOS — REV. MED. — VOL. 66 — N° 1:18 a 22 — 1985
mento medicamentoso é falho, muitas vezes agrava a disritmia e a diuréticos e assim, nos casos de hipopotassemia comprovada, deve
cardioversão elétrica para a fibrilação atrial é insatisfatória, podendo ser administrado cloreto de potássio (45 m E q ) e m solução glicosada,
resultar e m período longo de assistolia. Assim, quando o tratamento é lentamente, intravenoso.
necessário, é feito mediante o implante de marcapasso atrial ( N A V N o infarto do miocárdio, as extrassístoles ventriculares ocorrem
íntegro) ou ventricular (doença binodal). e m aproximadamente 9 5 % dos pacientes nas primeiras 24 horas,
R I T M O S D E E S C A P E — E m vigência de depressão da formação persistindo durante toda a evolução hospitalar e m cerca de 7 0 % .
ou da transmissão do estímulo no N S A . o N A V freqüentemente Alguns tipos de extrassístoles ventriculares foram denominadas pre-
assume a função de marcapasso, sob a forma de u m único batimento monitórias de taquicardia e fibrilação ventricular; tais seriam as
(escape) ou de u m ritmo de comando (ritmo juncional, de freqüência multifocais, pareadas, bigeminadas, trigeminadas e as precoces tipo R
40 a 60 por minuto). Estudos recentes mostram que a configuração da sobre T. Embora se saiba atualmente que não há manifestações
onda P e suas relações de tempo c o m o complexo Q R S dependem não elétricas premonitórias de qualquer disritmia, costuma-se indicar o
só do local de formação do estímulo, c o m o também das propriedades tratamento da extrassistolia ventricular do infarto do miocárdio se a
eletrofisiológicas dos tecidos circunvizinhos. Assim, tendem-se atual- freqüência de batimentos ectópicos for muito elevada, ou se a disrit-
mente a abolir as designações de ritmo nodal (superior, médio, mia for sintomática (dispnéia, precordialgia, sinais de baixo débito). O
inferior), ritmo do seio coronário. ritmo nodal coronário e ritmo de medicamento de eleição é ainda a Íidocaína venosa; nos casos rebel-
átrio esquerdo. Desse m o d o . chamam-se R I T M O S J U N C I O N A I S des, pode ser administrada a procainamida ou amiodarona venosa.
Á T R I O - V E N T R I C U L A R E S . Reconhecem-se. e m geral, por onde P N a insuficiência coronária crônica, nas miocardiopatias "sensu
negativas e m D 2 . D 3 e a V F podendo vir antes (com P R curto) ou latu" ou e m qualquer entidade que se acompanha de extrassistolia
após o complexo Q R S , ou então não serem reconhecidas por estarem ventricular freqüente ou sintomática, podem-se empregar os antiarrít-
englobadas por ele: o complexo Q R S é semelhante ao do ritmo sinusal micos habituais, c o m o manutenção, pela via oral. Tais seriam: quini-
habitual. O antigo ritmo de átrio esquerdo mostraria ondas P negati- dina, procainamida, amiodarona, disopiramida e, nos casos onde não
vas e m V' O s ritmos de escape, por decorrerem de bradicardia haja disfunção ventricular, os B bloqueadores.
