Tratamento Medicamentoso Das Epilepsias
Tratamento Medicamentoso Das Epilepsias
Tratamento Medicamentoso Das Epilepsias
Medicamentoso
das Epilepsias
Apoio:
Tratamento
Medicamentoso
das Epilepsias
Editoras
Elza Márcia Targas Yacubian
Guilca Contreras-Caicedo
Loreto Ríos-Pohl
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Copyright © 2014 – Elza Márcia Targas Yacubian/Guilca Contreras-Caicedo/Loreto Ríos-Pohl
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou sistema, sem prévio
consentimento da Editora, ficando os infratores sujeitos às penas previstas em lei.
Todos os direitos desta edição reservados a:
Impresso no Brasil
2014
Editoras
Elza Márcia Targas Yacubian
Professora Adjunta Livre Docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista
de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Guilca Contreras-Caicedo
Neuropediatra, Professora de Neurologia do Centro Medico la Trinidad, Caracas, Venezuela.
Loreto Ríos-Pohl
Professora Adjunta da Universidad de Chile. Chefe do Laboratório de Eletroencefalografia do Centro
Avanzado Clínica Las Condes. Liga Chilena contra la Epilepsia, Santiago, Chile.
Colaboradores
Alicia Bogacz
Neurologista e Neurofisiologista. Integrante da Seção de Epilepsia do Instituto de Neurologia,
Montevidéu, Uruguai.
André Palmini
Professor do Departamento de Medicina Interna da Divisão de Neurologia da Faculdade de Medicina
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Chefe do Serviço de Neurologia e diretor
científico do Programa Cirurgia da Epilepsia do Hospital São Lucas, Rio Grande do Sul, Brasil.
Érika Viana
Neurologista, ex Residente da Divisão de Neurologia do Departamento de Medicina Interna
da Faculdade de Medicina e do Programa de Cirurgia da Epilepsia e Grupo de Estudos em
Neuropsiquiatria do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica,
Rio Grande do Sul, Brasil.
Fernando Cendes
Professor Titular do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
Guilca Contreras-Caicedo
Neuropediatra, Professora de Neurologia do Centro Medico la Trinidad, Caracas, Venezuela.
Iscia Lopes Cendes
Professora Titular do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
Loreto Ríos-Pohl
Professora Adjunta da Universidad de Chile. Chefe do Laboratório de Eletroencefalografia do Centro
Avanzado Clínica Las Condes. Liga Chilena contra la Epilepsia, Santiago, Chile.
Luciano de Paola
Chefe do Serviço de Eletroencefalografia e Epilepsia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal
do Paraná. Epicentro – Centro de Atendimento Integral de Epilepsia do Hospital Nossa Senhora das
Graças, Paraná, Brasil.
Patricia Braga
Mestre em Ciências Médicas, Professora Adjunta de Neurologia, Instituto de Neurologia, Facultad de
Medicina, Universidad de la Republica, Montevidéu, Uruguai.
Patricia Saidón
Sección de Epilepsia da División de Neurología do Hospital R. Mejía, Centro de Neurociencias
Clínicas y Aplicadas do Instituto de Biología Celular y Neurociencias da Facultad de Medicina da
Universidad de Buenos Aires – Consejo Nacional de Investigación Científico y Tecnológico (Conicet),
Buenos Aires, Argentina.
Silvia Kochen
Sección de Epilepsia da División de Neurología do Hospital R. Mejía, Centro de Neurociencias
Clínicas y Aplicadas do Instituto de Biología Celular y Neurociencias da Facultad de Medicina da
Universidad de Buenos Aires – Consejo Nacional de Investigación Científico y Tecnológico (Conicet),
Buenos Aires, Argentina.
Lacosamida. Um bloqueador de canal de sódio com perfil farmacocinético próximo ao ideal ......189
Estrutura química........................................................................................................................................................................ 189
Mecanismos de ação.................................................................................................................................................................... 189
Indicações.................................................................................................................................................................................... 190
Apresentações............................................................................................................................................................................. 190
Doses........................................................................................................................................................................................... 190
Ampolas...................................................................................................................................................................................... 191
Doses em pacientes com insuficiência renal................................................................................................................................. 191
Doses em pacientes com insuficiência hepática........................................................................................................................... 191
Farmacocinética........................................................................................................................................................................... 191
Interações medicamentosas........................................................................................................................................................ 191
Efeitos secundários...................................................................................................................................................................... 191
Precauções................................................................................................................................................................................... 192
Epilepsias refratárias.............................................................................................................275
O que é epilepsia refratária?........................................................................................................................................................ 275
Quantos pacientes têm epilepsia refratária?................................................................................................................................ 276
Quais são as epilepsias refratárias?.............................................................................................................................................. 277
O que é pseudorefratariedade?.................................................................................................................................................... 278
Qual é a história natural das epilepsias refratárias?...................................................................................................................... 279
Mecanismos envolvidos na refratariedade................................................................................................................................... 280
Alteração dos sítios de ação dos fármacos antiepilépticos............................................................................................................ 280
Proteínas transportadoras de múltiplos fármacos antiepilépticos................................................................................................ 281
Outras hipóteses.......................................................................................................................................................................... 283
Introdução
O
impacto do desenvolvimento tecnológico na caracterização das
crises e síndromes epilépticas como a utilização da vídeo-ele-
troencefalografia e de diversas técnicas de neuroimagem estru-
tural e funcional está sendo acompanhado por esforços consideráveis no
campo da pesquisa básica visando a compreensão dos processos envolvi-
dos na epileptogênese e de novas moléculas de fármacos que intervenham
nestes mecanismos fisiopatogênicos.
Atualmente, estima-se que há mais de 50 mi- porcentagem de pacientes não podia ser enqua-
lhões de pessoas com epilepsia no mundo, a maio- drada na Classificação de 1989, especialmente
ria vivendo em países em desenvolvimento, onde quando se tratava de crianças no primeiro ano de
a qualidade de vida é pior e a incidência de in- vida (até 27% dos casos não puderam ser classifi-
fecções do sistema nervoso central (SNC), maior1. cados)8 ou adultos com crises noturnas (34% dos
Na população mundial, a prevalência de epi- casos não classificados, sendo geralmente incluí-
lepsia encontra-se entre 1,5 e 30 casos para cada dos nas categorias não especificadas)9,10. Alguns
mil habitantes2. Segundo um estudo realizado em autores relataram dificuldades em incluir pacien-
São José do Rio Preto (SP), a prevalência de epi- tes aparentemente com epilepsias criptogênicas,
lepsia acumulada e ativa é de 18,6 casos por mil mas que não apresentavam todos os critérios
habitantes, diminuindo para 8,2 por mil habitan- para o diagnóstico de uma das síndromes descri-
tes nos casos de epilepsia ativa, situação em que tas na classificação11,12. Com o avanço das pesqui-
ocorre pelo menos uma crise no período dos úl- sas na área de epileptologia, novos diagnósticos
timos dois anos3. Desde o século 19, essa elevada sindrômicos vêm sendo descritos e divergências
incidência fez surgir a necessidade de classificar entre eles passaram a ocorrer. Vários autores
os diferentes tipos clínicos de fenômenos epilép- propuseram uma mudança na classificação das
ticos4. Diversas tentativas foram feitas, até que em crises e síndromes epilépticas. No entanto, havia
1969 foi desenvolvida uma classificação pela Liga dúvidas de como essa nova classificação deveria
Internacional contra a Epilepsia (ILAE), revisada ser conduzida, principalmente quando se consi-
em 1981, resultando na Classificação das Crises derava que a maioria dos pacientes com epilepsia
Epilépticas5. Nesta, a determinação do tipo de é acompanhada por neurologistas gerais e não
crise epiléptica baseava-se na associação de acha- epileptologistas, o que dificultaria a inclusão dos
dos eletroclínicos. Em 1985 foi publicada a pro- pacientes em síndromes muito específicas. Outra
posta de Classificação das Síndromes Epilépticas, dificuldade a ser considerada na nova classifica-
a qual foi revista em 19896,7. Embora essa classi- ção seria quais exames complementares deve-
ficação tenha sido amplamente utilizada, alguns riam ser utilizados, desde que, mesmo com o uso
estudos epidemiológicos realizados para deter- crescente de exames de neuroimagem e estudos
minar a frequência dos diferentes tipos de sín- genéticos, estes ainda se encontram pouco dispo-
dromes epilépticas mostraram que uma grande níveis para uso populacional13. Uma das propos-
19
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
tas que surgiram na última década foi a de que as 2. Epilepsia: ocorrência de pelo menos uma
crises epilépticas fossem descritas considerando- crise epiléptica associada a uma disfunção
se apenas sua apresentação clínica, não devendo cerebral duradoura que leve ao aumento da
ser analisados, em uma fase inicial, exames com- probabilidade de crises futuras e alterações
plementares, como o eletroencefalograma (EEG) neurobiológicas, cognitivas e sociais16.
ou os exames de imagem14,15. Estes seriam avalia- 3. Síndrome Epiléptica: sinais e sintomas que
dos apenas quando da classificação sindrômica. podem ser clínicos (como história, idade de
Tal conduta evitaria o estabelecimento de uma início, tipos de crises e modo de manifesta-
relação direta entre um determinado tipo de cri- ção destas, natureza progressiva ou não, os
se e uma síndrome epiléptica. Essa proposta de achados neurológicos e neuropsicológicos),
classificação não foi bem aceita e a ILAE sugeriu os achados de exames complementares,
a formação de um comitê em busca de uma me- como EEG e de estudos de neuroimagem,
lhor definição das crises e síndromes epilépticas. mecanismos fisiopatológicos e bases genéti-
Assim, novas propostas surgiram em 2001, revi- cas definem uma síndrome epiléptica 6, 7, 15.
sadas em 2010 e 201316-25.
Epilepsia não é uma entidade singular, haven-
do uma certa variação na definição dos termos Classificação das Crises
crises epilépticas e epilepsia. Uma definição pre- Epilépticas (1981)
cisa de ambos os termos é importante para uma A Classificação das Crises Epilépticas de 19815
adequada comunicação entre profissionais de considera dois grupos principais de crises epilép-
saúde, legisladores, educadores e para a segurança ticas: focais ou parciais e generalizadas.
no trabalho. Assim, atualmente as seguintes defi-
nições são utilizadas:
1. Crise epiléptica: termo que vem do grego e Crises epilépticas focais ou parciais
significa ser possuído, como se uma entidade São aquelas em que os achados semiológicos
externa invadisse o indivíduo, surpreenden- e eletroencefalográficos iniciais sugerem ativa-
do-o. Pode ser usado para qualquer evento ção de um grupo de neurônios em uma parte
súbito e severo. Assim, uma crise epiléptica é de um hemisfério cerebral. Subdividem-se em
um evento transitório, autolimitado, com iní- crises parciais simples (sem perda da consciên-
cio e fim determinados (exceto na situação de cia), parciais complexas (com perda parcial ou
estado de mal epiléptico), com sinais e sinto- total da consciência) e crises parciais simples
mas claros, mas com ampla variabilidade de ou complexas, evoluindo para crises secunda-
expressão decorrente do local de início das riamente generalizadas. Assim, para que a crise
crises no sistema nervoso central. A sintoma- possa ser classificada como parcial, a consciên-
tologia clínica pode ser objetiva ou subjetiva cia durante sua manifestação deve ser passível
(esta anteriormente definida como psíquica). de avaliação. Esse dado dificulta a classificação
Os sintomas cognitivos podem ser relaciona- das crises de pacientes com retardo mental
dos a percepção, atenção, emoção, memória, moderado ou grave, assim como de crianças e
execução, praxia ou fala16. Uma crise epilép- neonatos, nos quais o nível de consciência não
tica consiste em dois ou mais fenômenos que pode ser adequadamente avaliado17. As crises
ocorrem de forma sequencial ou simultânea, parciais simples e complexas são subdivididas
resultante de hipersincronização da atividade de acordo com sua forma de apresentação, ba-
neuronal, usualmente autolimitada17. seando-se no sintoma clínico inicial (Tabela 1).
20
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica
Tabela 1. Classificação das crises epilépticas parciais segundo a Liga Internacional contra a Epilepsia5
Crises parciais evoluindo para crises Descargas epileptiformes interictais focais unilaterais
secundariamente generalizadas ou bilaterais, geralmente assíncronas. EEG ictal com
Crises parciais simples evoluindo para crises descargas unilaterais ou bilaterais, difusas ou focais que
tônico-clônicas generalizadas se tornam generalizadas de forma rápida.
Crises parciais complexas evoluindo para crises
tônico-clônicas generalizadas
Crises parciais simples evoluindo para parciais
complexas, evoluindo para crises tônico-clônicas
generalizadas
21
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Tabela 2. Classificação das crises epilépticas generalizadas segundo a Liga Internacional contra a Epilepsia5
22
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica
23
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Tabela 3. Classificação das síndromes epilépticas segundo a Liga Internacional contra a Epilepsia7
Grupo de síndromes Síndromes epilépticas
Focais ou parciais
Idiopáticas, idade-relacionadas Epilepsia benigna da infância com paroxismos rolândicos
Epilepsia da infância com paroxismos occipitais
Epilepsia primária da leitura
Outras
24
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica
Embora novas propostas venham sendo feitas características tônicas associadas) e incluídos
na última década, as classificações ainda vigen- os termos espasmos, mioclonia palpebral e
tes são as descritas na tabela 3, tanto no que se mioclonia negativa (episódios curtos de ato-
refere às crises epilépticas5 quanto às síndromes nia muscular).
epilépticas6,7. 2. Para as crises focais foram substituídos os ter-
mos crises parciais complexas por crises focais
motoras com automatismos, separados em tí-
Classificação das crises epilépticas e picos (mais comuns nas epilepsias do lobo tem-
epilepsias (proposta de 2001) poral) e hipercinéticos (mais comuns nas epi-
Em 2001, foi lançada uma proposta para lepsias do lobo frontal). Foram, ainda, incluídas
classificar as crises e síndromes epilépticas, cujo as crises com mioclonias negativas focais, crises
esquema diagnóstico se baseou em cinco eixos motoras inibitórias e crises gelásticas.
organizados de forma a definir o diagnóstico 3. Foram também acrescentados diretamente na
descritivo de cada paciente. Os eixos foram or- classificação, e não como um adendo, o estado
ganizados com complexidade progressivamente de mal epiléptico focal ou generalizado, além
crescente, podendo ser preenchidos apenas os da especificação dos estímulos precipitantes
eixos conhecidos19. para as crises reflexas.
No eixo 1, constava a descrição da semiologia O eixo 3 baseava-se em uma lista de síndro-
ictal baseada no glossário de termos descritivos, mes epilépticas descritas, embora fosse aceitável
obedecendo-se à sequência dos comportamen- que alguns pacientes pudessem não ser incluídos
tos observados durante a crise, com graus variá- em nenhuma das síndromes reconhecidas.
veis de complexidade19. Esse glossário descritivo No eixo 4, tentava-se especificar a etiologia da
de termos da semiologia ictal foi proposto na epilepsia, sempre que possível, considerando-se
tentativa de uniformizar a terminologia que os as doenças normalmente associadas com crises
profissionais de saúde utilizam quando da des- ou síndromes epilépticas.
crição dos sinais e sintomas clínicos relatados Por último, o eixo 5 tinha o objetivo de definir
nas consultas por pacientes e familiares. Nesse o impacto da epilepsia na vida do paciente.
glossário, optou-se pela consolidação do termo Dessa forma, as crises passaram a ser categori-
focal, não sendo mais utilizada a denominação zadas por uma lista dos diferentes tipos de crises,
crise parcial anteriormente usada na classifica- sendo, portanto, uma classificação baseada nas
ção de crises de 1981. características clínicas dos eventos. Estes foram
O eixo 2 englobava os tipos de crises epilépti- divididos em três grandes subgrupos: crises iso-
cas. A eles podiam ainda ser fornecidos a locali- ladas ou autolimitadas, crises repetidas ou estado
zação da região suspeita como epileptogênica ou de mal epiléptico e crises reflexas (relacionadas a
descrito o evento precipitante nos casos de epilep- um fator precipitante) (Tabela 4)19.
sias reflexas ou em pacientes com estado de mal As crises focais seriam aquelas em que a se-
epiléptico. As definições dos tipos de crises epi- miologia ictal inicial indicava ou era consistente
lépticas foram mantidas como as anteriormente com a ativação de apenas uma parte de um hemis-
utilizadas na Classificação de 1981, sendo obser- fério cerebral, enquanto nas crises generalizadas
vadas algumas mudanças na estrutura geral: a semiologia ictal sugeria ou era consistente com
1. Para as crises generalizadas foram distingui- o envolvimento de pelo menos parte dos dois he-
dos dois grupos de crises clônicas (com e sem misférios cerebrais.
25
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
26
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica
Os termos que descreviam a semiologia ictal ralizadas com crises febris plus e a epilepsia focal
foram divididos em: familial com focos variáveis. A epilepsia mioclô-
• Motores: envolvem a musculatura de alguma nica severa da infância passou a ser denominada
forma, podendo ser positivos (aumento da de síndrome de Dravet, as epilepsias focais sin-
contração normal) ou negativos (redução da tomáticas foram divididas em límbicas e neocor-
função normal). Alguns exemplos incluem ticais, tendo sido criado o termo epilepsia gene-
contração tônica, postura distônica, marcha ralizada idiopática com fenótipos variados, que
jacksoniana, astático ou atônico, automatis- englobaria as epilepsias generalizadas idiopáticas
mo, gelástico. Esses termos podem ser modifi- iniciadas na adolescência: epilepsia ausência da
cados por outros (como automatismos manu- infância, epilepsia mioclônica juvenil e epilepsia
ais ou oroalimentares). com crises tônico-clônicas generalizadas. Outra
• Não motores: auras, sintomas sensoriais ou alteração importante foi a divisão das epilepsias
cognitivos (envolvimento da percepção, aten- occipitais da infância em início precoce (tipo Pa-
ção, emoção, memória ou funções executivas). nayiotopoulos) e tardio (tipo Gastaut). Já a epi-
• Eventos autonômicos: cardiovasculares, gas- lepsia primária da leitura, antes classificada entre
trintestinais, vasomotores ou da função ter- as epilepsias focais idiopáticas, passou a figurar
moregulatória. entre as epilepsias reflexas (Tabela 5).
• Modificadores somototópicos: lateralizató- Embora essa classificação tenha significado
rios, partes do corpo, axiais, relacionados a um avanço nas discussões sobre a melhor forma
um membro. de estabelecer a nomenclatura e a organização das
• Modificadores ou descritivos da crise: inci- crises e síndromes epilépticas, novas mudanças
dência, regularidade, agrupamento (cluster), surgiram20 e, em 2010, uma nova proposta foi pu-
fatores precipitantes, dependência de um de- blicada pela comissão da ILAE21.
terminado estado, catamenial.
• Duração: autolimitada ou estado de mal Classificação das crises epilépticas e
epiléptico.
• Gravidade: intensidade da crise. epilepsias (2010)
• Pródromo: sintoma clínico que revela o início Em 2010, a Comissão responsável pela clas-
de uma doença. sificação e terminologia das crises e síndromes
• Fenômenos pós-ictais: lateralizatórios, não la- epilépticas da ILAE publicou uma nova revisão
teralizatórios, comprometimento da cognição, de conceitos, terminologia e abordagem das epi-
amnésia anterógrada ou retrógrada, psicose. lepsias21. Segundo a Comissão, a classificação de-
verá ser constantemente revisada para refletir, de
Considerando-se as síndromes epilépticas,
forma clara, todos os avanços obtidos na pesquisa
essa proposta de 2001 trouxe algumas modifi-
básica e clínica em epilepsia, permitindo, assim,
cações. Assim, as síndromes criptogênicas pas-
saram a ser denominadas de síndromes pro- sua incorporação na prática clínica21.
vavelmente sintomáticas. Foram incluídas na Nessa revisão, o conceito de crises generali-
classificação síndromes como a de Ohtahara e zadas foi modificado para crises iniciadas em al-
a hemiconvulsão-hemiplegia-epilepsia (HHE), gum lugar, mas com rápida propagação para redes
além de síndromes que se encontram ainda em neurais distribuídas bilateralmente, com possível
definição, como o estado de mal mioclônico em envolvimento de estruturas corticais e subcorti-
encefalopatias não progressivas, a epilepsia focal cais, mas sem necessariamente exigir um envol-
migratória da infância precoce, epilepsias gene- vimento de toda a superfície cortical. Passou-se
27
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
28
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica
ainda a ser admitido que as crises generalizadas 2. A subclassificação das crises de ausência foi
apresentem assimetrias. simplificada. As crises de ausência mioclônica
Já as crises focais foram definidas como crises e de ausência com mioclonias palpebrais pas-
que inicialmente envolvem apenas um hemisfé- sam a constar da classificação.
rio cerebral de forma mais localizada ou difusa 3. O termo espasmos epilépticos foi incluído, mas
nesse hemisfério, podendo se iniciar em estrutu- diante da dificuldade em definir se os espasmos
ras subcorticais. Cada tipo de crise teria um iní- epilépticos são focais, generalizados ou ambos,
cio ictal consistente, com padrão de propagação uma nova categoria foi criada (desconhecido).
preferencial, podendo ou não envolver o hemis- 4. As crises focais foram todas agrupadas sob um
fério contralateral. O mesmo paciente poderia único nome, sendo de livre escolha a descrição
apresentar crises originadas em locais diferentes sobre características específicas de cada crise,
ou que envolvessem redes neurais diferenciais, como descrever se houve ou não comprome-
mas cada tipo de crise teria um local consistente timento da consciência ou fenômeno motor e
de início ictal. sua evolução.
Nesse contexto, as seguintes modificações fo- 5. O termo mioclônico-astático foi substituído
ram feitas, considerando-se a classificação de cri- por mioclônico-atônico.
ses de 1981: Com essas modificações, as crises descritas
1. As crises neonatais não constituem mais uma passaram a ser as relatadas na tabela 6 e as crises
entidade em separado. focais estão mais bem detalhadas na tabela 7.
Crises generalizadas
Tônico-clônicas (em qualquer combinação)
Ausências
Típicas
Atípicas
Ausências com características especiais
Ausências mioclônicas
Mioclonias palpebrais
Mioclônicas
Mioclônicas atônicas
Mioclônicas tônicas
Clônicas
Tônicas
Atônicas
Crises focais
Desconhecido
Espasmos epilépticos
A Crises que não podem ser claramente diagnosticadas em uma das categorias anteriores devem ser
consideradas não classificadas até que informações permitam seu diagnóstico preciso. No entanto, esta não é
considerada uma categoria de classificação.
29
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Tabela 7. Descritores de crises focais de acordo com o grau de comprometimento durante as crises21
Sem comprometimento da consciência
Com componentes motores ou autonômicos observáveis
Esta corresponde aproximadamente ao conceito de ‘’crise parcial simples’’
“Focal motora” e “autonômica” são termos que podem ser utilizados de acordo com as manifestações
clínicas
Subjetiva envolvendo fenômenos sensoriais ou psíquicos apenas. Este corresponde ao conceito de aura,
termo aceito no glossário de 2001
Com comprometimento da consciência
Esta corresponde aproximadamente ao conceito de “crise parcial complexa”
‘’Discognitivo’’ é um termo que tem sido proposto para este conceito17
Evoluindo para crise convulsiva bilateral
Envolvendo componentes tônicos, clônicos ou tônico-clônicos. Esta expressão substitui o termo ‘’crise
secundariamente generalizada’’
A. Para mais descritores que foram claramente definidos e recomendados para uso, consulte Blume et al.17
B. O termo ‘’convulsivo” foi considerado termo leigo no glossário. No entanto, nota-se que é usado em toda a
medicina em várias formas e traduzido em muitas línguas. Seu uso é, portanto, aprovado.
Considerando-se as etiologias das síndromes mas, infecções, entre outras) ou de causas genéticas,
epilépticas, os termos idiopático, criptogênico e em que um fator se interpõe entre a causa genética
sintomático foram substituídos por causa genéti- e a epilepsia (exs.: lesões da esclerose tuberosa e de
ca, causa desconhecida ou causa estrutural/meta- muitas malformações do desenvolvimento cortical).
bólica (Figura 1) com as seguintes definições: – Causas desconhecidas: a causa da epilepsia é
ainda desconhecida, podendo ser um defeito ge-
Classificação das Síndromes Epilépticas (ILAE nético ou uma desordem ainda não reconhecida.
2010)
Ainda em relação às síndromes epilépticas,
manteve-se a estrutura básica da proposta de
Idiopática Genética
200119, em que as síndromes epilépticas foram
categorizadas de acordo com a faixa etária, abo-
Criptogênica/ Estrutural/
Provavelmente Metabólica lindo-se a ordenação da classificação de 1989, em
sintomática que as síndromes epilépticas eram agrupadas de
Genética acordo com a etiologia (Tabela 8). Assim, nessa
Sintomática
proposta, o conceito de focal ou generalizada não
se aplicou às síndromes eletroclínicas. O termo
Figura 1. Modificação da classificação das síndromes síndrome passou a ser reservado a um grupo de
epilépticas de acordo com a proposta revisada pela ILAE entidades clínicas reconhecidas por um conjunto
em 201021.
de características eletroclínicas bem determina-
– Causas genéticas: a epilepsia é resultado di- das (síndromes eletroclínicas). Passou-se ainda a
reto de um defeito genético conhecido ou presu- ser definido o termo constelação, que congrega-
mido, no qual as crises são o principal sintoma, ria aquelas associações entre sinais e sintomas re-
podendo haver modificações da expressão da do- lacionados a uma lesão cerebral específica. Como
ença por fatores ambientais. principal expoente desse subgrupo, foi incluída
– Causas estruturais/metabólicas: pacientes com a epilepsia temporal mesial associada à esclerose
lesões estruturais adquiridas (por isquemias, trau- do hipocampo.
30
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica
31
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
2. Na proposta de 2010, as síndromes epilépti- Ainda o termo constelação foi substituído por
cas foram divididas em genéticas, estruturais/ entidades clínico-radiológicas.
metabólicas e desconhecidas. Agora uma nova A despeito das novas sugestões à proposta da
subdivisão é proposta: a) genética; b) estrutu- ILAE de 2010, a evolução do conhecimento cien-
ral; c) metabólica; d) imunológica; e) infeccio- tífico levará a futuras modificações da classifica-
sa; f) desconhecida. ção das crises e síndromes epilépticas, devendo-se
a) Genética: a epilepsia é resultado direto de buscar a identificação do(s) tipo(s) de crise, sín-
um defeito genético conhecido ou presu- drome epiléptica e etiologia da epilepsia para cada
mido, sendo o principal sintoma desse de- paciente, permitindo, assim, que o melhor trata-
feito. As epilepsias antes conhecidas como mento seja oferecido a cada um deles.
epilepsias generalizadas idiopáticas agora
seriam denominadas de epilepsias genera- Considerações finais
lizadas genéticas. Algumas das mudanças incluídas na nova
b) Estrutural: epilepsias em que uma lesão classificação podem levar algum tempo para se-
estrutural é visível na neuroimagem e con- rem incorporadas ao uso diário. A substituição
32
Classificando as crises epilépticas para a programação terapêutica
de termos já consagrados na prática clínica, como posta de classificação poderá trazer dificuldades
crises parciais complexas por crises focais com al- iniciais de interpretação e adequação de diver-
teração da consciência, atenção ou responsivida- sos pacientes. O impacto dessas dificuldades no
de, é a principal delas. No entanto, o agrupamento tratamento adequado dos pacientes levará vários
dos subtipos de crises parciais em crises focais e a anos para ser sentido. No entanto, embora para o
inclusão na classificação de termos semiológicos diagnóstico correto do tipo de crise e de síndro-
muito utilizados, como espasmos e mioclonias me epiléptica ainda sejam necessários dados de
negativas, vêm otimizar seu uso. exames complementares, como EEG e exames de
A existência de uma classificação das crises neuroimagem, o glossário de termos está dispo-
epilépticas é um elemento fundamental para o nível para uso logo na primeira consulta do pa-
diagnóstico clínico e padronização da linguagem ciente, podendo servir de base para os níveis de
utilizada nos diversos centros de tratamento de atendimento primário.
epilepsia. Portanto, essa classificação deve ser uti- Considerando-se a inclusão específica dos ter-
lizada em todos os pacientes, independentemen- mos genética e metabólica, observa-se que o grau
te da idade e do grau de desenvolvimento cog- de sofisticação diagnóstica tenderá a ser cada vez
nitivo, sendo de fácil aplicabilidade em todos os maior, com a necessidade de realização de exames
níveis de tratamento do paciente com epilepsia, específicos que provavelmente ainda não estarão
ou seja, desde o sistema básico de saúde, em que disponíveis na maioria dos locais em que o aten-
o diagnóstico é inicialmente feito, até em servi- dimento de pacientes com epilepsia é realizado.
ços especializados, como os centros de cirurgia Esse poderá ser um fator essencial na restrição
de epilepsia. ou dificuldade de utilização da nova classificação,
No Brasil, considerando-se os níveis de aten- se aprovada como foi proposta. No entanto, os
dimento de epilepsia (Figura 2) e que grande par- epileptologistas deverão tentar difundir o uso da
te dos pacientes é atendida por médicos gerais do nova classificação, a qual, com o passar do tempo,
nível básico e não neurologistas, com escassos poderá mostrar sua utilidade na prática clínica e
recursos para investigação clínica, essa nova pro- na pesquisa médica.
Centros de Epilepsia
Epileptologistas
(Estaduais e/ou Regionais) 30
Experiência em Epilepsia
Recursos Diagnósticos
Ambulatórios de Epilepsia
Consultórios Neurologia 20
(Municipais e/ou Regionais)
Centro de Saúde
Clínicos e Pediatras 10
(Municipais)
Figura 2. Níveis de atendimento das epilepsias no Brasil. Na maioria dos serviços municipais, o atendimento é feito por
clínicos gerais ou pediatras, que contam com poucos recursos diagnósticos. À medida que o atendimento vai sendo
referenciado para ambulatórios neurológicos ou centros de epilepsia, melhores condições diagnósticas estarão disponíveis.
33
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
34
Farmacocinética dos
2 fármacos antiepilépticos
Elza Márcia Targas Yacubian
Professora Adjunta Livre Docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola
Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.
35
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Figura 1. O nível sérico de um fármaco, após administração de uma dose oral única, aumenta rapidamente,
após a absorção, até o nível de pico, depois do qual diminui em duas fases: uma rápida, decorrente da
distribuição nos vários compartimentos corporais, e uma lenta, devida à metabolização e à excreção
(eliminação). O tempo de pico é o período no qual é obtido o nível máximo do fármaco e a meia-vida é o tempo
necessário para que o nível desse fármaco seja reduzido à metade após o término da absorção e da distribuição.
C máx
ASC
T máx Tempo
Figura 2. Curva típica da concentração plasmática para um fármaco administrado em dose oral única em função do tempo.
Observe a Cmáx no eixo das ordenadas e o Tmáx no das abscissas. A Cmáx é a concentração máxima atingida pelo fármaco
(nível de pico) e o Tmáx corresponde ao tempo que o fármaco atinge a Cmáx. Enquanto a ASC é um indicador da quantidade
total do fármaco absorvida, a Cmáx e o Tmáx são indicadores da velocidade de absorção do fármaco.
36
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos
entre formulações orais de diferentes doses de 20% acarreta um risco elevado de recorrência de
medicamentos lentamente absorvidos e fraca- crises, enquanto para um paciente cujos níveis fo-
mente solúveis. Resultam de divergências na for- ram ajustados logo abaixo de seu limiar tóxico in-
ma dos cristais, nos tamanhos das partículas ou dividual, um aumento de 25% acarreta risco ele-
em outras características físicas da substância que vado de ocorrência de sinais e sintomas tóxicos.
são rigidamente controladas na formulação e ma-
nufatura do preparado. Esses dados apresentam Implicação prática
implicações práticas importantes. As autoridades
Em um paciente individual, mesmo quando
regulatórias aceitam variação para a bioequiva- ocorrem alterações que não excedam a faixa aceita
lência entre duas formulações, por exemplo, um de bioequivalência, há riscos de recorrência
fármaco genérico e um produto original, que o de crises ou toxicidade. São necessárias muita
cautela e precaução, como, por exemplo, aferir os
intervalo de confiança de 90% da Cmáx e da ASC
níveis plasmáticos, quando da troca de diferentes
estejam situados entre 80% e 125% em compara- formulações de FAEs.
ção ao fármaco original2. Para um paciente cuja
dose de FAE é ajustada para um nível logo aci- A figura 3 mostra perfis e ASC de diferentes
ma de seu limite terapêutico, uma diminuição de vias de administração de fármacos.
Figura 3. Perfis de concentração após a administração da mesma dose por vias intravenosa (A) e oral (B, C) de
duas formulações farmacêuticas diferentes. A ASC depois da ingestão das formulações B e C corresponde a
aproximadamente 80% daquela obtida com a injeção intravenosa, indicando que a biodisponibilidade das duas
formulações orais é de cerca de 80%. A despeito dos mesmos valores da ASC, suas formulações orais diferem quanto
à taxa de absorção e apenas a formulação B permite que sejam alcançadas concentrações plasmáticas superiores ao
limiar necessário para exercer efeito antiepiléptico3.
37
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
38
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos
nível será alcançado no plasma? Para PHT, DC = D/ tos fracos, a reabsorção passiva dessas substâncias
Vd, ou seja, 18/0,75 = 24 mg/l, enquanto para PB, depende do pH. Até 25% do PB é eliminado por
18/0,55 = 32,7 mg/l. Como o Vd do PB é menor que excreção renal pH-dependente, sendo o restante
o da PHT, serão alcançadas concentrações terapêu- inativado pelas enzimas microssomais hepáticas.
ticas de ambos os fármacos por meio da adminis- Esse fármaco, um ácido fraco, tem sua excreção
tração da mesma dose em mg/kg. diminuída quando a urina tubular torna-se mais
ácida e aumentada quando se alcaliniza a urina
Ligação a proteínas plasmáticas pela administração de bicarbonato de sódio. Essa
Após a absorção, os FAEs ligam-se, em porcen- interação é útil em caso de superdosagem de PB.
tagens variáveis, às proteínas plasmáticas. Apenas a
fração livre, não ligada às proteínas, será capaz de
atravessar a barreira hematoencefálica para exercer
Implicações do conceito de
ação antiepiléptica. As moléculas ligadas às proteínas meia-vida de eliminação
permanecem como reservatórios, sendo liberadas à Meia-vida de eliminação é o tempo necessário
medida que as moléculas livres são metabolizadas, para que a concentração plasmática do medica-
atingindo um equilíbrio. Moléculas que se ligam mento seja reduzida à metade5. A meia-vida bioló-
em porcentagem elevada às proteínas plasmáticas gica de um fármaco é o parâmetro farmacocinético
podem competir com outros fármacos que também mais importante para determinar o intervalo das
se ligam fortemente às proteínas, sendo esse um dos administrações diárias. Considerando que o con-
mecanismos de interação de fármacos muito co- trole das crises exigirá terapia por anos, agentes que
mum. Por exemplo, 90% da PHT e 90% do valproato apresentem meias-vidas prolongadas apresentam
(VPA) circulam ligados às proteínas. Portanto, essa vantagens evidentes sobre os de meias-vidas cur-
combinação cursa com grande probabilidade de in- tas, por exigir menor número de administrações,
teração nessa etapa farmacocinética. O aumento da facilitando a adesão à terapêutica. Várias doses
fração livre poderá determinar sinais de intoxicação. diárias são necessárias para FAEs que apresentam
Um fármaco que se liga em pequena porcentagem às meias-vidas curtas e/ou toxicidade gastrintestinal.
proteínas plasmáticas apresenta, portanto, vantagem Para medicamentos desse tipo, a administração
farmacocinética sobre outro que se liga em porcen- frequente reduzirá os picos e os vales dos níveis
tagem significativa a estas. Como a porcentagem do plasmáticos. Em oposição a esse fato, para compos-
fármaco livre no soro é inversamente proporcional à tos com meias-vidas prolongadas, a administração
concentração de albumina, pacientes com hipoalbu- frequente ou infrequente não determinará altera-
minemia apresentam maior porcentagem de fração ções significativas nas flutuações séricas.
livre no plasma e, consequentemente, maior proba- A figura 4 mostra como níveis séricos estáveis
bilidade de intoxicação. serão alcançados em um período de cinco meias-
vidas do fármaco. Embora FAEs de meia-vida
Eliminação - Depuração renal curta exijam doses mais frequentes, alcançam o
A eliminação de substâncias e metabólitos na equilíbrio plasmático mais rapidamente quando
urina envolve três processos: filtração glomerular, se introduzem ou alteram as dosagens. Por exem-
secreção tubular ativa e reabsorção tubular passi- plo, VPA, com meia-vida curta de 6 a 18 horas,
va. Nos túbulos proximais e distais, as formas não atingirá o equilíbrio em dois a quatro dias, en-
ionizadas de ácidos e bases fracas são reabsorvi- quanto PB, em decorrência de sua meia-vida lon-
das passivamente. Como as células tubulares são ga, de 72 a 98 horas, necessitará de duas a três se-
menos permeáveis às formas ionizadas de eletróli- manas para alcançar concentração sérica estável.
39
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Figura 4. Flutuações nos níveis séricos de um fármaco antiepiléptico até alcançar níveis estáveis, o que
ocorre a partir do tempo equivalente a cinco meias-vidas.
40
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos
cromo P450 refere-se a uma família de proteínas enzima epóxido-hidrolase, cujos níveis são de-
heme, semelhantes à hemoglobina, presente em terminados geneticamente8. De um lado, níveis
todos os tipos celulares, com exceção das hemácias baixos dessa enzima poderão ocasionar acú-
e das células musculares, que promovem oxidação mulo de arenos, os quais se ligam a macromo-
de moléculas. Nesse sistema, todas as substâncias léculas, desencadeando respostas imunológicas
(endógenas, como esteroides e ácidos graxos, ou e reações de hipersensibilidade verificadas nos
exógenas, como medicamentos e aditivos alimen- órgãos que possuem o sistema P450, como fí-
tares) serão metabolizadas por enzimas específi- gado, rins e pele. Anunciada por febre, em geral
cas. Há quatro tipos principais de vias metabóli- duas a três semanas após a introdução do fárma-
cas: oxidação, redução, hidrólise e conjugação. As co, e seguida, em um a dois dias, por rash cutâ-
três primeiras, que precedem a conjugação, são neo e linfadenopatia, a reação de hipersensibi-
conhecidas coletivamente como reações de fase I e lidade a FAEs pode cursar com o envolvimento
consistem na introdução de uma molécula do fár- de órgãos internos, como hepatite, nefrite e
maco de grupos - OH, - COOH e - NH2 visando anormalidades hematológicas, como eosinofilia
à formação de metabólitos mais polares. A última e linfocitose atípica. Por outro lado, há indícios
etapa, ou seja, a conjugação, compreende a união de níveis baixos de epóxido-hidrolase no líqui-
da molécula do fármaco com substratos endóge- do amniótico de mães que tiveram filhos com a
nos, como o ácido glicurônico, o ácido acético ou síndrome fetal da PHT. Epóxidos não metabo-
o sulfato inorgânico (reações de fase II) visando lizados se ligariam a ácidos nucleicos embrio-
à formação de conjugados solúveis em água e nários ou fetais, podendo ser responsabilizados
facilmente excretados pela bile ou rins. Contu- pelas malformações verificadas com alguns
do, vários metabólitos desempenham atividade FAEs. No entanto, outros fatores, além da difi-
farmacológica e podem promover efeitos seme- culdade de detoxificação de compostos aromá-
lhantes ou diferentes daqueles observados com a ticos pela epóxido- hidrolase, como reativação
molécula-mãe e ser responsáveis por importantes do vírus do herpes tipo 6 e predisposição étnica
efeitos que se seguem à administração do medica- com alguns subtipos de antígenos leucocitários
mento1,3,7. No metabolismo de compostos aromá- humanos, podem estar envolvidos nas reações
ticos, como PHT, PB e CBZ, ocorre a formação de de hipersensibilidade a medicamentos.
metabólitos intermediários chamados arenos óxi-
dos, substâncias capazes de se ligar covalentemen-
te a proteínas e ácidos nucleicos. Essa interação é Implicação prática
responsável por reações de hipersensibilidade, he-
Em 12 de dezembro de 2007, a Food and Drug
patotoxicidade e, muito raramente, carcinogênese Administration alertou para a possibilidade de
determinadas por compostos aromáticos. reações cutâneas graves e até mesmo fatais, como
a síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise
epidérmica tóxica, que podem ser causadas
Arenos óxidos e “síndrome pela CBZ, as quais são significativamente mais
da hipersensibilidade comuns em pacientes com o subtipo HLA-B*1502
do antígeno leucocitário humano. Esse alelo
a anticonvulsivantes” e ocorre quase exclusivamente em chineses Han e
asiáticos e seria um marcador para essas reações
malformações fetais de hipersensibilidade graves. Diante desse risco,
Como mostra a figura 5, o processo de de- essa população deveria ser submetida à avaliação
genética para tal subtipo antes de ingerir CBZ9.
sintoxicação dos arenos óxidos é realizado pela
41
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Figura 5. Estrutura química da fenitoína, fenobarbital e carbamazepina, mostrando a via de formação dos arenos óxidos e
a desintoxicação sob a influência da enzima epóxido-hidrolase8.