sinusal ou de paradas sinusais, desaparecem quando tratada a causa
básica dessas disritmias. Muito freqüentemente, aparecem na intoxi- TAQUICARDIAS SUPRAVENTRICULARES
cação digitálica, e nesses casos pode ser utilizada a difenilhidantoina
para a reversão ao ritmo sinusal. soluções venosas de cloreto de Em geral, a taquicardia supraventricular ocorre em crises paro-
potássio se houver hipotassemia ou, simplesmente, a suspensão do xísticas, ocasionando sensação de desconforto ao paciente, palpita-
digital. O s ritmos juncionais, e m geral, são compatíveis c o m função ções, precipitando ou agravando a insuficiência coronária. Freqüente-
cardiovascular satisfatória; caso não o sejam, deve ser utilizado o mente não se conseguem distinguir eletrocardiograficamente os paro-
marcapasso temporário, até a reversão do quadro. xismos supraventriculares dos ventriculares. Seu diagnóstico é sus-
O s ritmos idioventriculares resultam da incapacidade da junção peitado pela presença de u m ritmo regular rápido (150 a 200 por
e m assumir o comando do automatismo, e m casos de depressão do minuto), c o m número igual de pulsações arteriais e batimentos da
N S A ou bloqueio átrio-ventricular. T ê m freqüência de 40 por minuto ponta. Ocorrem freqüentemente na insuficiência coronária aguda ou
ou menos, são irregulares, incapazes de manter u m débito satisfatório crônica (nestes casos, muitas vezes, sob esforço físico ou emoções),
e assim, e m sua presença, é necessário o tratamento pelo implante de na intoxicação digitálica (talvez pela ativação de marcapassos ectópi-
marcapasso temporário ou definitivo, conforme se consiga ou não cos, m a s freqüentemente por fenômenos de reentrada), nas síndro-
controlar a causa básica. mes de pré-excitação e e m cardiopatias congênitas, c o m o a comunica-
O marcapasso mutável resulta do deslocamento da origem do ção interatrial, a estenose subaórtica hipertrófica e anomalia de
estímulo de u m ponto a outro do N S A ou deste para a junção átrio- Ebstein.
ventricular e vice-versa. H á alterações da onda P caracterizando u m As manobras de estimulação vagai fazem cessar bruscamente o
ou outro ritmo. E m geral, não tem significado clínico; pode aparecer paroxismo; se forem ineficazes inicia se a digitalização venosa rápida.
temporariamente na insuficiência coronária aguda ou preceder a para os casos de insuficiência cardíaca, ou então podem ser utilizados
fibrilação atrial. por via venosa, o verapamil ou a amiodarona ou até o propranolol,
este se não houver disfunção ventricular de base. N a falha desses
EXTRASSÍSTOLES tipos de medicação ou nos casos de comprometimento hemodinâmico
severo, recorre-se à cardioversão elétrica. Para o tratamento prolon-
As extrassístoles supraventriculares são freqüentemente encontra- gado, utilizam-se quinidina, amiodarona ou associações quinidina
das isoladas e m indivíduos normais, particularmente sob tensão emo- digital, por via oral.
cional ou sob o uso excessivo de fumo, álcool e café. Entretanto, Existe u m a forma de taquicardia chamada "juncional não paro-
p o d e m ser sinal de distensão atrial nas valvopatias mitrais ou nas xística", muito grave, e m geral acompanhando a insuficiência cardía-
disfunções miocárdicas, constituindo-se e m sinal de alerta para o ca refratária c o m intoxicação digitálica. Sua freqüência varia de 70 a
tratamento da causa básica. Ocorrem também na insuficiência coro- 125 por minuto, pode ser de difícil diagnóstico pela ausência de ondas
nária e, por fenômenos de re-entrada, podem gerar crises de taquicar- P, e deve ser tratada c o m sais de potássio, procainamida ou difenilhi-
dia paroxísticas ou de fibrilação atrial. Nesses casos, devem ser dantoina; e m casos e m que ocorra na vigência de insuficiência coro-
controladas mediante o uso de antiarrítmicos, c o m o a quinidina e a nária aguda, deve ser tentada a cardioversão elétrica.
amiodarona. Q u a n d o precursoras de insuficiência cardíaca, são facil- A taquicardia atrial c o m bloqueio átrio-ventricular, e m geral de 2"
mente abolidas pelo uso de digital. grau, é freqüentemente encontrada e m casos de intoxicação digitáli-
A s extrassístoles ventriculares ocorrem e m cerca de 5 0 % da ca, quando deve ser interrompida pelo uso de cloreto de potássio e m
população assintomática, havendo u m aumento significativo e m sua solução glicosada, via venosa ou então de difenilhidantoina. Nesses
incidência nas faixas etárias mais avançadas. Admite-se que o indiví- casos, a cardioversão elétrica está contraindicada. Por outro lado, se
duo normal possa apresentar cerca de 50 a 100 batimentos ventricula- surgir e m pacientes que não utilizam digital, este pode ser utilizado na
res, e m geral isolados, e m 24 horas, especialmente e m situações de redução da freqüência ventricular ou pode ser tentada a cardioversão
tensão emocional, esforço físico, consumo de café, fumo, álcool, elétrica, seguida de medicação antiarrítmica profilática (quinidina ou
anorexígenos, etc Qualquer cardiopatia se acompanha de extrassísto- amiodarona).