Importância dos fatores genéticos no meta- e hormônios, como cortisol e estradiol. A PHT é
bolismo dos fármacos antiepilépticos metabolizada pelo CYP2C9 e, parcialmente, pelo
O sistema microssomal P450 apresenta uma CYP2C19. A maioria dos antidepressivos e an-
série de enzimas denominadas oxidases de fun- tipsicóticos é metabolizada pelo CYP2D6. Várias
ção mista, referidas como CYP (de CY, citocromo, formas do citocromo P450 surgiram de eventos
e P, a primeira letra de P450), seguidas do alga- que ocorreram nos últimos 5 a 50 milhões de
rismo arábico da família específica, de uma letra anos, influenciados por fatores ambientais e há-
maiúscula que especifica sua subfamília e de um bitos alimentares. Diferentes indivíduos podem
segundo algarismo arábico designando a forma apresentar taxas diversas de metabolismo de um
individual de P450 (por exemplo, CYP2C9). Tais medicamento particular em decorrência das ca-
enzimas variam de indivíduo para indivíduo e são racterísticas genéticas de seus citocromos. Esses
sujeitas a importantes diferenças entre os sexos e polimorfismos genéticos, presentes em pequena
as etnias. Dentre esses sistemas enzimáticos, en- porcentagem da população, tornam alguns indi-
contra-se, por exemplo, o CYP3A4, em que são víduos incapazes de metabolizar um fármaco de
metabolizadas fármacos como CBZ e etossuximi- forma adequada, o que eleva seus níveis no san-
da (ESM), BZDs, bloqueadores de canais de cálcio gue e a toxicidade dose-dependente se a forma
42
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos
RER
M
REL
RER
43
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Figura 7. Na cinética de primeira ordem, o nível sérico do fármaco aumenta proporcionalmente com a dose. Na cinética
de ordem zero, em decorrência da saturação enzimática envolvida na metabolização do medicamento, seus níveis séricos
elevam-se exponencialmente com o aumento da dose. Após certo ponto, acréscimos muito pequenos na dose resultarão
em grandes alterações no nível sérico.
44
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos
45
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
46
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos
A faixa de referência pode ser útil para guiar a A MNT de FAEs é útil na prática clínica por
terapêutica em determinadas situações da prática permitir melhor controle das crises visando a
clínica, mas a manutenção das doses de FAEs efe- minimizar efeitos adversos, desde que seja usada
tivas deve se basear em critérios clínicos, uma vez de forma seletiva e apropriada para resolver um
que a variabilidade entre os pacientes é conside- problema farmacocinético ou farmacodinâmico
rável. Vários indivíduos podem alcançar benefí- específico de um determinado paciente.
cios terapêuticos com concentrações plasmáticas Entre os FAEs tradicionais, PHT, PB e CBZ
de FAEs fora dos limites da faixa de referência. são os que mais provavelmente necessitarão de
Alguns não apresentam reações adversas mesmo MNT. VPA se relaciona a numerosas peculia-
quando os limites tóxicos são ultrapassados, en- ridades e grande variabilidade. A utilidade da
quanto outros podem apresentar sintomas de to- MNT para os FAEs mais novos tem sido ques-
xicidade até mesmo com níveis inferiores de suas tionada pelo fato de que há ampla variação das
concentrações plasmáticas ao longo do dia [deno- concentrações plasmáticas deles associada à efi-
minadas níveis de vale em contraposição aos mo- cácia clínica e à considerável superposição entre
mentos de concentração máxima (Cmáx) do fárma- concentração-efeito e concentração-toxicidade.
co ao longo do dia _ níveis de pico]. Assim sendo, Esse conceito tem sido motivo de revisões, par-
as concentrações nos limites da faixa de referência ticularmente em mulheres, em decorrência do
não são necessariamente terapêuticas, efetivas ou fato de que alguns dos novos FAEs, especial-
ótimas e recomenda-se que esses adjetivos não se- mente LTG, sofrem influência significante de
jam utilizados ao se reportar aos resultados das contraceptivos hormonais e da gestação. Por
dosagens plasmáticas de um fármaco. A termino- outro lado, FAEs indutores enzimáticos afetam
logia mais correta na interpretação dos números significativamente os níveis plasmáticos de LTG
aferidos nelas deve ser: “O resultado situa-se den- e topiramato, por exemplo.
tro/acima/abaixo da faixa de referência”. Foi por Trabalhos recentes da literatura enfatizam as
tais razões que houve necessidade de introduzir possíveis faixas de referência para cada um dos
outro conceito na MNT: o de faixa terapêutica. novos FAEs.
Definição No entanto, as evidências para a utilidade da
MNT como um guia para melhorar a terapêutica
Faixa terapêutica: é definida como a faixa de
concentração do fármaco associada à melhor clínica são escassas e têm sido motivo de signifi-
resposta terapêutica para um determinado cativas discussões.
paciente, sendo, portanto, definida apenas em Na prática clínica, a MNT é recomendada:
termos individuais.
• para estabelecer as concentrações efetivas ba-
sais (faixa terapêutica) em pacientes que te-
Guia para a prática clínica nham alcançado estabilidade clínica visando
O nível é considerado terapêutico quando o a comparações futuras para avaliar possíveis
paciente tem as crises epilépticas controladas e não causas de uma alteração na resposta terapêu-
apresenta efeitos adversos, independentemente
tica. Por exemplo, quando há recorrência
dos valores numéricos de sua MNT. A dose de
um FAE deve ser considerada adequada se a das crises, na gravidez ou em pacientes em
crises permanecem controladas sem que ocorram politerapia com FAEs ou outras medicações
efeitos adversos ou que estes, embora presentes, concomitantes;
sejam discretos. A dose deve ser considerada
elevada se há reações adversas intoleráveis, • para avaliar as causas potenciais de falta ou
independentemente do controle das crises. perda de eficácia;
47
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
48
Farmacocinética dos fármacos antiepilépticos
Nível máximo
Efeitos tóxicos
Faixa terapêutica
Níveis séricos da DAE
Sem proteção
Nível mínimo
1 2 3 4 5 6 7
Tempo em meias-vidas
Figura 8. Níveis de pico (nível máximo) e de vale (nível mínimo) após a estabilização dos níveis sanguíneos, que ocorre
após quatro a cinco meias-vidas. A aferição de níveis plasmáticos deve ser realizada após o estabelecimento de níveis
estáveis, os quais são variáveis, dependendo da meia-vida de cada fármaco4.
49
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
50
Evolução da terapêutica
3 medicamentosa das
epilepsias
Elza Márcia Targas Yacubian
Professora Adjunta Livre Docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da
Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil.
40
Perampanel
Eslicarbazepina
Lacosamida
Rufinamida
35 Estiripentol
Pregabalina
Levetiracetam
Terceira geração Tiagabina
Topiramato
30 Gabapentina
Número de fármacos antiepilépticos
Felbamato
Oxcarbazepina
Lamotrigina
Zonisamida
25 Vigabatrina
Clobazam Progabida
Clonazepam
Valproato
20 Carbamazepina
Diazepam Segunda geração
Sultiame
Clordiazepóxido
Etossuximida
15 Etotoina
Metosuximida
Primidona
Fensuximida
Fenacemida
10 Primeira geração Corticosteroides/ACTH
Parametadiona
Mefenitoína
Trimetadiona
Acetazolamida
5 Fenitoina
Fenobarbital Mefobarbital
Borax
Brometo
0
1850 1870 1890 1910 1930 1950 1970 1990 2010
Ano da introdução
Figura 1. Introdução de fármacos antiepilépticos no mercado de 1853 a 2012 (modificado a partir da referência 1).
51
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
ração inclui fármacos como a carbamazepina, o Parecia lógico prescrever sais de brometo de po-
valproato e os benzodiazepínicos, introduzidos tássio e, mais tarde, uma solução contendo uma
entre 1960 e 1975, quimicamente diferentes dos mistura de sais de brometo de sódio, potássio e
barbitúricos. Apenas após 1980, passaram a ser antimônio em razão de suas propriedades se-
comercializados compostos da terceira gera- dativas e antiafrodisíacas. Brometo constituiu
ção, constituída por fármacos descobertos pelo o único fármaco eficaz para o tratamento das
“desenvolvimento racional”, como a progabida, epilepsias até 1912, quando Alfred Hauptmann,
a gabapentina, a vigabatrina e a tiagabina, bem explorando as propriedades sedativas do feno-
como por outras ainda descobertas de forma aci- barbital, observou diminuição na frequência das
dental, como a lamotrigina e o topiramato. Neste crises epilépticas em pacientes que faziam uso de
momento, testemunha-se o desenvolvimento de brometo3 (Figura 3). No final da década de 1910,
FAEs de quarta geração1. fenobarbital havia se tornado o tratamento de
Em 1857, dois milênios após inúmeras tenta- escolha para as epilepsias e, assim, permaneceu
tivas terapêuticas infrutíferas para tratar as cri- até o final da década de 1930, quando Merritt
ses epilépticas, Sir Charles Locock, um obstetra e Putnam, ao descreverem o modelo do eletro-
inglês, introduziu o brometo de potássio como choque em gatos, iniciaram uma pesquisa ativa
medicação eficaz para controlar epilepsia histéri- na busca de fármacos mais eficazes e mais bem
ca em 14 de 15 mulheres com crises catameniais2 tolerados, descobrindo a eficácia da fenitoína,
(Figura 2). Uma crendice popular àquele tempo molécula desprovida de efeitos sedativos que ha-
era a de que epilepsia era uma manifestação de via sido sintetizada em 1908 e permaneceu aban-
histeria e uma consequência da masturbação. donada até o final da década de 1930, em uma
época em que se acreditava que todo FAE deveria
necessariamente possuir propriedades sedativas4
(Figura 4). Putnam e Merritt, com o sucesso de
seu modelo, fizeram mais do que simplesmente
descobrir a fenitoína. Eles mostraram que um
procedimento laboratorial poderia ser utilizado
como um modelo para epilepsia e testagem de
moléculas e um fármaco efetivo no controle das
crises epilépticas não necessitava apresentar efei-
tos sedativos. O sucesso desse empreendimento,
inaugurando a investigação neurofisiológica das
epilepsias e estabelecendo o elo entre a indústria
farmacêutica e a pesquisa experimental, abriu ca-
minho para o desenvolvimento de outros FAEs
(Figura 5).
A dieta cetogênica, embora já conhecida pe-
los médicos no tempo de Hipócrates e referida na
Bíblia como efetiva para o controle das crises (por
meio de jejum e orações), floresceu na década de
1920 como uma opção terapêutica que, ainda em
nossos dias, tem sido explorada como alternativa
Figura 2. Charles Locock (1799-1875). ao tratamento com FAEs5.
52
Evolução da terapêutica medicamentosa das epilepsias
Figura 3. Publicação de 1912 do uso do luminal em epilepsia por Dr. Alfred Hauptmann (1881-1948).
Figura 4. Circuito empregado por Putnam e Merritt que permitia que uma corrente interrompida de amperagem
predeterminada fosse aplicada na cabeça do animal e a determinação do limiar para convulsões.
53
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Figura 5. Tracy Putnam (1894-1975) e H. Houston Merritt (1902-1978), cujos estudos marcaram o final do empirismo na
descoberta de fármacos antiepilépticos.
54
Evolução da terapêutica medicamentosa das epilepsias
Figura 6. Artigo original de William G. Lennox sobre as epilepsias de pequeno mal e seu tratamento com tridiona.
Sintetizado por Burton no final do século mento dos possíveis mecanismos fisiopatogênicos
passado e utilizado como solvente de substân- envolvidos nas crises epilépticas, ou seja, inicial-
cias químicas orgânicas, o ácido valproico teve mente a potencialização GABAérgica e, mais re-
sua ação antiepiléptica descoberta nos laborató- centemente, a redução dos mecanismos de hipe-
rios de Meunier, na França, no início da década rexcitabilidade mediados por neurotransmissores
de 196012. Em 1963, durante a preparação de uma excitatórios em uma série de diferentes tipos de
série de compostos heterocíclicos que, em decor- receptores. No entanto, em razão do conhecimen-
rência de sua baixa solubilidade, precisavam ser to ainda insuficiente dos mecanismos envolvidos
dissolvidos em vários solventes, entre os quais o nas epilepsias, constata-se que o desenvolvimento
ácido valproico, verificou-se que várias moléculas de novos FAEs se caracteriza ainda pela casuali-
apresentavam propriedades anticonvulsivantes e dade e empirismo.
que essa ação era dependente de solvente. Rapida- Entre as moléculas novas, enquanto a vigaba-
mente, o ácido valproico revelou-se um fármaco trina, um análogo estrutural do GABA, foi dese-
muito eficaz para o controle das crises das epilep- nhada especificamente como um inibidor irrever-
sias generalizadas idiopáticas e, algumas décadas sível da GABA-transaminase, enzima responsável
mais tarde, também das epilepsias parciais, sendo pela degradação do GABA, alguns agentes, como
reconhecido por seu amplo espectro de ação13. a gabapentina, originalmente sintetizada como
As últimas décadas estão sendo marcadas pela um composto GABA-mimético, atuam por me-
busca de novas moléculas baseada no conheci- canismos ainda não completamente elucidados.
55
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
56
Parte 2
O fenobarbital (PB), um medicamento sedati- dos ao risco de morte). Seus mais de cem anos
vo e hipnótico, foi introduzido em 1912, portanto de uso clínico lhe conferem um grau inigualável
há mais de um século (Figura 1). de conhecimento e segurança sobre sua eficácia e
Esse barbitúrico se revelou mais eficaz e me- tolerabilidade. Atualmente, não é o medicamento
nos tóxico que os brometos, o único fármaco eleito para a maioria das crises epilépticas, exce-
antiepiléptico (FAE) então disponível, e rapida- to em recém-nascidos1. Ainda hoje, entretanto,
mente se tornou a medicação de escolha no trata- aceita-se o PB como uma alternativa no arma-
mento das epilepsias. Diversos análogos do ácido mentário dos FAEs. Em termos comparativos, o
barbitúrico foram sintetizados no início do sécu- PB disputa o mesmo nicho que a carbamazepina
lo. Dentre esses, o mefobarbital se mostrou eficaz (CBZ), a fenitoína (PHT), a primidona (PRM) e
como antiepiléptico e passou a ser comercializado o valproato (VPA). É incluído pela Organização
nos Estados Unidos em 1935. Mundial de Saúde (OMS) como medicamento es-
O PB é provavelmente um dos FAEs mais sencial2. Em plena era dos novos FAEs, há ainda
receitados em todo o mundo. Sua popularidade um lugar para o PB no tratamento medicamento-
está associada a basicamente três fatores: baixo so de muitas formas de manifestações epilépticas,
custo, longa experiência clínica e boa segurança sendo o tratamento farmacológico para epilepsia
(especificamente em relação aos efeitos associa- que apresenta o melhor custo-benefício3. Por esse
motivo, tem sido amplamente utilizado em saú-
de pública, como em zonas rurais da China, onde
tem mostrado benefícios sem maiores impactos
H5 C6 C2 H5 O negativos na cognição4,5.
C C
O C NH Mecanismo de ação
Quimicamente, o PB é o ácido 5-etil-5-fenil-
HN C barbitúrico.
Parece aumentar a inibição do ácido gama-a-
O minobutírico (GABA). Além disso, em modelos
Figura 1. Estrutura química do fenobarbital. animais, protege contra crises induzidas por ele-
59
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
trochoque e, ao contrário de PHT, CBZ e PRM, Em geral, os níveis de CBZ e VPA são reduzi-
contra crises induzidas por convulsivantes quí- dos pela adição de PB. No caso da CBZ, a relação
micos, como pentilenotetrazol. Também eleva o epóxido/CBZ pode ser incrementada com PB.
limiar e diminui as pós-descargas eletroencefalo- O efeito do PB no metabolismo da PHT pode
gráficas desencadeadas por estimulação elétrica. causar tanto indução como inibição competitiva,
Assim, aumenta as correntes pós-sinápticas de levando a certo equilíbrio. Raramente, a modifi-
receptores mediados pelo cloreto por prolongar cação da dose de PHT é necessária.
a abertura dos canais de cloreto. Em nível pré-si- Usualmente, PB diminui o nível sérico da la-
náptico, o PB pode causar redução dos potenciais motrigina (LTG) e do topiramato (TPM), não in-
de ação dependentes de cálcio. terferindo na vigabatrina (VGB). Quando adicio-
nados ao PB, esses mesmos FAEs não interferem
Dados farmacocinéticos em seu nível sérico.
Clinicamente, a interação mais importante é a
A forma sódica tem boa solubilidade em água
inibição da eliminação do PB provocada pelo VPA,
e uma biodisponibilidade em apresentações orais
necessitando, frequentemente, do reajuste da dose.
de mais de 90%. Também é boa a biodisponibili-
O PB pode induzir o metabolismo de muitos
dade por via intramuscular ou endovenosa.
medicamentos, como teofilina, dicumarínicos,
Quando comparado com PHT e VPA, PB não
anticoncepcionais orais e antipsicóticos atípicos7.
mostra grande ligação às proteínas séricas (45%).
Daí a necessidade de uma dosagem mínima de 50
Portanto, a fração livre é de 55%.
µg de estrogênicos.
A eliminação é renal na forma não metabo-
FAEs novos, como lacosamida (LCM), tam-
lizada (20% a 25% nos adultos). De 20% a 30%
bém são muito afetados pelo uso concomitante
da dose é transformada em p-hidroxifenobarbi-
de PB com redução significativa do nível sérico8.
tal (um metabólito inativo) e 50% é conjugada a
As principais interações medicamentosas do PB
ácido glicurônico. A eliminação segue cinética de
estão relacionadas na tabela 1.
primeira ordem ou linear.
A meia-vida é dependente da idade. Em re-
cém-nascidos, geralmente ocorre acima de 100
Eficácia
horas. Durante o período neonatal, a eliminação É o fármaco de primeira escolha para crises no
de PB é acelerada, com média de 63 horas durante período neonatal.
o primeiro ano e 69 horas entre um e cinco anos. No grande estudo de Mattson et al.9 sobre os
Em adultos, varia entre 80 e 100 horas. Não há hospitais de veteranos de guerra, em que foram
evidência de autoindução de seu metabolismo6. comparados PHT, CBZ, PB e PRM, em 622 adul-
Os níveis plasmáticos terapêuticos efetivos va- tos com crises parciais e tônico-clônicas secunda-
riam de 15 a 40 µg/ml. O fármaco é administrado riamente generalizadas, os FAEs foram igualmen-
uma vez ao dia (em geral, à noite), em doses de 50 a te eficazes no controle das crises tônico-clônicas.
200 mg para adultos e 3 a 5 mg/kg/dia para crianças. O PB e a PRM tiveram menor porcentagem de
controle nas crises parciais que a CBZ e a PHT.
Apesar da eficácia semelhante, a incidência de
Interações medicamentosas efeitos adversos foi maior com o PB e a PRM. De
O PB é um indutor do metabolismo hepáti- maneira geral, o PB tem boa eficácia nas crises tô-
co, o que pode acelerar o metabolismo de outros nico-clônicas generalizadas e eficácia razoável nas
medicamentos. crises focais e nas mioclônicas.
60
Fenobarbital
Ação aumentada por Ação diminuída por Aumenta a ação de Diminui a ação de
Fármacos antiepilépticos
Fenitoína Fenitoína Fenitoína Fenitoína
Valproato Valproato
Carbamazepina
Clonazepam
Outros fármacos
Amitriptilina Dicumarínicos Alprenolol
Anti-histamínicos Ácido fólico Cloranfenicol
Corticoides Fenilbutazona Clorpromazina
Imipramina Piridoxina Dexametasona
Inibidores da monoaminoxidase Digitoxina
Analgésicos Isoniazida
Propoxifeno Metoprolol
Tranquilizantes Contraceptivos orais
Propranolol
Antidepressivos tricíclicos
O PB é um dos principais agentes para tratar rio de seus efeitos adversos. Os principais efeitos
o estado de mal epiléptico refratário a benzodia- adversos do PB estão listados na tabela 2.
zepínico e PHT. Dentre os efeitos neurotóxicos, há sedação, al-
O PB está entre os FAEs mais eficazes no tra- terações de comportamento (particularmente na
tamento profilático das crises febris, quando se infância, com reação paradoxal e hiperatividade),
decide que este é necessário. distúrbios de afetividade (particularmente de-
Nas epilepsias recém-diagnosticadas, a efi- pressão) e alteração da libido e potência sexual12.
cácia é semelhante entre o PB e os demais FAEs Diga-se de passagem que esses efeitos adversos
convencionais10. são comuns a vários FAEs.
Segundo a versão atualizada da revisão base- No entanto, merece referência especial um
ada em evidência da ILAE para epilepsias recém- aspecto relacionado ao uso do PB em crianças
diagnosticadas, o uso em crianças tem evidência que se refere aos distúrbios comportamentais.
classe III, semelhante a CBZ, LTG, PHT, TPM, Dentre as alterações de comportamento induzi-
VPA, VGB, clobazam e zonisamida11. das pelo PB em crianças, talvez a mais notável
seja a hiperatividade.
Tanto ou mais importante que a indução de
Tolerabilidade distúrbios comportamentais é o fenômeno cor-
Em função do longo tempo de disponibilidade relato de déficit de aprendizagem. Nesse senti-
e da grande massa de pacientes expostos o PB des- do, os dados disponíveis são unânimes em su-
de 1912, é de se supor um conhecimento satisfató- gerir que o uso de PB em crianças com ou sem
61
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
epilepsia (como profilático após crises febris) se com PB diminui os níveis de T4 livre durante o
associa a quocientes de inteligência (QI) mais primeiro e o sexto mês de terapia e eleva os níveis
baixos que em crianças não medicadas ou me- de hormônio tireoestimulante aos seis e 12 meses16.
dicadas com outros FAEs13. De fato, enquanto
crianças sem epilepsia ou crianças com epi-
lepsia e medicadas com VPA apresentam um Teratogenicidade
significativo ganho de QI durante o ensino de O risco de malformações na população em ge-
1o grau, crianças medicadas com PB ficam es- ral é de 2% a 3%. O risco de malformações com os
tacionadas ou até mesmo apresentam diminui- FAEs tradicionais é de 4% a 6%. Tal fato não pa-
ção do QI. Uma revisão recente sobre os efeitos rece ser diferente com o PB. Segundo Hernández-
cognitivos do PB em crianças constatou dificul- Diaz et al.17, 5,5% (11 de 199) dos filhos de mães
dade de atenção e memória14. que utilizaram PB tiveral malformações maiores,
No aspecto bioquímico, há referência de alte- risco 2,9 maior que com LTG. Entretanto, há mais
rações do metabolismo da vitamina D, levando a evidências de defeitos do tubo neural (espinha
osteomalacia, raquitismo ou hiperparatireodismo bífida), fenda palatina e malformações cardíacas.
secundário com o uso crônico de PB, particular- PB ingerido na gestação pode ocasionar defei-
mente em países do norte da Europa. tos de coagulação no recém-nascido, preveníveis
Tratamento com PB se associou à redução dos pela administração de vitamina K. Raramente
níveis séricos de folatos e vitamina B12 e fator de tem se descrito síndrome de abstinência em re-
risco para hiper-homocisteinemia15. Tratamento cém-nascidos de mães em uso de PB.
62
Fenobarbital
63
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
11. Glauser T, Ben-Menachem E, Bourgeois B, et al. 14. Ljff DM, Aldenkamp AP. Cognitive side-effects of
ILAE Subcommission on AED Guidelines. Up- antiepileptic drugs in children. Hand Clin Neurol.
dated ILAE evidence review of antiepileptic drug 2013;111:707-18.
efficacy and effectiveness as initial monotherapy 15. Linnebank M, Moskau S, Semmler A, et. al. An-
for epileptic seizures and syndromes. Epilepsia. tiepileptic drugs interact with folate and vitamin
2013;54(3):551-63. B12 serum levels. Ann Neurol. 2011;69:352-9.
12. Reynolds E, Trimble M. Adverse neuropsy- 16. Yilmaz U, Yilmaz TS, Akinci G, et al. The effect
chiatric effects of anticonvulsant drugs. Drugs. of antiepileptic drugs on thyroid function in chil-
1985;29:570-81. dren. Sezure. 2014;23:29-35.
13. Farwell J, Lee Y, Hirtz D, et al. Phenobarbital for 17. Hernández-Diaz S, Smith CR, Shen A, et al. Com-
febrile seizures - Effects on intelligence and on parative safety of antiepileptic drugs during preg-
seizure recurrence. N Engl J Med. 1990:322:364-9. nancy. Neurology. 2012;78:1692-9.
64
Fenitoína
5 Explorando a estrutura molecular
dos barbitúricos
Carmen Lisa Jorge
Assistente Doutora da Clínica Neurológica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
A fenitoína (PHT) foi introduzida na práti- provida de efeito hipnótico e apresentava efeito
ca clínica em 1938 e, desde essa época, tem sido antiepiléptico importante (Figura 1).
um dos fármacos antiepilépticos (FAEs) mais
utilizados no tratamento das crises epilépticas. A
molécula de PHT foi sintetizada a partir da estru-
tura do ácido barbitúrico quando, em 1923, Dox
e Thomas, dois químicos orgânicos que estavam
trabalhando no laboratório Parke Davis, pre-
paravam derivados fenil, procurando substituir
grupos moleculares para obter compostos da sé-
rie dos barbitúricos com efeitos hipnóticos mais
potentes. Esses químicos mencionaram que as
hidantoínas tinham um anel estrutural similar ao
dos barbitúricos, mas, curiosamente, um desses
Figura 1. Estrutura química da difenil-hidantoína.
compostos, a difenil-hidantoína, com dois anéis
fenil, era desprovida de efeitos hipnóticos1.
Já em 1938, Merritt e Putnam publicaram um
ensaio clínico com 200 pacientes com crises epi-
Estrutura química lépticas frequentes que receberam difenil-hidan-
Putnam e Merritt2 não acreditavam, como se toína como primeiro FAE. Em 142 casos tratados
presumia previamente, que apenas medicamentos por dois a 11meses, PHT controlou as crises de
hipnóticos teriam ação antiepiléptica. Putnam re- “grande mal” em 58% e reduziu sua frequência
lacionava essa última propriedade à presença do em mais 27%. Quanto às crises de “pequeno mal”,
anel fenil na molécula e, por esse motivo, passou 35% foram controladas e 49%, acentuamente re-
a estudar derivados barbitúricos com a adição de duzidas, e em relação às “crises de equivalentes
radicais fenil. Após a aplicação de vários desses psíquicos”, 67% foram controladas e 33%, redu-
derivados em um modelo experimental de gatos zidas. Não ocorreram mortes. Observou-se der-
submetidos a eletrochoque, Putnam e Merritt2 matite tóxica em dez pacientes (5%), púrpura não
mencionaram que a difenil-hidantoína era des- trombocitopênica em um e efeitos tóxicos me-
65
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
66
Fenitoína
teral contém PHT associada a um veículo aquoso tecido circunjacente. Por esses motivos, muitos
contendo 40% de propilenoglicol, 10% de etanol, evitam aplicar injeção intravenosa de PHT em
ajustada ao pH de 12 com a adição de hidróxido neonatos, lactentes e idosos. A infusão intrave-
de sódio. Essa solução causa pouca depressão res- nosa pode ainda promover a chamada “síndrome
piratória e cerebral, embora hipotensão arterial, da mão violácea”, complicação que ocorre em até
devida ao solvente propilenoglicol, utilizado para 1,5% dos pacientes que recebem PHT por essa via
aumentar sua solubilidade, seja comum. A admi- e que evolui em estágios: nas primeiras horas, há
nistração intravenosa pode ainda causar arritmias dor, descoloração azulada e edema no local da in-
cardíacas. Por tais motivos, deve-se aplicar a inje- jeção que se propaga, nas 12 horas seguintes, para
ção de PHT com monitoração eletrocardiográfica a extremidade distal do membro, podendo cursar
e da pressão arterial, devendo-se reduzir sua dose com necrose tecidual. Entre os fatores de risco,
intravenosa em idosos. Quando adicionada em figuram doses elevadas de fenitoína, administra-
frascos com grandes volumes de fluido de pH me- ções múltiplas e faixas etárias mais elevadas8.
nores que o fisiológico (como glicose a 5%), pode Idealmente, PHT deve ser infundida por meio
ocorrer precipitação. É seguro usar PHT em uma de bomba de infusão e com filtros inseridos no
solução de cloreto de sódio a 0,9% na diluição de 5 equipo para remover grumos de precipitação. So-
a 20 mg/ml (Figura 2). Haverá também sério risco luções irritantes como a de PHT podem causar
de precipitação se outros fármacos forem acres- flebite química, assim como sua diluição inapro-
centados à solução de infusão. A infusão inicial de priada, infusão excessivamente rápida, presença
PHT deve ser realizada em 20 a 30 minutos em de pequenas partículas na solução e uso de outros
adultos, sendo o início de ação lento. medicamentos que também causam flebite, como
PHT não deve ser administrada por infusão antibióticos, especialmente betalactâmicos. De-
retal ou injeção intramuscular, e se extravasada ve-se lavar o cateter com 10 ml de solução salina
para os tecidos perivasculares, pode ocasionar a 0,9% após ministrar o fármaco para mantê-lo
necrose tecidual importante. A administração in- patente e evitar irritação venosa pela alcalinidade
travenosa sem diluição promove dor em queima- elevada da solução. Deve-se removê-lo imediata-
ção no local da infusão e pode promover reações mente quando há problemas na infusão ou sinto-
cutâneas locais importantes pela infiltração do mas ou sinais de flebite (Figura 3).
67
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
68
Fenitoína
Figura 4. Relação entre a concentração sérica de fenitoína e dose diária em cinco pacientes. Cada curva representa a média
de três a oito medidas da concentração sérica. Pela farmacocinética de ordem zero, observe que pequenos incrementos da
dose podem promover grandes elevações nos níveis séricos com diferentes perfis9.
cinética, envolvendo a indução ou inibição da bio- ção medicamentosa. PB e PHT são fortes indutores
transformação ou alteração da ligação às proteínas do metabolismo hepático e, em associação, podem
plasmática. O resultado é o aumento ou declínio do apresentar níveis séricos baixos.
nível plasmático de PHT ou de outros fármacos10.
69
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
70
Fenitoína
cientes que utilizam esse medicamento, mas pode a reposição de ácido fólico. Alterações da coa-
ser minimizado ou prevenido por higiene oral gulação por depleção dos fatores de coagulação
adequada e uso de 0,5mg de ácido fólico12. Hiper- dependentes da vitamina K no período neona-
plasia gengival pode estar relacionada à predispo- tal têm sido associadas à utilização materna de
sição individual possivelmente devido à presença PHT. Em geral, o sangramento ocorre nas pri-
de uma subpopulação de fibroblastos sensíveis à meiras 24 horas, recomendando-se vitamina K à
PHT. Alguns autores constataram relação entre a mãe no último mês da gestação e à criança logo
dose de PHT e a hipertrofia gengival. após o nascimento. Alterações hematológicas
Também relacionado à síntese de colágeno como anemia aplásica, granulocitopenia e trom-
e à proliferação de fibroblastos, o uso crônico bocitopenia ocorrem raramente. Pode haver au-
de PHT promove alterações das características mento de nódulos linfáticos e, mais raramente,
faciais, com apresentação de aspecto grosseiro, são descritos linfomas.
aumento do volume labial, hirsutismo, hiperpig-
mentação e acne11. Na figura 5, constam efeitos no
tecido conjuntivo decorrentes da administração
Distúrbios endocrinológicos
crônica de PHT. Quanto à função tireoidiana, PHT pode di-
minuir o nível de iodo ligado às proteínas, prova-
velmente devido ao deslocamento de tiroxina dos
sítios de ligação proteica. Quanto à função pan-
creática, pode haver déficit discreto na secreção
de insulina, especialmente em pacientes pré-dia-
béticos e diabéticos. PHT pode também influen-
ciar o eixo pituitário-adrenal-gonadal, podendo
elevar os níveis de hormônio adrenocorticotró-
fico e cortisol e o metabolismo de testosterona e
estradiol, o que pode ocasionar perda da eficácia
anticoncepcional com anticoncepcionais orais de
Figura 5. Hipertrofia gengival, acne e hirsutismo, baixo nível de estrogênios. Também pode influen-
características do efeito crônico da fenitoína.
ciar a liberação de hormônio antidiurético, levan-
do à sua redução e, ainda, estimular a secreção de
Efeitos neurológicos hormônio luteinizante, hormônio foliculoestimu-
lante e prolactina.
Embora anormalidades eletrofisiológicas nos
nervos periféricos sejam comuns em pacientes
que estejam utilizando PHT, na maioria das ve- Distúrbios imunológicos
zes não ocasionam comprometimento clínico Alterações das imunidades humoral e celular
significante. têm sido descritas, como diminuição do nível de
imunoglobulina A (IgA), presença de anticorpos
Reações hematológicas e antinucleares e linfocitotoxinas de classe da IgM.
deficiência de folato
Deficiência de folato é uma ocorrência co- Atrofia cerebelar
mum em pacientes tratados com PHT, levando Pode-se verificar síndrome cerebelar persisten-
à anemia megaloblástica, que é reversível com te após uso crônico de PHT, sendo possivelmente
71
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
72
Fenitoína
73
Carbamazepina
6 O desenvolvimento a partir
dos psicotrópicos
Jaderson Costa da Costa
Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas,
Rio Grande do Sul, Brasil.
75
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
76
Carbamazepina
do organismo humano. As duas isoenzimas envol- (maior em meninas que meninos). A depuração é
vidas nesse processo são denominadas de CYP2C8 variável (em torno de 0,133 l/kg/h).
e CYP3A4, pertencentes às subfamílias 2 e 3, res-
pectivamente, do sistema P450. A CYP3A4 parece Crianças
ser a mais importante das duas2. A CBZ é um FAE Existem leves diferenças na absorção, ligação
com cinética linear, meia-vida de 5 a 26 horas e de- a proteínas plasmáticas e distribuição da CBZ e
veria atingir o estado estável muito rapidamente, epóxido-CBZ entre crianças e adultos, havendo
antes de uma semana. No entanto, pelo fenôme- melhor correlação em crianças do que em adultos
no da autoindução, esse período se prolonga por entre a dose oral e a concentração plasmática de
quase um mês15. A autoindução estimula o pró- CBZ e epóxido-CBZ1.
prio metabolismo e, consequentemente, aumenta
sua depuração, reduz sua meia-vida plasmática Interação de fármacos
e determina uma progressiva diminuição nos ní-
A CBZ é completamente metabolizada por
veis séricos nos primeiros 30 dias após o início da
mecanismos hepáticos, portanto alterações na
terapêutica, havendo necessidade de elevar a dose
atividade enzimática hepática afetam diretamen-
diária para manter a concentração plasmática em
te sua depuração e determinam alterações na sua
níveis aceitáveis1. A eliminação da CBZ ocorre fun-
meia-vida e níveis plasmáticos. A CBZ tem efei-
damentalmente pelo metabolismo, sendo os meta-
tos autoindutivos, heteroindutivos e inibitórios.
bólitos eliminados pela urina e bile (fezes).
Tais particularidades fazem a CBZ interagir com
outros FAEs ou medicamentos. Nas tabelas 1 a 4
Eliminação (meia-vida) estão listadas as principais interações.
Sua meia-vida é de 5 a 26 horas, embora bas-
tante variável. Considera-se para fins práticos Tabela 1. Efeitos da carbamazepina nos níveis plas-
uma meia-vida de 11 a 14 horas, o que determi- máticos de outros fármacos antiepilépticos1
na a necessidade de três a quatro administrações Aumenta Diminui Variável Sem efeito
Flunarizina Clobazam Fenitoína Gabapentina
diárias para evitar flutuações em sua atividade
Fenobarbital
biológica, que intimamente se relacionam aos ní- Clonazepam Fenobarbital
(da primidona)
veis plasmáticos do fármaco. Nas formulações de Etossuximida Piracetam
liberação lenta, essas flutuações são minimizadas Felbamato Vigabatrina
Lamotrigina
com a administração em duas tomadas diárias. Topiramato
Valproato
Ligação a proteínas plasmáticas: a CBZ é inten-
samente ligada a proteínas (75%). Tabela 2. Efeitos de outros fármacos antiepilépti-
Biodisponibilidade oral: 75% a 85%. cos nos níveis plasmáticos de carbamazepina1
Tempo para atingir a concentração máxima (pico): Aumenta Diminui Sem efeito
quatro a oito horas. Denzimol Felbamato Clobazam
Felbamato* Fenobarbital Clonazepam
Depuração plasmática Lamotrigina*
Progabida
Fensuximida
Fenitoína
Etossuximida
Flunarizina
A depuração plasmática é idade-dependente Estiripentol Primidona Flunarizina
(maior nas fases iniciais da vida), dependente da Valnoctamida* Piracetam
Valproato*,** Topiramato
massa corporal (mais baixa nas massas corporais
Valpromida* Vigabatrina
maiores), dosagem-dependente (mais acentua- * Elevação do epóxido. ** Outros estudos não verificaram efeito
da com doses mais elevadas) e sexo-dependente nem leve aumento na fração livre de carbamazepina.
77
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
78
Carbamazepina
79
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
fazem uso de CBZ por alguns meses sem apresen- 10. Levey RH, Pitlick WH, Troupin AS, et al. Pharmacoki-
tar reação cutânea estão sujeitos a reduzido risco de netics of carbamazepine in normal man. Clin Pharmacol
Ther. 1975;17:657-68.
que essas reações ocorram com a continuação do 11. Neuvonen PJ, Tokola O. Bioavailability of rectally admi-
tratamento. Essa é uma afirmação verdadeira para nistered carbamazepine mixture. Br J Clin Pharmacol.
pacientes de qualquer etnia ou genótipo, inclusive 1987;24:839-41.
para pacientes que apresentam HLA-B*150224. 12. Meyer FP, Quednow B, Potrafki A, et al. Pharmacokineti-
cs of carbamazepine during perinatal period. Electroen-
Considerações finais cephalogr Clin Neurophysiol. 1985;60:39.
13. Tomson T, Almkvist O, Nilsson BY, et al. Carbamazepine-
A CBZ é um FAE de primeira escolha no tra- -10,11-epoxide in epilepsy. A pilot study. Arch Neurol.
tamento das crises parciais em adultos e crianças e 1990;47:888-92.
14. Kerr BM, Levy RH. Carbamazepine: carbamazepine epoxi-
das crises secundariamente generalizadas1,9,17. É efi- de. In: Levy RH, Mattson RH, Meldrum BS (eds.). Antiepi-
caz nas epilepsias parciais e em algumas formas de leptic drugs. 4. ed. New York: Raven Press, 1995. p. 529-41.
epilepsias generalizadas18, com mínima sedação ou 15. Elkis LC. Farmacologia das drogas antiepilépticas. In:
efeitos adversos cognitivos e comportamentais. Suas Da Costa JC, Palmini A, Yacubian EMT, Cavalheiro EA
(eds.). Fundamentos neurobiológicos das epilepsias. V. 2.
principais desvantagens são efeitos adversos transitó- São Paulo: Lemos, 1998. p. 721-45.
rios no início do tratamento, farmacologia complexa 16. Dodson WE, Trimble MR. Introductory remarks a sym-
e ausência de formulação para uso parenteral25. posium overview. Carbamazepine’s place in antiepileptic
therapy. Epilepsia. 1987;28(suppl. 3):vii.
Referências bibliográficas 17. Da Costa JC. Conduta frente à primeira crise convulsiva. IX
Curso de Atualização em Pediatria, Sociedade de Pediatria
1. Sillanpää ML. Carbamazepine and oxcarbazepine. In: Shor- do Rio Grande do Sul (SPRS). Porto Alegre, 1997. p. 212-6.
von S, Dreifuss F, Fish D, Thomas D (eds.). The treatment of 18. Loiseau P, Duché B. Carbamazepine: clinical use. In: Levy
epilepsy. Oxford: Blackwell Science, 1996. p. 403-13. RH, Mattson RH, Meldrum BS (eds.). Antiepileptic dru-
2. Faigle JW, Feldmann KF. Carbamazepine: chemistry and gs. 4. ed. New York: Raven Press, 1995. p. 555-66.
biotransformation. In: Levy RH, Mattson RH, Meldrum 19. Roger J, Dravet C, Blanc-Bacci MJ, et al. Monothéra-
BS (eds.). Antiepileptic drugs. 4. ed. New York: Raven pie par la carbamazepine dans les épilepsies partielles
Press, 1995. p. 499-513. avec crises à séméiologie complexe. Boll Lega Ital Epil.
3. Macdonald RL. Carbamazepine. Mechanisms of action. 1980;29/30:163-6.
In: Levy RH, Mattson RH, Meldrum BS (eds.). Antiepi- 20. Wolf P. Diferentes formulações de carbamazepina. Curso
leptic drugs. 4. Ed. New York: Raven Press, 1995. p. 491-8. Pré-Congresso, XVIII Congresso Brasileiro de Neurologia,
4. Deckert J, Berger W, Kleopa K, et al. Adenosine A1 recep- Academia Brasileira de Neurologia, 1998. p. 3-29 a 3-32.
tors in human hippocampus: inhibition of [3H]8-cyclo- 21. Wolf P. Carbamazepin-Sermspiegel sind galenisch nur
pentyl-1,3 dipropylxanthine binding by antagonist drugs. begrenzt stabilisierbar. Epilepsie-Blätter. 1988;1:44-6.
Neurosci Letter. 1993;150:191-4. 22. Cloyd J. Pharmacokinetic pitfals of present antiepileptic
5. Quattrone A, Samanin R. Decreased anticonvulsant ac- medications. Epilepsia. 1991;32(suppl. 5):S53-S65.
tivity of carbamazepine in 6-hydroxydopamine-tretaed 23. Holmes GL. Carbamazepine: toxicity. In: Levy RH, Matt-
rats. Eur J Pharmacol. 1977;41:333-6. son RH, Meldrum BS (eds.). Antiepileptic drugs. 4. ed.
6. Prockop DJ, Shore PA, Brodie BB. An anticonvulsant New York: Raven Press, 1995. p. 567-79.
effect of monoamine oxidase inhibitors. Experientia. 24. FDA alert. Information for healthcare professionals:
1959;15:145-7. dangerous or even fatal skin reactions - Carbamazepine
7. Consolo S, Bianchi S, Ladinski H. Effect of carbamazepi- (marketed as carbatrol, equetro, tegretol, and generics).
ne on cholinergic parameters in rat brain areas. Neuro- Disponível em: http://www.fda.gov/Drugs/DrugSafety/
pharmacology. 1976;15:653. PostmarketdrugsafetyinformationforPatientsandProvi-
8. Morselli PL. Carbamazepine: absorption, distribution, ders/ucm124718.htm.
and excretion. In: Levy RH, Mattson RH, Meldrum BS 25. Guerreiro CAM, Guerreiro MM, Cardoso TAMO. Tra-
(eds.). Antiepileptic drugs. 4. ed. New York, Raven Press, tamento medicamentoso: quando e como iniciar? In:
1995. p. 515-28. Da Costa JC, Palmini A, Yacubian EMT, Cavalheiro EA
9. Cockerell OC, Shorvon SD. Epilepsia: conceitos atuais. (eds.). Fundamentos neurobiológicos das epilepsias. V. 2.
São Paulo: Lemos Editorial, 1997. São Paulo: Lemos, 1998. p. 707-19.
80
Valproato
7 O amplo espectro de um solvente
81
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Elevação dos níveis de ácido gama- que catalisa a conversão do semialdeído succínico
(produto da deaminação do GABA) para ácido
aminobutírico no sistema nervoso
succínico. Por outro lado, VPA aumenta os níveis
As propriedades antiepilépticas do VPA são da enzima ácido glutâmico decarboxilase, respon-
provavelmete decorrentes de mecanismos de sável pela síntese do GABA. Em animais, observou-
ação múltiplos. se que o efeito antiepiléptico desse fármaco ocorre
Muitos experimentos foram realizados para antes da elevação dos níveis de GABA. Uma séria
testar a primeira hipótese sugerida para seu me- limitação desses estudos em animais é que as doses
canismo de ação, ou seja, a da elevação dos níveis de VPA necessárias para promover aumento dos
de ácido gama-aminobutírico (GABA) no sistema níveis cerebrais de GABA são muito mais elevadas
nervoso central (SNC). VPA inibe crises induzi- que as toleradas por seres humanos1 (Figura 2).
das por bicuculina e picrotoxina, ambos potentes Em seres humanos, desde o período pré-clíni-
antagonistas GABAérgicos. Os níveis cerebrais de co, foram identificados dois tipos de respostas an-
GABA aumentam com a administração de VPA tiepilépticas ao VPA: uma imediata, precoce (ou
em animais e seres humanos. Esse incremento tem seja, imediatamente após a administração de uma
sido explicado por dois mecanismos diferentes, ou dose efetiva), e uma tardia (após administração
seja, o fármaco poderia elevar os níveis de GABA prolongada). Clinicamente, a redução de crises
do SNC, impedindo a degradação do GABA ou pode ocorrer algum tempo após a administração
aumentando sua produção. VPA inibiria a GA- de VPA e seu efeito pode perdurar por vários dias
BA-transaminase (GABA-T), enzima responsável após a retirada do fármaco. Entre os mecanismos
pela degradação do GABA, ou mediante inibição possivelmente implicados em seus efeitos antiepi-
da desidrogenase semialdeídica succínica, da qual, lépticos precoces e tardios, está seu local de ação,
in vitro, é um inibidor mais potente no cérebro de extracelular, ao nível da membrana, naqueles, e
roedor. Esse efeito não foi confirmado in vivo. A intracelular, dependente de transporte ativo atra-
desidrogenase semialdeídica succínica é a enzima vés da membrana, nestes.
Figura 2. Ciclo GABA-Krebs. GABA é formado por decarboxilação do ácido glutâmico sob a influência da decarboxilase do
ácido glutâmico (GAD). GABA sofre trasaminação com o ácido alfacetoglutárico por meio da trasaminase do ácido gama-
aminobutírico (GABA-T) para produzir semialdeído succínico e ácido glutâmico.
82
Valproato
Ação nos canais da membrana celular crises de ausência. Em pacientes com ausências,
reduz a frequência de crises e os surtos de com-
VPA limita surtos de potenciais de ação, me-
plexos de espícula-onda no EEG. Em ausências
diante bloqueio do uso dependente do influxo de
atípicas, sua eficácia é menor do que nas ausências
sódio, como fenitoína (PHT) e carbamazepina
típicas. VPA e etossuximida (ESM) são igualmen-
(CBZ), e ainda ativa a condução de potássio de-
te eficazes em crises de ausência e ambos são mais
pendente do cálcio.
eficazes do que LTG3. A combinação de VPA com
ESM pode ser eficaz em crises de ausência refratá-
Um fármaco antiepiléptico de rias à terapêutica com uma delas em monoterapia.
amplo espectro
O amplo espectro de ação antiepiléptica de Crises tônico-clônicas generalizadas
VPA, a proteção conferida a animais nos testes do
Em adultos e crianças, VPA é eficaz em crises
ECM e PTZ e a eficácia clínica em crises TCGs e
TCGs primárias.
corticorreticulares, nas quais também promove
normalização do eletroencefalograma (EEG), indi-
cam que VPA deve atuar em várias vias do SNC por
Mioclonias
mecanismos ainda não esclarecidos. Alteração nos VPA é o fármaco de primeira escolha em cri-
canais T de cálcio ao nível talâmico, implicados na ses mioclônicas, as quais respondem prontamente
oscilação talamocortical geradora dos complexos a esse medicamento, especialmente quando asso-
de espícula-onda a 3/s das crises de ausência, pode ciadas a crises de ausências e/ou crises TCGs em
ser mais um de seus mecanismos de ação. Há ainda pacientes com epilepsia generalizada idiopática.
evidências de que poderia influenciar os sistemas Oitenta e seis por cento dos pacientes com epilep-
de neurotransmissores excitatórios (subtipo N-me- sia mioclônica juvenil tiveram controle completo
til-D-aspartato de receptores de glutamato), mono- de suas crises com monoterapia com VPA, que
aminas, catecolaminas e nucleotídeos cíclicos. também proporciona bons resultados em pacien-
tes com epilepsia mioclônica benigna da infância,
mioclonias pós-anóxia e, associado a clonazepam,
Uso clínico em crises mioclônicas e TCGs das epilepsias mio-
Indicações clônicas progressivas.
VPA é um FAE de primeira linha para tratar
todos os tipos de crises das epilepsias generalizadas Epilepsias fotossensíveis
primárias ou idiopáticas (crises de ausências, TCGs
Fotossensibilidade é uma das maiores indicações
e crises mioclônicas) e pode ser efetivo em crises
para terapêutica com VPA, especialmente quando
parciais, com ou sem generalização secundária. No
associada a crises TCGs, ausências ou mioclonias.
tratamento das crises de epilepsias generalizadas e
de crises não classificadas, em pacientes seguidos ao
longo de seis anos, VPA, na dose média de 944 mg/ Epilepsias generalizadas secundárias
dia (de 200 a 1.500 mg/dia), mostrou melhor efeti- Em decorrência do caráter encefalopático des-
vidade que lamotrigina (LTG) e topiramato (TPM)2. ses tipos de epilepsias, cujos mecanismos fisiopato-
gênicos são ainda pouco conhecidos, VPA é menos
Ausências típicas e atípicas eficaz nessas formas do que nas epilepsias generali-
VPA foi autorizado em 1978 nos Estados Uni- zadas idiopáticas. Na síndrome de Lennox-Gastaut,
dos com indicação primária para o tratamento de alguns tipos de crises, como ausências, mioclonias
83
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
84
Valproato
hidrofílicos de hidroxipropil-metilcelulose, os
quais, à medida que são hidratados no tubo diges-
tivo, permiem a difusão do fármaco, possibilitan-
do sua absorção ao longo do epitélio gastrintesti-
nal, minimizando os efeitos adversos dependentes
de pico de dose anteriormente descritos. Sua bio-
disponilidade oral é 8% a 20% menor que a das
formulações de liberação imediata, o que poderá
exigir ajustes de dose.
85
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
86
Valproato
Figura 4. O metabolismo de
valproato nas mitocôndrias
é dependente de carnitina
(ácido 3-hidróxi-4-N-
trimetilaminobutírico), substância
obtida na dieta (carne e laticínios)
e síntese endógena (lisina e
metionina). A betaoxidação
mitocondrial origina metabólitos
como 3-hidróxi-valproato, 3-oxo-
valproato e 2-ene-valproato10.
87
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
88
Valproato
obtiveram controle de crises com doses máximas Alterações induzidas por outros
toleradas de VPA ou LTG em monoterapia podem
fármacos antiepilépticos na
alcançar o controle delas quando esses dois fárma-
cos são combinados. Essa interação farmacodinâ-
farmacocinética do valproato
mica acarreta o risco de potencialização recíproca Vários FAEs tradicionais, como PB, PHT,
de eventos adversos, particularmente tremor, exi- CBZ e primidona, são indutores do sistema
gindo a redução das doses desses agentes12. microssomal hepático e, quando administra-
dos a pacientes que recebem VPA, promovem
Topiramato diminuição de seu nível sérico por indução de
seu metabolismo. VPA pode ter a meia-vida
TPM pode elevar o risco de efeitos adversos
reduzida à metade quando associado a esses
associados a VPA, incluindo aumento dos níveis
FAEs, sendo frequentes flutuações em seus ní-
de amônia séricos e encefalopatia por hipera-
veis séricos.
monemia, atribuída ao incremento dos níveis do
metabólito tóxico 4-ene-VPA, elevação das tran- Por outro lado, fármacos indutores enzimá-
saminases, apatia e hipotermia. ticos podem alterar o metabolismo do VPA, au-
mentando os metabólitos 4-ene-VPA e 2-4-ene-
VPA, responsáveis pela maior incidência de
Lítio hepatotoxicidade e teratogenicidade (principal-
Neste caso, por possível interação farmacodi- mente 4-ene-VPA) em pacientes que estejam re-
nâmica, pode haver neurotoxicidade do lítio. cebendo politerapia (Figura 5).
Sistema
CO2H microssomal
P450
3-OH-VPA
OH CO H
2
3-OXO-VPA
O CO H
2
2-ene -VPA
(anticonvulsivante)
Sistema
microssomal
P450
CO2H
4-ene - VPA
Mitocôndria CO2H (tóxico)
2-4-ene - VPA
(tóxico)
Figura 5. Politerapia com fármacos indutores do sistema microssomal P450 podem desviar parte substancial do
metabolismo de valproato de seu metabolismo mitocondrial para o sistema microssomal P450 por eles induzido, levando
ao acúmulo de 4-ene-valproato e 2-4-ene valproato, metabólitos tóxicos10.
89
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
90
Valproato
Figura 6. Alterações nos cabelos iniciadas dois meses após introdução de valproato até 30 mg/kg/dia (NS = 72,4 mg/ml)14.
91
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
A B
Figura 7. Atrofia cortical verificada em paciente com epilepsia mioclônica juvenil em uso de valproato.
Tomografia normal em 1989 (A), quando da introdução de VPA, e em 1993 (B), em vigência de deterioração cognitiva.
92
Valproato
93
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
esteatose microvesicular em animais e sua for- amilase e lipase pancreáticas. Essa reação grave
mação é influenciada pelo sistema microssomal pode surgir em qualquer época do tratamento,
P-450. Esse fato pode explicar por que a hepato- embora mais frequentemente nos três primeiros
toxicidade de VPA ocorre mais frequentemente meses da terapêutica. Parece ocorrer especial-
em pacientes em politerapia com FAEs. Fármacos mente em pacientes com menos de 20 anos e pode
indutores do sistema P-450 desviarão o metabo- ser consequente a uma doença intercorrente ou a
lismo de VPA para esse sistema com acúmulo de procedimentos cirúrgicos, não sendo relacionada
metabólitos tóxicos. à dose nem a concentrações séricas24.
Testes de função hepática não são úteis na an-
tecipação dessa reação, pois significativa porcen- Teratogenicidade
tagem de pacientes que recebem VPA apresentará
A FDA considera VPA como categoria de risco
elevação transitória dos níveis de transaminases
D (evidência positiva de riscos para fetos huma-
séricas quando da introdução da terapêutica. No
nos; benefícios potenciais podem ainda justificar
entanto, níveis crescentes dessas enzimas no iní-
seu uso durante a gestação). VPA pode causar
cio do tratamento devem alertar para a possibili-
malformações congênitas maiores, como defeitos
dade de suspensão do fármaco.
de fechamento do tubo neural (1% a 2%), mal-
Verificou-se significativa diminuição na des- formações cardíacas e defeitos craniofaciais. A
crição de casos de hepatotoxicidade após a ca- síndrome de VPA fetal inclui alterações faciais
racterização do quadro e a adoção de algumas menores e alterações esqueléticas. Também se ve-
regras, como: não administrar VPA em politera- rificou comprometimento cognitivo de crianças. A
pia a crianças com menos de três anos de idade, gestação deve ser planejada e envolve as seguintes
pacientes com história de doença hepática e/ou recomendações: suplementação com ácido fólico
história familiar de crianças com doença hepáti- 5 mg pelo menos três meses antes da concepção;
ca; VPA deve ser administrado em doses baixas, não utilização de VPA em politerapia; redução da
devendo-se evitar o uso concomitante de AAS; dose de VPA a 700 mg/dia ou menos, pois até esse
sintomas de vômitos, cefaleia, edema, icterícia e valor o risco de malformações congênitas é similar
crises epilépticas, especialmente após doença fe- ao de outros FAEs25. Embora discutida, a divisão
bril, devem ser encarados como potencialmente da dose diária em três ou mais ingestas, visando
graves; é importante acentuar que nem toda he- minimizar picos séricos e desvios de rota ao P450
patotoxidade é fatal e a suspensão imediata do com formação de metabólitos tóxicos, é recomen-
fármaco e tratamento de suporte podem tornar dada por muitos. A depuração de VPA eleva-se na
o quadro hepático reversível. A administração de gestação, algumas vezes exigindo ajuste de dose.
carnitina, por via intravenosa, tem sido conside- Na amamentação, os níveis de VPA no leite atin-
rada nessa situação. gem valores de 4% a 10% dos níveis plasmáticos
maternos e 4% a 12% no lactente.
Pancreatite
Durante a administração de VPA, pode ocor- Alterações metabólicas
rer elevação transitória e assintomática dos níveis VPA induz hiperamonemia arterial, presumi-
de amilase sérica. Há relatos de casos raros de pan- velmente por uma ação no nível renal. A maioria
creatite hemorrágica aguda (incidência 1:40.000). dos pacientes é assintomática e não apresenta si-
Em pacientes que referem dor abdominal em uso nais de disfunção hepática. VPA pode causar hi-
de VPA, é necessário dosar os níveis séricos de perglicinemia e hiperglicinúria. Foram ainda re-
94
Valproato
latados aumento no colesterol total e diminuição plex partial seizures and secondarily generalized
dos níveis séricos de carnitina. Suplementação tonic-clonic seizures in adults. N Engl J Med.
1992;327:765-71.
com L-carnitina é recomendada a pacientes com
5. Richens A, Davidson DLW, Cartlidge NEF, Eas-
síndrome de deficiência de carnitina secundária,
ter DJ on behalf of the Adult EPITEG Collabo-
hiperamonemia associada a VPA, com fatores de
rative Group. A multicentre comparative trial of
risco para alterações hepáticas e renais induzidas sodium valproate and carbamazepine in adult
por VPA, a crianças e lactentes em uso de VPA, onset epilepsy. J Neurol Neurosurg Psychiatry.
a pacientes em dieta cetogênica com hipocarniti- 1994;57:682-7.
nemia, a pacientes em diálise e a prematuros que 6. Verity CM, Hosking G, Easter DJ. A multicentre
recebem nutrição parenteral. comparative trail of sodium valproate and car-
bamazepine in pediatric epilepsy: the Paediatric
EPITEG Collaborative Group. Dev Med Child
Considerações finais Neurol. 1995;37:97-108.
7. Willmore LJ, Shu V, Wallin B and the M88-194
VPA é um FAE de amplo espectro efetivo em Study Group. Efficacy and safety of add-on dival-
todos os tipos de crises e epilepsias. É considerado proex sodium in the treatment of complex partial
agente de primeira linha para tratar epilepsias ge- seizures. Neurology. 1996;46:49-53.
neralizadas idiopáticas, criptogênicas e sintomá- 8. Snead OC, Miles MV. Treatment of status epilep-
ticas. É mais eficaz que LTG e mais bem tolerado ticus in children with rectal sodium valproate. J
que TPM em pacientes com epilepsias generaliza- Pediatr. 1985;106:323-5.
9. Waterhouse E. Intravenous valproate for pediatric
das e não classificadas. VPA é menos efetivo que
status epilepticus. Epilepsy Curr. 2003;6(3):208-9.
CBZ no tratamento das crises parciais, apenas
10. Willmore LJ. Pharmacokinetics of the antiepilep-
agravando crises no contexto de superdosagem, tic drugs. Reunião da American Academy of Neu-
encefalopatia ou alterações hepáticas ou metabó- rology, 1994.
licas. O risco de efeitos adversos graves, princi- 11. Jeavons PM, Clark JE. Sodium valproate in treat-
palmente em mulheres em idade fértil, lactentes e ment of epilepsy. Br Med J. 1974;2(5919):584-6.
idosos, deve sempre ser considerado. 12. Brodie MJ, Yuen AW. Lamotrigine substitution
study: evidence for synergism with sodium val-
proate? Epilepsy Res. 1997;26(3):423-32.
Referências bibliográficas 13. Schulpis KH, Karikas GA, Tjamouranis J, et al. Low
1. Löscher W. Valproic acid. Mechanisms of action. serum biotinidase activity in children with valproic
In: Levy RH, Mattson RH, Meldrum BS, et al. An- acid monotherapy. Epilepsia. 2001;42(10):1359-62.
tiepileptic drugs. 5. ed. Philadelphia: Lippincott 14. Sousa PS, Cabral GS. Hair changes associated with
Williams & Wilkins, 2002. p. 767-79. chronic valproate therapy. J Epilepsy Clin Neuro-
2. Marson AG, Al-Kharusi AM, Alwaidh M, et al. physiol. 2003;9(3):181-4.
The SANAD study of effectiveness of valproate, 15. Guerrini R, Belmonte A, Canapicchi R, et al. Re-
lamotrigine, or topiramate for generalised and versible pseudoatrophy of the brain and mental
unclassifiable epilepsy: an unblinded randomised deterioration associated with valproate treatment.
controlled trial. Lancet. 2007;369(9566):1016-26. Epilepsia. 1998;39(1):27-32.
3. Glauser TA, Cnaan A, Shinnar S, et al. Ethosuxi- 16. Isojärvi JIT, Laatikainen TJ, Pakarinen AJ, et al.
mide, valproic acid, and lamotrigine in childhood Polycistic ovaries and hyperandrogenism in wo-
absence epilepsy. N Engl J Med. 2010;362(9):790-9. men taking valproate for epilepsy. N Engl J Med.
4. Mattson RH, Cramer JA, Collins JF and the De- 1993;329:1383-8.
partment of Veterans Affairs Epilepsy Cooperative 17. Isojärvi JIT, Laatikainen TJ, Knip M, et al. Obesity
Study n. 264 Group. A comparison of valproate and endocrine disorders in women taking valpro-
with carbamazepine for the treatment of com- ate for epilepsy. Ann Neurol. 1996;39(5):579-84.
95
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
18. Isojärvi JIT, Rättya J, Myllylä VV, et al. Vaproate, 22. Ward MM, Barbaro NM, Laxer KD, et al. Preope-
lamotrigine, and insulin-mediated risks in women rative valproate administration does not increase
with epilepsy. Ann Neurol. 1998;43(4):446-51. blood loss during temporal lobectomy. Epilepsia.
19. Herzog AG. Polycystic ovarian syndrome in wo- 1996;37(1):98-101.
men with epilepsy; epileptic or iatrogenic? Ann 23. Dreifuss FE, Santilli N, Langer DH, et al. Valproic
Neurol. 1996;39:559-60. acid hepatic fatalities: a retrospective review. Neu-
20. Morrell MJ, Giudice L, Flynn KL, et al. Predictors rology. 1987;37:379-85.
of ovulatory failure in women with epilepsy. Ann 24. Asconapé JJ, Penry JK, Dreifuss FE, et al. Valproate-
Neurol. 2002;52(6):696-7. -associated pancreatitis. Epilepsia. 1993;34(1):177-83.
21. Anderson GD, Lin YX, Berge C, et al. Absence of 25. Tomson T, Battino D, Bonizzoni E, et al. Dose-depen-
bleeding complications in patients undergoing dent risk of malformations with antiepileptic drugs: an
cortical surgery while receiving valproate treat- analysis of data from the EURAP epilepsy and preg-
ment. J Neurosurg. 1997;87(2):252-6. nancy registry. Lancet Neurol. 2011;10(7):609-17.
96
Benzodiazepínicos
8 A importância no tratamento agudo
de crises epilépticas
Patricia Braga
Mestre em Ciências Médicas, Professora Adjunta de Neurologia, Instituto de Neurologia,
Facultad de Medicina, Universidad de la Republica, Montevidéu, Uruguai.
Alicia Bogacz
Neurologista e Neurofisiologista. Integrante da Seção de Epilepsia do Instituto de Neurologia,
Montevidéu, Uruguai.
97
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
15q11 e 2q12. Os diferentes subtipos de recepto- subunidade α1, sua ativação pelos BZDs promove
res assim constituídos apresentam propriedades ações sedativa e antiepiléptica, enquanto a ativa-
fisiológicas diferentes, variantes nos sítios alosté- ção da subunidade α2 determina efeitos predomi-
ricos e distintas afinidades de ligação. O sítio para nantemente ansiolítico e relaxante muscular. Os
BZD encontra-se na ligação das unidades α-γ e receptores formados pelas subunidades α4 ou α6,
suas propriedades fisiológicas variam segundo o ou, ainda, aqueles que não incluem uma subuni-
tipo de subunidade envolvida. Quando se trata da dade γ são insensíveis aos BZDs.
Cloro
98
Benzodiazepínicos
O subtipo mais frequente de receptor GABAA tende a ações ansiolítica, hipnótica e relaxante
no SNC humano é o formado por duas subunida- muscular. Para cada uma dessas indicações, re-
des α1, duas subunidades β2 e uma subunidade comenda-se um tipo diferente de BZD, segundo
γ2. É importante considerar que a distribuição suas características farmacocinéticas e seus efei-
dos diferentes subtipos de receptores no SNC tos colaterais (termo que inclui efeitos desejáveis
é heterogênea, já que nem todos os neurônios e não desejáveis e efeitos adversos) particulares2.
apresentam todos os tipos de subunidades. As- Esses últimos são mediados por diferenças na afi-
sim, há um predomínio de receptores com subu- nidade a diversos subtipos de receptor GABAA.
nidades α1 no giro dentado e tálamo, enquanto Apesar de sua potente ação antiepiléptica, os
no hipocampo predominam as subunidades α2, BZDs não são utilizados prioritariamente no tra-
α3 e α5. A subunidade α6 se expressa nas células tamento profilático de crises recorrentes, em razão
granulares do cerebelo. Finalmente, embora os do desenvolvimento de tolerância, ou seja, perda
barbitúricos e os BZDs tenham ação GABAérgi- de eficácia ao longo do tempo, e da presença de
ca, apresentam mecanismos de ação diferentes: efeitos adversos dependentes da dose. Assim, por
enquanto os barbitúricos prolongam o tempo seu perfil de ação, os BZDs são fármacos ideais
médio de abertura do canal, os BZDs aumentam quando utilizados de forma aguda em situações
sua frequência de abertura. especiais, como no controle de crises repetidas
Os BZDs exercem também outras ações di- a intervalos curtos (agrupamentos de crises), em
ferentes das mediadas pelo receptor GABAA. crises prolongadas e no estado de mal epiléptico.
Como a fenitoína e a carbamazepina, os BZDs Entre os BZDs com ação antiepiléptica, o DZP e o
bloqueiam as descargas mantidas de frequência clonazepam (CNZ), há mais de duas décadas, são
elevada. O mecanismo desse tipo de ação é in- considerados de primeira linha para tratar situa-
certo, sendo observado apenas em concentrações ções de emergência. Mais recentemente, ao arse-
terapêuticas elevadas. nal terapêutico dessas circunstâncias, se agrega-
ram o lorazepam (LZP) e o midazolam (MDL)3-5.
No entanto, outros BZDs como nitrazepam
Efeitos em modelos animais (NZP) e clobazam (CLB) são utilizados como
Os BZDs são eficazes como FAEs em modelos fármacos adjuvantes no tratamento crônico das
experimentais, diminuindo a duração das descar- epilepsias.
gas epileptiformes e restringindo sua propagação.
São potencialmente eficazes em prevenir crises Fármacocinética e formas de
induzidas por pentilenetetrazol, picrotoxina e
bicuculina. Os BZDs também mostram eficácia administração
contra crises induzidas por kindling e no modelo De modo geral, os diferentes BZDs compar-
de epilepsia induzido por alumínio, assim como tilham o mesmo mecanismo de ação e perfil de
em alguns modelos animais de epilepsia genética, efeitos colaterais. No entanto, são claramente di-
incluindo a epilepsia fotossensível de babuínos e ferenciados por suas propriedades físicas e farma-
as crises audiogênicas de ratos. cocinéticas.
A absorção oral é rápida, de aproximadamente
80% da dose para a maioria dos BZDs, embora
Efeitos em seres humanos exista grande variabilidade interindividual, es-
A atividade terapêutica dos BZDs não se res- pecialmente para NZP. Por serem altamente li-
tringe a seu potencial antiepiléptico, mas se es- pofílicos, os BZDs se distribuem rapidamente,
99
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
atravessando a barreira hematoencefálica. Sua solúvel. A infusão contínua não é muito utilizada,
metabolização é rápida, por meio do sistema de uma vez que rapidamente promove o desenvol-
enzimas microssomais do fígado, sendo esta de- vimento de tolerância, perdendo o fármaco seu
pendente do fluxo sanguíneo hepático. A meia- efeito antiepiléptico em poucas horas.
vida de eliminação pode estar significativamente CLB é relativamente insolúvel e, portanto, não
aumentada em pacientes idosos. Ressaltando um é disponibilizado para uso IV ou IM.
caso particular, LZP é distribuído lentamente por Formulações passíveis de serem utilizadas
sua baixa lipossolubilidade e, mesmo sofrendo por via IM foram mais recentemente comercia-
metabolização similar em nível hepático, não lizadas. MDL é um imidazobenzodiazepínico bá-
apresenta nenhum metabólito ativo. sico e solúvel em água no pH fisiológico. Antes
As especificações farmacocinéticas e posoló- da injeção, o anel benzodiazepínico se encontra
gicas dos principais BZDs de uso clínico no tra- aberto, mas após a administração em pH fisioló-
tamento da epilepsia estão resumidas na tabela 1. gico, o anel se fecha e o MDL se torna lipossolú-
Vários BZDs podem ser utilizados por via vel. Essa troca de solubilidade permite absorver o
IV, intramuscular (IM), retal ou sublingual. As fármaco por via IM e, a despeito da injeção por
soluções para uso IV são as formulações eleitas essa via, sua penetração através da barreira he-
para tratar o estado de mal epiléptico, enquanto matoencefálica é rápida. DZP por via IM autoin-
as administradas por vias IM, retal ou sublingual jetável parece também efetivo no tratamento de
podem ser também utilizadas em situações de crises repetidas6.
emergência para interromper a evolução de crises
repetidas para estado de mal epiléptico, segundo
a situação e o tipo de fármaco disponível. Em al-
Dosificação de níveis plasmáticos
Na prática clínica, não se utilizam aferições
guns casos, a administração oral também pode
séricas de nenhum dos BZDs, seja em situação
ser utilizada para abortar agrupamentos de crises.
de emergencia, seja no tratamento crônico. O
Os BZDs antiepilépticos disponíveis para uso IV
conhecimento das concentrações séricas de DZP
são DZP, LZP, MDL e CNZ, embora nem todos
se baseia em um número pequeno de casos em
estejam disponíveis em todos os países nesse tipo
crianças, do que se depreendeu que a concentra-
de formulação.
ção plasmática de 500 a 700 ng/ml é necessária
Estão sendo estudadas novas formas de ad-
para controlar as crises. Em um estudo com CLB,
ministração, como a bucal (absorção através da
não se verificou relação entre níveis plasmáticos e
mucosa jugal) e IM autoinjetável, assim como
efeito clínico.
sua aplicabilidade e eficácia em situações de
emergência, para permitir o manejo pré-hospi-
talar por equipe paramédica ou por cuidadores Interações farmacológicas
e familiares6,7. Os BZDs não influenciam a farmacocinética
DZP deve ser utilizado preferentemente sem de outros fármacos, mas, de modo geral, todos
diluição, já que precipita em soluções concentra- eles são conhecidos como agentes capazes de po-
das e reage com o plástico das seringas e o equipo tencializar a ação de outros agentes depressores
de infusão, o que promove a precipitação do pro- do SNC, como etanol e barbitúricos, ou também
duto. A administração de LZP pode ser realizada de produzir irregularidade respiratória ou de-
sem importar a velocidade de infusão, pois trata- pressão do SNC quando associados a anfetami-
se de um fármaco apenas moderadamente lipos- nas ou metilfenidato8.
100
Benzodiazepínicos
10 a 20 2 a 5 mg/
A: bolus em carga 0,2 a 0,3
mg min
IV 6 24
Infusão de SF/SG 50 mg/500
4 a 8 mg/h
a 5% cc
IM 95 -
DZP 15 - 20
0,2 a 0,8
VO 52 A: bolus em carga 0,2 a 0,3
mg/kg
10 a 30
Retal (IV) 17 A* 0,5 a 0,75
mg
Supositório 82 A**
0,01 a
IV 1 29 A: bolus em carga 1 mg 30 s
0,09
CNZ 30
60 a
VO C: dose média/dia 1,5 a 8 mg 0,05 a 0,2
240
60 a 10 a 40
CLB VO 25 C: dose média/dia 0,5 a 1
240 mg
0,5 a 1
NZP VO 60 14 a 31 17 C: dose média/dia
mg/kg
0,07 mg/
LZP IV 10 15 120-180 A: bolus em carga 0,01 Sem limite
kg
* Em situações de emergência, é possível utilizar a formulação intravenosa aplicada por via retal através de uma sonda, que deve ser
lavada, em seguida, com soro fisiológico.
** Aplica-se no tratamento agudo, fora do contexto do estado de mal epiléptico, para tratar ou prevenir crises ante um desencadeante
(ver crises febris).
*** Fora do contexto do estado de mal epiléptico, pode-se administrar uma dose de ataque de midazolam por via IM ou retal.
101
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Tabela 2. Efeitos adversos maiores e menores dependentes da dose dos diferentes benzodiazepínicos
usados em epilepsia, em relação a fatores de risco conhecidos para sua ocorrência
102
Benzodiazepínicos
103
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
dição, pode representar uma alternativa na fase crises de ausência típicas e atípicas, crises mio-
que antecede o coma barbitúrico para pacientes clônicas e, eventualmente, em crises tônicas
com estado de mal epiléptico refratário. e na síndrome de Lennox-Gastaut18-20. CNZ
CNZ é utilizado no tratamento agudo de cri- pode ser eficaz em síndromes mioclônicas es-
ses epilépticas, sendo também um fármaco eficaz pecíficas como nas epilepsias mioclônicas pro-
no estado de mal epiléptico, especialmente no es- gressivas, principalmente em combinação com
tado de mal mioclônico, tônico e de ausências. valproato ou fenobarbital. É também eficaz nas
De forma prática e dada a mortalidade elevada epilepsias reflexas2.
do estado de mal epiléptico, sugere-se que DZP e Como nas demais classes de BZD, um efeito
MDL possam ser administrados pela comunidade transitório inicial positivo ocorre em pacientes
por via retal, por ocasião de uma crise epiléptica com crises frequentes que iniciam o tratamento
generalizada única, como primeira medida pre- com CLB, porém este é mantido a longo prazo em
ventiva tentando impedir a instalação do estado um pequeno grupo desses indivíduos. Resultados
de mal epiléptico convulsivo, especialmente na- satisfatórios podem ser obtidos em pacientes com
queles pacientes particularmente predispostos ou crises focais, com epilepsia generalizada primária,
com antecedentes pessoais dessa patologia. síndrome de Lennox-Gastaut, epilepsias mio-
Por outro lado, quando as crises são genera- clônicas, epilepsias reflexas e no estado de mal
lizadas e se repetem a curtos intervalos de tem- elétrico do sono lento. Como a melhora é geral-
mente temporária, em razão do desenvolvimento
po, ou são muito prolongadas, a administração
de tolerância observada nessa classe de fármacos,
de MDL bucal é recomendada como tratamento
CLB pode ser utilizado de forma intermitente por
de primeira linha em qualquer idade17. Alterna-
curtos períodos, quando é especialmente impor-
tivamente, deve-se administrar DZP retal, espe-
tante prevenir crises, como durante uma viagem
cialmente em crianças5, e em adultos, fundamen-
ou ocasião especial.
talmente, MDL por via IM. Por outro lado, se há
acesso venoso e a infraestrutura oferece capacida- NZP é utilizado no tratamento crônico da
epilepsia como alternativa de segunda ou ter-
de de ressuscitação, poderia ser aplicado no trata-
ceira linha em grande variedade de crises, como
mento do estado de mal epiléptico convulsivo já
ausências atípicas, crises mioclônicas, síndrome
instalado. Neste, recomenda-se administrar LZP
de Lennox-Gastaut21, espasmos infantis22 e crises
por via IV em qualquer idade, e se não estiver
mioclono-astáticas da síndrome de Doose. É ain-
disponível, DZP por via IV. Caso o acesso venoso
da eficaz em epilepsias generalizadas primárias
seja impossível, recomenda-se MDL bucal ou IM.
e apresenta eficácia moderada na epilepsia focal
No tratamento do estado de mal não convulsi-
refratária a outros FAEs. Da mesma forma, pode
vo, o uso de BZD por via IV é recomendado, com
ser utilizado na profilaxia de crises febris e nas
controle eletroencefalográfico, mantendo-se ou
epilepsias reflexas.
reinstalando o tratamento habitual, se já o rece-
Segundo o Guia de tratamento baseado em
bia, por via oral17.
evidências, publicado pela ILAE (2013) para in-
dicações terapêuticas em diferentes tipos de cri-
Uso crônico ses e síndromes epilépticos, entre os BZDs, CNZ
O uso crônico de CNZ na epilepsia tem sido é incluído como alternativa potencialmente efi-
exaustivamente investigado e, embora rara- caz em monoterapia, para crises focais de início
mente utilizado com FAE único, é muito usado recente, enquanto CLB é listado para tratamento
como adjuvante no tratamento de crises focais, em crianças23. De acordo com os parâmetros atu-
104
Benzodiazepínicos
ais, não há evidências para uso de BZDs como ao tratamento profilático com fenobarbital ou
fármacos de primeira linha em crises generaliza- valproato, já que apresenta menos efeitos adver-
das, fato esse que pode ser relacionado à história sos25. MDL intranasal ou bucal e CNZ são outras
do desenvolvimento dos FAEs. Os parâmetros opções atualmente utilizadas26.
atuais requerem a demonstração de evidências
em ensaios clínicos com desenhos específicos, e Anticoncepção, gravidez e lactação
fármacos como os BZDs, por terem sido intro- Os BZDs não interagem com contracepti-
duzidos há décadas, não despertam significativo vos hormonais por não serem indutores de en-
interesse para essa modalidade de estudos. Há zimas hepáticas, não promovendo redução em
um lugar para CLB como terapia adjuvante ao sua eficácia20,27.
fármaco de primeira linha inicialmente selecio- Durante a gestação, não se aconselha trocar a
nado17. Essa consideração inclui explicitamente medicação, especialmente durante as primeiras
algumas síndromes especiais, como a síndrome semanas da gravidez28. No entanto, se é uma ges-
de Dravet, a epilepsia benigna com pontas cen- tação planejada, os BZDs (CNZ, CLB) podem re-
trotemporais, a síndrome de Panayiotopoulos e presentar uma opção, já que não acarretam risco
a epilepsia occipital de início tardio na infância de malformações fetais maiores. No entanto, há
(tipo Gastaut). Para pacientes com epilepsias ge- alguns relatos de malformações menores, como
neralizadas idiopáticas, CLB e CNZ são conside- fenda palatina29. É ainda importante considerar
rados alternativas de terceira linha, uma vez que que os BZDs atravessam a barreira placentária,
os fármacos eleitos são administrados em mono- sendo detectados nos recém-nascidos de mães
terapia e em associação, falhando por ineficácia que ingeriram BZD durante a gestação30. Em es-
ou pouca tolerabilidade17. Segundo a experiência tudos em mulheres expostas a doses elevadas de
das autoras, o controle satisfatório de crises tô- BZD, especialmente no terceiro trimestre, veri-
nico-clônicas generalizadas e mioclônicas não é ficou-se que os recém-natos podiam apresentar
infrequente em pacientes com epilepsia mioclô- síntomas associados a BZDs, como sedação, hipo-
nica juvenil tratados em monoterapia com CNZ, tonía, sucção débil e apneias31.
quando fármacos de primeira linha como valpro-
Por outro lado, BZDs podem ser utilizados
ato ou topiramato não são tolerados e/ou não há
pela mãe durante a lactação, uma vez que a secre-
acesso à levetiracetam.
ção destes no leite materno é muito pequena, não
A interrupcão da terapêutica com qualquer sendo necessário suspender a amamentação31,32.
BZD, após consumo crônico, deve ser sempre
lenta e gradual, realizada ao longo de seis meses
(dependendo da dose previamente utilizada), Vírus de imunodeficiência adquirida
para evitar crises de retirada e/ou sintomas de Aos pacientes com o vírus da imunodeficiên-
abstinência17. cia adquirida, não se recomenda utilizar fárma-
cos indutores enzimáticos, pois podem promover
perda da eficácia da terapia antiviral. Embora não
Situações especiais
existam trabalhos que avaliem as prováveis in-
Crises febris terações entre BZDs e fármacos antiretrovirais,
O tratamento profilático de crises febris sim- nem exista recomendação específica a esse respei-
ples ou complexas é alvo de discussão24. No caso to, os dados disponíveis garantem o uso de BZDs
de indicá-lo, a solução retal de DZP de forma nesses casos, sem necessidade aparente de ajuste
intermitente é o fármaco eleito, sendo preferível de doses33,34.