les ventriculares, m a s sua grande importância se verifica nos casos de
intoxicação digitálica e de insuficiência coronária aguda. N o s casos TAQUICARDIA VENTRICULAR
de intoxicação digitálica, geralmente elas surgem bigeminadas ou
trigeminadas, originam-se de vários focos e freqüentemente geram
episódios curtos ou mantidos de taquicardia ventricular podendo É uma disritmia grave, freqüentemente associada a distúrbios
desencadear a fibrilação ventricular. Nesses casos os pacientes tem hemodinâmicos, c o m queda do débito cardíaco e hipotensão arterial.
seu quadro de disfunção ventricular agravado e o tratamento deve ser Pode ocorrer e m distúrbios eletrolíticos, miocardites graves e cardio-
imediato, pelo uso intravenoso de íidocaína ou difenilhidantoina e, miopatias primárias, porém as principais causas são a intoxicação
nos casos rebeldes, de procainamida. Deve ser lembrado que tais digitálica e o infarto agudo do miocárdio. A o eletroardiograma, obser-
pacientes, e m geral, se encontram espoliados e m potássio, pelo uso de va-se u m ritmo ligeiramente irregular, c o m freqüência e m geral maior
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S.L. 17a. fam. br. bras. Diagni CIA op. FIBRILAÇÃO ATRIAL
DISSOCIAÇÃO ÁTRIO-VENTRICULAR
Nesse tipo de disritmia não existe um verdadeiro bloqueio na
condução átrio-ventricular; os átrios e ventrículos batem independen-
temente, controlados por marcapassos diferentes ( N S A — átrio,
8/12/78 18:10 hs. Monitor
junção — ventrículo); e m geral o ritmo ventricular é mais rápido;
p o d e m ocorrer "capturas" ou seja, eventualmente o estímulo sinusal
penetra o N A V e alcança os ventrículos. Essa distrimia é c o m u m no
infarto do miocárdio de parede inferior e, e m geral, é autolimitada,
sem repercurssões clínicas para o paciente; nesses casos, atribui-se à
hiperatividade simpática e parassimpática concomitantes. Ocorre
também na intoxicação digitálica; nessa eventualidade, apenas sus-
pende-se o digital ou pode se utilizar a atropina venosa; se houver
comprometimento importante da função cardiovascular, pode ser
necessário o uso de marcapasso, m e s m o que temporário.
FLUTTER ATRIAL
É uma disritmia pouco freqüente, quase sempre associada a uma
cardiopatia orgânica e pouco freqüente e m indivíduos normais. Ca-
racteriza-se por u m ritmo rápido, regular, c o m freqüência atrial de 300
por minuto e ventricular de 150 por minuto; e m geral, existe u m
bloqueio 2:1. Deve ser feito diagnóstico diferencial c o m taquicardia Fig. 3 — Flutter e Fibrilação Ventricular. Traçados obtidos pelo sistema
paroxística supraventricular e, às vezes, c o m a própria fibrilação Holter, de duas derivações. O 1o traçado mostra taquicardia ventricular,
atrial. Freqüentemente, quando a distinção não é possível, a disritmia que origina flutter ventricular (2o traçado) e este, fibrilação ventricular (3o
é chamada fibrilo-fluiter. E m geral, agrava ou precipita a insuficiência traçado).
cardíaca e a insuficiência coronária. O uso de digital venoso é
benéfico para diminuir a freqüência ventricular, por retardar a condu- BLOQUEIOS ÁTRIO-VENTRICULARES
ção átrio-ventricular. O tratamento mais efetivo é a cardioversão
elétrica, seguida de medicação profilática de manutenção (quinidina Caracterizam-se por uma dificuldade na condução do estímulo
ou amiodarona). E m casos crônicos, rebeldes a qualquer terapia, sinusal para alcançar os ventrículos, através do sistema de condução
pode ser utilizada a estimulação atrial por marcapasso c o m freqüência átrio-ventricular. O bloqueio átrio-ventricular pode ser de três graus:
muito rápida; às vezes, isso transforma o flutter e m fibrilação atrial, e Io, c o m apenas aumento do tempo de condução átrio-ventricular,
então a freqüência ventricular é melhor controlada pelo uso de digital. mostrando aumento do intervalo P R ; 2o, c o m aumento progressivo do
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