105
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
106
Benzodiazepínicos
rapy for epileptic seizures and syndromes. Epilep- 29. Enato E, Moretti M, Koren G. The fetal safety of
sia. 2013;54(3):551-63. benzodiazepines: an updated meta-analysis. J
24. Cross JH. Fever and fever-related epilepsies. Epi- Obstet Gynaecol Can. 2011;33(1):46-8.
lepsia. 2012;53(suppl. 4):S3-S8. 30. Senczuk-Przybylowska M, Florek E, Piekoszewski
25. Offringa M, Newton R. Prophylactic drug mana- W, et al. Diazepam and its metabolites in the mo-
gement for febrile seizures in children. Evid Based thers’ and newborns’ hair as a biomarker of prenatal
Child Health. 2013;8(4):1376-485. exposure. J Physiol Pharmacol. 2013;64(4):499-504.
26. Lahat E, Goldman M, Barr J, et al. Comparison of 31. McElhatton PR. The effects of benzodiazepine use
intranasal midazolam with intravenous diazepam during pregnancy and lactation. Reprod Toxicol.
for treating febrile seizures in children: prospecti- 1994;8(6):461-75.
ve randomised study. BMJ. 2000;321:83-6. 32. Harden CL, Meador KJ, Pennell PB, et al. Manage-
27. Crawford P. Interactions between antiepileptic ment issues for women with epilepsy _ Focus on
drugs and hormonal contraception. CNS Drugs. pregnancy (an evidence-based review): III. Vita-
2002;16:263-72. min K, folic acid, blood levels, and breast-feeding.
28. Harden CL, Meador KJ, Pennell PB, et al. Mana- Epilepsia. 2009;50(5):1247-55.
gement issues for women with epilepsy _ Focus 34. Birbeck G, French J, Perucca E, et al. Antiepileptic
on pregnancy (an evidence-based review): II. drug selection for people with HIV/AIDS: eviden-
Teratogenesis and perinatal outcomes. Epilepsia. ce-based guidelines from the ILAE and AAN. Epi-
2009;50(5):1237-46. lepsia. 2012; 53(1):207-14.
107
Parte 3
Excetuada a condição de estado de mal epi- ca, sem que necessariamente haja a concomitan-
léptico, as crises epilépticas são fenômenos tran- te expressão clínica de uma crise, pressupõe que,
sitórios, autolimitados, com duração de dezenas naquele instante, a hipersincronização está sendo
de segundos. Assim sendo, uma vez desencade- impedida de alguma forma. Que mecanismos
ada, a crise epiléptica tem, em geral, um término impedem a transição interictal/ictal? São estes os
“espontâneo”. Quais os mecanismos responsáveis mesmos envolvidos com o término das crises?
pelo fim de uma crise epiléptica? Quais neuro- Finalmente, uma terceira e última questão
transmissores, moduladores, receptores e popu- diz respeito à gênese da própria condição epi-
lações neuronais estão envolvidos? De que forma léptica. Os fármacos disponíveis para tratar epi-
esses sistemas podem ser ativados de maneira lepsias recebem, aqui e no exterior, o errôneo
controlada, visando a suprimir as crises? nome de fármacos antiepilépticos (FAEs). De
Outra questão igualmente relevante diz res- fato, todos os medicamentos considerados antie-
peito à periodicidade das crises. Mesmo em indi- pilépticos são apenas anticríticos, isto é, capazes
víduos nos quais as crises se repetem várias vezes de suprimir as crises epilépticas, mas não a epi-
ao dia, o total de tempo em crise, ou seja, o perío- lepsia. Um termo mais aceitável seria “fármacos
do ictal, é muito menor que o total de tempo fora anticonvulsivantes”, mas este excluiria aquelas
das ou entre as crises, o período interictal. Assim, medicações usadas em crises não convulsivas
o tecido hiperexcitável, excetuada a condição de (por exemplo, crises de ausência, crises focais).
estado de mal epiléptico, é incapaz de gerar uma De qualquer forma, independentemente do me-
crise de maneira ininterrupta. A hipótese mais lhor termo para designar as medicações dispo-
provável sugere que a atividade neuronal hipe- níveis para tratar as epilepsias, o fato é que não
rexcitável anormal seja continuamente suprimida verdadeiramente FAEs. Por questão semântica,
em sua expressão clínica. Quando essa supressão neste texto será usado o termo FAEs. Novamente
é insuficiente, ocorrem as crises. Essa alternati- se colocam as questões de quais os fatores e me-
va torna-se mais óbvia quando se considera que canismos implicados entre a ocorrência de um
em vários pacientes com epilepsia é possível de- evento lesivo ao sistema nervoso central (SNC) e
monstrar eletroencefalograficamente a presença o surgimento de uma condição epiléptica algum
permanente de uma área irritativa com atividade tempo mais tarde. Parece evidente que ocorrem
paroxística. A presença dessa atividade paroxísti- alterações estruturais e/ou funcionais no sistema
111
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
nervoso que o transformam em gerador de cri- Essas duas estratégias também se caracteri-
ses. Quais são as alterações relevantes? Há meios zam como mecanismo-independente e mecanis-
de suprimi-las? O sistema nervoso já alterado mo-dependente, respectivamente. No primeiro
(epiléptico) pode ser revertido a uma situação caso, a investigação de um novo fármaco como
fisiológica? anticonvulsivante em um modelo experimental
A pesquisa de novas estruturas moleculares de epilepsia pode ter sua eficácia detectada, muito
para o tratamento das epilepsias depende de qual embora seu mecanismo de ação possa ainda ser
das questões anteriores se pretende abordar. Os desconhecido ou múltiplo3. Na situação do teste
aspectos levantados são evidentemente correlatos, de novos compostos em um sítio específico, esses
mas não necessariamente envolvem as mesmas compostos só avançam para a etapa seguinte de
substâncias químicas e/ou conjuntos de estrutu- testes caso demonstrem eficácia no teste especí-
ras cerebrais. Dessa forma, sua abordagem deve e fico. Um exemplo seria o teste de um composto
vem sendo feita de maneira separada. Por último, quanto à sua capacidade em bloquear um subtipo
nunca é demais lembrar que se trata das epilepsias específico de canal de sódio dependente de volta-
(no plural) devido aos diversos substratos neuro- gem. Caso esse composto não demonstrasse esse
biológicos e múltiplas etiologias. Assim, para cada potencial (bloquear o subtipo de canal de sódio),
tipo ou conjunto de manifestações epilépticas, há a etapa seguinte (teste em modelos animais de
um conjunto específico de medicações mais efeti- epilepsia) não seria executada.
vas e adequadas. Com esse enfoque, muito utilizado pela indús-
Estudos recentes a respeito das bases molecu- tria farmacêutica atualmente, teria sido difícil de-
lares e dos aspectos neurobiológicos das epilep- tectar a fenitoína (capítulo 5). Tanto a lamotrigina
sias questionam se o processo de epileptogênese (capítulo 11) como a zonisamida e o riluzol foram
pode ser prevenido ou pelo menos modificado. inicialmente descobertos por meio de testes em
Ou ainda se os efeitos prejudiciais das crises epi- modelos experimentais de epilepsia em animais
lépticas sobre o SNC podem ser aliviados. Dados de laboratório, para só mais tarde terem seu me-
experimentais indicam que a atenuação da gravi- canismo de ação ligado ao bloqueio dos canais de
dade dos insultos iniciais associados às crises em sódio dependentes de voltagem. De fato, a expe-
razão do uso de FAEs melhora o prognóstico por riência acumulada até o momento deixa bem cla-
reduzir a epileptogênese. Os alvos terapêuticos ro que a potência de uma molécula em bloquear
devem estar disponíveis para prevenir as crises canais de sódio dependentes de voltagem não tem
recorrentes ou retardar seu início, ou, ainda, mo- relação direta com a atividade anticonvulsivante.
dificar a frequência, duração e severidade das cri- Assim, talvez a maneira com que a fenitoína inte-
ses epilépticas1. Embora não exista um FAE ideal rage com os canais de sódio dependentes de volta-
que atue e modifique as cascatas moleculares en- gem parece ser mais importante que a intensidade
volvidas na epileptogênese, há novos alvos tera- (potência) dessa interação. De maneira resumida:
pêuticos sendo descobertos2. O desenvolvimento como ao invés de quanto.
de novos fármacos com potencial antiepiléptico Outro aspecto que parece extremamente rele-
vem seguindo duas vertentes principais: o uso de vante é a questão de mecanismos únicos em con-
modelos experimentais de epilepsia em animais traposição a mecanismos múltiplos de ação3. Em
de laboratório e a síntese de novos compostos ca- teoria, um fármaco com um único mecanismo
pazes de interagir com sítios moleculares ou ce- de ação teria máxima atividade terapêutica e um
lulares com potencial de influenciar a geração de mínimo de efeitos colaterais adversos. Na prática,
crises. quase todos os fármacos disponíveis para o trata-
112
O desenvolvimento de novas estruturas moleculares
113
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
rivado do cérebro (BDNF) e neurotrofina 3 (NT- Agonistas seletivos de subtipos específicos desse
3) mostrou retardar o desenvolvimento de crises receptor estão sendo testados como antiarrítmi-
em modelo de kindling em roedores. Parece que cos, anticonvulsivantes, neuro e cardioprotetores
essas neurotrofinas previnem a cascata de even- via receptor A1, como hipotensores e antipsicóti-
tos neurobiológicos que podem contribuir para a cos via receptores A2, e, finalmente, como anti-in-
recorrência de crises espontâneas. Uma série de flamatórios via receptor A3. Como um poderoso
estudos usando vetores virais para injeção local anticonvulsivante endógeno, o efeito inibitório
de fator de crescimento de fibroblasto 2 (FGF-2) da adenosina é principalmente mediado via os
e BDNF em hipocampo de modelos animais de receptores A1, os quais inibem profundamente a
epilepsia, como pilocarpina em roedores, reduziu transmissão glutamatérgica. Estudos experimen-
a incidência de crises epilépticas espontâneas9. Tal tais mostram que a administração intra-hipocam-
fato pode ser atribuído à redução do dano celular pal de adenosina reduz a frequência das crises
e do brotamento de fibras musgosas, ao aumen- espontâneas em animais epilépticos e a ativação
to da neurogênese e à supressão da inflamação10. seletiva de receptores A1 em camundongos com
Além disso, terapia gênica com neurotrofinas tem epilepsia refratária pode bloquear as crises epi-
mostrado um efeito antiepiléptico importante so- lépticas11. Além disso, os níveis extracelulares de
bre as crises agudas, como supressão de crises ge- adenosina durante as crises em epilepsia do lobo
neralizadas induzidas por ácido caínico e kindling temporal (ELT) em humanos parecem ser iguais
em ratos com superexpressão de GDNF no hipo- aos níveis que suprimem as crises nos modelos
campo. Entretanto, múltiplos mecanismos podem animais in vivo12. No momento, não há nenhum
estar evolvidos e mais estudos serão necessários desses compostos em fase clínica de testes como
para elucidar as bases moleculares desses efeitos6. anticonvulsivante. Os aspectos que dificultam o
Por sua vez, há alguns anos, a adenosina vem avanço nesse sentido são principalmente as ações
sendo implicada em diversos efeitos anticonvul- dos antagonistas sobre o sistema cardiovascular,
sivantes. As primeiras observações conduzindo termorregulação e sedação. Por outro lado, estra-
para o potencial anticonvulsivante das purinas re- tégias de terapia gênica com adenosina estão em
sultou da constatação do efeito convulsivante da desenvolvimento, como estudos de silenciamento
cafeína e da teofilina, antagonistas purinérgicos da adenosina kinase (responsável pela degradação
que, em altas doses, podem até produzir estado da adenosina) mostrando abolir completamente
de mal epiléptico e óbito no ser humano. Mais as crises espontâneas em camundongos epilépti-
tarde se demonstrou o efeito anticonvulsivante de cos. Essa ideia surgiu da observação do aumento
substâncias que aumentam a síntese, impedem a da expressão de adenosina kinase tanto em mo-
degradação ou mimetizam a ação da adenosina delos experimentais como em humanos com ELT
sobre seus receptores. Um dos resultados mais com astrogliose e disfunção astrocitária13. Estra-
instigantes no sentido de sugerir uma ação como tégias de inibidores de recaptação, inibidores de
anticonvulsivante endógeno deriva tanto de mo- degradação e facilitadores de liberação de adeno-
delos experimentais quanto de pacientes com epi- sina parecem ter uma melhor perspectiva como
lepsia, nos quais há elevação dos níveis cerebrais anticonvulsivantes.
de adenosina logo após uma crise epiléptica. Há evidências também em favor de uma ação
Tanto a bioquímica como a anatomia e fisio- do NPY como anticonvulsivante endógeno. Sua
logia dos sistemas purinérgicos encefálicos têm capacidade em controlar a hiperexcitabilidade
avançado rapidamente. Existem quatro subtipos neuronal, sem afetar a atividade neuronal basal, é
conhecidos do receptor: A1, A2A, A2B e A3. uma de suas características mais marcantes. Além
114
O desenvolvimento de novas estruturas moleculares
de seu efeito supressor da atividade epiléptica in- da mTOR reduzem as crises em modelos experi-
duzida experimentalmente, NPY é, a exemplo da mentais e em pacientes com epilepsia associada à
adenosina, endogenamente liberado em diversos esclerose tuberosa, síndrome de West relacionada
modelos experimentais de epilepsia. à hipóxia neonatal, ELT por trauma e ausência19.
Várias das funções fisiológicas mediadas pelo Pesquisas futuras são necessárias para estabelecer
sistema do NPY já foram, pelo menos em parte, a efetividade dos inibidores da mTOR como estra-
caracterizadas: regulação da ingestão alimentar tégia terapêutica para epilepsia.
e de parâmetros cardiovasculares e ação sobre
memória e aprendizagem, ritmo circadiano e
ansiedade. Estudos experimentais em roedores Ácido gama-aminobutírico e
sugerem que NPY e seus receptores podem en- glutamato - Objetos de ação dos
contrar-se alterados em formas patológicas de
obesidade, depressão e também em epilepsia,
anticonvulsivantes exógenos
como em camundongos nocaute para o gene A síntese de novos compostos capazes de in-
NPY, que apresentam crises espontâneas e au- teragir com sítios moleculares ou celulares espe-
mento de susceptibilidade à indução de crises, e cíficos pressupõe que o início, a propagação ou
animais trangênicos com superexpressão de NPY, a supressão das crises dependa de mecanismos
que exibem baixa suscetibilidade às crises14. Ob- específicos. De fato, o desenvolvimento de novas
servou-se incremento da expressão dos níveis de terapias farmacológicas para o tratamento das
NPY nos interneurônios, nas células granulares epilepsias tem sido impulsionado por uma me-
do giro denteado e nas fibras musgosas tanto em lhor compreensão dos mecanismos básicos dessa
pacientes como em modelos animais com ELT re- doença. Esse enfoque tem sido dirigido principal-
fratária15. Vários estudos têm indicado que NPY mente ao desenvolvimento de medicamentos que
pode ser um importante inibidor endógeno de aumentem a inibição mediada pelo ácido gama-
crises epilépticas por controlar a hiperexcitabili- -aminobutírico (GABA) ou diminuam a atividade
dade via decréscimo de liberação de glutamato16. excitatória do sistema glutamatérgico. O desen-
Muitos trabalhos experimentais têm sido feitos volvimento da vigabatrina (capítulo 12), da ga-
utilizando terapia gênica com NPY em modelos bapentina (capítulo 14) e da tiagabina representa
animais, com resultados promissores mostrando o sucesso da estratégia enfocando o sistema GA-
ação antiepiléptica através dos receptores Y217, BAérgico. A grande ebulição da última década no
que, no hipocampo, coíbem a liberação pré-sináp- âmbito dos aminoácidos excitatórios ainda não
tica de glutamato via inibição dos canais de Ca2+ gerou diretamente nenhum composto antiepi-
dependentes de voltagem18. Estudos com terapia léptico de relevância clínica por meio de estudos
gênica com esses compostos têm avançado muito baseados em mecanismos de ação. Ainda assim, o
e podem ser uma nova estratégia terapêutica. felbamato, que foi originalmente descoberto com
base em estudos com modelos animais de epilep-
sia, tem seu mecanismo de ação dependente, pelo
Via de sinalização celular - Novos menos em parte, de um bloqueio da neurotrans-
alvos intracelulares? missão glutamatérgica excitatória.
Vias de sinalização celular como a da prote- Um fator relevante e que começa agora a ser
ína-alvo da rapamicina em mamíferos (mTOR) estudado mais detalhadamente diz respeito à
têm emergido como um possível alvo terapêuti- possibilidade de o “cérebro epiléptico” apresentar
co. Estudos preliminares sugerem que inibidores sensibilidades específicas aos fármacos. A melhor
115
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
caracterização das subunidades que compõem os agudas, assim como o desenvolvimento de epi-
receptores GABAérgicos e glutamatérgicos nos lepsia afeta a resposta aos FAEs. Manipulação do
tecidos cerebrais epiléptico e não epiléptico tem padrão de expressão das subunidades do receptor
indicado alterações que não se restringem a um ou novos mecanismos alvos de ação em recep-
funcionamento alterado, mas também incluem tores alterados podem ser uma nova ferramenta
uma composição física alterada. Um dos princi- terapêutica para epilepsia20. Uma estratégia para
pais receptores para o GABA, por exemplo, o re- aumentar a inibição que vem sendo estudada
ceptor GABAA, é composto de seis diferentes su- como alvo terapêutico é o transplante de células
bunidades: α, β, γ, δ, θ e ρ. O receptor GABAA fetais ou embrionárias precursoras GABAérgicas.
padrão seria constituído por duas subunidades Em modelos animais, o transplante dessas células
a, duas subunidades b e uma subunidade g. No que se diferenciam em neurônios GABAérgicos
entanto, in vitro, combinações estequiometrica- funcionais e possuem a capacidade de aumentar
mente diferentes dessas subunidades também se a transmissão sináptica inibitória sobre as células
revelaram funcionais. Além disso, a existência de piramidais endógenas21-23 tem mostrado dimi-
diferentes formas de cada subunidade (por exem- nuição da suscetibilidade às crises epilépticas22 e
plo, a1, a2, a3, a4, a5, a6 e a7) permite que diminuição de crises espontâneas21. De qualquer
diferentes áreas cerebrais em diversos momentos forma, muitos aspectos devem ser resolvidos e
do desenvolvimento tenham diferentes combina- bem entendidos antes de a terapia celular ser apli-
ções de receptores. Estudos recentes em modelos cada na prática clínica.
experimentais de epilepsia e em material obtido Na tentativa de diminuir a excitabilidade glu-
por ressecção cirúrgica de pacientes com epilep- tamatérgica, deu-se ênfase ao desenvolvimento
sia refratária ao tratamento têm demonstrado de antagonistas do receptor glutamatérgico com
que os receptores existentes nesses neurônios são afinidade preferencial pelo N-metil-D-aspartato
diferentes daqueles encontrados em material con- (NMDA), como o felbamato, que é antagonista
trole. A decorrência natural desse achado é que da subunidade GluN1R1, além de ser bloqueador
pode haver diferenças farmacológicas significati- de canais de Na+ dependentes de voltagem e tam-
vas entre um receptor 2a1, b1, b2, g4, que é ca- bém inibir a neurotransmissão glutamatérgica via
racterístico de um dado neurônio em um animal receptores de AMPA/cainato24 e ter algum efeito
não epiléptico, e um receptor a1, a2, b1, b2, g4, sobre os receptores GABAA. Entretanto, seu uso
presente em um mesmo tipo neuronal, mas de um na prática clínica é limitado devido à aplasia de
animal epiléptico. medula e a problemas hepáticos. O topiramato é
Muitos FAEs que atuam sobre o receptor outro FAE que, entre outros mecanismos de ação,
GABAA agem em sítios distintos determinados age também bloqueando os receptores de AMPA/
pela composição de subunidades do receptor. cainato. Entretanto, seus múltiplos mecanismos
Por exemplo, para benzodiazepínicos, barbitúri- (atuação nos canais dependentes de voltagem de
cos e loreclezol, esta é a principal ou única ação Ca++, Na+, K+, receptores GABAA e AMPA/caina-
antiepiléptica. Já para topitamato, felbamato, to) fizeram-no ser utilizado para tratar outras pa-
retigabina, losigamona e estiripentol, a modula- tologias que não epilepsia, como dor neuropática,
ção do receptor GABAA é apenas um dos mui- enxaqueca, distúrbio bipolar, estresse pós-trau-
tos mecanismos de ação antiepiléptica. Outros mático e obesidade. Em recente publicação, outro
FAEs regulam a síntese, transporte e recaptação composto com ação antiepiléptica e antagonista
de GABA. Além disso, alterações de subunidades não competitivo dos receptores AMPA foi des-
do receptor GABAA ocorrem durante as crises crito (perampanel) e aprovado para tratar crises
116
O desenvolvimento de novas estruturas moleculares
focais com ou sem generalização. Entretanto, esse bloquear canais de sódio não está diretamente rela-
composto pode provocar sedação, ataxia, depres- cionada à sua eficácia como antiepiléptico. Tanto o
são e agressividade25. Há estudos em curso com fenobarbital (capítulo 4) como a fenitoína (capítulo
antagonistas não competitivos dos receptores glu- 5), a carbamazepina (capítulo 6), o valproato (ca-
tamatérgicos, porém até o momento não existe pítulo 7), a lamotrigina (capítulo 11), o topiramato
FAE que atue via receptores metabotrópicos de (capítulo 13), a zonisamida, o felbamato, a remace-
glutamato (mGluR)26. mida, a lacosamida e a rufinamida são capazes de
Paralelamente à busca de inibidores de re- suprimir as correntes de sódio de uma forma de-
ceptores de glutamato, a pesquisa de compostos pendente de voltagem e de uso. Isso significa que
capazes de inibir a liberação de glutamato pode quanto mais um neurônio é despolarizado e mais
se revelar frutífera. De fato, é possível que tanto potenciais de ação ele dispara, maior é a efetividade
a fenitoína (capítulo 5) como a lamotrigina (ca- do fármaco em suprimir essa descarga repetitiva.
pítulo 11) tenham suas ações antiepilépticas em Em teoria, esse mecanismo deveria produzir al-
parte explicadas por esse mecanismo. Comparada guns dos melhores anticonvulsivantes possíveis. Na
à pesquisa de FAEs feita no sistema GABAérgico, prática, quando se comparam as moléculas de fe-
a pesquisa no sistema glutamatérgico está apenas nobarbital, fenitoína, carbamazepina e lamotrigina,
começando. Assim, praticamente todos os enfo- a diferença que se vê entre as estruturas químicas
ques já aplicados àquele sistema _ manipulação da reflete a dificuldade em enfocar racionalmente esse
síntese, da liberação, da interação com o receptor, mecanismo. Ainda dificultando a geração e manu-
da recaptação e da degradação _ são passíveis de tenção do potencial de ação, alguns FAEs, como a
consideração nesse sistema. No entanto, nunca retigabina, o fazem abrindo os canais de potássio,
é demais lembrar que 70% das sinapses no SNC causando hiperolarizaçao da membrana neuronal27.
são glutamatérgicas. Assim, parece difícil acredi- A alternativa ao bloqueio dos potenciais de
tar que o potencial de toxicidade já existente nos ação excessivos é impedir sua sincronização,
fármacos que alteram o sistema GABAérgico não quando esta resulta anômala. No caso das cri-
se repita no sistema glutamatérgico. Por outro lado ses do tipo ausência, o uso de etossuximida e
e como visto anteriormente, o enfoque sobre sis- dimetadiona é efetivo por bloquear correntes
temas alterados (diferente composição de subu- de cálcio do tipo T. Nesse caso, a sincronização
nidades dos receptores), característicos do tecido gerada nos circuitos talamocorticais depende de
epiléptico e (talvez) inexistentes no tecido cerebral potenciais inibitórios que se manifestam de ma-
normal, pode aqui também representar uma op- neira simultânea em vários neurônios talâmicos.
ção viável na descoberta de novos medicamentos. Ao término dessa inibição, uma corrente de cál-
cio do tipo T dependente de voltagem é ativada
com a deflagração de um ou mais potenciais de
Bloqueio de canais de sódio e cálcio
ação28. Como a inibição se manifesta de maneira
explica tudo? simultânea em vários neurônios, assim também
Nenhum outro dos possíveis sítios de ação de a deflagração desses potenciais de ação “rebote”
anticonvulsivantes deixa mais clara a peculiaridade ocorre em alta sincronicidade. Ao bloquear os ca-
do que se busca em um FAE em termos de ativida- nais iônicos associados a esse fenômeno, os FAEs
de em um sítio específico. Muitos FAEs têm como interferem diretamente na gênese das crises. No
principal alvo de ação os canais dependentes de vol- entanto, diversos outros agentes agem de manei-
tagem neuronais. Conforme foi abordado no iní- ra igualmente eficaz sobre as crises de ausência
cio deste capítulo, a potência de um composto em através do receptor GABAA e em modelos expe-
117
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
A
Tecido epiléptico em período interictal Tecido epiléptico em período ictal
C B
3 2
118
O desenvolvimento de novas estruturas moleculares
Referências bibliográficas 17. Lin EJ, Young D, Baer K, et al. Differential actions of
NPY on seizure modulation via Y1 and Y2 receptors:
1. Kobow K, Auvin S, Jensen F, et al. Finding a better evidence from receptor knockout mice. Epilepsia.
drug for epilepsy: antiepileptogenesis targets. Epilep- 2006;47:773-80.
sia. 2012;53(11):1868-76. 18. El Bahh B, Balosso S, Hamilton T, et al. The anti-epi-
2. Pitkanen A. New pharmacotherapy for epilepsy. leptic actions of neuropeptide Y in the hippocampus
Drugs. 2004;7(5):471-7. are mediated by Y and not Y receptors. Eur J Neuros-
3. Margineanu DG. Systems biology impact of antiepi- ci. 2005;22:1417-30.
leptic drug discovery. Epilepsy Res. 2011;50:71-8. 19. Wong M. A critical review of mTOR inhibitors and
4. Loscher W. Valproic acid mechanism of action. In: epilepsy: from basic science to clinical trials. Expert
Levy RH, Mattson RH, Meldrum BS, et al. (eds.). Rev Neurother. 2013;13(6):657-69.
Antiepileptic drugs. 5. ed. New York: Lippincott
20. Greenfield LJ Jr. Molecular mechanisms of anti-
Williams & Wilkins, 2002. p. 767-79.
seizure drug activity at GABAA receptors. Seizure.
5. Baraban SC. Emerging epilepsy models: insights 2013;22(8):589-600.
from mice, flies, worms and fish. Curr Opin Neurol.
21. Baraban SC, Southwell DG, Estrada RC, et al. Reduc-
2007;20(2):164-8.
tion of seizures by transplantation of cortical GA-
6. Sørensen AT, Kokaia M. Novel approaches to epi-
BAergic interneuron precursors into Kv1.1 mutant
lepsy treatment. Epilepsia. 2013;54(1):1-10.
mice. Proc Natl Acad Sci USA. 2009;106:15472-77.
7. Wong M. A critical review of mTOR inhibitors and
22. Zipancic I, Calcagnotto ME, Piquer-Gil M, et
epilepsy: from basic science to clinical trials. Expert
al. Transplant of GABAergic precursors resto-
Rev Neurother. 2013;13(6):657-69.
res hippocampal inhibitory function in a mouse
8. Simonato M, Tongiorgi E, Kokaia M. Angels and
model of seizure susceptibility. Cell Transplant.
demons:neurotrophic factors and epilepsy. Trends
2010;19:549-64.
Pharmacol Sci. 2006;27:631-8.
23. Maisano X, Litvina E, Tagliatela S, et al. Differentia-
9. Paradiso B, Marconi P, Zucchini S, et al. Localized
tion and functional incorporation of embryonic stem
delivery of fibroblast growth factor-2 and brain-deri-
cell-derived GABAergic interneurons in the dentate
ved neurotrophic factor reduces spontaneous seizu-
gyrus of mice with temporal lobe epilepsy. J Neuros-
res in an epilepsy model. Proc Natl Acad Sci USA.
ci. 2012;32:46-61.
2009;106:7191-6.
24. Czapiński P, Blaszczyk B, Czuczwar SJ. Mechanisms
10. Paradiso B, Zucchini S, Su T, et al. Localized overex-
of action of antiepileptic drugs. Curr Top Med Chem
pression of FGF-2 and BDNF in hippocampus redu-
2005;5(1):3-14.
ces mossy fiber sprouting and spontaneous seizures
up to 4 weeks after pilocarpine-induced status epi- 25. Zaccara G, Giovannelli F, Cincotta M, et al. AMPA
lepticus. Epilepsia. 2011;2011;52:572-8. receptor inhibitors for the treatment of epilepsy:
11. Van Dycke A, Raedt R, Dauwe I, et al. Continuous lo- the role of perampanel. Expert Rev Neurother.
cal intrahippocampal delivery of adenosine reduces 2013;13(6):647-55.
seizure frequency in rats with spontaneous seizures. 26. Czapinski P, Blaszczyk B, Czuczwar SJ. Mechanis-
Epilepsia. 2010;51:1721-8. ms of action of antiepileptic drugs. Curr Top Medic
12. During MJ, Spencer DD. Adenosine: a potential me- Chem. 2005;5:3-14.
diator of seizure arrest and postictal refractoriness. 27. Stafstrom CE. Mechanisms of action of antiepilep-
Ann Neurol. 1992;32:618-24. tic drugs: the search for synergy. Curr Opin Neurol.
13. Theofilas P, Brar S, Stewart KA, et al. Adenosine ki- 2010;23(2):157-63.
nase as a target for therapeutic antisense strategies in 28. Cheong E, Shin HS. T-type Ca²+ channels in absence
epilepsy. Epilepsia. 2011;52:589-601. epilepsy. Biochim Biophys Acta. 2013;1828(7):1560-71.
14. Vezzani A, Michalkiewicz M, Michalkiewicz T, et al. 29. Czuczwar SJ, Patsalos PN.The new generation of
Seizure susceptibility and epileptogenesis are decre- GABA enhancers. Potential in the treatment of epi-
ased in transgenic rats overexpressing neuropeptide lepsy. CNS Drugs. 2001;15(5):339-50.
Y. Neuroscience. 2002;110:237-43. 30. Errington AC, Stöhr T, Lees G. Voltage gated ion
15. Furtinger S, Pirker S, Czech T, et al. Plasticity of Y1 and channels: targets for anticonvulsant arugs. Curr Top
Y2 receptors and neuropeptide Y fibers in patients with Medic Chem. 2005;5:15-30.
temporal lobe epilepsy. J Neurosci. 2001;21:5804-12. 31. Schulze-Bonhage A. Pharmacokinetic and pharma-
16. Vezzani A, Sperk G, Colmers WF. Neuropeptide Y: codynamic profile of pregabalin and its role in the
emerging evidence for a functional role in seizure treatment of epilepsy. Expert Opin Drug Metab To-
modulation. Trends Neurosci. 1999;22:25-30. xicol. 2013; 9(1):105-15.
119
Oxcarbazepina
10 Grandes diferenças após pequena
alteração molecular
Marilisa Mantovani Guerreiro
Professora Titular de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia da Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
Carlos Alberto Mantovani Guerreiro
Professor Titular de Neurologia do Departamento de Neurologia Familiar da Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
Oxcarbazepina Carbamazepina
121
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
122
Oxcarbazepina
DMH pode apresentar meia-vida de até 20 horas focais e generalizadas tônico-clônicas. A eficácia é
com flutuações plasmáticas discretas, o que per- semelhante à da CBZ, mas apresenta melhor per-
mite a recomendação de duas doses ao dia. fil de tolerabilidade4.
Vários ensaios multicêntricos foram realizados
Tabela 2. Farmacocinética da oxcarbazepina3
para demonstrar a eficácia da OXC em monote-
• Absorção Uma a duas horas rapia. O primeiro estudo controlado com placebo
• Ligação proteica 40% foi realizado em 102 pacientes (11 a 62 anos) com
• Meia-vida do composto ativo De 10 a 12 horas crises refratárias, que tinham sido avaliados para ci-
• Indução enzimática Fraca rurgia de epilepsia. Os pacientes estavam sem FAEs
• Eliminação Cinética de e tinham de duas a dez crises parciais 48 horas an-
primeira ordem tes da randomização. Inicialmente, a dose foi titu-
lada a 1.500 mg/dia (dia 1) e 2.400 mg/dia depois.
A eficácia foi estatisticamente significante em favor
Eficácia da OXC em relação ao placebo. A primeira medida
A eficácia da OXC foi comprovada por inúmeros para avaliar a eficácia foi o tempo para sair do estu-
estudos tanto em politerapia quanto em monoterapia, do. A segunda medida de eficácia foi a porcentagem
além de ensaios clínicos pré-cirúrgicos (Tabela 3). de pacientes em cada subgrupo. Assim, 13 pacientes
Tabela 3. Ensaios clínicos multicêntricos3 (25%) do grupo da OXC ficaram livres de crises em
comparação a um (2%) do grupo placebo.
Monoterapia Conclusão
Um segundo ensaio controlado com placebo
OXC x placebo OXC mais eficaz que placebo foi realizado em 67 pacientes não tratados (8 a 69
(dois estudos)
anos), com epilepsia recém-diagnosticada e crises
OXC x CBZ OXC = CBZ focais. A medida da eficácia foi o tempo decorri-
OXC 2.400 mg/d x 2.400 mg mais eficazes que do até a primeira crise e também a frequência de
OXC 300 mg/d 300 mg crises focais nos 28 dias do estudo. Ambos foram
OXC x PHT OXC mais bem tolerada significativos a favor da OXC.
(adultos) que PHT Outro ensaio em monoterapia foi conduzido
OXC x PHT OXC mais bem tolerada em 143 pacientes com crises refratárias (12 a 65
(crianças e que PHT anos) que recebiam monoterapia com CBZ em
adolescentes)
doses estáveis de 800 a 1.600 mg/dia. Depois que
OXC x CBZ OXC mais bem tolerada os pacientes foram convertidos a 2.400 mg/dia de
que CBZ
OXC e mantidos por 56 dias, foram randomiza-
OXC x VPA OXC = VPA dos a 300 mg ou 2.400 mg/dia de OXC. A medida
• Politerapia da eficácia (tempo para atingir um dos critérios de
(dois estudos) saída) foi significativa a favor do grupo de pacien-
FAE + OXC x FAE OXC mais eficaz que placebo tes com a dose de OXC 2.400 mg/dia. Outro estu-
+ placebo do de substituição foi conduzido em 87 pacientes
VPA: valproato de sódio. com crises refratárias (11 a 66 anos) que ingeriam
um ou dois FAEs, randomizados para uma das
duas doses de OXC e convertidos para esses es-
Monoterapia quemas terapêuticos em seis semanas, de modo
A maioria dos estudos mostrou que OXC é duplo-cego. A medida de eficácia (porcentagem
eficaz em monoterapia para pacientes com crises de pacientes que obedeceu aos critérios de saída)
123
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
foi significantemente menor para o grupo de pa- De modo geral, portanto, a OXC apresenta efi-
cientes com OXC 2.400 mg/dia (14/34; 41,2%) do cácia semelhante à da CBZ, porém tende a ser mais
que com OXC 300 mg/dia (42/45; 93,3%). A se- bem tolerada. Sua utilidade é maior no tratamento
gunda variável de eficácia (tempo para sair) tam- de crises focais e secundariamente generalizadas.
bém foi a favor do grupo de OXC 2.400 mg/dia.
Além desses quatro, outros ensaios controla-
dos e duplo-cegos compararam OXC com FAEs Tolerabilidade
tradicionais: VPA5 e PHT em adultos6, crianças Os principais eventos adversos associados à
e adolescentes7 com epilepsias recém-diagnosti- OXC se relacionam a efeitos no sistema nervoso
cadas, além de CBZ em adultos recém-diagnos- central (SNC), sintomas gastrointestinais e rea-
ticados ou não tratados. OXC mostrou eficácia ções idiossincrásicas4-6. Os efeitos adversos mais
semelhante à desses agentes de primeira linha comuns são sonolência, cefaleia, tontura, diplo-
com melhor tolerabilidade e maior permanência pia, fadiga, náusea, vômitos, ataxia, alteração vi-
no estudo do que PHT. sual, dor abdominal, tremor, dispepsia, alteração
da marcha e rash cutâneo (Figura 2).
Politerapia Em monoterapia, a OXC foi comparada à CBZ e
A eficácia da OXC em terapia adjuntiva para os resultados confirmaram que não há diferença es-
crises focais foi estabelecida em dois ensaios mul- tatisticamente significante entre ambas em termos
ticêntricos, randomizados, duplo-cegos e contro- de eficácia, havendo, em alguns trabalhos, diferença
lados com placebo: um com 692 pacientes (15 a a favor da OXC quanto à melhor tolerabilidade.
66 anos) e outro com 264 pacientes (3 a 17 anos). Comparações com PHT permitiram chegar
Os sujeitos faziam uso de dois ou três FAEs, além a conclusões semelhantes, isto é, não houve dife-
de OXC ou placebo. Em ambos os ensaios, os pa- rença em eficácia quando os dois medicamentos
cientes estavam com doses estáveis e otimizadas foram comparados, porém a OXC mostrou-se su-
de seus FAEs por oito semanas na fase basal e ti- perior à PHT, causando menor número de efeitos
nham pelo menos oito crises parciais (mínimo de adversos. Tais efeitos foram observados tanto em
uma a quatro por mês), incluindo crises simples, adultos quanto em crianças e adolescentes6,7. Um
complexas e focais que evoluíram para crises se- estudo comparativo com VPA não evidenciou di-
cundariamente generalizadas. Os pacientes rece- ferença significativa em eficácia ou tolerabilidade5.
beram OXC inicialmente na dose de 8 a 10 mg/kg Efeitos sistêmicos são raros, a não ser hiponatre-
(600 mg/dia em adultos), tendo sido aumentada mia (sódio sérico menor que 135 mEq/l, sendo cli-
no período de duas semanas até chegar à desejada nicamente importante quando se encontra inferior
ou ocorrer intolerabilidade. Os sujeitos entraram, a 125 mEq/l). Sabe-se que a hiponatremia é idade e
então, no período de manutenção por 16 a 28 se- dose-dependente, ocorrendo mais em idosos e em
manas. No ensaio com adultos, os pacientes rece- pacientes com doses elevadas, e raramente levan-
beram doses fixas de 600, 1.200 e 2.400 mg/dia. do à suspensão do tratamento8. A titulação rápida
No ensaio pediátrico, as crianças receberam dose também parece favorecer a hiponatremia. Sintomas
de manutenção de 30 a 46 mg/kg/dia. A porcen- agudos de hiponatremia incluem cefaleia, náusea,
tagem de mudança na frequência de crises focais vômitos, tremores, delírio, crises e postura em des-
em 28 dias, na fase duplo-cega, foi comparada cerebração, enquanto sintomas crônicos incluem
com a fase basal, mostrando-se a favor da OXC anorexia, cãimbras, distúrbios comportamentais e
em ambos os estudos. de marcha, estupor, náusea e vômitos3.
124
Oxcarbazepina
Figura 2. Oxcarbazepina: efeitos adversos. Politerapia: colunas escuras; monoterapia: colunas claras.
Não se verificou esse efeito adverso em es- cardiograma (ECG)3. O efeito teratogênico da
tudos com crianças e adolescentes. Hiponatre- OXC é desconhecido. Malformações maiores em
mia não tem sido atribuído à síndrome da se- filhos de mães com epilepsia foram associadas ao
creção inadequada de hormônio antidiurético. uso de OXC10.
Possíveis mecanismos incluem um efeito direto OXC não parece afetar a cognição em volun-
da OXC nos túbulos coletores renais e aumento tários saudáveis nem em adultos com epilepsia
de sua responsividade ao hormônio antidiuré- recém-diagnosticada.
tico circulante. Tanto a OXC quanto a CBZ podem agravar as
Reação cutânea de hipersensibilidade pode crises epilépticas em crianças11.
ocorrer também em menor número de casos
quando se compara OXC com CBZ. Ao redor
de 75% dos pacientes que apresentam reações Uso clínico
de hipersensibilidade à CBZ não as manifesta-
OXC é indicada para uso em monoterapia ou
rão com OXC9.
em associação no tratamento das epilepsias fo-
cais e generalizadas tônico-clônicas em adultos
Outros potenciais efeitos adversos e crianças de 4 a 16 anos e como tratamento em
Apesar dos ensaios clínicos não referirem, os associação em crianças de 2 a 16 anos de idade.
autores têm observado pacientes com ganho de OXC é disponível em tabletes de 300 mg e 600 mg
peso, que o revertem com a suspensão da medi- para administração oral. OXC também se encon-
cação. OXC em monoterapia ou em combinação tra em suspensão oral de 300 mg/5 ml (60 mg/
não tem efeito na pressão arterial nem no eletro- ml)3, podendo ser ingerida com ou sem alimen-
125
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
tos. Em 2013, uma forma de liberação lenta foi (ILAE) para tratamento inicial das epilepsias fo-
lançada nos Estados Unidos. cais recém diagnosticadas, em crianças, a OXC
Em adultos, monoterapia com OXC pode ser foi considerado o fármaco mais eficaz ou efetivo
iniciada com dose de 300 a 600 mg/dia. Aumen- quando comparado com as demais13.
tos a intervalos semanais são aconselháveis, desde As vantagens e desvantagens da OXC estão lis-
que o início seja gradual, pois minimiza os efeitos tadas na tabela 4.
adversos. Em casos de crises frequentes, o inter-
valo pode ser encurtado a cada dois dias. A dose Tabela 4. Oxcarbazepina
recomendada em monoterapia é de 600 a 1.200
Vantagens Desvantagens
mg/dia, dividida em duas tomadas. A dosagem
de OXC varia de 600 a 3.000 mg/dia. Pode-se ini- • Muito eficaz Hiponatremia
ciar tratamento em associação com 600 mg/dia,
administrado em duas tomadas. A dosagem reco- • Toxicidade limitada Custo
mendada em associação é de 1.200 mg ou mais se • Escalonamento rápido
necessário. Em ensaios controlados, a maioria dos da dose
pacientes não tolerou dose de 2.400 mg/dia3.
• Pode ser tolerada por
Em crianças, o tratamento deveria ser inicia- pacientes que tiveram
do na dose de 8 a 10 mg/kg, geralmente não ex- hipersensibilidade à CBZ
cedendo 600 mg/dia, sendo a dose diária dividida
em duas tomadas. A dosagem-alvo de manuten- • Sem indução
enzimática*, inclusive
ção deve ser entre 30 e 50 mg/kg/dia, dependen- autoindução.
do do peso do paciente (900 mg/dia para 20 a 29
* Exceto contraceptivo oral.
kg; 1.200 mg/dia para 29,1 a 39 kg; 1.800 mg/dia
para mais de 39 kg). Para pacientes com menos
de 20 kg, pode-se considerar uma dose inicial de Referências bibliográficas
16 a 20 mg/kg. A dose máxima de manutenção 1. Gram L. Oxcarbazepine. In: Engel JJr, Pedley TA
(eds.). Epilepsy: a comprehensive textbook. Filadé-
deve ser alcançada em duas a quatro semanas e
lfia: Lippincott-Raven Publishers, 1997. p. 1541-6.
não deve exceder 60 mg/kg/dia, em duas toma-
2. McLean MJ. Oxcarbazepine. Mechanism of ac-
das ao dia. tion. In: Levy RH, Mattson RH, Meldrum BS et
Monitoração sérica de OXC é considerada de al. (eds.). Antiepileptic drugs. 5. ed. Filadélfia: Li-
pequeno ou nenhum valor, pela farmacocinética ppincott Williams & Wilkins, 2002. p. 451-8).
linear do fármaco. Em casos seletos, a concentra- 3. Novartis Pharmaceutical Corporation. Tegretol
(carbamazepine) prescription information [onli-
ção plasmática associada à eficácia terapêutica é
ne]. 2013. Disponível em: http://www.pharma.us.
de 5 a 50 mg/l1.
novartis.com/product/pi/pdf/tegretol.pdf. Acesso
Acredita-se que não seja necessário monito- em: 22 Jan 2014.
rar o sódio sérico em pacientes assintomáticos, a 4. Dam M, Ekberg R, Loyning Y, et al. A double-blind
menos que tenham riscos especiais, como aque- study comparing oxcarbazepine and carbamazepi-
les que utilizam doses elevadas ou diuréticos e ne in patients with newly diagnosed, previously
untreated epilepsy. Epilepsy Res. 1989;3:70-6.
em idosos. OXC não é o FAE de primeira escolha
5. Christie W, Kramer G, Vigonius U, et al. A double-
para pacientes idosos12.
-blind controlled clinical trial: oxcarbazepine ver-
De acordo com a revisão baseada em evi- sus sodium valproate in adults with newly diagno-
dência da Liga Internacional contra a Epilepsia sed epilepsy. Epilepsy Res. 1997;26(3):451-60.
126
Oxcarbazepina
6. Bill P, Vigonius U, Pohlmann H, et al. A double- 10. Pennell PB. Using current evidence in selecting
-blind controlled clinical trial of oxcarbazepine antiepileptic drugs for use during pregnancy. Epi-
versus phenytoin in adults with previously untrea- lepsy Curr. 2005;5(2):45-51.
ted epilepsy. Epilepsy Res. 1997;27:195-204. 11. Vendrame M, Khurana DS, Cruz M, et al. Aggra-
7. Guerreiro M, Vigonius U, Pohlmann H, et al. A vation of seizures and/or EEG features in children
double-blind controlled clinical trial of oxcarba- treated with oxcarbazepine monotherapy. Epilep-
sia. 2007;48(11):2116-20.
zepine versus phenytoin in children and adoles-
12. Krämer G. Oxcarbazepine: adverse effects. In:
cents with epilepsy. Epilepsy Res. 1997;27:205-13.
Levy RH, Mattson RH, Meldrum BS, et al. (eds.).
8. Fisher R. Newer antiepileptic drugs. In: Wyllie E (ed.).
Antiepileptic drugs. 5. ed. Filadélfia: Lippincott
The treatment of epilepsy: principles and practice. 2. Williams & Wilkins, 2002. p. 479-86.
ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1997. p. 920-30.
13. Glauser T, Ben-Menachen E, Bourgeois B et al.
9. Guerreiro MM, Guerreiro CAM. Novas drogas Updated ILAE evidence review of antiepileptic
antiepilépticas. In: Costa JC, Palmini A, Yacubian drug efficacy and effectiveness as initial monothe-
EMT, et al. (eds.). Fundamentos neurobiológicos rapy for epileptic seizures and syndromes. Epilep-
das epilepsias. São Paulo: Lemos, 1998. p. 747-61. sia 2013. 54(3):551-63.
127
Parte 4
131
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Tem-se mencionado que a LTG requer des- A molécula não é metabolizada no sistema
polarização prolongada para inibir as correntes microssomal P450 hepático, mas sim por glicu-
de sódio. Em resposta à despolarização da mem- ronidação, sendo apenas uma pequena fração
brana, os canais de sódio são inativados em duas metabolizada por oxidação e metilação2,3. Assim,
fases: uma rápida e uma lenta. A LTG facilita se- LTG não determina indução ou inibição enzimá-
letivamente a inativação rápida dos canais de só- tica, apresentando apenas pequena autoindução,
dio. Nakataniet al.4 acreditam que LTG inibe mais sem significado clínico, no início do tratamento.
especificamente a região Nav1.4 Na+ e modifica a LTG não tem metabólitos ativos. Seu principal
cinética do estado inativo. metabólito é o 2-N- glucuronídeo, um conjugado
Além desses mecanismos, outros têm sido inativo, que é excretado pelos rins. Apenas uma
aventados. Assim, é possível que LTG tenha algu- pequena fração de LTG (aproximadamente 5%) é
ma ação sobre os receptores NMDA. Para explicar eliminada inalterada pela urina.
sua ação nas crises de ausência, tem-se sugerido a Dependendo da gravidade, patologias hepáti-
ação da LTG nos canais de cálcio ou por analogia cas podem influenciar a farmacocinética da LTG,
aos efeitos GABAérgicos dos benzodiazepínicos, determinam redução da dose de 50% a 70%. Por
nos quais desempenharia ação seletiva regional no outro lado, doença renal crônica não determina
bloqueio dos canais de sódio, de modo a agir tam- alterações significativas na depuração de LTG.
bém nos neurônios do sistema tálamo-cortical. A meia-vida da LTG é de 24 a 41 horas, sendo
24 horas em monoterapia, 15 horas quando asso-
Farmacocinética ciada a fármacos indutores do metabolismo he-
LTG é bem absorvida por via oral com bio- pático e 60 horas quando associada a inibidores.
disponibilidade de aproximadamente 98% em vo- Em crianças, LTG apresenta meia-vida discre-
luntários sadios. A presença de alimentos no estô- tamente menor. Além disso, estudos recentes su-
mago não altera significantemente sua absorção2,3. gerem que crianças menores (18 meses a 5 anos)
Alcança pico de concentração em tempo re- a eliminam mais rapidamente do que as maiores
lativamente pequeno, em uma a três horas após (5 a 10 anos). Já a velocidade de absorção após
a ingestão, não sendo esse período afetado pela ingestão oral parece semelhante à do adulto. Do
dose. Entre 50 e 400 mg, observa-se reação linear ponto de vista prático, esses dados mostram que
entre dose e concentração. LTG apresenta um se- as crianças necessitam receber maior número de
gundo pico plasmático de absorção, tanto por via tomadas ao dia.
oral como por via intravenosa, em razão, prova- Em mulheres grávidas, é mencionado aumen-
velmente, da absorção intestinal. to da depuração de LTG, em cerca de 50%, que
LTG de liberação prolongada tem um reves- reverte imediatamente após o parto6. Portanto, o
timento que leva à dissolução entérica e um pe- nível de LTG deve ser monitorado antes e depois
queno poro que determina a liberação gradual da gravidez.
do fármaco em 12 a 15 horas, chamado sistema Ainda em mulheres, observa-se que a depu-
DiffCore. Estudos de farmacocinética em pessoas ração de LTG varia com a idade, dependendo do
com epilepsia demonstram que o uso de uma dose nível hormonal. Estudos sugerem que pode haver
de LTG de liberação prolongada é bioequivalente uma queda transitória da depuração de LTG na pe-
a duas ingestas de LTG de liberação imediata5. rimenopausa ou na pós-menopausa precoce possi-
No plasma, LTG apresenta ligação proteica de velmente relacionada à queda nos níveis de estrogê-
50% e volume de distribuição de 0,9 a 1,3 l/kg. nio7. Por outro lado, em mulheres com mais de 55
132
Lamotrigina
133
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
134
Lamotrigina
135
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
do uma segunda ou terceira opção na terapêutica vigabatrina (VGB) e entre LTG e VPA, em pacien-
dessa síndrome, iniciando-se o tratamento com tes com epilepsia focal refratária e com crises de
doses baixas da medicação. ausência, respectivamente.
Na síndrome de Lennox-Gastaut, LTG é bem A literatura tem referido os efeitos benéficos
tolerada, determinando melhora na qualidade de da associação LTG-VPA em epilepsia refratária,
vida e diminuição na frequência das crises, espe- em especial na infância. Consta que baixas do-
cialmente nas crises tônicas, atônicas e TCGs36. ses de LTG administradas a pacientes em uso de
Na epilepsia mioclônica-atônica (síndrome de VPA são efetivas no tratamento de crises de au-
Doose), LTG seria útil em alguns subgrupos de sência típica. Thome-Souza e Valente42 avaliaram
início mais tardio, mas poderia piorar os de iní- 51 pacientes, de 4 a 16 anos de idade (31,4% com
cio precoce37. Mais recentemente, tem-se sugeri- epilepsia generalizada e 69,6% com epilepsia fo-
do que LTG pode ser um alternativa como terapia cal), e observaram que a associação foi eficaz em
adjuvante a crianças com síndrome de Doose38. 39 pacientes (76,5%) no primeiro ano de segui-
Na epilepsia mioclônica severa da infância mento e em 36 (70,6%) no segundo ano, com re-
(síndrome de Dravet), LTG está contraindicada dução nas crises de queda em 22 (88,5%). Os efei-
por determinar piora não apenas das crises mio- tos adversos incluíram rash, tendo levado quatro
clônicas, mas também das crises convulsivas29,30. pacientes a interromper o tratamento (7,8%). As
Na síndrome de Landau-Kleffner, Buchanan39 autoras observaram ainda que a introdução mais
referiu melhora das crises de ausência em até 70%, lenta de LTG minimiza os efeitos adversos, me-
em um menino de quatro anos de idade, em que lhorando a qualidade de vida e adesão ao trata-
utilizou LTG 3,5 mg/kg/dia em monoterapia. mento, e a eficácia terapêutica se mantém com
doses mais baixas de LTG, mesmo após o primei-
ro ano de tratamento.
Em idosos Em modelos experimentais, a associação de
Estudos demonstram que LTG é uma medi- LTG e oxcarbazepina ou CBZ determinou pior
cação eficaz e bem tolerada por pessoas com epi- controle das crises do que seria previsto, sugerin-
lepsia com 65 anos de idade ou mais40. Na revisão do que esses dois agentes podem não ser clinica-
realizada por Glauser et al.26 quanto à eficácia dos mente sinérgicos43. No entanto, na prática clínica,
FAEs em epilepsia com crises focais de início re- muitos referem sucesso com essa combinação.
cente em idosos, LTG apresentou nível A. No en-
tanto, segundo Jankovic e Dostic41, LTG não deve
Outras indicações
ser prescrita a pacientes idosos com anormalida-
des de condução cardíaca ou história de arritmia Outras indicações de LTG, que não a antie-
ventricular. Ainda em idosos, deve-se lembrar piléptica, têm sido pesquisadas. Estudos experi-
que a depuração de LTG pode ser elevada por mentais em ratos demonstraram a possibilidade
outras medicações, com consequente redução de de utilizar LTG em isquemia cerebral focal de-
seus níveis séricos. vido a sua capacidade de inibir aminoácidos ex-
citatórios, que atualmente são considerados um
fator importante no mecanismo de lesão celular
Politerapia nessa patologia.
A LTG é bastante utilizada como fármaco ad- LTG tem sido avaliada ainda para tratar trans-
juvante. Desse uso adveio a observação da possi- torno bipolar, abuso de cocaína, neuralgia do trigê-
bilidade de um sinergismo de ação entre LTG e meo, síndrome de SUNCT (short-lasting unilateral
136
Lamotrigina
neuralgiform headache attacks with conjunctival cientes com distúrbio bipolar, a incidência é de
injection and tearing) e analgesia pós-operatória44. 0,08% em monoterapia e de 0,13% em politerapia.
O risco de ocorrer rash com maior gravida-
Efeitos adversos de parece estar relacionado à dose inicial de LTG
muito elevada ou quando é titulada rapidamente.
Em geral, LTG é bem tolerada. As reações
A associação de VPA com LTG parece também ser
adversas mais comuns dizem respeito ao sistema
um fator de risco tanto a crianças como a adultos.
nervoso central: cefaleia, náusea e vômito, diplo-
pia, tontura e ataxia são leves, não sendo neces- A intensidade do rash é variável: pode ser leve,
sário suspensão do tratamento2,3,45. Muitos desses não necessitando interromper o tratamento; algu-
efeitos são mais frequentes em pacientes que utili- mas vezes é mais grave, acompanhado de sinais
zam a associação de LTG e CBZ. sistêmicos, como febre, mal-estar, artralgia, mial-
gia, linfoadenopatia e eosinofilia; e, finalmente,
Tremor é referido na associação com VPA42.
Sedação pode ocorrer, mas é menos frequente. em alguns pacientes, pode ocorrer síndrome de
Alterações de comportamento, como agressivida- Stevens-Johnson ou necrólise epidérmica tóxica,
de, irritabilidade, agitação, confusão, alucinação e por vezes grave, levando a óbito.
mesmo psicose, são descritas, principalmente, em A síndrome de Stevens-Johnson foi inicial-
indivíduos com distúrbios psíquicos pregressos mente referida em 1/200 ou mesmo 1/50 crian-
ou, ainda, em crianças com deficiência mental. ças, contraindicando, segundo alguns, o uso
Mudanças positivas de comportamento, como de LTG a pacientes com menos de 12 anos de
melhora da atenção, da atividade e sensação de idade. Essa incidência elevada foi referida em
bem-estar, são mais frequentemente referidas. crianças nórdicas2,3.
O rash cutâneo é o fator mais comum de des- Síndrome de DRESS [drug reaction (or rash)
continuação do fármaco. O mecanismo fisiopato- with eosinophilia and systemic symptoms], erup-
lógico é desconhecido, mas acredita-se que tenha ção cutânea medicamentosa com eosinofilia e
base genética46. Aventa-se ainda a hipótese de que sintomas sistêmicos tem sido referida esporadica-
LTG produza metabólitos ativos na pele, capazes mente com o uso de LTG. Trata-se de uma reação
de ativar o sistema imune, e a hipersensibilidade de hipersensibilidade a fármacos rara e potencial-
estaria associada à quantidade de LTG ou meta- mente fatal, caracterizada por erupção cutânea,
bólitos ativos no tecido cutâneo47. Em um modelo febre, linfadenopatia e envolvimento visceral50,51.
em roedores, pelo menos 10% da LTG foi encon- Nessa síndrome, o diagnóstico precoce é impor-
trada na pele de ratos quatro horas após uma única tante para o prognóstico.
dose intravenosa48. Na associação de LTG e VPA, Schilienger et al.52 reviram no período de 1958
acredita-se que a glicuronidação de LTG seja ini- a 1988 os casos de reação cutânea à LTG, publica-
bida, ocorrendo aumento da oxidação. No entan- dos ou não. Eles encontraram 79 referências, mas
to, até agora, não se verificou nenhum metabólito apenas 43 de síndrome de Stevens-Johnson e 14
reativo da LTG associado à erupção cutânea49. de necrólise epidérmica tóxica puderam ser ana-
A frequência e gravidade do rash variam de lisadas e comparadas, não tendo sido verificadas
acordo com a faixa etária e os fatores da doença. diferenças significativas. No grupo da síndrome
Em crianças (2 a 16 anos) em politerapia, a in- de Stevens-Johnson, a dose média de LTG era de
cidência de formas graves com hospitalização e a 50mg e havia associação com VPA em 74% dos
necessidade de interromper a medicação são de casos. No grupo de necrólise epidérmica tóxica,
0,8%, enquanto em adultos são de 0,3%. Em pa- esses números eram, respectivamente, de 87,5mg
137
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
e 64%. A idade média de início foi de 17 anos em cardíaca. Nas doses mais baixas, observaram-se
ambos os grupos. Os autores referiram ainda que, sonolência, tontura, nistagmo e ataxia. Nas doses
entre os 13 casos publicados, ocorreram dois óbi- mais elevadas, ocorreu coma, de duração variá-
tos em pacientes com necrólise epidérmica tóxi- vel, de acordo com a dose. Dois pacientes apre-
ca, sendo em um associada ao envolvimento de sentaram leve hipotermia57.
múltiplos órgãos. Além deste, envolvimento de
múltiplos órgãos ocorreu em mais um paciente e
apenas do fígado, em outro. Exacerbação de crises
Na literatura, existem relatos de falência de A piora da sintomatologia epiléptica quando
múltiplos órgãos e óbito em pacientes em uso de do uso de FAE pode decorrer de:
LTG, mas que não puderam ser atribuídos dire- _
reação adversa, que pode ser dose-relaciona-
tamente a esse fármaco, pois havia outros fatores, da ou idiossincrásica;
como septicemia e estado de mal epiléptico53. _
mecanismo farmacodinâmico, que diz respei-
A readministração de LTG é viável após to à escolha errada do FAE ou à reação paradoxal.
erupção cutânea benigna ou mesmo com algu- Embora não seja comum a exacerbação das
ma gravidade. Nesses casos, deve-se aguardar crises epilépticas em intoxicação por LTG, Guer-
quatro semanas a partir da primeira erupção e a rini et al.58 relataram a ocorrência de estado de
reintrodução deve ser mais lenta que a inicial54. mal mioclônico em uma criança com síndrome
Quando a erupção cutânea é mais grave, não há de Lennox-Gastaut quando a dose de LTG foi au-
dados confiáveis disponíveis sobre a segurança mentada de 15 para 20mg/kg/dia, que regrediu
à reexposição. após a interrupção da medicação.
Efeitos adversos menos comuns com LTG in- Quanto à escolha do FAE, tem-se demonstra-
cluem anormalidades dos movimentos oculares, do que LTG piora crises mioclônicas em pacien-
alterações comportamentais, movimentos anor- tes com epilepsia mioclônica severa da infância30.
mais, como coreia e tiques, de modo semelhante à Assim, o uso desse fármaco parece inadequado a
síndrome de Tourette55. essa síndrome.
Dados sobre as repercussões fetais de LTG De modo paradoxal, a literatura refere alguns
durante a gravidez não está bem determinado. pacientes com piora das crises epilépticas devido
LTG cruza a barreira placentária, levando a uma ao uso de LTG. Catania et al.59 descreveram o caso
concentração fetal semelhante à materna56. LTG é de uma menina de cinco anos de idade com epi-
apenas um fraco inibidor do folato, não tendo sido lepsia rolândica que apresentou deterioração cog-
descritas malformações associadas a seu uso56. nitiva e piora das crises focais após o uso de LTG.
LTG é bem tolerada na infância, especialmen- Trinka et al.60 observaram três pacientes adultos
te em relação aos distúrbios cognitivos obser- que desenvolveram estado de mal não convulsivo
vados em menos de 1% das crianças. Os efeitos com mioclonias após a substituição de VPA por
adversos mais comumente referidos, do mesmo LTG. Biraben et al.27 referiram piora das crises
modo que em adultos, são tontura, sonolência, mioclônicas em pacientes com epilepsia mioclô-
náusea, vômito e cefaleia32,45. nica juvenil que receberam LTG.
Os efeitos da superdosagem de LTG pude- Gelisse et al.61 descreveram o caso de um pa-
ram ser avaliados em pacientes que ingeriram de ciente de cinco anos com epilepsia benigna com
1.350 a 4.000 mg do fármaco. Todos sobrevive- pontas centrotemporais com mioclonias nega-
ram sem sequelas e nenhum apresentou alteração tivas proximais como o único tipo de crise que
138
Lamotrigina
sofreu agravamento importante das crises quan- IB_Com VPA _Dose inicial: 25mg em dias
do LTG (25 mg/dia) se associou a VPA (400 mg/ alternados
dia). LTG foi retirada, havendo imediata melhora _
Dose de manutenção: 100 a 200mg/dia
do quadro clínico.
Crianças
Formas de administração IIA_Sem VPA _Dose inicial: 2mg/kg/dia
Estudos multicêntricos internacionais descre-
_
Dose de manutenção: 5mg/kg/dia
veram o uso de LTG a partir da suspensão grada-
_
Dose máxima: 15mg/kg/dia
tiva de FAEs associados. Assim, em pacientes que IIB_Com VPA _Dose inicial: 0,5mg/kg/dia
se beneficiaram com LTG, o fármaco foi mantido _
Dose de manutenção:1mg/kg/dia
em 83% deles e, como monoterapia, em 52%3. _
Dose máxima: 5mg/kg/dia
Gil-Nagel62 reviu a literatura sobre o uso de A introdução de LTG deve ser lenta a fim de
novos FAEs em epilepsias de início recente, ve- evitar efeitos adversos, em especial rash cutâneo.
rificando que LTG, no controle de crises parciais Uma regra prática consiste em iniciar o trata-
e tônico-clônicas primária ou secundariamente mento com uma dose baixa, variável de acordo
generalizadas, apresenta eficácia semelhante à com a idade e o medicamento associado, sendo
de CBZ e PHT, sendo sua tolerabilidade melhor dobrada a cada 15 dias. Atualmente, com a des-
em relação à CBZ e semelhante à da PHT, exce- crição da ocorrência da síndrome de Stevens-
to pela ocorrência de rash cutâneo, que foi mais Johnson, alguns recomendam uma introdução
frequente com LTG, provavelmente por titulação ainda mais lenta.
rápida. Quando comparada a VPA, LTG tam- LTG pode ser utilizada em duas ingestas di-
bém determinou maior tempo de manutenção árias. Alguns pacientes, especialmente crianças,
da terapia. Finalmente, LTG foi utilizada como com velocidade rápida de eliminação, necessitam
monoterapia em crianças e adolescentes com receber o fármaco em regime de três tomadas ao
epilepsia ausência, tendo demonstrando eficácia dia. Por outro lado, pacientes em uso concomi-
(62%) significativamente maior que a do placebo tante de VPA podem receber LTG apenas uma vez
(21%). Gil-Nagel62concluiu que LTG em mono- ao dia.
terapia é eficaz, bem tolerada, com poucos efei-
tos sobre a cognição, apresentando como limita-
ção a necessidade de titulação lenta, para evitar Dosagem de níveis séricos
rash cutâneo. A dosagem de LTG pode ser feita tanto no
Como se pode verificar no esquema a seguir, sangue como no líquido cefalorraquidiano. O ní-
a dose de LTG varia se prescrita em mono ou em vel terapêutico exato de LTG ainda não está bem
politerapia, porque sua meia-vida diminui quan- definido. As observações iniciais, quando do lan-
do em associação com indutores enzimáticos e çamento do fármaco, referiam que ele estaria en-
aumenta quando com inibidores, como VPA e, tre 1 e 4 mg/l, mas observou-se com o tempo que
provavelmente, felbamato. muitos pacientes necessitam de doses maiores e
toleram-nas. Estudos mais atuais têm observado
que aparentemente não há relação significante en-
Adultos tre concentração sérica de LTG e seu efeito antie-
IA_Sem VPA _Dose inicial: 25mg/dia piléptico, bem como com a ocorrência de efeitos
_
Dose de manutenção: 200 a 400mg/dia adversos.
139
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Referências bibliográficas 14. National Institute for Health and Clinical Excel-
lence, 2011 Appraisal consultation document:
1. Reynolds EH, Milner G, Matthews DM, et al. Anti- newer drugs for epilepsy in adults. Disponível em:
convulsant therapy, megaloblastic haemopoiesis and http://www.nice.org.uk/article.asp?a=76382
acid folic metabolism. Quart J Med. 1966;35:521-37.
15. Ackers R, Besag FM, Wade A, et al. Changing trends
2. Gilliam FG, Gidal BE. Lamotrigine. In: Wyllie E (ed.). in antiepileptic drug prescribing in girls of child-be-
The treatment of epilepsy. Principles and practice. 5. aring potential. Arch Dis Child. 2009;94(6):443-7.
ed. Philadelphia: Williams & Wilkins, 2011. p. 704-9.
16. Johannessen Landmark C, Baftiu A, Tysse I, et al.
3. McKee PJW, Brodie MJ. Lamotrigine. In: Shorvon S, Pharmacokinetic variability of four newer antie-
Dreifuss F, Fish D, et al.(eds.).The treatment of epi-
pileptic drugs, lamotrigine, levetiracetam, oxcar-
lepsy. Oxford: Blackwell Science, 1996. p. 438-45.
bazepine, and topiramate: a comparison of the im-
4. NakataniY, Masuko H, Amano T. The effect of lamo- pact of age and comedication. Ther Drug Monit.
trigine on Na(v)1.4 voltage-gated sodium channels.J 2012;34(4):440-5.
Pharmacol Sci. 2013;123(2):203-6.
17. Gaffield ME, Culwell KR, Lee CR. The use of hormo-
5. Tompson DJ, Ali I, Oliver-Willwong R, et al. Stea- nal contraception among women taking anticonvul-
dy-state pharmacokinetics of lamotrigine when con- sant therapy. Contraception. 2011;83(1):16-29.
verting from a twice-daily immediate-release to a
18. Reimers A, Helde G, Brodtkorb E. Ethinyl estradiol,
once-daily extended-release formulation in subjects
not progestogens, reduces lamotrigine serum con-
with epilepsy (The COMPASS Study). Epilepsia.
centrations. Epilepsia. 2005;46(9):1414-7.
2008;49:410-7.
19. Stafstrom CE. Mechanisms of action of antiepilep-
6. Tran TA, Leppik LE, Blesi RN, et al. Lamotrigine cle-
tic drugs: the search for synergy. Curr Opin Neurol.
arance during pregnancy. Neurology. 2002;59:251-5.
2010;23(2):157-63.
7. Edelbroek PM, Bulk S, Lindhout D. Lamotrigine
20. Pickrell WO, Lacey AS, Thomas RH, et al. Trends in
kinetics within the menstrual cycle, after meno-
the antiepileptic drug prescribed for epilepsy betwe-
pause, and with oral contraceptives. Neurology.
en 2000 and 2010. Seizure. 2014;23(1):77-80.
2009;73:1388-93.
21. Brodie MJ. Lamotrigine-an update. Can J Neurol
8. Wegner I, Tomson T, Lukic S, et al. Are lamotrigi-
Sci. 1996;23(4)(suppl. 2):S6-S9.
ne kinetics altered in menopause? Observations
from a drug monitoring database. Epilepsy Behav. 22. Brodie MJ, Richens A, Yuen AWC. Double-blind
2010;19:86-8. comparison of lamotrigine and carbamazepine in
9. Myllynen PK, Pienimäki PK, Vähäkangas KH. newly diagnosed epilepsy. Lancet. 1995;345:476-9.
Transplacental passage of lamotrigine in a human 23. Gilliam F, Vazquez B, Sackellares JC, et al. An active-
placental perfusion system in vitro and in mater- control trial of lamotrigine monotherapy for partial
nal and cord blood in vivo. Eur J Clin Pharmacol. seizures. Neurology.1998;51(4):1018-25.
2003;58(10):677-82. 24. Steiner TJ, Dellaportas CI, Findley LJ, et al. Lamo-
10. Madadi P, Ito S. Perinatal exposure to maternal la- trigine monotherapy in newly diagnosed untreated
motrigine: clinical considerations for the mother epilepsy: a double-blind comparison with pheny-
and child. Can Fam Physician. 2010;56(11):1132-4. toin. Epilepsia.1999;40(5):601-7.
11. Anderson GD, Gidal BE, Messenheimer JA, et al. 25. Marson AG, Al-Kharusi AM, Alwaidh M, et al.
Time course of lamotrigine de-induction: impact of The SANAD study of effectiveness of carbama-
step-wise withdrawal of carbamazepine or pheny- zepine, gabapentin, lamotrigine, oxcarbazepine,
toin. Epilepsy Res.2002;49(3):211-7. or topiramate for treatment of partial epilepsy: an
12. Gidal BE, Sheth R, Parnell J, et al. Evaluation of VPA unblinded randomised controlled trial. Lancet.
dose and concentration effects on lamotrigine phar- 2007;369(9566):1000-15.
macokinetics: implications for conversion to lamotri- 26. Glauser T, Ben-Menachem E, Bourgeois B, et al.
gine monotherapy. Epilepsy Res.2003;57(2-3):85-93. Updated ILAE evidence review of antiepileptic
13. Burneo JG, Limdi N, Kuzniecky R, et al. Neurotoxi- drug efficacy and effectiveness as initial monothera-
city following addition of intravenous valproate to py for epileptic seizures and syndromes. Epilepsia.
lamotrigine therapy. Neurology. 2003;60:1991-2. 2013;54(3):551-63.
140
Lamotrigina
27. Biraben A, Allain H, Scarabian JM, et al. Exacerba- adverse effects. Expert Opin Drug Metab Toxicol.
tion of juvenile myoclonic epilepsy with lamotrigi- 2012;8(1):81-91.
ne. Neurology. 2000;55:1758-9. 42. Thome-Souza S, Valente KD. Valproate and lamo-
28. Dulac O, Plouin P, Shewmon A. Myoclonus and trigine in pediatric patients with refractory epilepsy:
epilepsy childhood: 1996 Royamount meeting. Epi- after the first year. Pediatr Neurol. 2013;48(6):436-42.
lepsy Res. 1998;30(2):91-106. 43. Luszczki JJ, Czuczwar SJ. Preclinical profile of
29. Guerrini R, Belmonte A, Genton P. Antiepileptic combinations of some second-generation antiepi-
drug-induced worsening of seizure in children. Epi- leptic drugs: an isobolographic analysis. Epilepsia.
lepsia. 1998;39(suppl.):S2-S10. 2004;45(8):895-907.
30. Guerrini R, Dravet C, Genton P, et al. Lamotrigine 44. Gutierrez-Garcia JM. SUNCTS syndrome responsi-
and seizure aggravation in severe myoclonic epi- ve to lamotrigine. Headache. 2002;42:823-5.
lepsy. Epilepsia.1998;39(5):508-12. 45. Duchowny M, Gilman J, Messenheimer J for the La-
31. Wheless JW, Clarke DF, Arzimanoglou A, Carpenter mictal Pediatric Study Group. Long-term tolerability
D. Treatment of pediatric epilepsy: European expert and efficacy of lamotrigine in pediatric patients with
opinion, 2007. Epileptic Disord. 2007;9(4):353-412. epilepsy. J Child Neurol. 2002;17:278-85.
32. Pellock JM. Lamotrigine. J Child Neurol. 1997;12(su- 46. Li LJ, Hu FY, Wu XT, et al. Predictive markers for
ppl. 1):1. carbamazepine and lamotrigine-induced maculo-
33. Arya R, Glauser TA. Pharmacotherapy of focal epi- papular exanthema in Han Chinese. Epilepsy Res.
lepsy in children: a systematic review of approved 2013;106(1-2):296-300.
agents. CNS Drugs. 2013;27(4):273-86. 47. Gaeta F, Alonzi C, Valluzzi RL, et al. Hypersensitivity
34. Glauser TA, Cnaan A, Shinnar S, et al. Ethosuximi- to lamotrigine and nonaromatic anticonvulsant dru-
de, valproic acid, and lamotrigine in childhood ab- gs: a review. Curr Pharm Des. 2008;14(27):2874 -82.
sence epilepsy. N Engl J Med. 2010;362(9):790-9. 48. Maggs JL, Naisbitt DJ, Tettey JN, et al. Metabolism
35. Cianchetti C, Pruna D, Coppola G, et al. Low-do- of lamotrige to a reactive arene oxide intermediate.
se of lamotrigine in West syndrome. Epilepsy Res. Chem Res Toxicol. 2000;13(11):1075-81.
2002;51:199-200. 49. Lu W, Uetrecht JP. Possible bioactivation pathways of
36. Motte J, Trevathan E, Arvidsson JF, et al. Lamotrigi- lamotrigine. Drug Metab Dispos. 2007;35(7):1050-6.
ne for generalized seizures associated with the Len- 50. Roquin G, Peres M, Lerolle N, et al. First report of
nox-Gastaut syndrome. Lamictal Lennox-Gastaut lamotrigine-induced drug rash with eosinophilia
Study Group. N Engl J Med. 1997;337(25):1807-12. and systemic symptoms syndrome with pancreatitis.
37. Wallace SJ. Myoclonus and epilepsy in childhood Ann Pharmacother. 2010 Dec;44(12):1998-2000.
a review of treatment with valproato, ethosuxi- 51. Naveen KN, Ravindra MS, Pai VV, et al. Lamotrigi-
mide, lamotrigine and zonisamide. Epilepsy Res. ne induced DRESS syndrome. Indian J Pharmacol.
1998;29(2):147-54. 2012;44(6):798-800.
38. Doege C, May TW, Siniatchkin M, et al. Myoclo- 52. Schlienger RG, Shapiro LE, Shear NH. Lamotrigine–
nic astatic epilepsy (Doose syndrome) - a lamo- induced severe cutaneous adverse reactions. Epilep-
trigine responsive epilepsy? Eur J Paediatr Neurol. sia. 1998;39(suppl. 7):S22-S26.
2013;17(1):29-35. 53. Chattergoon DS, McGuigan MA, Koren G, et al.
39. Buchanan N. Lamotrigine: clinical experience in 200 Multiorgan dysfunction and disseminated intravas-
patients with epilepsy with follow up to four years. cular coagulation in children receiving lamotrigine
Seizure. 1996;5(30):209-14. and valproic acid. Neurology. 1997;19:1442-4.
40. Saetre E, Abdelnoor M, Perucca E, et al. Antiepi- 54. Serrani Azcurra DJ. Lamotrigine rechallenge af-
leptic drugs and quality of life in the elderly: results ter a skin rash. A combined study of open cases
from a randomized double-blind trial of carbama- and a meta-analysis. Rev Psiquiatr Salud Ment.
zepine and lamotrigine in patients with onset of epi- 2013;6(4):144-9.
lepsy in old age. Epilepsy Behav. 2010;17(3):395-401. 55. Das KB, Harris C, Smyth DPL, et al. Unusual side
41. Jankovic SM, Dostic M. Choice of antiepileptic dru- effects of lamotrigine therapy. J Child Neurol.
gs for the elderly: possible drug interactions and 2003;18:479-80.
141
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
56. Tran TA, Leppik IE, Blesi K, et al. Lamotrigine clea- epilepsy of childhood with centrotemporal spikes.
rance during pregnancy. Neurology. 2002;59(2):251-5. Epilepsia. 1999;40(11):1657-60.
57. Messenheimer J. Lamotrigine. In: Wyllie E (ed.).The 60. Trinka E, Dilitz E, Unterberger I, et al. Non-convul-
treatment of epilepsy. Principles and practice. 2. ed. sive status epilepticus after replacement of valproate
Philadelphia: Williams & Wilkins, 1997. p. 899-905. with lamotrigine. J Neurol. 2002;249:1417-22.
58. Guerrini R, Belmonte A, Parmeggiani L, et al. 61. Gélisse P, Genton P, Velizarova R, et al. Worsening
Myoclonic status epilepticus following high-do- of negative myoclonus by lamotrigine in a case of
se lamotrigine therapy. Brain & Development. idiopathic focal epilepsy of children with long-term
1999;21:420-4. follow-up. Brain Dev. 2012;34(3):248-50.
59. Catania S, Cross H, de Souza C, et al. Paradoxic re- 62. Gil-Nagel A. Review of new antiepileptic drugs as
action to lamotrigine in a child with benign focal initial therapy. Epilepsia. 2003;44(suppl. 4):S3-S10.
142
Vigabatrina
12 Potencialização gabaérgica mediante
inibição enzimática irreversível
Patricia Saidón
Sección de Epilepsia da División de Neurología do Hospital R. Mejía, Centro de Neurociencias Clínicas y Aplicadas do
Instituto de Biología Celular y Neurociencias da Facultad de Medicina da Universidad de Buenos Aires – Consejo Nacional
de Investigación Científico y Tecnológico (Conicet), Buenos Aires, Argentina
Silvia Kochen
Sección de Epilepsia da División de Neurología do Hospital R. Mejía, Centro de Neurociencias Clínicas y Aplicadas do
Instituto de Biología Celular y Neurociencias da Facultad de Medicina da Universidad de Buenos Aires – Consejo Nacional
de Investigación Científico y Tecnológico (Conicet), Buenos Aires, Argentina
José Luiz Dias Gherpelli
Livre-docente em Neurologia. Assistente do Serviço de Neurologia Infantil da Clínica Neurológica do Instituto Central do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Mecanismos de ação
De forma irreversível, a VGB se liga à enzima
GABA-transaminase, responsável pela degrada-
ção do GABA, promovendo um aumento da con-
centração cerebral desse neurotransmissor. Esse
Figura 1. Estrutura química do GABA e da vigabatrina. aumento da concentração de GABA determina
143
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
uma maior atividade inibitória no SNC, o que, na de crises parciais, com ou sem generalização. A
prática, significa um efeito antiepiléptico. VGB não mostra a mesma eficácia no controle de
Experimentalmente, quando administrada em crises tônico-clônicas generalizadas. Após cinco
dose única, a VGB ocasiona inibição da atividade a sete anos de tratamento, estudos prospectivos
da GABA-transaminase, que é dose-dependente. O revelaram que 50% a 65% dos pacientes ainda
aumento da concentração do GABA ocorre três a se beneficiavam com o uso do fármaco2. Poucos
quatro horas após a administração e mantém-se por estudos trataram da eficácia da VGB como FAE
mais de 24 horas. Com a administração contínua, o de primeira escolha no tratamento da epilepsia
mesmo efeito é observado com doses menores. parcial em adultos. Sua eficácia foi inferior à da
carbamazepina (CBZ) quando utilizada em pa-
cientes com epilepsia parcial recém-diagnostica-
Uso clínico da, apesar de ter sido mais bem tolerada3.
Existem limitações de natureza ética e cien- _
Crianças: na infância, verificam-se as principais
tífica na avaliação de novos FAEs. Estudos ideais síndromes epilépticas refratárias ao tratamento me-
são aqueles realizados em pacientes com epilepsia dicamentoso. Os seguintes tipos de epilepsia apre-
recém-diagnosticada, em que a eficácia desses fár- sentaram resposta favorável à VGB na faixa etária pe-
macos é comparada com placebo ou outros FAEs
diátrica, em ordem decrescente de eficácia: espasmos
de eficácia comprovada. Contudo, na fase inicial de
epilépticos, especialmente os que têm como etiologia
investigação, a maioria dos estudos, tanto em adul-
esclerose tuberosa, epilepsias parciais criptogênicas
tos quanto em crianças, é realizada em pacientes
e sintomáticas, outras epilepsias generalizadas sin-
com epilepsia de difícil controle. Neles, a VGB foi
tomáticas e síndrome de Lennox-Gastaut4. As do-
utilizada como fármaco adicional à terapia vigente
ses variam entre 40 e 100 mg/kg/dia. Crianças com
em diferentes tipos de epilepsia conforme a faixa
epilepsias mioclônicas não progressivas apresentam
etária. Em adultos, foi usada em pacientes com
tendência à piora na frequência de crises mioclônicas
crises epilépticas do tipo parcial complexa, com
com a introdução de VGB, portanto o fármaco deve
ou sem generalização secundária1, enquanto em
ser utilizado com cuidado nesses casos5-8.
crianças, predominantemente em crises do tipo
misto (parciais sintomáticas, ausências atípicas, es- Pacientes com a síndrome de Lennox-Gas-
pasmos infantis, tônicas e atônicas generalizadas), taut apresentaram redução superior a 50% da
características das síndromes epilépticas refratárias frequência de crises em 45% dos casos, entre-
da infância (como a síndrome de Lennox-Gastaut), tanto pode ocorrer aumento na frequência de
e no tratamento de espasmos infantis na síndrome crises mioclônicas.
de West. As anormalidades visuais, relacionadas ao Há estudos que mostraram que a eficácia da
uso crônico do fármaco, limitaram muito sua utili- monoterapia com VGB é comparável à da CBZ em
zação de forma prolongada (vide efeitos adversos). crianças com crises parciais recém-diagnosticadas.
Adultos: a VGB é um medicamento eficaz no
_ _
Síndrome de West: atualmente, a VGB é o
tratamento de crises parciais, em doses que variam fármaco de primeira escolha nesses pacientes,
de 2 a 6 g/dia. A eficácia parece aumentar com o principalmente se a etiologia é a esclerose tubero-
incremento da dosagem, entretanto não existem sa5. A eficácia terapêutica situa-se entre 50% e 70%
muitos estudos controlados sobre o efeito desse dos casos, e naqueles secundários à esclerose tube-
FAE com doses acima de 4 g/dia. Entre 35% e 45% rosa, atinge níveis de quase 100% dos casos. VGB
dos pacientes com epilepsia de difícil controle tem se mostrado eficaz ainda na síndrome de West
apresentam redução superior a 50% na frequência associada a outras lesões estruturais do sistema
144
Vigabatrina
Fp1–F7
F7 – T3
T3 – T5
T5 – 01
Fp1 – F3
F3 – C3
C3 – P3
P3 – 01
Fp2 – F8
F8 – T4
T4 – T6
T6 – 02
Fp2 – F4
F4 – C4
C4 – P4
P4 – 02
Fz – Cz
Cz – Pz
1 seg
Figura 2. EEG de paciente de 10 meses de idade, com encefalopatia multicística da infância. Espasmos infantis há 3 dias.
Padrão hipsarrítmico.
Fp1–F7
F7 – T3
T3 – T5
T5 – 01
Fp1 – F3
F3 – C3
C3 – P3
P3 – 01
Fp2 – F8
F8 – T4
T4 – T6
T6 – 02
Fp2 – F4
F4 – C4
C4 – P4
P4 – 02
Fz – Cz
Cz – Pz
1 seg
Figura 3. EEG do mesmo paciente 12 dias após a introdução de vigabatrina na dose de 80 mg/kg/dia. Melhora do traçado.
Notam-se descargas epileptiformes em áreas posteriores do hemisfério cerebral esquerdo.
145
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Fp1–F7
F7 – T3
T3 – T5
T5 – 01
Fp1 – F3
F3 – C3
C3 – P3
P3 – 01
Fp2 – F8
F8 – T4
T4 – T6
T6 – 02
Fp2 – F4
F4 – C4
C4 – P4
P4 – 02
Fz – Cz
Cz – Pz
1 seg
Figura 4. EEG aos 11 meses de idade, obtido 30 dias após introdução de vigabatrina. Os elementos próprios do sono leve (fusos
de sono) estão presentes de forma assíncrona em regiões centrais. Traçado dentro dos limites da normalidade para a idade.
nervoso9. As doses preconizadas no tratamento ou cérebro e seu efeito biológico perdura por um
dos espasmos infantis são maiores que as habitu- período muito mais longo que o daquele em que a
ais, variando de 100 a 150 mg/kg/dia10. As figuras VGB é detectada no sangue. Consequentemente, a
2 a 4 mostram registros eletroencefalográficos de monitoração dos níveis plasmáticos da VGB é inú-
uma criança cujos espasmos foram diagnosticados til para calcular a dosagem, pois sua concentração
três dias após o início do quadro e remitiram três não se relaciona à eficácia clínica ou à ocorrência
dias após a introdução de VGB 80 mg/kg/dia. de efeitos adversos. Os níveis de VGB apresentam
grande variabilidade individual. Nas doses habitu-
almente empregadas em adultos, os níveis médios
Níveis séricos encontrados após administração crônica são de
A concentração plasmática de VGB apresenta 42 mg/ml (± 25 mg/ml). A maioria dos pacientes
relação linear com a dose do fármaco ingerida, a apresenta níveis entre 20 e 60 mg/ml. A medida das
qual alcança o cérebro facilmente. Ante seu me- concentrações plasmáticas pode ser usada para ve-
canismo de ação, ou seja, inibição irreversível da rificar a adesão à terapêutica e em pacientes idosos
GABA transaminase, não há correlação entre o ou com insuficiência renal, nos quais podem ser
efeito farmacológico e sua distribuição no sangue verificados níveis séricos muito elevados11.
146
Vigabatrina
Ataxia 3-10
147
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
mostrou que o risco de perda visual aumenta com transaminase glutâmica pirúvica (TGP), o que po-
doses maiores e exposição cumulativa. Por esses derá impedir a detecção de lesão hepática, uma vez
motivos, recomenda-se que o fármaco seja uti- que os níveis desses marcadores, especialmente da
lizado na dose mais baixa e pelo menor período TGP, que o um marcador mais importante da lesão
possíveis. Deve-se descontinuar o tratamento em hepática, não mais refletem sua condição habitual.
pacientes pediátricos que não mostrarem benefí- O fármaco pode aumentar a quantidade de
cios clínicos após duas a semanas do início do tra- aminoácidos urinários, o que pode causar resul-
tamento ou tão logo o insucesso terapêutico seja tados falso-positivos para algumas doenças me-
óbvio, ou em três meses após o início18, e em adul- tabólicas genéticas raras (por exemplo, acidúria
tos com crises parciais complexas refratárias, tra- alfa-aminoadípica).
tados com VGB como tratamento adjuntivo, tão Os efeitos adversos mais comumente observa-
logo se constate insucesso terapêutico. A resposta dos relatados em dois estudos clínicos em adultos
do paciente à VGB e a necessidade de continuar com crises parciais complexas refratárias tratados
administrando esse fármaco devem ser periodica- com VGB como terapia adjuntiva com a dose re-
mente reavaliadas, pois, em alguns casos, a perda comendada de 3 g/dia (≥ 10% e pelo menos 5%
visual pode não ser reconhecida até que seja mui- maior que placebo, respectivamente) foram ton-
to significativa. Avaliação visual é imprescindível tura (24% versus 17%), fadiga (23% versus 16%),
antes de iniciar a terapia (ou não mais que quatro sonolência (22% versus 13%), tremor (15% versus
semanas após seu início), pelo menos durante três 8%), borramento visual (13% versus 5%) e artral-
meses durante a administração do fármaco e cer- gia (10% versus 3%).
ca de três a seis meses após sua descontinuação. A
Os eventos adversos mais comuns, verificados
perda visual pode continuar, a despeito da inter-
em mais de 5% de lactentes que receberam VGB
rupção do tratamento. Não obstante esses fatos,
para tratar espasmos infantis e que ocorreram em
VGB foi aprovada pela Food and Drug Adminis-
frequência superior à observada com placebo, res-
tration em 2009 com restrições quanto a seu uso e
pectivamente, em um estudo randomizado, contro-
disponibilidade apenas em um programa especial
lado com placebo de espasmos infantis com uma
de distribuição restrita12.
fase de tratamento de cinco dias duplo-cega (n = 40),
Alterações de sinal em exames de ressonância
foram sonolência (45% versus 30%), bronquite (30%
magnética do encéfalo são observadas em alguns
versus 15%) e otite média aguda (10% versus 5%).
lactentes tratados com VGB por apresentarem
espasmos infantis. Em geral, tais alterações se re-
solvem com a descontinuação do tratamento ou, Conclusões
ainda, em alguns lactentes, desaparecem a despei- VGB é o FAE de primeira escolha para trata-
to da continuação da terapêutica. mento dos espasmos epilépticos, particularmente
FAEs, incluindo VGB, podem aumentar o aqueles que têm como etiologia esclerose tubero-
risco de ideação ou comportamento suicida. Pa- sa. No tratamento deste grupo de pacientes VGB
cientes adultos devem ser cuidadosamente ob- tem sido utilizada com sucesso como tratamento
servados em relação ao surgimento ou piora de preventivo, no momento em que surgem altera-
depressão, pensamentos ou comportamentos sui- ções eletroencefalográficas, visando a prevenção
cidas e/ou qualquer alteração não usual no humor do aparecimento dos espasmos epilépticos20. VGB
ou comportamento19. pode ser utilizada no tratamento de pacientes
Ainda, a VGB pode reduzir a atividade plasmá- adultos com epilepsias focais refratárias com ava-
tica da transaminase glutâmica oxalacética (TGO) e liações oftalmológicas periódicas.
148
Vigabatrina
149
Topiramato
13 Os múltiplos mecanismos de ação de
um derivado sulfamato
Maria Luiza G. de Manreza
Assistente Doutora da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Nas últimas décadas, após um longo intervalo, via subcutânea, eleva o limiar para crises indu-
foram comercializados vários fármacos antiepi- zidas por esse agente administrado em camun-
lépticos (FAEs) novos. O topiramato (TPM), um dongos por via endovenosa7. TPM também inibe
desses compostos, foi licenciado no Reino Unido, crises tônicas e crises semelhantes às crises de au-
em 1995, e no Brasil, em 1997. sência em ratos com epilepsia espontânea8. Esse
perfil farmacológico sugeriu a eficácia potencial
de TPM e as bases para ensaios com esse agente
Farmacologia em seres humanos para vários tipos de crises, in-
TPM é um derivado sulfamato-substituído do cluindo crises focais, tônico-clônicas generaliza-
monossacarídeo D-frutose natural que constitui, das (TCGs) e ausência.
sob o aspecto estrutural de sua molécula, um FAE
diferente de todos os demais1 (Figura 1).
Em modelos animais, TPM inibe acentuada- Mecanismos de ação
mente as crises induzidas por eletrochoque má- Os efeitos antiepilépticos do TPM podem ser
ximo em camundongos e ratos, bloqueia crises atribuídos a vários mecanismos de ação, os quais
audiogênicas em ratos e apresenta atividade anti- incluem a modulação dos canais de sódio depen-
convulsivante potente contra crises induzidas por dentes de voltagem, a potencialização de corren-
abrasamento da amígdala em animais de várias tes GABAA mediada por ação em local diferente
espécies2-6. Embora TPM não bloqueie crises in- do sítio de ação de benzodiazepínicos no receptor
duzidas por pentilenotetrazol administrado por GABAA e bloqueio do receptor de glutamato do
subtipo AMPA/cainato9-13. TPM também inibe
O CH2OSO2NH2 certas isoenzimas da anidrase carbônica, mas essa
atividade é menos acentuada que a da acetazola-
O O
mida e não parece contribuir significativamente
H3C CH3 para sua atividade antiepiléptica5,14.
O O
H3C Sob certas circunstâncias, estudos em ani-
CH3
mais mostram que TPM pode ser neuroprotetor,
Figura 1. Topiramato 2,3:4,5-bis-O-(1-metiletilideno)-a-D-
podendo desempenhar um papel importante na
frutopiranose sulfamato1. proteção e regeneração do sistema nervoso após
151
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
lesão cerebral15,16. Em seres humanos, um estudo vida é de 15 horas sem indutores enzimáticos e
preliminar usando microdiálise demonstrou que, de 7,5 horas com indutores enzimáticos. Em 18
após atravessar a barreira hematoencefálica, TPM crianças com epilepsia que receberam até 9 mg/
é capaz de diminuir os níveis elevados de gluta- kg/dia de TPM por três semanas, com idade mé-
mato após lesão cerebral traumática17. dia de 9,9 anos e peso corporal médio de 39,5 kg,
verificou-se cinética linear e o aumento nos níveis
plasmáticos estáveis de TPM foi proporcional à
Farmacocinética dose administrada23.
Adultos Em crianças com menos de quatro anos, a de-
Em seres humanos, após a administração de puração é semelhante à das crianças maiores ou
doses únicas de TPM de 100 a 1.200 mg, verifi- levemente aumentada24. Em lactentes (1 a 24 me-
cou-se que TPM é rapidamente absorvido, apre- ses), com doses de 3 a 25 mg/kg/dia, TPM apre-
sentando biodisponibilidade elevada (80% ou sentou uma farmacocinética linear e depuração
mais) e concentração de pico plasmática (Tmáx) de independente da dose. O uso de FAEs indutores
uma a quatro horas, com meia-vida de 20 a 30 ho- enzimáticos concomitantes dobrou a depuração
ras18. Na presença de indutores enzimáticos, sua de TPM25.
meia-vida é de 12 a 15 horas19.
Em um estudo de doses múltiplas, com admi- Idosos
nistrações de 50 a 200 mg/dia de TPM, constatou-
Um estudo de dose única em 16 voluntários
se que a concentração plasmática máxima (Cmáx)
com 65 a 85 anos de idade mostrou que a depura-
e os valores da área sob a curva da concentração
ção de TPM diminui cerca de 20% quando com-
plasmática em função do tempo (ASC) apresenta-
parada à de 16 voluntários adultos mais jovens26.
ram-se discretamente diminuídos quando o fár-
maco era administrado com alimentos, mas não
se observou alteração na absorção total, indicando Interação medicamentosa
que TPM pode ser administrado independente-
Adultos
mente do horário das refeições. A ligação a proteí-
Em estudos de interação medicamentosa em
nas plasmáticas é mínima (13% a 17%), não sendo
pacientes adultos, TPM não alterou significante-
um fator importante na dosagem nem na intera-
mente as concentrações plasmáticas de carbama-
ção medicamentosa19. TPM é pouco metaboliza-
zepina (CBZ), fenitoína (PTH), valproato (VPA)
do (20%), exceto quando associado a fármacos
e lamotrigina (LTG)27-29. Os pequenos acréscimos
indutores enzimáticos (50%). A metabolização
na ASC da PHT e a diminuição da ASC do VPA
hepática parece envolver hidroxilação, hidrólise
durante a administração conjunta de TPM não fo-
e glicuronidação e nenhum de seus metabólitos
ram considerados clinicamente significativos30-32.
apresenta níveis significativos (mais de 5%). Sua
eliminação é primariamente renal20. As depura- Por outro lado, na presença de FAEs induto-
ções plasmática e renal do TPM são reduzidas em res enzimáticos, as concentrações plasmáticas
pacientes com comprometimento renal21,22. de TPM apresentaram redução de 40% ou mais
comparadas às verificadas com a administração
de TPM em monoterapia, o que sugere a neces-
Crianças sidade de ajustar a dose30,32. Já FAEs inibidores
Em crianças de 4 a 17 anos, a depuração é cer- enzimáticos, como VPA, elevam as concentrações
ca de 50% mais elevada que em adultos e a meia- plasmáticas de TPM em até 17%, diferença esta
152
Topiramato
que, na maioria dos pacientes, não deve exigir o primárias em pacientes com mais de dez anos de
ajuste da dose31. idade com intolerabilidade ou refratariedade a
A depuração de digoxina foi reduzida por outros medicamentos de primeira linha, terapia
TPM em até 13%22,33, mas geralmente não é pre- adjuvante para crises focais, primariamente gene-
ciso ajustar a dose. Por outro lado, as alterações ralizadas ou crises associadas com a síndrome de
na farmacocinética da metformina sugerem a ne- Lennox-Gastaut em pacientes com mais de dois
cessidade de controle em diabéticos quando TPM anos de idade.
é associado ou mesmo retirado do esquema tera-
pêutico. Quanto à interação com contraceptivos Adultos
orais, TPM não tem efeito significativo sobre pro-
gestágeno e, em doses inferiores a 200 mg, sobre
Crises focais
etinilestradiol. Na dose de 200 mg/dia de TPM, A eficácia de TPM em adultos, com crises fo-
observou-se aumento na depuração de etinilestra- cais, foi estabelecida de forma clara em seis en-
diol somente de 11%, mas em doses mais elevadas saios multicêntricos duplo-cegos, controlados
(de 400 e 800 mg/dia), houve redução, respectiva- com placebo, realizados nos Estados Unidos e na
mente, de 21% e 30% nos níveis séricos desse hor- Europa, nos quais tal fármaco foi avaliado como
mônio34. Esse efeito indutor dose-dependente foi tratamento adjuvante em doses de 200 a 1.000 mg/
considerado modesto se comparado ao exercido dia35-39. Todas as análises de eficácia foram realiza-
por FAEs tradicionais, indutores do sistema P450, das com base na intenção de tratar. Nesses ensaios
refletindo o efeito indutor modesto de TPM sobre foram admitidos 743 pacientes, 527 dos quais re-
o sistema microssomal hepático. Quando a dose ceberam TPM e 216, placebo. Ao analisar todas as
for de até 200 mg/dia. conclui-se que a interação dosagens, a porcentagem mediana de redução de
de TPM com anticoncepcionais é insignificante e crises da frequência inicial foi de 44% nos pacien-
não deve ser motivo de preocupação. tes tratados com TPM versus 1% daqueles com
placebo (p ≤ 0,001). Observou-se ainda que 5%
Crianças dos pacientes tratados com TPM e nenhum dos
tratados com placebo permaneceram sem crises
Em crianças com epilepsia que receberam
durante o ensaio. Para os pacientes que apresen-
TPM concomitantemente com um ou dois
taram crises com generalização secundária no
FAEs, verificou-se que a depuração de TPM
período basal, constatou-se redução mediana na
associado a FAEs indutores enzimáticos foi su-
porcentagem destas de 58% nos pacientes com
perior a 50% em relação à verificada em uma
TPM e aumento de 3% naqueles com placebo (p
população comparável de adultos, indicando
≤ 0,001). Outras análises estatísticas globais mos-
que as concentrações plasmáticas de TPM de-
traram que a eficácia de TPM não foi afetada pelo
veriam, na presença de FAEs indutores enzimá-
sexo do paciente, idade ou frequência de crises no
ticos, apresentar-se cerca de 33% mais baixas
período basal.
em crianças do que em adultos em doses com-
Rosenfeld et al.40 reviram a evolução a lon-
paráveis de TPM em mg/kg.
go prazo de 214 adultos com epilepsia focal, que
passaram para monoterapia na fase de extensão
Eficácia clínica de cinco ensaios clínicos. Após dois anos e meio,
No Brasil, de acordo com a Portaria no 1.319, observaram que um terço dos pacientes persistiu
de 25 de novembro de 2013, TPM foi indicado em monoterapia, dos quais 62% estavam livres de
como monoterapia para crises focais ou TCGs crises por pelo menos três meses.
153
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
154
Topiramato
foram de 33% nas que receberam TPM versus 73% dos pacientes e as crises mioclônicas diminu-
11% daquelas com placebo (p = 0,003), mostran- íram em um menor número deles.
do que TPM foi significantemente mais eficaz Ao estudarem crianças com menos de 12 anos
que placebo no controle de crises de início focal de idade, Mikaeloff et al.53 observaram que TPM,
em crianças50. como terapia de adição, foi eficaz, diminuindo em
Durante o período de extensão aberto de um 50% ou mais a frequência das crises em 50% das
estudo duplo-cego, 83 crianças receberam TPM 128 crianças com epilepsias focais e em 44% da-
em dose média mais elevada (9 mg/kg/dia) e fo- quelas 79 com formas generalizadas. A gravidade
ram seguidas por períodos de 96 a 923 dias (mé- das crises piorou em 13% dos pacientes com cri-
dia de 440 dias). Comparativamente à frequência ses focais e em 17% das generalizadas. Em relação
de crises de início focal do período basal, obser- às epilepsias generalizadas, houve maior eficácia
vou-se redução igual ou superior a 50% em 57% nas formas sintomáticas, bem como na epilepsia
dos pacientes e igual ou superior a 75% em 42% mioclônica grave da infância e epilepsia mioclô-
dos pacientes. Por ocasião da última visita, 14% nico-atônica e discreta naquelas com as síndro-
dos pacientes estavam sem crises por seis meses mes de West e Lennox-Gastaut.
ou mais51.
A introdução de TPM em monoterapia em
Epilepsia ausência da infância
substituição a um fármaco eficaz, porém não
tolerado, foi avaliada por Glauser et al.51. Esses TPM não parece eficaz na síndrome de epi-
autores, em cinco crianças com epilepsia focal lepsia ausência da infância. Cross54 utilizou-o
controlada com apenas um FAE, mas promoven- em cinco crianças com essa síndrome, três delas
do efeitos adversos intoleráveis, substituíram essa já medicadas com VPA sem sucesso, verificando
medicação por TPM, tendo titulado a dose de 1 a que duas ficaram sem crises, duas permaneceram
6 mg/kg/dia. Dessas crianças, duas ainda não es- inalteradas e uma melhorou. Piña-Garza et al.55
tavam em monoterapia por ocasião da publicação, utilizaram TPM em 12 crianças de quatro a nove
uma não tolerou TPM, apresentando distúrbios anos de idade com epilepsia ausência da infância
cognitivos e do comportamento, e duas aceitaram na dose de 15 ou 25 mg/dia. Eles observaram que
bem a monoterapia, mantendo-se sem crises. Os quatro pacientes tornaram-se clinicamente livres
autores concluíram que em crianças com crises de crises, mas sem redução significativa no nú-
focais complexas pode-se, quando necessário, mero de crises eletrográficas e seis pacientes in-
proceder à substituição do FAE inicial por TPM terromperam o tratamento por falta de eficácia,
em monoterapia. nenhum devido a eventos adversos. Portanto, em-
bora bem tolerado, esse estudo piloto demonstrou
a ineficácia de TPM em monoterapia para tratar
Crises generalizadas
epilepsia ausência da infância.
Em crianças e adultos, estudos mostram que
TPM é efetivo em todos os tipos de crises ge-
neralizadas, incluindo crises tônicas, atônicas, Síndrome de Lennox-Gastaut
mioclônicas e de ausência atípica. Em revisão da A eficácia de TPM na síndrome de Lennox-
literatura, para crises TCGs, Whelless e Wang52 Gastaut, especialmente em relação às crises de
observaram que a redução média foi de 56,7%, queda, foi demonstrada em vários estudos.
tendo 13,6% dos pacientes ficado sem crises. Já na Glauser et al.56 avaliaram 98 pacientes com
EMJ, as crises TCGs diminuíram mais de 50% em síndrome de Lennox-Gastaut (idade média: 11
155
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
anos) em um estudo de adição, multicêntrico, du- cientes (média de idade: 7 a 48 meses) com espas-
plo-cego e controlado com placebo. A dose média mos infantis refratários receberam TPM na dose
de TPM na fase duplo-cega foi de 4,8 mg/kg/dia. média de 15 mg/kg/dia, observando-se redução
A porcentagem mediana de redução da frequên- de 69% da frequência basal com diminuição de
cia basal das crises de queda foi de 14,5% para o 50% ou mais nos espasmos, em 9 dos 11 pacien-
grupo com TPM, comparada a um aumento de tes58. Sete das crianças puderam passaram para
5% no grupo placebo (p = 0,04). A avaliação da monoterapia com TPM59.
gravidade das crises pelos pais ou responsáveis Em uma revisão da literatura, Lee et al.60 ob-
também favoreceu de forma significativa o TPM servaram que TPM foi a segunda medicação an-
(p = 0,04). Na fase de extensão aberta, ao recebe- tiepiléptica mais utilizada no tratamento de crises
rem dose média de 11 mg/kg/dia, mais da metade de espasmo. A frequência de crianças livres de
(58%) de 97 pacientes apresentou redução igual espasmo variou de 20% a 30% quando se utilizou
ou superior a 50% das crises de queda, enquan- TPM como terapia de primeira linha e de 18% a
to 37% apresentaram redução igual ou superior a 45% quando utilizado como terapia de adição61.
75% nesse tipo de crise. A frequência global das Em relação ao esquema terapêutico, Kumada
crises foi reduzida de 50% ou mais em 43% e de et al.62 administraram doses de TPM de 1 mg/kg/
75% ou mais em 23% dos pacientes. Por ocasião dia, titulando 2 mg/kg/dia a cada três a quatro dias
da visita final, 15% dos pacientes estavam sem cri- até um máximo de 19 a 20 mg/kg/dia, a crianças
ses de queda e 2% tinham permanecido livres de de 5 a 22 meses com espasmos. Eles concluíram
todas as crises por seis meses ou mais. que doses elevadas de TPM e titulação rápida são
Em nosso meio, Guerreiro et al.57 avaliaram 19 efetivas e bem toleradas em crianças com síndro-
pacientes em estudo aberto de adição (4 a 14 anos) me de West sintomática.
por 36 meses. Sete pacientes completaram o estu-
do e a frequência de crises foi reduzida em 75% ou
mais em quatro deles, tendo duas crianças ficado
Epilepsia mioclônica severa da infância
livres de crises por mais de 24 meses. A maioria (síndrome de Dravet)
dos efeitos adversos, geralmente transitórios, rela- TPM tem se mostrado eficaz na epilepsia mio-
cionou-se ao sistema nervoso central (SNC), sen- clônica severa da infância, diminuindo a frequên-
do os mais comuns sonolência e anorexia. Após 36 cia de crises, em especial das TCGs. No estudo de
meses, quanto à qualidade de vida, os pais referi- Coppola et al.63, em 18 crianças, o controle das
ram melhora em relação ao estado de alerta (2/7), crises mioclônicas ocorreu em menor número
interação com o ambiente (5/7), capacidade de re- de pacientes, mas com importante diminuição na
alizar atividades diárias (5/7) e desempenho verbal frequência dessas crises, tendo uma apresentado
(6/7). A conclusão dos autores foi que TPM pode controle completo.
ser útil como terapia adjuvante no tratamento da Nieto-Barrera et al.64 avaliaram o uso de TPM
síndrome de Lennox-Gastaut, observando-se, em como terapia de adição também em 18 crianças
longo prazo, manutenção da segurança confirma- na dose de 1 a 8 mg/kg/dia com dois esquemas de
da por melhora da qualidade de vida e da eficácia titulação, semanal ou quinzenal. Observaram que
em mais de 40% dos pacientes. três pacientes (16,6%) ficaram livres de crises e dez
(55,6%) tiveram redução superior a 50% na fre-
Espasmos infantis (síndrome de West) quência delas, dentre os quais seis deles (22,2%)
Observações sugerem que TPM é efetivo nas obtiveram redução superior a 75%. Os efeitos ad-
crises de espasmo. Em um estudo piloto, 11 pa- versos foram observados em nove pacientes, oito
156
Topiramato
daqueles em que a titulação foi semanal e um com OXC. Os autores lembram que geralmente não se
titulação quinzenal. Os autores concluíram que recomenda TPM como tratamento de primeira
TPM é eficaz como terapia de adição para a sín- linha para a epilepsia em pacientes idosos, mas,
drome de Dravet e os efeitos indesejáveis são leves quando considerado para o indivíduo mais ve-
e transitórios, geralmente relacionados à titulação lho cognitivamente intacto, recomenda-se iniciar
rápida da dose. com dose de 25 mg, aumentando não mais que 25
Na síndrome de Dravet, Chiron65 acredita que mg por semana.
se deveria administrar VPA após crise febril com- Estudos têm demonstrado que se trata de um
plicada, nas recorrências estaria indicada a adição fármaco eficaz e bem tolerado nessa faixa etária.
de clobazam (CLB) e estiripentol e TPM e dieta Em um estudo de adição, duplo-cego e controlado
cetogênica são alternativas para os casos farma- por placebo, Zhang et al.67 investigaram a eficácia
corresistentes. e tolerabilidade de TPM em 86 idosos chineses
com epilepsia focal refratária. TPM foi titulado
até a dose de 200 mg/dia, determinando redução
Idosos igual ou superior a 50% em 47,8% dos pacientes
Estima-se que 25% de todos os novos casos versus 7,5% no grupo placebo. Os eventos adver-
de epilepsia ocorram em pessoas com mais de 60 sos mais comuns com TPM foram tontura, so-
anos de idade e que as características clínicas des- nolência, fadiga, dor de cabeça e dificuldade de
sa epilepsia são muitas vezes diferentes daquelas memória, a maioria deles transitórios e de inten-
observadas em pacientes mais jovens. Verifica-se sidade leve ou moderada.
que pacientes idosos frequentemente têm crises
focais com ou sem perda da consciência. A escolha
do FAE em idosos é difícil, pois vários são os fato- Epilepsia de início recente
res a considerar, como doenças associadas, vários A eficácia e tolerabilidade de TPM como mo-
medicamentos em uso e características farmaco- noterapia em epilepsia de início recente foram
cinéticas próprias dessa faixa etária. Ao avaliarem bem estabelecidas em dois importantes modelos
esses fatos em relação ao uso de TPM em idosos, de estudos multicêntricos internacionais. O pri-
Sommer e Fenn66 ressaltaram que a polifarmácia meiro incluiu adultos e crianças (maiores de três
muitas vezes prescrita a adultos mais velhos pode anos de idade), com crises focais com ou sem
alterar a concentração sérica de TPM. Assim ami- generalização, há, no máximo, três anos, sem tra-
triptilina, propranolol, lítio e sumatriptano po- tamento ou com, no máximo, um FAE (reduzido
dem elevar o nível de TPM, enquanto VPA pode nas primeiras três semanas). Esses pacientes fo-
diminuir de 10% a 15% o nível de TPM. Esses ram divididos em dois grupos de acordo com a
fatos têm levantado a questão da necessidade de dose de TPM: 50 ou 500 mg/dia (25 ou 200 mg/
avaliar as concentrações séricas para garantir não dia, se o peso fosse inferior a 50 kg)68,69. Nesse
só a adesão à medicação nessa população, mas modelo, foram avaliados 253 pacientes, tendo-se
também para monitorar as flutuações séricas. O verificado em relação à eficácia que a diferença
nível sérico eficaz de TPM é de 5 a 20 mg/l, mas entre os dois grupos foi significativa, tendo fica-
níveis mais baixos foram advogados para melho- do livres de crises 39% dos pacientes do grupo de
rar os efeitos cognitivos. Por outro lado, Sommer dose mais baixa (25 e 50 mg) e 53% daqueles do
e Fenn lembram que TPM tem muitas vantagens grupo de dose mais elevada68.
em relação a outros FAEs, incluindo não apresen- Segundo os autores, essa eficácia (39% a 53%)
tar nenhum risco de hiponatremia, como CBZ e foi semelhante à referida na literatura para outros
157
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
FAEs (35% a 56%), como LTG, PHT, VPA e CBZ. eficácia de TPM, em duas doses diferentes, com
Quanto à tolerabilidade, constatou-se baixa inci- CBZ (600 mg) e VPA (1.250 mg)72. Nesse interes-
dência de efeitos adversos em relação ao SNC, inci- sante modelo de estudo, o médico pesquisador
dência essa bem menor que a descrita nos estudos poderia, de acordo com o tipo de crise, definir o
de adição, tendo a maioria deles ocorrido apenas na melhor tratamento para seu paciente, escolhen-
fase de titulação70,71. Assim, pareceu para os autores do se ele iria para o “braço” de CBZ ou VPA. A
que a maioria dos efeitos adversos do TPM, como conclusão foi que TPM em monoterapia, princi-
ataxia, nervosismo, distúrbio de visão, alentecimen- palmente na dose de 100 mg, apresenta eficácia
to psicomotor, distúrbios da fala etc., poderia refle- e tolerabilidade semelhantes às de CBZ e VPA,
tir a interação farmacodinâmica com outros FAEs. sendo os resultados melhores em crianças (Figu-
Esse mesmo modelo de estudo foi utilizado ras 2 e 3). A análise em relação aos efeitos adver-
por vários outros autores que chegaram a conclu- sos mostrou que aqueles relacionados ao SNC são
sões semelhantes. Ritter et al.69 concluíram pelo comuns aos três farmacos, mas que parestesias,
não desenvolvimento de tolerância em seus pa- diminuição de peso e anorexia são mais comuns
cientes que foram seguidos por um a dois anos. com TPM, náusea e rash, com CBZ, enquanto
O segundo estudo, duplo-cego, comparou em tremor, alopecia, ganho de peso e náuseas foram
613 pacientes com epilepsia de início recente a mais comuns com VPA.
70 63
59
60 53
49
50 44 44 44
40
30
30
20
10
0
TPM 100mg TPM 200mg Carbamazepina Valproato
Figura 2. Frequência (em porcentagem) de pacientes livres de crises durante os últimos seis meses de tratamento72.
30 28 25
25 23
19
20
15
15 11
10
4
5
0
TPM 100mg TPM 200mg Carbamazepina Valproato
Figura 3. Frequência (em porcentagem) de pacientes que descontinuaram os fármacos devido a efeitos adversos72.
158
Topiramato
O uso de TPM em monoterapia em crises fo- Reino Unido, um estudo prospectivo multicên-
cais de início recente foi avaliado em um estudo trico, o SANAD, comparou em 716 pessoas com
duplo-cego com 470 pacientes. O estudo incluiu mais de quatro anos de idade com epilepsia gene-
uma grande coorte de crianças e adolescentes de 6 ralizada primária ou indeterminada a eficácia e a
a 15 anos de idade (N = 151,32%). Os pacientes fo- tolerabilidade de TPM e LTG com VPA e obser-
ram distribuídos aleatoriamente pelos grupos de vou que, embora TPM tenha sido menos eficaz
tratamento, em que TPM foi titulado para atingir que VPA no período da ocorrência da primeira
as doses de manutenção de 400 mg/dia (n = 77) ou crise, na remissão aos 12 meses não houve dife-
50 mg/dia (n = 74). Os pacientes foram acompa- rença significativa entre ambos, seja no total de
nhados por pelo menos seis meses. Em seis meses, pessoas, seja no subgrupo daquelas com epilepsia
a probabilidade de que as crianças/adolescentes generalizada idiopática.
que permaneceram no estudo estivessem livres de TPM em monoterapia apresenta boas eficácia
crises foi de 78% no grupo de dose-alvo de 50 mg e tolerabilidade, Observou-se ainda que a tolera-
e 90% com a dose mais elevada. Em 12 meses, a bilidade em monoterapia é melhor do que em po-
probabilidade de estar livres de crises foi de 62% literapia, o desenvolvimento de tolerância é pouco
e 85%, respectivamente. A incidência de eventos comum e a dose média diária não é necessaria-
adversos limitativos do tratamento foi de 4% no mente elevada, sendo para a epilepsia de início
grupo da dose-alvo de 50 mg e de 14% no gru- recente ao redor de 100 mg/dia.
po de 400 mg de dose-alvo. Os eventos adversos
mais comuns, excluindo doenças típicas da infân-
cia, foram dor de cabeça, diminuição do apetite, Estado de mal epiléptico
perda de peso, sonolência, tonturas, dificuldade Embora não exista uma formulação intrave-
de concentração/atenção e parestesia. Essa análi- nosa comercialmente disponível, TPM pode ser
se demonstrou que TPM é eficaz e bem tolerado administrado por via entérica, que pode torná-lo
como monoterapia por crianças e adolescentes73. adequado ao tratamento de estado de mal epilép-
Em revisão sistemática sobre as evidências de tico (EME).
eficácia/efetividade disponíveis na literatura para Towne et al.75 descreveram o uso de TPM em
vários FAEs como monoterapia e terapia de adi- suspensão, na dose de 300 a 1.600 mg/dia, admi-
ção para crises de início focal em crianças, Arya nistrado por sonda nasogástrica a seis pacientes
e Glauser74 verificaram que oxcarbazepina (OXC) com EME refratário, sendo em um deles após
é a única com evidência classe I como monote- coma barbitúrico prolongado. Em todos eles, as
rapia inicial para crises focais em crianças, TPM, crises regrediram em seis horas a dez dias, sendo
CBZ, CLB, LTG, PTH, VPA, VGB e zonisamida o único efeito adverso observado letargia.
(ZNZ) têm, na melhor das hipóteses, evidência Ferlisi e Shorvon76 recomendaram que no
de eficácia /efetividade classe III para monotera- EME refratário e super-refratário sempre se deve
pia de crises parciais em crianças. Já como terapia associar um FAE, pois quando se suspende um
adjuvante para o tratamento de crises focais em anestésico, por exemplo, é importante ter um FAE
crianças, TPM, gabapentina (GBP), LTG, leveti- para manutenção. No entanto, observaram que as
racetam (LEV) e OXC têm provas de eficácia/efe- publicações sobre a utilização de FAEs nessa situ-
tividade classe I74. ação se restringem a 60 casos (em dez relatórios),
Mais recentemente, a eficácia de TPM em tendo sido dez (em dois relatórios) tratados com
monoterapia foi comprovada também em epilep- TPM. Nestes, com dose de 2 a 25 mg/kg/dia em
sia generalizada primária de início recente. No crianças e até 1.600 mg/dia em adultos, TPM con-
159
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
trolou o estado em 62% deles. Constatou-se ainda rapia e 80% dos pacientes ou mais puderam per-
que um paciente faleceu e ocorreram complica- manecer nos ensaios.
ções, como acidose metabólica com TPM.
Por sua vez, Hottinger et al.77 reviram os Parestesia
prontuários dos pacientes com EME refratário
Parestesia é uma queixa comum de pacientes
tratados no Hospital Universitário de Basileia,
em uso de TPM que ocorre em até 48% deles79.
Suíça, entre agosto de 2004 e dezembro de 2011.
Apesar de frequente, esse efeito não é considerado
Destes, 35 (31%), com idade média de 60,5 anos,
relevante por muitos80.
foram tratados com 400 mg/dia a 800 mg ou mais
Embora possa ocorrer em pacientes com do-
de TPM. Em geral, EME foi controlado em 71%
ses mais baixas, a parestesia é mais comum em
dos pacientes em até 72 horas após a primeira ad-
doses mais elevadas, mostrando que o efeito é do-
ministração de TPM, sendo em 9% deles em até
se-dependente81.
24 horas. A mortalidade foi de 31%, mas depen-
deu principalmente da etiologia do EME. Não
houve eventos adversos graves ou fatais atribuí-
Distúrbios cognitivos
veis a TPM. Os efeitos adversos incluíram ligeira Os distúrbios cognitivos relacionados a TPM
acidose hiperclorêmica e hiperamonemia (todos caracterizam-se principalmente por dificuldades
associados à comedicação com ácido valproico). em funções verbais. Witt el al.82 observaram que
Para os autores, o tratamento de EME refratário a maioria dos pacientes em uso de TPM demons-
com TPM administrado por via enteral é viável e tra diminuição da fluência verbal, mas quando se
bem tolerado. consideram os efeitos cumulativos negativos de
epilepsia e medicações concomitantes, observa-se
que TPM se associa a um desempenho 21% a 28%
Segurança e tolerabilidade pior em comparação com outros fármacos.
Os eventos adversos relatados por mais de Esses efeitos cognitivos de TPM parecem de-
10% dos pacientes que receberam doses mais bai- pender da dose. Arroyo et al.81 observaram efei-
xas (200 a 400 mg/dia) ou mais elevadas (600 a tos cognitivos em 15% de seus pacientes em uso
1.000 mg/dia) de TPM ou placebo em seis ensaios de doses baixas de TPM e em 24% daqueles com
importantes para verificar a faixa de dose em adul- doses elevadas. Porém, como observaram Kim et
tos com crises parciais são mostrados na tabela 1. al.83, para alguns pacientes, os efeito cognitivos
Os eventos mais comumente referidos foram os podem ser intoleráveis mesmo com doses baixas.
relacionados ao SNC e incluíram tonturas, sono- Os efeitos de TPM em redes de linguagem
lência, alentecimento psicomotor, nervosismo, têm sido analisados por meio de ressonância
parestesias, ataxia e dificuldade de concentração magnética funcional (RMf). Yasuda et al.84 es-
ou memória. tudaram os dados de RMf em 24 controles e 35
Nesses ensaios de terapia de adição, os even- pacientes com epilepsia do lobo frontal tratados
tos adversos manifestaram-se mais frequente- com TPM em politerapia usando como paradig-
mente durante o período de titulação e aproxi- ma fluência verbal (FV) simples. Análises das
madamente três quartos de todas as interrupções secções transversais da RMf-FV naqueles em
do tratamento por eventos adversos ocorreram uso de TPM mostraram redução na desativação
durante os primeiros dois meses de terapia78. Vá- da rede de modo padrão relacionado com a ta-
rios dos eventos adversos relacionados ao SNC refa. Tanto a administração crônica como aquela
desapareceram a despeito da continuação da te- de dose única de TPM se associaram a prejuízo
160
Topiramato
da fluência verbal e rompimento de desativações observou que TPM provoca hiperuricemia leve
relacionadas com a tarefa. O estudo longitudinal em adultos do sexo masculino91.
confirmou esses achados. Segundo os autores,
tais achados sugerem um mecanismo pelo qual
TPM prejudica o processamento cognitivo du- Nefrolitíase
rante a função da linguagem e destaca a sensibi- Nefrolitíase é referida em aproximadamente
lidade de a RMf detectar os efeitos de FAEs em 1,5% dos 1.200 pacientes que receberam TPM.
redes cognitivas do cérebro. Todos os casos ocorreram em homens, não exi-
TPM foi relacionado ainda por ter impacto ne- giram cirurgia e três quartos dos cálculos foram
gativo sobre a memória de trabalho, velocidade de eliminados espontaneamente.
processamento, velocidade psicomotora e FV83,85-87. Na infância, a incidência de nefrolitíase assin-
Em pacientes com comprometimento intelec- tomática é cerca de 5%92,93. Corbin Bush et al.92
tual, é importante ressaltar que os distúrbios cog- referiram que os fatores de risco se relacionavam
nitivos de TPM são mais bem tolerados88. à própria urina como hipocitratúria (93%) e hi-
percalciúria (51%), que independem da dose de
TPM e da duração do tratamento. Outro fator de
Distúrbios psiquiátricos risco seria pH da urina alto (68%), correlacionado
O uso de TPM determina distúrbios psiquiá- com a dose de TPM.
tricos, como transtornos afetivos, comportamen- Um estudo de coorte em crianças em trata-
to agressivo, distúrbios psicóticos e do comporta- mento com dieta cetogênica mostrou que a pre-
mento, entre outros, especialmente em pacientes valência de nefrolitíase não se correlacionou com
com história familiar ou pessoal de doença psi- o uso de inibidores da anidrase carbônica. Assim,
quiátrica. Os distúrbios psiquiátricos, ao contrá- embora dieta cetogênica e TPM possam determi-
rio dos cognitivos, parecem estar relacionados à nar nefrolitíase, nada impede que sejam usados
velocidade mais rápida de titulação da medica- em conjunto.
ção89. Pasini et al.90 acreditam que os sintomas psi-
cóticos poderiam ser causados pela inibição das
áreas frontais e pré-frontais induzidas por TPM.
Redução de peso
Redução de peso é observada comumente du-
rante a terapia com TPM e não parece ter relação
Distúrbio metabólico com o sexo do paciente nem estritamente com a
A literatura indica que o uso de TPM se asso- dose diária, embora tenha sido referida diminui-
cia ao desenvolvimento de acidose, hipocalemia, ção de 1,1 kg em pacientes que receberam 200 mg/
hiperuricemia e hipocitratúria. Cinco estudos de dia de TPM a 5,9 kg em pacientes que receberam
caso-controle e seis estudos longitudinais avalia- 800 mg/dia ou mais. As reduções médias de peso
ram o efeito de TPM no equilíbrio ácido-base e mais importantes foram observadas em pacientes
de potássio. No tratamento com TPM, observou- com índice de massa corpórea mais elevado antes
se tendência significativa no sentido de ligeira a do tratamento, havendo tendência à estabilização
moderada acidose metabólica hiperclorêmica após 12 a 18 meses de terapia com TPM.
(com bicarbonato ≤ 21 mmol/l em cerca de cada Estudos em animais sugerem como mecanis-
três casos) e hipocalemia leve (com potássio ≤ 3,5 mos para a perda de peso determinada por TPM
mmol/l em 10% dos casos), efeitos esses seme- redução da eficiência energética, sensibilização à
lhantes em crianças e adultos. Um único estudo insulina e possível participação do hipotálamo e
161
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
de neuropeptídeos. Por outro lado, nos estudos tos e crianças em uso de TPM, é a ocorrência
em humanos, são referidos como mecanismos de distúrbio visual caracterizado principalmen-
possíveis redução de ingestão calórica, envolvi- te por miopia aguda secundária a glaucoma de
mento hormonal (especialmente adiponectina) e ângulo fechado99-102. Esse distúrbio, constatado
alterações no metabolismo lipídico e da glicose94. geralmente no primeiro mês de tratamento, tem
Essa possibilidade de determinar perda de início agudo caracterizado por dor ocular e/ou
peso tornou TPM uma boa escolha a pessoas borramento de visão. A avaliação oftalmológica
com epilepsia obesas. No entanto, esse efeito pode mostra severa miopia, hiperemia conjuntival,
contraindicar o uso de TPM em crianças nutri- superficialização da câmera anterior e aumen-
cionalmente vulneráveis ou mesmo em pacientes to da pressão intraocular bilateralmente, como
adultos com epilepsia associada a outras doenças ocorre na síndrome de glaucoma induzida por
neuropsiquiátricas, os quais não podem volunta- medicamentos. O tratamento consiste na rápida
riamente aumentar a ingestão calórica. descontinuação de TPM e de medicações espe-
cíficas capazes de diminuir a pressão intraocular
para evitar sequelas graves como perda da vi-
Hipertermia
são102. Nos pacientes descritos, a pressão intrao-
Hipertermia devida à oligo-hidrose é referida
cular regrediu prontamente e, embora a miopia
com o uso de TPM especialmente em crianças.
tenha persistido por dias, a acuidade visual gra-
Podem estar associados sintomas como rubor
dualmente retornou ao normal.
facial, letargia, sensação de coceira, irritabilidade
Uma revisão da literatura de 1996 a 2011 re-
com hipertermia, sensação de calor e intolerância
velou 65 artigos sobre distúrbios oftalmológicos
a este95. Embora na maioria das vezes reversível,
com 84 pacientes103. Dentre eles, 66 apresentaram
existem relatos de sequelas ou mesmo casos fa-
a síndrome de efusão ciliocoroidal (17 casos de
tais96. Galicia et al.97 descreveram um adulto tra-
miopia e 49 casos de glaucoma de ângulo fecha-
tado com TPM que apresentou hipertermia grave
do). Outros efeitos secundários mais raros de
e permaneceu com ataxia e disfunção cognitiva
TPM na visão também foram incluídos, como
como sequelas. Rosich Del Cacho et al.98 referi-
efusão de coroide, reações inflamatórias ocula-
ram uma criança de 11 anos de idade em uso de
res, defeitos do campo visual, efeitos prováveis na
TPM que apresentou grave hipertermia, necessi-
retina, córnea, esclera e complicações neuroftal-
tando de internação em unidade de tratamento
mológicas. Diante dessas possibilidades, Abtahi
intensivo após exercício físico. Os autores ressal-
et al.103 recomendaram que pacientes em uso de
tam a importância da prevenção, alertando a fa-
TPM com queixa de visão embaçada devem ser
mília sobre medidas profiláticas.
submetidos à avaliação oftalmológica, sendo re-
O mecanismo desse sintoma é desconhecido,
comendados medida da pressão intraocular, exa-
mas pode estar relacionado a seu efeito sobre a
mes detalhados de fundo de olho, exames de re-
anidrase carbônica, visto que isoenzimas II e IV
fração e avaliações de campo visual.
da anidrase carbônica estão presentes nas glându-
las sudoríparas e acredita-se que estejam envolvi-
das na produção de suor e na termorregulação97. Gravidez
O uso de TPM durante a gravidez se associa a
Distúrbio visual risco de má formação fetal, especialmente fendas
Um efeito raro e reversível, comum aos ini- faciais, e a recém-nascidos pequenos para a idade
bidores da anidrase carbônica, referido em adul- gestacional.
162
Topiramato
163
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
qual a titulação pode prosseguir com acréscimos Em lactentes, estudos mostram que a dose uti-
de 25 mg/dia, a intervalos de duas semanas, até lizada comumente é maior, chegando até 25 mg/
200 mg/dia (100 mg, duas vezes ao dia). Após esse kg/dia, não sendo necessária titulação tão lenta25,62.
período, a dose diária pode ser aumentada de 50 Na prática, algumas crianças responderão a
mg a cada semana, até alcançar a eficácia clínica doses inferiores a 6 mg/kg/dia, enquanto outras
ou a dose máxima tolerada. A dose efetiva míni- necessitarão de doses acima de 15 mg/kg/dia. A
ma de TPM como terapia adjuntiva em epilepsia dose de TPM necessita ser titulada até que a res-
parcial refratária é, em geral, de 200 mg/dia e a posta ótima seja obtida. No esquema de titulação
faixa de doses efetivas para a maioria dos pacien- lenta recomendado, o efeito terapêutico geral-
tes é de 200 a 400 mg/dia. Entretanto, há pacientes mente não será obtido por seis a oito semanas,
que respondem a doses tão baixas quanto 50 mg/ sendo importante adequar as expectativas dos
dia, enquanto alguns têm recebido doses de até pais ante a necessidade desse intervalo até que o
1.600 mg/dia de TPM112. efeito terapêutico seja alcançado119.
A ocorrência precoce de eventos adversos re-
lacionados ao SNC observada nos ensaios iniciais
Interrupção da terapêutica
de terapia adjuntiva parece relacionada aos esque-
A interrupção de TPM deve ser considerada
mas de titulação rápida empregados, cujos pro-
se os efeitos colaterais persistirem após redução
tocolos exigiam aumentos de 100 a 200 mg por
semana. A observação mostra que titulações mais na dosagem ou em qualquer ponto em que o tra-
lentas de TPM do que as utilizadas nesses ensaios tamento se torne inaceitável para o paciente ou
podem melhorar a tolerabilidade sem compro- quando não se obtém resposta em dose máxima
meter a eficácia do medicamento119. Mais recen- tolerada de TPM. Poderá ser reduzida em 100 a
temente, têm sido utilizados com sucesso regimes 200 mg/dia a intervalos semanais sem maiores
de titulação ainda mais conservadores comparati- problemas.
vamente aos regimes duplo-cegos iniciais112.
Como a depuração de TPM é mais rápida em Prevenção da epilepsia em
crianças do que em adultos, são necessárias doses
maiores. Como em adultos, a dosagem inicial e populações de risco
a velocidade na titulação são importantes. Para A epileptogênese é entendida como uma cas-
crianças, Glauser120 recomenda dose inicial de 1 cata de eventos que fundamentalmente altera o
mg/kg/dia seguida por acréscimos semanais de equilíbrio entre os mecanismos neurais de excita-
1 mg/kg, que poderiam ser ainda mais lentos ou ção e inibição. Acredita-se que essas alterações são
até rápidos de acordo com a resposta. Dos ensaios progressivas, existindo um “intervalo silencioso”,
duplo-cegos em pacientes pediátricos com crises frequentemente durando anos, entre a ocorrên-
de início parcial e síndrome de Lennox-Gastaut, cia do agente etiológico, como infecção do SNC,
a dose efetiva mínima de TPM em crianças com traumatismo cranioencefálico ou crise febril, e o
epilepsia refratária parece ser de 6 mg/kg/dia. surgimento da epilepsia121,122. A compreensão des-
Contudo, em fases de extensão aberta de crianças sas alterações progressivas e, consequentemente,
com crises de início parcial, as porcentagens de a descoberta de mecanismos capazes de evitá-las
pacientes responsivos aumentaram de 39% para seriam a chave para prevenir tal doença. Segundo
57% quando se elevou a dose média de TPM para esse raciocínio, várias são as propostas em estudo
9 mg/kg/dia, implicando que, para o grupo como para controlar os fatores etiológicos iniciais, in-
um todo, doses mais altas foram benéficas. cluindo terapia gênica e uso de agentes neuroprote-
164
Topiramato
tores que atuariam no “intervalo silencioso” da epi- desse tipo de ação em alguns dos FAEs existentes,
leptogênese, prevenindo o surgimento das crises. como TPM123.
A terapêutica com fármacos neuroproteto- A ação neuroprotetora de TPM foi demonstra-
res deve pressupor inicialmente mecanismos que da em estudos de isquemias focal e global e ainda
identifiquem as áreas epileptogênicas em desenvol- naqueles mais diretamente relacionados à epilep-
vimento dos futuros epilépticos, identificação essa sia que utilizaram o modelo kindling, o EME, a
ainda em fase inicial de pesquisa em neuroimagem, encefalopatia hipóxico-isquêmica e a leucoen-
neurofisiologia e biologia do desenvolvimento. cefalomalacia periventricular123-127. Tais estudos
Além das pesquisas para identificar a área sugerem que TPM apresenta papel neuroprotetor,
epileptogênica, deve-se buscar fármacos neuro- devendo, no futuro, ser utilizado clinicamente
protetores capazes de agir nessas áreas afetadas, no controle da epileptogênese, prevenindo, ou
prevenindo o surgimento das crises. Estudos ex- pelo menos diminuindo, a probabilidade de a
perimentais têm demonstrado a possibilidade epilepsia surgir.
Tabela 1. Eventos adversos que ocorreram em mais de 10% dos pacientes que receberam doses de topi-
ramato mais baixas (200 a 400 mg/dia) ou mais elevadas (600 a 1.000 mg/dia) ou placebo em em estudos
para determinar as faixas de doses
165
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Tabela 2. Recomendações para doses de topiramato (terapia adjuntiva em pacientes com crises par-
ciais refratárias)
166
Topiramato
19. Garnett WR. Clinical pharmacology of topirama- patients on monotherapy and during combination
te: a review. Epilepsia. 2000;41(suppl. 1):S61-S5. therapy. Epilepsia. 1994;34(suppl. 8):s54.
20. Doose DR, Walker SA, Gisclon LG, et al. Single- 31. Liao S, Rosenfeld WE, Palmer M, et al. Steady-
dose pharmacokinetics and effect of food on the -state pharmacokinetics of topiramate and val-
bioavailability of topiramate, a novel antiepileptic proic acid in patients with epilepsy on monothe-
drug. J Clin Pharmacol. 1996;36:884-91. rapy and during combination therapy. Epilepsia.
21. Gisclon LG, Riffitts JM, Sica DA, et al. The phar- 1994;35(suppl. 8):S117.
macokinetics (PK) of topiramate (T) in subjects 32. Bourgeois BFD. Drug interaction profile of topira-
with renal impairment (RI) as compared to mat- mate. Epilepsia. 1996;37(suppl. 2):S14-S7.
ched subjects with normal renal function (NRF). 33. Liao S, Palmer M. Digoxin and topiramate drug
Pharm Res. 1993;10(suppl):s397. interaction study in male volunteers. Pharm Res.
22. Johannessen SI. Pharmacokinetics and interac- 1993;10(suppl.):S405.
tion profile of topiramate: review and compari- 34. Doose DR, Wang S, Padmanabhan M, et al. Effect
son with other new antiepileptic drugs. Epilepsia. of topiramato or carbamazepine on the pharma-
1997;38(suppl. 1):S18-S23. cokinetics of an oral contraceptive containing
23. Rosenfeld WE, Doose DR, Walker SA, et al. A norethindrone and ethinyl estradiol in healthy
study of topiramate pharmakocinetics and tole- obese and nonobese female subjects. Epilepsia.
rability in children with epilepsy. Pediatr Neurol. 2003b;44(4):540-9.
1999;20(5):339-44. 35. Ben-Menachem E, Henriksen O, Dam M, et al.
24. Glauser TA, Miles MV, Tang P, et al. Topira- Double-blind, placebo-controlled trial of topira-
mate pharmacokinetics in infants. Epilepsia. mate as add-on therapy in patients with refractory
1999;40(6):788-91. partial seizures. Epilepsia. 1996;37:539-43.
25. Manitpisitkul P, Shalayda K, Todd M, et al. Phar- 36. Faught E, Wilder BJ, Ramsay RE, et al. Topiramate
macokinetics and safety of adjunctive topiramate placebo-controlled dose-ranging trial in refrac-
in infants (1-24 months) with refractory partial- tory partial epilepsy using 200-, 400-, and 600-mg
-onset seizures: a randomized, multicenter, open- daily dosages. Neurology. 1996; 46:1684-90.
-label phase 1 study. Epilepsia. 2013;54(1):156-64. 37. Reife RA, Pledger G, Lim P, et al. Topiramate: po-
26. Doose DR, Larsson KL, Natarajan J, et al. Compa- oled analysis of six placebo-controlled trials. Epi-
rative single-dose pharmacokinetics of topiramate lepsia. 1996;37(suppl. 4):S74.
in elderly versus young men and women. Epilep- 38. Rosenfeld W, Abou-Khalil B, Morrell M, et al.
sia. 1998;39(suppl. 6):S56. Double-blind placebo controlled trial of topira-
27. Doose DR, Walker SA, Sachdeo R, et al. Steady- mate adjunctive therapy for partial-onset epilepsy.
-state pharmacokinetics of Tegretol (carbamazepi- Epilepsia. 1996;37(suppl. 4):S5.
ne) and Topamax (topiramate) in patients with 39. Tassinari CA, Micchelucci R, Chauvel P, et al.
epilepsy on monotherapy and during combination Double-blind placebo-controlled trial of topira-
therapy. Epilepsia. 1994;34(suppl. 8):S35-S54. mate (600 mg daily) for the treatment of refractory
28. Rosenfeld WE, Doose DR, Walker SA, et al. Ef- partial epilepsy. Epilepsia. 1996;37:539-43.
fect of topiramate on the pharmacokinetics of an 40. Rosenfeld WE, Sachdeo RC, Faught RE, et al. Long-
oral contraceptive containing norethindrone and term experience with topiramate as adjunctive the-
ethinyl estradiol in patients with epilepsy. Epilep- rapy and as monotherapy in patients with partial
sia. 1997a;38:317-23. onset seizures: retrospective survey of open-label
29. Doose DR, Brodie MJ, Wilson EA, et al. Topira- treatment. Epilepsia. 1997;38(suppl. 1):S34-S6.
mate and lamotrigine pharmacokinetics during 41. Korean Topiramate Study Group. Low dose and
repetitive monotherapy and combination therapy slow titration of topiramate as adjunctive therapy
in epilepsy patients. Epilepsia. 2003a;44(7):917-22. in refractory partial epilepsies: a multicentre open
30. Gisclon LG, Curtin DR, Kramer LD. The steady-s- clinical trial. Seizure. 2002;11:255-60.
tate (SS) pharmacokinetics (PK) of phenytoin (Di- 42. Dodson WE, Kamin M, Kraut L, et al. Topirama-
lantin®) and topiramate (Topamax®) in epileptic te titration to response: analysis of individualized
167
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
168
Topiramato
71. Gilliam FG, Veloso F. Tolerability of topiramate 84. Yasuda CL, Centeno M, Vollmar C, et al. The effect
as monotherapy in patients with recently diag- of topiramate on cognitive fMRI. Epilepsy Res.
nosed partial epilepsy. Epilepsia. 1998;59(suppl. 2013;105(1-2):250-5.
6):S56. 85. Fritz N, Glogau S, Hoffmann J, et al. Efficacy and
72. Privitera MD, Brodie MJ, Mattson BH, et al; cognitive side effects of tiagabine and topiramate
EPMN 105 Study Group. Topiramate, carbama- in patients with epilepsy. Epilepsy Behav. 2005;6:
zepine, and valproate monotherapy: double blind 373-81.
comparison in newly diagnosed epilepsy. Acta 86. Kockelmann E, Elger CE, Helmstaedter C. Sig-
Neurol Scand. 2003; 107(3):15-175. nificant improvement in frontal lobe associated
73. Glauser TA, Dlugos DJ, Dodson WE, et al; EPMN- neuropsychological functions after withdrawal
106/INT-28 Investigators. Topiramate monothe- of topiramate in epilepsy patients. Epilepsy Res.
rapy in newly diagnosed epilepsy in children and 2003;54(2-3):171-8.
adolescents. J Child Neurol. 2007;22(6):693-9. 87. Lee H. Jung D, Suh C, at al. Cognitive effects of low-
74. Arya R, Glauser TA. Pharmacotherapy of focal dose topiramate monotherapy in epilepsy patients:
epilepsy in children: a systematic review of appro- a 1-year follow-up. Epilepsy Behav. 2006;8: 736-41.
ved agents. CNS Drugs. 2013;27(4):273-86. 88. Lee S, Sziklas V, Andermann F, et al. The effects
75. Towne AR, Garnett RN, Waterhouse EJ, et al. The of adjunctive topiramate on cognitive function in
use of topiramato in refractory status epilepticus. patients with epilepsy. Epilepsia. 2003;44:339-47.
Neurology. 2003;60(2):332-4. 89. Mula M, Trimble MR, Lhatoo SD, et al. Topirama-
76. Ferlisi M, Shorvon S. The outcome of therapies in te and psychiatric adverse events in patients with
refractory and super-refractory convulsive status epilepsy. Epilepsia. 2003;44:659-63.
epilepticus and recommendations for therapy. 90. Pasini A, Pitzianti M, Baratta A, et al. Timing and
Brain. 2012;135(Pt 8):2314-28. clinical characteristics of topiramate-induced psy-
77. Hottinger A, Sutter R, Marsch S, et al. Topiramate chosis in a patient with epilepsy and tuberous scle-
as an adjunctive treatment in patients with refrac- rosis. Clin Neuropharmacol. 2014;37(1):38-9.
tory status epilepticus: an observational cohort 91. Dell’Orto VG, Belotti EA, Goeggel-Simonetti B, et
study. CNS Drugs. 2012;26(9):761-72. al. Metabolic disturbances and renal stone promo-
78. Reife RA, Lim P, Pledger G. Topiramate: side-e- tion on treatment with topiramate: a systematic
ffect profile in double-blind studies. Epilepsia. review. Br J Clin Pharmacol. 2013 Nov 13.
1995;36(suppl. 4):S34. 92. Corbin Bush N, Twombley K, Ahn J, et al. Pre-
valence and spot urine risk factors for renal sto-
79. Krymchantowski AV, Jevoux CC. Topiramate vs.
nes in children taking topiramate. J Pediatr Urol.
divalproex sodium in the preventive treatment of
2013;9(6 Pt A):884-9.
migraine: a prospective “real-world” study. Hea-
93. Mahmoud AA, Rizk T, El-Bakri NK, et al. Inciden-
dache. 2011;51(4):554-8.
ce of kidney stones with topiramate treatment in
80. Ben-Menachem E. Is topiramate tops? Epilepsy
pediatric patients. Epilepsia. 2011;52(10):1890-3.
Curr. 2008:8:60-1.
94. Verrotti A, Scaparrotta A, Agostinelli S, et al. Topi-
81. Arroyo S, Dodson W, Privitera M, et al. Ran- ramate-induced weight loss: a review. Epilepsy
domized dose-controlled study of topirama- Res. 2011;95(3):189-99.
te as first-line therapy in epilepsy. Acta Neurol
95. Kim SC, Seol IJ, Kim SJ. Hypohidrosis-related
Scand. 2005;112:214-22. symptoms in pediatric epileptic patients with topi-
82. Witt JA, Elger CE, Helmstaedter C. Impaired ramate. Pediatr Int. 2010;52(1):109-12.
verbal fluency under Topiramate - Evidence for 96. Borron SW, Woolard R, Watts S. Fatal heat stroke
synergistic negative effects of epilepsy, topiramate associated with topiramate therapy. Am J Emerg
and polytherapy. Eur J Neurol. 2013;20(1):130-7. Med. 2013;31(12):1720.e5-6.
83. Kim S, Lee H, Jung D, et al. Cognitive effects 97. Galicia SC, Lewis SL, Metman LV. Severe topira-
of low-dose topiramate compared with ox- mate-associated hyperthermia resulting in persis-
carbazepine in epilepsy patients. J Clin Neu- tent neurological dysfunction. Clin Neurophar-
rol. 2006;2:126-33. macol. 2005;28(2):94-5.
169
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
98. Rosich Del Cacho M, Pareja Grande J, Martínez an open controlled randomized study comparing
Jiménez MD, et al. Heat stroke related to the use Sincronil and Topamax formulations. Panminerva
of topiramate. The importance of prevention. An Med. 2013;55(3):303-7.
Pediatr. (Barc) 2013 Nov 27. 114. Hill LG. Lorcaserin and phentermine/topiramate:
99. Boentert M, Autz H, Ludemann P. Acute myopia two leaps forward in weight loss pharmacothera-
and angle-closure glaucoma induced by topirama- py. Ann Pharmacother. 2013;47(12):1740.
te. Neurology. 2003;61(9):1306. 115. Del Re AC, Gordon AJ, Lembke A, et al. Prescrip-
100. Craig JE, Ong TJ, Louis DL, et al. Mechanism of topi- tion of topiramate to treat alcohol use disorders in
ramate-induced acute-onset myopia and angle closu- the Veterans Health Administration. Addict Sci
re glaucoma. Am J Ophthalmol. 2004;137(1):193-5. Clin Pract. 2013;8(1):12.
101. Gubbay SS. The occurrence of drug-induced myo- 116. Yang CS, Zhang LL, Zeng LN, et al. Topiramate for
pia as a transient side effect of topiramate. Epilep- Tourette’s syndrome in children: a meta-analysis.
sia. 1998;39(4):451. Pediatr Neurol. 2013;49(5):344-50.
102. Baloch M, Siddiqui MA. Topiramate induced sudden 117. Topiramate extended-release (Trokendi XR) for
loss of vision. J Pak Med Assoc. 2012;62(10):1092-3. epilepsy. Med Lett Drugs Ther. 2013;55(1428):87-8.
103. Abtahi MA, Abtahi SH, Fazel F, et al. Topiramate 118. Sander JW. Using topiramate in patients with
and the vision: a systematic review. Clin Ophthal- epilepsy: practical aspects. Can J Neurol Sci.
mol. 2012;6:117-31. 1998;25(3):S16-S8.
104. Hernández-Díaz S, Smith CR, Shen A, et al. Com- 119. Edwards KR, Kamin M, Topiramate TPS-TR
parative safety of antiepileptic drugs during preg- Study Group. The beneficial effect of slowing the
nancy. Neurology. 2012;78(21):1692-9. initial titration rate of topiramate. Neurology.
105. Margulis AV, Mitchell AA, Gilboa SM, et al.; Na- 1997;48(suppl. 2):A39.
tional Birth Defects Prevention Study. Use of topi- 120. Glauser TA. Topiramate use in pediatric patients.
ramate in pregnancy and risk of oral clefts. Am J Can J Neurol Sci. 1998;25(suppl. 3):S12.
Obstet Gynecol. 2012;207(5):405.e1-7. 121. Jacobs MP, Fischbach GD, Davis MR, et al. Fu-
106. Veiby G, Daltveit AK, Engelsen BA, et al. Fetal ture directions for epilepsy research. Neurology.
growth restriction and birth defects with newer 2001;57:1536-42.
and older antiepileptic drugs during pregnancy. J 122. Lee S-R, Kim S-P, Kim J-E. Protective effect of
Neurol. 2014 Jan 22. [Epub ahead of print] topiramate against hippocampal neuronal dama-
107. Ben-Menachem E, Sander JW, Stefan H, et al. ge after global ischemia. Neuroscience Letters.
Topiramate monotherapy in the treatment of 2000;281:183-6.
newly or recently diagnosed epilepsy. Clin Ther. 123. Niebauer M, Gruenthal M. Topiramate reduces
2008;30(7):1180-95. neuronal injury after experimental status epilep-
108. Faught E. Topiramate in the treatment of partial ticus. Brain Res. 1999;837(1-2):263-9.
and generalized epilepsy. Neuropsychiatr Dis Tre- 124. Emonds Hl, Jiang YD, Zhang PY, et al. Anticon-
at. 2007:3:811-21. vulsant activity of topiramate and phenytoin in a
109. Groselj J, Guerrini R, Van Oene J, et al; TOP-INT-51 rat model of ischemia-induced epilepsy. Life Sci.
Investigators’ Group. Experience with topiramate 1996;59:127-31.
monotherapy in elderly patients with recent-onset 125. Follet PL, Koh S, Fu JM, et al. Protective effects
epilepsy. Acta Neurol Scand. 2005;112(3):144-50. of topiramate in a rodent model of periventricular
110. Salinas-estabane R. Topiramate monotherapy in leukomalacia. Ann Neurol. 2000;48:527.
adults with newly diagnosed epilepsy. Adv Ther. 126. Koh S, Jensen FE. Topiramate blocks acute and
2002;19(3):126-8. chronic epileptogenesis in a rat model of perinatal
111. Stefan H, Hubbertz L, Peglau I, et al. Epilepsy hypoxic encephalopathy. Epilepsia. 1999;40(su-
outcomes in elderly treated with topiramate. Acta ppl. 7):S5.
Neurol Scand. 2008;118:164-74. 127. Yang Y, Li Q, Shuaib A. Low-dose combina-
112. Sander, 1998 tion therapy of urokinase and topiramate in
113. Cosentino G, Paladino P, Maccora S, et al . Efficacy focal cerebral ischemia. Neuropharmacology.
and safety of topiramate in migraine prophylaxis: 2000;39:881-8.
170
Gabapentina
14 Uma molécula não metabolizada
Guilca Contreras-Caicedo
Neuropediatra, Professora de Neurologia do Centro Medico la Trinidad, Caracas, Venezuela.
O H2N COOH
H2
H2N C C
C C OH
H2 H2
GABA Gabapentina
171
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
não interage com glutamato, glicina ou recepto- transporte de L-aminoácidos. Contudo, ao contrário
res NMDA. Essas características neurofisiológicas da L-leucina, a GBP não é metabolizada no citosol. É
indicam que a GBP tem um mecanismo de ação possível que a GBP altere o conteúdo de aminoácidos
diferente dos usualmente descritos para outros no citosol. Entretanto, desconhece-se se esse efeito
fármacos antiepilépticos (FAEs)4. tem alguma importância para sua ação antiepiléptica.
O mecanismo de ação da GBP se associa a sua
união a uma proteína auxiliar da subunidade α2-δ
dos canais de cálcio dependentes de voltagem, es-
Ação em modelos animais
pecialmente nas camadas superficiais do neocór- A GBP tem efeitos anticonvulsivantes nos se-
tex e nas camadas dendríticas do hipocampo. Essa guintes modelos animais:
união provoca a redução do influxo de cálcio nos • Previne crises tônicas extensoras induzidas
terminais pré-sinápticos, impedindo a liberação por eletrochoque máximo em camundongos e
de glutamato, da noradrenalina e da substância P, ratos (ED50 200 e 9 mg/kg, respectivamente).
o que explica seus efeitos analgésico, ansiolítico e • Aumenta o limiar epileptogênico para crises
antiepiléptico5-7 (Figura 2). clônicas induzidas por pentilenotetrazol em
Alguns estudos demonstraram que GBP se camundongos (ED50 450 mg/kg).
liga com alta afinidade ao sistema L de transpor- • Impede crises clônicas induzidas por bicucu-
te de aminoácidos na membrana neuronal de rãs. lina, picrotoxina e estricnina e crises tônicas
No entanto, não se sabe se o sítio primário de ação extensoras induzidas por tiosemicarbazida em
da GBP ocorre nesse sistema L de transporte de camundongos.
aminoácidos, ou se essa união simplesmente per- • Reduz significativamente crises comporta-
mite que a GBP penetre no citosol das células do mentais por estimulação elétrica cerebral em
SNC para ali exercer sua ação8. modelos de kindling hipocampal em ratos.
A GBP apresenta também grande semelhança • Previne crises convulsivas generalizadas em
estrutural com a L-leucina e, ainda, mimetiza a ação modelos animais com susceptibilidade gené-
da L-leucina em diversos locais, como no sistema de tica em hamsters.
Subunidade α2-δ
Canais de Ca2+ dependentes
Noradrenalina de voltagem
Glutamato
Substância P
Pontos de união de
neurotransmissores
Pré-sinapse
Pós-sinapse
Figura 2. União da gabapentina à subunidade α2-δ dos canais de cálcio dependentes de voltagem.
172
Gabapentina
173
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
As excelentes características farmacocinéticas Ainda, por seu potente efeito analgésico, é o fár-
da GBP tornam fácil seu manejo, apresentando maco eleito para tratar pacientes com dor neu-
grandes vantagens para ser utilizada em diversas ropática e neuralgia pós herpética21-23. Há alguns
situações clínicas. estudos sobre seu efeito benéfico em sintomas
Considerando a vida média da GBP, reco- de ansiedade (generalizada, pânico e fobias) e
menda-se que seja administrada em três toma- transtornos do humor.
das diárias, mas como em modelos animais se Como GBP não tem efeito algum sobre o fíga-
observou que se acumula no tecido nervoso, do, é o fármaco ideal para pacientes com porfiria
alguns autores sugerem que, em determinadas intermitente aguda.
situações, possa ser administrada em duas toma-
das diárias. Formas de administração
Como o sistema de transporte facilitado GBP se encontra disponível em cápsulas de
para a absorção intestinal da GBP é saturá- 100, 300 e 400 mg, comprimidos de 600 e 800 mg e
vel, sua absorção em doses elevadas (acima de solução oral (50 mg/ml). A titulação para alcançar
3.600 mg/dia) ocorre de forma não linear e re- doses mínimas com eficácia clínica (900 a 1.200
comenda-se que seja administrada em quatro mg/dia) é possível de forma relativamente rápida
tomadas diárias quando a dose diária é supe- em dois a três dias (por exemplo, deve-se iniciar
rior a 4.800 mg. com 300 mg/dia e aumentar 300 mg a cada dia
GBP não se une a proteínas plasmáticas. Não até chegar a 900 mg/dia), sendo geralmente bem
existe relação entre os níveis séricos e o efeito te- tolerada. Caso ocorram efeitos adversos (especial-
rapêutico, não sendo recomendada, assim, a mo- mente sonolência), sugere-se realizar a titulação
nitoração de seus níveis séricos na prática clínica. de forma lenta, considerando a tolerabilidade do
O controle deve basear-se na resposta terapêutica paciente para, dessa forma, minimizar os efeitos
e no surgimento de efeitos adversos. adversos (por exemplo, deve-se iniciar com 300
GBP não é metabolizada no organismo, sen- mg/dia e aumentar a dose a cada quatro a sete dias
do excretada pelos rins em sua forma ativa. A até chegar a 900 mg/dia). Em determinadas situ-
dose deve ser ajustada segundo a depuração da ações clínicas nas quais se almeja o rápido con-
creatinina em pacientes com insuficiência re- trole das crises, é possível utilizar 4.800 mg/dia
nal, reduzindo-a à metade se a depuração da ou mais em dois a três dias, provavelmente com
creatinina estiver entre 30 e 60 ml/min, a um surgimento de efeitos adversos, um preço a pagar
quarto se estiver entre 15 e 30 ml/min e a um ante a necessidade de alcançar efeito terapêutico
oitavo se a depuração da creatinina for menor em curto tempo.
de 15 ml/min. Em crianças de 3 a 12 anos de idade, a dose
É eliminada por hemodiálise, portanto se re- de início é de 10 a 15 mg/kg por dia, dividida
comenda administrar uma dose de 300 a 400 mg em três doses, até chegar a 25 a 35 mg/kg por
no início da hemodiálise e 200 a 300 mg depois de dia em crianças maiores de 5 anos e 40 mg/kg
cada quatro horas de hemodiálise. por dia em crianças de 3 a 4 anos. Doses de até
A ausência de metabolização hepática e a 50 mg/kg por dia têm sido bem toleradas em
falta de ligação a proteínas séricas conferem à estudos clínicos.
GBP vantagens pela ausência de interação com Em idosos e pacientes com insuficiência renal,
outros FAEs ou medicamentos que o paciente a dose total do fármaco deve ser ajustada propor-
esteja recebendo em razão de câncer, aids etc. cionalmente à depuração da creatinina (Tabela 2).
174
Gabapentina
175
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
estudos oncogênicos com doses de 2.000 mg/kg gestações, duração da gravidez, parto, comporta-
que produzem concentração plasmática 14 vezes mento com a prole/cuidado e lactação.
maior que a observada em humanos com dose
de 2.400 mg/dia. A relevância desses tumores
de células acinares pancreáticas em ratos é des-
Considerações finais
conhecida em seres humanos, particularmente A GBP é eficaz no tratamento de crises par-
considerando que os tumores ductais, mais que os ciais simples ou complexas, com ou sem genera-
de células acinares, são a forma predominante de lização secundária, como terapia adjunta e mo-
câncer de pâncreas humano. noterapia inicial, essa última particularmente em
GBP não tem potencial genotóxico nem in- idosos, população com nível de evidência A para
duz aberrações na estrutura cromossômica em seu uso, com lamotrigina. Seu uso foi aprovado
células de mamíferos in vitro ou in vivo, tampou- pela FDA como terapia adjunta em crises parciais
co induz a formação de micronúcleos na medula simples ou complexas com ou sem generalização
óssea de hamsters. secundária em crianças de 3 a 12 anos de idade.
Suas vantagens principais são seu perfil farmaco-
cinético e sua tolerabilidade, sendo uma opção
Teratogenicidade atraente para o tratamento desses tipos de crises
Não há estudos sistemáticos sobre o poten- em idosos e em pacientes que utilizam diversos
cial teratogênico da GBP em seres humanos. Em medicamentos para outras doenças de base. Sua
modelos animais (ratos e camundongos) em que principal desvantagem é a necessidade de ser ad-
se empregaram doses de 2.000 mg/kg, observou- ministrada em três tomadas diárias, o que dificul-
se retardo na ossificação esquelética, mas não no ta a adesão ao tratamento.
peso corporal total. O uso de doses 25 a 50 vezes
maiores que as empregadas em seres humanos Referências bibliográficas
provocou hidronefrose e hidroureteres, mas não
1. Marais E, Klugbauer N, Hofmann F. Calcium
outras malformações. Não se demonstrou que channel alpha(2)delta subunits. Structure and
GBP tenha algum efeito mutagênico em ensaios gabapentin binding. Molecular Pharmacol.
in vitro. 2001;59:1243-8.
A informação disponível até este momento 2. Lanneau C, Green A, Hirst WD, et al. Gabapentin
is not a GABA-B receptor agonist. Neuropharma-
sugere que GBP apresenta baixo risco teratogê-
cology. 2001;41:965-75.
nico, porém como não foram realizados estudos
3. Jensen AA, Mosbacher J, Elg S, et al. The anti-
adequados e bem controlados para estabelecer a convulsant gabapentin (Neurontin) does not act
segurança desse fármaco em mulheres grávidas, through gamma-aminobutyric acid-B receptors.
recomenda-se seu uso durante a primeira gesta- Molecular Pharmacol. 2002;61:1377-84.
ção somente quando se considera que os benefí- 4. Taylor CP, Gee NS, Su TZ, et al. Mechanisms of
cios para a mãe superam os riscos sobre o feto. gabapentin. Epilepsy Res. 1998; 29(3):233 49.
5. Gee NS, Brown JP, Dissanayake VU, et al. The
novel anticonvulsant drug, gabapentin (Neuron-
Reprodução tin), binds to the alpha2delta subunit of a calcium
channel. J Biol Chem. 1996;271(10):5768-76.
Em estudos de reprodução e fertilidade em
6. Belliotti TR, Capiris T, Ekhato IV, et al. Structu-
ratas, os quais empregaram doses de GBP de até re-activity relationships of pregabalin and analo-
2.000 mg/kg, não se observaram efeitos adver- gues that target the alpha(2)-delta protein. J Med
sos sobre fertilidade, intervalo pré-coital, taxa de Chem. 2005;48:2294-307.
176
Gabapentina
7. Taylor CP, Angelotti T, Fauman E. Pharmacology 17. Chadwick D, Leiderman DB, Sauermann W, et al.
and mechanism of action of pregabalin: the cal- Gabapentin in generalized seizures. Epilepsy Res.
cium channel alpha2-delta (alpha2-delta) subunit 1996;25:191 7.
as a target for antiepileptic drug discovery. Epi- 18. Rowan AJ, Ramsay RE, Collins JF, et al. New onset
lepsy Res. 2007;73:137-50. geriatric epilepsy: a randomized study of gabapen-
8. Su TZ, Feng MR, Weber ML. Mediation of hi- tin, lamotrigine, and carbamazepina. Neurology.
ghly concentrative uptake of pregabalin by L- 2005;64:1868-73.
type amino acid transport in Chinese hamster 19. Brodie MJ, Chadwick DW, Anhut H, et al. Ga-
ovary and Caco-2 cells. J Pharmacol Exp Ther. bapentin versus lamotrigine monotherapy: a
2005;313:1406-15. double-blind comparison in newly diagnosed epi-
9. Bower et al., 1989. lepsy. Epilepsia. 2002;43:993-1000.
10. UK Gabapentin Study Group. Gabapentin and 20. Marson AG, Al-Kharusi AM, Alwaidh M, et al.
partial epilepsy. Lancet. l990;335:1114 7. The SANAD study of effectiveness of carbama-
11. Sivenius J, Kälviäinen R, Ylinen A, et al. Double zepine, gabapentin, lamotrigine, oxcarbazepine,
blind study of gabapentin in the treatment of par- or topiramate for treatment of partial epilepsy: an
tial seizures. Epilepsia. 1991; 32:539 42. unblinded randomised controlled trial. Lancet.
12. US Gabapentin Study Group n. 5. Gabapentin as 2007;369:1000-15.
add on therapy in refractory partial epilepsy: a 21. Bourgeois B, Brown LW, Pellock JM, et al. Ga-
double blind, placebo controlled, parallel group bapentin monotherapy in children with benign
study. Neurology. 1993;43:2292 8. childhood epilepsy with centrotemporal spikes
13. Baulac M, Cavalcanti D, Semah F, et al. Gabapen- (BECTS): a 36-week, double-blind, placebo-con-
tin add on therapy with adaptable doses in 610 trolled study. Epilepsia. 1998;39(suppl. 6):163.
patients with partial epilepsy: an open observatio- 22. Schmidt B. Gabapentin. Clinical efficacy and use
nal study. The French Gabapentin Collaborative in other neurological disorders. In: Levy RH,
Group. Seizure. 1998;7:55 62. Mattson RH, Meldrum BS, et al. (eds.). Antie-
14. Wilson AE, Sills GJ, Forrest G, et al. High dose pileptic drugs. 5. ed. Philadelphia: Lippincott
gabapentin in refractory partial seizures: clini- Williams & Wilkins, 2002. p. 344-53.
cal observations in 50 patients. Epilepsy Res. 23. Curran MP, Wagstaff AJ. Gabapentin in posther-
1998;29:161-6. petic neuralgia. CNS Drugs. 2003;17(13):975-82.
15. Khurana DS, Riviello J, Helmers S, et al. Efficacy 24. Khadem T, Stevens V. Therapeutic options for
of gabapentin therapy in children with refractory the treatment of postherpetic neuralgia: a syste-
partial seizures. J Pediatr. 1996;128: 829 33. matic review. J Pain Palliat Care Pharmacother.
16. Appleton et al., 1998. 2013;27(3):268-83.
177
Pregabalina
15 Sucedendo a gabapentina com maior
eficácia em crises parciais
Valentín Sainz Costa
Professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Central da Venezuela,
Caracas, Venezuela.
A pregabalina (PGB) é um aminoácido rela- Administration (FDA) para uso em epilepsia, neu-
cionado ao ácido gama- aminobutírico (GABA), ropatia dolorosa diabética e neuralgia pós-herpética
cuja estrutura molecular é similar à da gabapen- em dezembro de 2004. Foi comercializada no mer-
tina (GBP) (Figura 1). Como a GBP, a PGB não cado americano em outubro de 2005 e, em junho
atua diretamente nos receptores GABA nem se de 2007, a FDA aprovou-a para tratar fibromialgia.
une a seus transportadores.
CH2 CH2 Mecanismos de ação
A PGB se une à subunidade α2-δ, uma pro-
H2N CH2 COOH teína auxiliar do canal de cálcio dependente de
Ácido gama-aminobutírico (GABA) voltagem tipos L e N no sistema nervoso central
(SNC), reduzindo o influxo de cálcio no termi-
nal neuronal e, consequentemente, a liberação
H2N COOH de neurotransmissores como glutamato, nora-
drenalina e substância P, o que determina seus
efeitos analgésico, ansiolítico e antiepiléptico
Gabapentina (Figura 2). PGB não tem efeito sobre a liberação,
síntese nem degradação do GABA. Por outro
lado, não exerce efeito algum sobre os recepto-
H2N COOH res GABA-A nem GABA-B, tampouco é meta-
H CH3 bolizada em GABA1-4.
sítio de
união da
CH3 pregabalina
Pregabalina
179
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
180
Pregabalina
Eficácia Metodologia
Os estudos realizados até o momento sugerem O parâmetro primário de eficácia foi a respon-
eficácia em adultos com crises parciais refratárias se ratio (R ratio), fórmula que mede a alteração
ao tratamento com outros fármacos antiepilépti- percentual da frequência de crises em relação ao
cos (FAEs)6. Foram realizados três ensaios clínicos período basal, ou seja, o quanto melhorou a fre-
(1008-009, 1008-011 e 1008-034), duplo-cegos, quência de crises.
randomizados e controlados com placebo que Esta fórmula pode ser expressa como:
incluíram 758 pacientes adultos de 12 a 75 anos
T-B x 100
(média 38), com duração média da epilepsia de
T+B
25 anos. PGB foi incluída ao esquema terapêutico
utilizado durante o período basal. Por outro lado,
em que, T = frequência de crises durante o
294 pacientes receberam placebo. Um dos critérios
tratamento e B = frequência de crises no perí-
de inclusão nesses estudos era a refratariedade das
odo basal.
crises a um ou dois FAEs em doses máximas tole-
Valores negativos dessa relação indicam redu-
radas. Desse total, 27% dos 758 pacientes recebe-
ção na frequência de crises. Assim, se um paciente
ram apenas um FAE, 50% foram tratados com dois
apresentava dez crises por mês e passou a apre-
e 23%, com três FAEs em doses efetivas. Apesar
sentar cinco, então:
do tratamento, tais pacientes continuaram apre-
sentando uma média de 24 crises parciais com ou 5-10 x 100 = - 5 x 100= -33
sem generalização secundária ao mês. Tais dados 10+5 15
nos permitem concluir que se tratava de pacientes
com epilepsia parcial muito refratária. Portanto, o escore - 33 indica diminuição de
Nos diferentes estudos, PGB foi utilizada em 50% das crises. A R ratio foi depois transformada em
doses de 50 a 600 mg/dia, em duas ou três toma- porcentagem de crises em relação ao período basal.
das diárias, sem titulação de doses ou apenas após Parâmetros secundários de eficácia incluí-
uma breve titulação de apenas uma semana. ram R rate, ou seja, a porcentagem de pacientes
181
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
com 50% de redução ou mais de crises com o tra- mg/dia não demonstrou eficácia. Tais resultados
tamento, o número de pacientes livres de crises mostram que a dose de PGB deve estar entre 150
por 28 dias (o critério utilizado foi que nenhum e 600 mg/dia para tratamento como fármaco ad-
paciente poderia estar sem crises durante quatro juntivo em crises parciais.
semanas para ser incluído no estudo) e o número Por outro lado, até 17% (15 de 89 pacientes
de pacientes sem crises por pelo menos seis meses que receberam PGB 600 mg) ficaram livres de
no período de extensão. crises por pelo menos 28 dias após iniciar o trata-
mento7. A longo prazo, 12% dos pacientes ficaram
livres de crises por seis meses ou mais8. O efeito
Resultados da adição da PGB é rápido, sendo observado já
A figura 3 mostra a R ratio dos três estudos. no segundo dia de tratamento. Esse é um atributo
A dose de PGB que se mostrou efetiva foi de 150 importante desse novo FAE9.
a 600 mg/dia. Não houve diferenças significativas Quando se compararam as doses de 150, 300
entre a administração em duas ou três ingestas ao e 600 mg ao dia, verificou-se aumento na eficá-
dia. A porcentagem média de redução no número cia com doses maiores. Com 600 mg/dia, PGB foi
de crises em relação ao período basal é a R ratio, superior a placebo no controle de crises parciais
que foi de 43% a 51% entre os pacientes que rece- simples, parciais complexas e tônico-clônicas ge-
beram PGB na dose de 600 mg/dia. A dose de 50 neralizadas (Tabela 3)10.
***
50 ***
*** ***
***
40
***
30
20
10
0
Placebo 50 150 300 600 Placebo 150 600 Placebo 600 três ingestas 600 duas ingestas
(n=100) (n=88) (n=68) (n=90) (n=89) (n=96) (n=99) (n=92) (n=98) (n=111) (n=103)
PGB mg/dia (duas ingestas) PGB mg/dia (três ingestas) PGB mg/dia (duas ou três ingestas)
182
Pregabalina
Tabela 3. Ensaios clínicos comparativos de pregabalina em relação a placebo como adjuvante em politerapia
French et al.11 453 (12-70) Crises parciais PGB em PGB 50 R ratio PGB 50: - 6* (↓ 12%)
com ou sem relação a PBO PGB 150 PGB 150: - 21* (↓ 34%)
generalização acrescentado PGB 300 PGB 300: - 28* (↓ 44%)
secundária ao tratamento PGB 600 PGB 600: - 37* (↓ 54%)
refratárias a prévio
PBO PBO: - 4 (↓ 4%)
outros FAEs (ao com FAEs.
menos seis crises Randomizado, (12 semanas)
nas oito semanas duplo-cego e
prévias) paralelo
Arroyo12 287 (17-73) Crises parciais PGB em PGB 150 R ratio PGB 150: - 11,5* (↓ 20,6%)
com ou sem relação a PBO PGB 600 PGB 600: - 31,4* (↓ 47,8%)
generalização acrescentado PBO PBO: + 0,9 (↑ 1,8%)
secundária ao tratamento (12 semanas)
refratárias a prévio
outros FAEs com FAEs.
(ao menos três Randomizado,
crises nas quatro duplo-cego e
semanas prévias) paralelo
Beydoum13 312 (17-82) Crises parciais PGB em PGB 600 R ratio PGB 600 (2): - 28,4* (↓ 44,3%)
com ou sem relação a PBO (duas ingestas) PGB 600 (3): - 36,1* (↓ 53%)
generalização acrescentado PGB 600 PBO: + 0,6 (↑ 1,2%)
secundária ao tratamento (três ingestas)
refratárias a prévio
PBO
outros FAEs (ao com FAEs.
menos seis crises Randomnizado, (12 semanas)
nas oito semanas duplo-cego e
prévias) paralelo
Elger14 341 (18-78) Crises parciais PGB em PGB 600 R ratio PGB 600 (2): - 32,7* (↓ 49,3%)
com ou sem relação a PBO (duas ingestas) PGB 150 a 600: - 21,5* (↓ 35,4%)
generalização acrescentado PGB 150 a 600 PBO: - 5,6 (↓ 10,6%)
secundária ao tratamento (dose flexivel)
refratárias a prévio
PBO
outros FAEs (ao com FAEs.
menos quatro Randomizado, (12 semanas)
crises nas seis duplo-cego e
semanas prévias) paralelo
183
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Tabela 4. Efeitos adversos mais frequentemente associados ao tratamento com pregabalina nos estudos
controlados, duplo-cegos, de segurança e eficácia em pacientes com epilepsia
Incidência
Frequência de apresentação em Abandono do ensaio pelo
global segundo
ensaios clínicos [tratados (%)] evento adverso (% )
o protocolo
PGB PBO PGB PBO
Tontura 28,9* 10,5 5,3 0,3 > 10
Sonolência 20,8* 10,9 3,3 0,0 > 10
Ataxia 13,2* 4,1 3,0 0,3 1 a 10
Astenia 11,2 8,2 1,8 0,3 0,1 a 1
Aumento de peso 10,4* 1,4 0,4 0,0 1 a 10
Lesões acidentais (quedas) 9,9* 5,4 0,9 0,0 0,1 a 1
Cefaleia 9,1 11,6 1,2 0,0 _
Ambliopia (visão borrada) 9,0* 4,4 1,6 0,0 1 a 10
Diplopia 8,4 3,7 1,6 0,7 1 a 10
Tremor 7,5* 3,7 1,5 0,0 0,1 a 1
Alterações do pensamento
(dificuldade de 7,0 2,0 1,3 0,0 1 a 10
concentração)
* Diferença estatisticamente significativa comparada a PBO.
184
Pregabalina
Indicações Precauções
• Terapia adjuvante para crises parciais com ou - Em idosos, a dose de PGB deve ser ajustada
sem generalização secundária em adultos. pela redução na função renal.
• Sua utilidade em pacientes com crises parciais - Não deve ser utilizada durante a gestação nem
secundárias a neoplasias foi destacada por al- a lactação. Foram relatados potenciais efeitos
guns21, bem como em complicações neuroló- teratogênicos em ratos. No entanto, há evidên-
gicas da aids, em decorrência da ausência de cias sugestivas de que PGB pode ser segura
interações farmacocinéticas com antineoplá- durante a lactação28-30.
sicos e antirretrovirais22. - Deve-se ajustar a dose de hipoglicemiantes em
• Dor neuropática na neuropatia diabética e diabéticos que ganhem peso durante o trata-
neuralgia pós-herpética. mento com PGB.
• Transtorno de ansiedade generalizada23. - Há riscos de acidentes por tontura e transtor-
• Fibromialgia .
2
nos de consciência.
• Tratamento da dependência de álcool e ben- - Recomenda-se cautela ante as alterações visu-
zodiazepínicos19,2. ais com PGB.
• Miscelânea: experiências clínicas com PGB - Há sintomas de retirada pela interrupção de
foram publicadas no tratamento do tremor PGB.
185
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
- Há risco de insuficiência cardíaca em pacien- 6. Stefan H, Kugler AR, Anhut H, et al. Pregabalin
tes acima de 65 anos com comprometimento adjuntive therapy in patients with partial seizures.
Washington/Seattle: American Epilepsy Society
da função cardiovascular.
Annual Meeting, December 2002.
- Recomenda-se precaução a pacientes com in-
7. Brodie MJ, Kugler AR, Anhut H, et al. Pregaba-
tolerância à lactose. lin adjunctive therapy in patients with partial
seizures: additional efficacy analyses. Epilepsia.
2002;43(suppl. 7):S186.
Considerações finais 8. Uthman BM, Beydoun A, Kugler AR, et al. Long-term
A PGB é uma molécula estruturalmente si- efficacy and tolerability of pregabalin in patients with
milar à GBP mas é superior a ela em termos far- partial seizures. Epilepsia. 2002;43(suppl. 7): S240.
macocinéticos e tem maior potência e efetividade 9. Perucca E, Ramsay RE, Robbins JL, et al. Pregaba-
lin demonstrates anticonvulsant activity by the se-
comprovada no controle de crises parciais como
cond day. Washington/Seattle: American Epilepsy
ou sem generalização secundária; é especialmente
Society Annual Meeting, December 2002.
útil no tratamento de pacientes polimedicados e 10. Greiner MJ, Kugler AR, Lee CM, et al. Pregabalin
em epilepsias sintomáticas decorrentes de tumo- shows efficacy in reducing simple partial, complex
res cerebrais; ainda apresenta eficácia reconhecida partial, and secondarily generalized seizures. Epi-
no tratamento de outras afecções, como neuropa- lepsia. 2003;44(suppl. 9):S260.
tia diabética dolorosa e neuralgia pós herpética, 11. French JA, Kugler AR, Robbins JL, et al. Do-
fibromialgia, transtorno de ansiedade generaliza- se-response trial of pregabalin adjuntive thera-
py in patients with partial seizures. Neurology.
da, síndrome das pernas inquietas, entre outras.
2003;60:1631-7.
Deve ser usada com cautela em pacientes com
12. Arroyo S, Anhut H, Kugler AR, et al. Pregabalin
insuficiência renal e cardíaca. add-on treatment: a randomized, double-blind,
placebo-controlled, dose-response study in adults
with partial seizures. Epilepsia. 2004;45(1):20-7..
Referências bibliográficas 13. Beydoun A, Uthman BM, Kugler AR, et al. Sa-
1. Kugler AR, Robbins J, Strand JC, et al. Pregabalin fety and efficacy of two pregabalin regimens for
overview: a novel CNS-active compound with anti- add-on treatment of partial epilepsy. Neurology.
convulsant activity. Washington/Seattle: American 2005;64(3):475-80.
Epilepsy Society Annual Meeting, December 2002. 14. Elger CE, Brodie MJ, Anhut H, et al. Pregabalin
2. Oulis P, Konstantakopoulos G. Efficacy and safety add-on treatment in patients with partial seizures:
of pregabalin in the treatment of alcohol and ben- a novel evaluation of flexible-dose and fixed-dose
zodiazepine dependence. Expert Opin Investig treatment in a double-blind, placebo-controlled
Drugs. 2012;21(7):1019-29. study. Epilepsia. 2005;46(12):1926-36.
3. Taylor CP, Angelotti T, Fauman E. Pharmacology 15. Huppertz HJ, Feuerstein TJ, Schulze-Bonhage A.
and mechanism of action of pregabalin: the cal- Myoclonus in epilepsy patients with anticonvul-
cium channel alpha2-delta (alpha2-delta) subunit sive add-on therapy with pregabalin. Epilepsia.
as a target for antiepileptic drug discovery. Epi- 2001;42(6):790-2.
lepsy Res. 2007;73(2):137-50. 16. Brigell MG, Carter CM, Smith F, et al. Prospective
4. Schulze-Bonhage A. Pharmacokinetic and phar- evaluation of the ophthalmologic safety of prega-
macodynamic profile of pregabalin and its role in balin shows no evidence of toxicity. Washington/
the treatment of epilepsy. Expert Opin Drug Me- Seattle: American Epilepsy Society Annual Mee-
tab Toxicol. 2013;9(1):105-15. ting, December 2002.
5. Asconapé JJ. Use of antiepileptic drugs in he- 17. Calabrò RS, De Luca R, Pollicino P, et al. Anorgas-
patic and renal disease. Handb Clin Neurol. mia during pregabalin add-on therapy for partial
2014;119:417-32. seizures. Epileptic Disord. 2013;15(3):358-61.
186
Pregabalina
18. Haddad F, Jammal M, Chehwane D, et al. Gait tions in irritable bowel syndrome. Dig Liver Dis.
instability revealing a syndrome of inappropriate 2014;46(2):113-8.
antidiuretic hormone secretion associated to pre- 25. Zesiewicz TA, Sullivan KL, Hinson V, et al. Mul-
gabalin. Rev Med Interne. 2012;33(11):e49-51. tisite, double-blind, randomized, controlled study
19. Scarano V, Casillo R, Bertogliatti S, et al. Incomple- of pregabalin for essential tremor. Mov Disord.
te atrioventricular block in a patient on pregabalin 2013;28(2):249-50.
therapy. Recenti Prog Med. 2013;104(11):574-6.
26. Linde M, Mulleners WM, Chronicle EP, McCrory
20. Ramsay RE, Perucca E, Robbins J, et al. Rapid on- DC. Gabapentin or pregabalin for the prophylaxis
set of seizure suppression with pregabalin adjunc- of episodic migraine in adults. Cochrane Database
tive treatment in patients with partial seizures.
Syst Rev. 2013;6:CD010609.
Epilepsia. 2009;50(8):1891-8.
27. Iturrino J, Camilleri M, Busciglio I, Burton D,
21. Rossetti AO, Jeckelmann S, Novy J, et al. Leveti-
Zinsmeister AR. Pilot trial: Pregabalin on colonic
racetam and pregabalin for antiepileptic mono-
sensorimotor functions in irritable bowel syndro-
therapy in patients with primary brain tumors.
me. Dig Liver Dis. 2014;46(2):113-8.
A phase II randomized study. Neuro Oncol. 2013
Dec 4 (epub ahead of print). 28. Davanzo R, Dal Bo S, Bua J, et al. Antiepi-
22. Siddiqi O, Birbeck GL. Current safe treatment of leptic drugs and breastfeeding. Ital J Pediatr.
seizures in the setting of HIV/AIDS. Treat Op- 2013;39:50.
tions Neurol. 2013;15(4):529-43. 29. Etemad L, Mohammad A, Mohammadpour AH,
23. Baldwin DS, Ajel K, Masdrakis VG, et al. Pregabalin et al. Teratogenic effects of pregabalin in mice.
for the treatment of generalized anxiety disorder: an Iran J Basic Med Sci. 2013;16(10):1065-70.
update. Neuropsychiatr Dis Treat. 2013;9:883-92. 30. Reimers A, Brodtkorb E. Second-generation an-
24. Iturrino J, Camilleri M, Busciglio I, et al. Pilot tiepileptic drugs and pregnancy: a guide for clini-
trial: pregabalin on colonic sensorimotor func- cians. Expert Rev Neurother. 2012;12(6):707-17.
187
Lacosamida
16 Um bloqueador de canal de sódio com
perfil farmacocinético próximo ao ideal
Luis Carlos Mayor
Diretor da Clínica de Epilepsia do Departamento de Neurologia do Hospital Universitario
Fundación Santa Fe de Bogotá, Bogotá, Colômbia.
189
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
190
Lacosamida
191
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
efeitos adversos mais frequentes são tonturas, ce- 4. French JA, Gazzola DM. Antiepileptic drug treat-
faleia, náuseas, diplopia, instabilidade na marcha ment: new drugs and new strategies. Continuum.
(Minneap, Minn) 2013;19(3):643-55.
e vômitos4, sendo tontura o efeito adverso mais
5. Curia G, Biagini G, Perucca E, et al. Lacosami-
frequente3. A porcentagem mais elevada de efeitos
de a new approach to target voltage-gated so-
secundários ocorre quando a dose recomendada é dium currents in epileptic disorders. CNS Drugs.
titulada rápidamente ou o fármaco é administra- 2009;2(7):555-68.
do em doses terapêuticas elevadas (por exemplo, 6. Buck ML, Goodkin HP. Lacosamide for the treat-
600 mg) e, ainda, quando LCM é combinada a ment of seizures in children. J Pediatr Pharmacol
antiepilépticos bloqueadores de canais de sódio, Ther. 2012;17(3):211-9.
como carbamazepina, oxcarbazepina, lamotrigi- 7. Ben-Menachem E, Biton V, Jatuzis D, et al. Effi-
cacy and safety of oral lacosamide as adjunctive
na etc. Alterações cardíacas como prolongamento
therapy in adults with partial-onset seizures. Epi-
do intervalo PR (bloqueio de primeiro grau rela-
lepsia. 2007;48:1308-17.
tado em menos de 1% dos pacientes), fibrilação e 8. Chung S, Ben-Menachem E, Sperling MR, et al.
flutter atrial, mas não alteração no intervalo QT, Examining the clinical utility of lacosamide. Po-
também foram relatadas2,5. A medicação promo- oled analyses of three phase II/III clinical trials.
ve baixa incidência de alterações psiquiátricas e CNS Drugs. 2010;24(12):1041-54.
somente se observou psicose nos ensaios clínicos 9. Gavatha M, Ionnou I, Papavasiliou AS. Efficacy and
em 0,3% dos pacientes3. tolerability of oral lacosamide as adjunctive therapy
in pediatric patients with pharmacoresistant focal
epilepsy. Epilepsy Behav. 2011;20(4):691-3.
10. Guilhoto LM, Loddenkemper T, Gooty VD, et al.
Precauções Experience with lacosamide in a series of children
É recomendada precaução quando da sua with drug resistance focal epilepsy. Pediatr Neurol.
2011;44(6):414-9.
administração a pacientes com alterações car-
11. Albers JM, Moddel G, Dittrich R, et al. Intravenous
díacas, como alterações de condução, bloqueio
lacosamide. An effective add-on treatment of re-
atrioventricular de segundo grau, pacientes em fractory status epilepticus. Seizure. 2011;20:428-30.
uso de fármacos que possam prolongar o in- 12. Hofler J, Trinka E. Lacosamide as a new tre-
tervalo PR, insuficiência cardíaca ou infarto do atment option in status epilepticus. Epilepsia.
miocárdio2, bem como a pacientes com tentativa 2013;54(3):393-404.
ou ideação suicida. 13. Koubeissi MZ, Mayor CL, Estephan B, et al. Effica-
cy and safety of intravenous lacosamide in refrac-
tory nonconvulsive status epilepticus. Acta Neurol
Scand. 2011;123:142-6.
Referências bibliográficas 14. Shiloh-Malawsky Y, Fan Z, Greenwood R, et al.
1. Beyreuther BK, Freitag J, Heers C, et al. Lacosami- Successful treatment of childhood prolonged re-
de: a review of preclinical properties. CNS Drug fractory status epilepticus with lacosamide. Seizu-
Reviews. 2007;13:21-42. re. 2011;20:586-8.
2. Asconape J. Epilepsy new drug targets and neuros- 15. Biton V, Rosenfeld WE, Whitesides J, et al. Intra-
timulation. Neurol Clin. 2013;3:785-98. venous lacosamide as replacement for oral lacosa-
3. Halford JJ, Lapointe M. Clinical perspectives on mide in patients with partial-onset seizures. Epi-
lacosamide. Epilepsy Curr. 2009;9:1-9. lepsia. 2008;49(3):418-24.
192
Levetiracetam
17 Perfil farmacocinético próximo ao ideal
em um fármaco de amplo espectro
Loreto Ríos-Pohl
Professora Adjunta da Universidad de Chile. Chefe do Laboratório de Eletroencefalografia do
Centro Avanzado Clínica Las Condes. Liga Chilena contra la Epilepsia, Santiago, Chile.
193
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
SV2A
Interação com outros fármacos
antiepilépticos
Estudos in vitro não evidenciaram interação
de LEV com outros FAEs. No entanto, vários estu-
dos em pacientes tratados com várias associações
têm mostrado que estas promovem alterações na
Ausência da B: Sinapse com ausência
proteína SV2A. de proteína SV2A: depuração de LEV. Embora a magnitude dessas
redução na liberação do interações seja relativamente modesta, esse fato
neurotransmissor.
pode ser importante para alguns pacientes.
194
Levetiracetam
195
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
186
196
Levetiracetam
Sugestões visando à redução de riscos de de efeito adverso12. LEV é um FAE de amplo es-
efeitos adversos psiquiátricos pectro e acredita-se que raras vezes a refratarie-
dade da epilepsia possa estar sendo produzida ou
- Titulação lenta (chegar à dose de manutenção
agravada por sua administração.
após quatro a oito semanas).
Fatores de risco para esse efeito são represen-
- Suplementação de piridoxina; 100 a 200 mg/
tados por retardo mental, dose inicial elevada
dia (6 mg/kg/dia)11.
(mais de 20 mg/kg/dia) ou, ainda, titulação rápida
- Comedicação com LTG parece exercer efeito
do fármaco. Em geral, manifesta-se nos primei-
protetor.
ros dois meses. No entanto, pode ocorrer mais
- Não se deve considerar LEV como FAE de pri- tardiamente e deve ser averiguado em pacientes
meira escolha para pacientes com anteceden- com evidência inequívoca de aumento na refra-
tes psiquiátricos. tariedade das crises ou deterioração progressiva
do padrão eletroencefalográfico sem outra corre-
Recomendações de manejo de efeitos lação clara a não ser o fato do acréscimo de LEV a
adversos gerais outros FAEs previamente prescritos13.
- Se surgirem efeitos adversos, deve-se reduzir
as doses dos FAEs associados. Efeitos metabólicos
-
Se persistentes, deve-se reduzir a dose de LEV. LEV não apresenta efeitos sobre a fertilidade,
-
Se não desaparecerem ou forem considerados alterações de peso corporal, função tireoidea, ní-
intoleráveis, deve-se suspender o fármaco. veis de vitaminas ou perfil lipídico.
- Em caso de controle de crises, deve-se tentar No entanto, há resultados conflitantes sobre o
reutilizar LEV, dessa vez com titulação muito efeito de LEV em monoterapia sobre a densidade
lenta, associando FAEs que visem a minorar mineral óssea. Um estudo em ratos mostrou que
os efeitos adversos, especialmente mentais. LEV em doses baixas, após três meses de uso, re-
duziu significativamente o marcador de formação
óssea osteocalcina, mas estudos em pacientes re-
Outros efeitos adversos menos
futaram esse dado14,15.
conhecidos
Efeito paradoxal Fatores positivos a considerar
Efeito paradoxal de agravamento das crises ou
de surgimento de outros tipos de crises é verifica-
Efeitos na cognição e qualidade de vida
do com o uso de todos os FAEs. A descrição desse Relatos de que LEV em uso crônico não pro-
efeito adverso é anedótica e seu mecanismo fisio- move efeitos cognitivos são cada vez mais fre-
patogênico é desconhecido, provavelmente rela- quentes. Como esperado, por se tratar de um de-
cionado com as propriedades farmacodinâmicas rivado do piracetam, há estudos que mostraram
do fármaco. melhora leve na atenção e memória, a qual não
FAEs com maior risco de efeito paradoxal são poderia ser explicada apenas pelo melhor contro-
os que apresentam apenas um ou dois mecanis- le de crises16.
mos de ação (espectro estreito) em contraposição
com aqueles que apresentam mecanismos de ação Levetiracetam e sono
múltiplos (espectro amplo), os quais cursariam Distúrbios do sono são um efeito adverso co-
com menor probabilidade de apresentar esse tipo mum de FAEs. Enquanto PB, PRM, CBZ, gabapen-
197
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
tina (GBP), vigabatrina (VGB) e zonisamida têm do chegar a 4.000 mg em 15 minutos, por via intra-
efeito sedativo e podem causar hipersonia, LTG e venosa. Em geral, a dose de manutenção é de 1.500
felbamato são fármacos que aumentam a vigília e mg a cada 12 horas. Por sua cinética linear, não se
podem causar insônia. Em um estudo com voluntá- preconiza controle de níveis plasmáticos. Embora
rios sem epilepsia, verificou-se que, em geral, o uso sua faixa terapêutica sugerida seja de 6 a 25 mg/l,
crônico de LEV facilita a consolidação do sono e não para o tratamento do estado de mal epiléptico é pos-
modifica os níveis de vigília, melhorando, assim, a sível atingir 120 mg/l sem riscos significativos19,20.
qualidade do sono17. Uma revisão recente de seis
artigos de LEV sobre a arquitetura do sono, usado
Neonatos
tanto em mono como em politerapia, mostrou resul-
Apesar da evidência de que PB e PHT sejam
tados diversos. Nessa revisão, a afirmação mais fre-
eficazes em menos de 50% do total de crises em
quente é a redução do número de despertares após
neonatos, continuam como FAEs de primeira linha
o início do sono e da porcentagem de sono REM18.
para essa indicação. Um estudo multicêntrico reali-
zado em unidades de tratamento intensivo neona-
Facilidade de uso em combinação por tais mostrou que o tratamento com FAEs é iniciado
ausência de interações em 94% dos recém-nascidos com crises, 82% dos
Embora a politerapia não seja recomendada no quais com PB21. Outros estudos evidenciaram que
tratamento da epilepsia, muitas vezes doses peque- PB, PHT e ácido valproico exercem efeito pró-apop-
nas de um segundo FAE podem ser mais benéficas tótico, o que acarretaria efeito negativo sobre o de-
que o incremento das doses de um FAE em mono- senvolvimento cerebral, o qual, secundariamente,
terapia com eventual risco de toxicidade. A combi- poderia ocasionar um efeito pró-epileptiforme.
nação de LEV e LTG é considerada benéfica para o TPM e LEV não apresentam efeito pró-apop-
controle de crises focais, assim como a associação tótico; ao contrário, foi descrito em animais que
de LEV a ácido valproico, para crises generalizadas. LEV exerceria efeito antiapoptótico. Hipotetica-
mente, esses FAEs seriam, por tais razões, mais
adequados a essa faixa etária. No entanto, pelo
Usos promissores (não autorizados) fato de contar apenas com a via oral para sua ad-
em situações especiais e síndromes ministração e por seus conhecidos efeitos adver-
sos sérios, TPM não é considerado um fármaco
específicas
de eleição para tratar crises desse grupo de pa-
Estado de mal epiléptico cientes. Por sua vez, LEV é considerado um dos
LEV ainda não recebeu autorização das au- FAEs promissores para esse grupo vulnerável, que
toridades regulatórias para uso em estado de mal apresenta maior suscetibilidade a crises epilépti-
epiléptico. No entanto, suas características farma- cas em relação às outras faixas etárias22.
cocinéticas, como possibilidade de infusão rápida, Para uso neonatal, as doses preconizadas ain-
absorção rápida por via oral, metabolização mínima da não estão perfeitamente estabelecidas. Para
com interações escassas, ausência de reações adver- via intravenosa, recomenda-se a administração
sas graves, efeitos cardiovasculares e respiratórios em bolo de 10 a 30 mg/kg, continuando com a
mínimos e não agravamento de tipos de crises es- dose de manutenção de 50 mg/kg/dia, fraciona-
pecíficos, tornam-no atraente para uso amplo e de da a cada 12 horas. Como tanto a administração
forma segura. Normalmente, utiliza-se dose-carga oral como a venosa são possíveis, deve-se mane-
de 2.500 mg em cinco minutos em adultos, poden- jar cuidadosamente os volumes de administração.
198
Levetiracetam
jar cuidadosamente
Alguns recomendamosconcentração
volumes de administração.
de 20 mg/ml ceiro trimestre.
mostrar reduçãoNessa época,
de 40% a 50%seus
emníveis podem
comparação
Alguns recomendam
administrada em boloconcentração
em 15 minutos. deUm
20 mg/ml
estudo mostrar
aos redução
valores de 40%
anteriores a 50% em
à gravidez. Porcomparação
essa razão,
administrada
da depuração em bolo em
de LEV em 1815 neonatos
minutos. evidenciou
Um estudo aos valores anteriores
recomenda-se controleàdegravidez. Por essa razão,
níveis plasmáticos para
da depuração
um incremento demédio
LEV em de 18
0,7neonatos
ml/min/kgevidenciou
no dia 1 recomenda-se
esse grupo em controle deos
particular, níveis plasmáticos
quais para
retornam rápi-
aum incremento
1,33 ml/min/kgmédio
no diade7,0,7
comml/min/kg
meia-vidanodedia
18,31 esse grupo
damente aosem particular,
valores basaisosapós
quais retornam
o parto9
. rápi-
a 1,33 no
horas ml/min/kg no dia 7,para
dia 1 e redução com9,1
meia-vida
horas nodedia
18,3
7, damente aos valores basais após o parto9.
horastendo
não no dia 1 eobservados
sido redução para 9,1 adversos
efeitos horas no dia
23
. 7, Efeitos teratogênicos
não tendo sido observados efeitos adversos23. Efeitos teratogênicos
Embora ainda não existam evidências defini-
Pacientes com doenças sistêmicas tivas, dadosainda
Embora preliminares parecem
não existam promissores
evidências defini-
Pacientes com doençasfarmacocinéticas,
Por suas características sistêmicas LEV é para
tivas,LEV,
dadosquepreliminares
teria baixo potencial
parecem teratogênico,
promissores
Por suas características
considerado um dos FAEs de farmacocinéticas,
eleição para tratarLEVcri-é tendo sido que
para LEV, descrito
teriarisco
baixopara malformações
potencial fetais
teratogênico,
considerado
ses um com
em pacientes dos FAEs eleitos
doenças para tratar
sistêmicas. crises
As vanta- de 0% sido
tendo em monoterapia
descrito riscoe para
de 2,7% em politerapia
malformações 24
fetais.
em pacientes
gens de LEV compara doenças sistêmicas.
tratar esse As vantagens
grupo incluem via de de 0% em monoterapia
Também é importante e demencionar
2,7% em politerapia
que os es-.
24
189
199
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Para esse grupo de condições tão diversas, a quatro homens e 17 mulheres, entre 5 e 18 anos,
escolha do FAE depende de sua eficácia na fotos- ainda não tratados por ocasião da realização do
sensibilidade, da etiologia e dos tipos de crises e, primeiro EEG, que mostravam RFP do tipo IV
ainda, da síndrome epiléptica específica. durante a estimulação fótica. Durante o procedi-
Ácido valproico, LEV, LTG e clonazepam mento, após aplicação do termo de consentimen-
exercem efeito sobre a fotossensibilidade, nessa to informado ao paciente ou aos seus responsá-
ordem de de eficácia . Ainda, brivacetam
eficácia26decrescente 26
. Ainda, brivace-
(UCB- veis, LEV foi administrado por via oral, na dose
tam
34714),
(UCB-34714),
um FAE em umdesenvolvimento,
FAE em desenvolvimento,
utilizado de 30 mg/kg/dose, com dose máxima de 1.500
utilizado
como medicamento-órfão
como medicamento-órfão
para tratarpara epilepsia
tratar mg. A RFP foi avaliada a cada 15 minutos durante
epilepsia
mioclônica mioclônica
progressiva,
progressiva,
mostroumostrou
ser altamente
ser al- 90 minutos.
tamente
eficaz noeficaz
controle
no controle
das respostas
das RFPs fotoparoxísticas
27
. A maioria Entre os 21 pacientes, 13 tinham epilepsia mio-
dos outros
(RFPs) 27
. A maioria
FAEs, como dos outros
CBZ, FAEs,
GBP, OXC, como CBZ,
PHT, clônica juvenil e oito, outros tipos de epilepsias fotos-
pregabalina,
GBP, OCBZ,VGB, PHT,tiagabina,
pregabalina,
são VGB,
contraindicados
tiagabina, sensíveis: epilepsias focais (4), síndrome de Jeavons
asão
esse
contraindicados
grupo, seja pora ineficácia,
esse grupo,sejasejapor
poragrava-
inefi- (1), epilepsia ausência (1) e não classificadas (2).
mento
cácia, seja
desseportipo
agravamento
de crises. desse tipo de crises. Treze pacientes (62%) apresentaram resposta
Por sua absorção rápida, possibilidade de ad- positiva à dose-carga de LEV com desaparecimen-
ministração em dose-carga em doses terapêuticas to da RFP e normalização do EEG. Desse grupo,
com efeitos adversos mínimos e início de ação dez pacientes tinham epilepsia mioclônica juvenil.
rápido, LEV é considerado um fármaco atraente Assim, 77% (10/13 pacientes) com essa síndrome
para avaliação de sua eficácia e segurança em pa- epiléptica tiveram normalização do traçado ele-
cientes com epilepsia fotossensível durante a re- troencefalográfico após dose-carga de LEV. A res-
alização rotineira de eletroencefalograma (EEG). posta teve início 30 minutos após a administração,
Entre 2000 e 2012, realizou-se um estudo em com normalização completa em todos os respon-
que foram recrutados 21 pacientes com RFPs, dedores aos 75 minutos (Figuras 3 e 4).
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
positivo parcial negativo
200
190
Levetiracetam
201
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Digno de nota foi o fato de que todos os pa- mes epilépticas, as quais, muitas vezes, configu-
cientes com epilepsia mioclônica juvenil eram ram um aspecto encefalopático, como a epilepsia
mulheres. Todos os pacientes que responderam à parcial benigna de evolução atípica, a síndrome
administração aguda de LEV continuaram o tra- de Landau- Kleffner e a síndrome de ponta-onda
tamento com esse fármaco, estando sem crises contínua durante o sono de ondas lentas.
até esta data28. Embora o pequeno tamanho da Até este momento, terapias agressivas como o
casuística impossibilite conclusões definitivas, uso de corticosteroides e doses elevadas de benzo-
os resultados dessa série permitem sugerir que diazepínicos, a despeito dos efeitos adversos que
LEV, por suas características farmacocinéticas e acarretam, eram consideradas modalidades tera-
baixo potencial teratogênico, poderia ser consi- pêuticas eficazes29. Pelas características descritas
derado um FAE de primeira escolha para tratar anteriormente, LEV poderia ser considerado um
pacientes do sexo feminino com epilepsia mio- FAE de primeira escolha nesses quadros, os quais
clônica juvenil. deveriam ser tratados em caráter de emergência
Atualmente, nosso laboratório oferece esse visando a interromper o declínio cognitivo.
procedimento rotineiramente a todos os pa- Segundo a experiência da autora deste capí-
cientes que apresentam fotossensibilidade, sen- tulo, sultiame, um FAE eficaz nas epilepsias au-
do aplicado após autorização do médico solici- tolimitadas da infância, teria maior efetividade
tante e assinatura de termo de consentimento que LEV30, contudo não se encontra disponível
informado pelo paciente. Essa conduta advém nos países latino-americanos. Sugere-se que LEV
da nossa experiência de que uma dose única de em doses elevadas (60 a 80 mg/kg/dia) associado
LEV no primeiro EEG solicitado para o diagnós- a clobazam administrado ao deitar poderia ser
tico é uma excelente oportunidade para o início considerado terapia de primeira linha, permitin-
imediato de um tratamento seguro e eficaz, pro- do avaliar a resposta em cerca de 15 dias, evitan-
porcionando possível solução rápida e positiva a do perda de tempo antes de instituir tratamento
partir do primeiro dia do diagnóstico, o que im- com corticosteroides.
plica redução da ansiedade dos pais e satisfação
dos pacientes.
Considerações finais
LEV é um dos novos FAEs, tendo um dos
Epilepsias autolimitadas da infância e melhores perfis farmacocinéticos e farmacodinâ-
seu espectro “não tão benigno” micos, aproximando-se do fármaco ideal. Entre
Muitos estudos têm demonstrado que LEV suas vantagens, destacam-se ainda mecanismo de
tem efeito benéfico no tratamento de crianças ação único, diferente dos demais, interação míni-
com epilepsias autolimitadas da infância. LEV pa- ma com outros fármacos, início de ação rápido,
rece ser uma opção terapêutica para crianças com amplo espectro, possibilidade de uso em todas
essas síndromes epilépticas por suas caracterís- as idades, efeitos adversos mínimos e fácilmente
ticas de resposta rápida, poucos efeitos adversos manejáveis.
em escolares saudáveis, particularmente na esfera Na prática clínica em geral, especialmente en-
cognitiva, ausência de risco de desenvolvimento tre clínicos não especializados, muitas vezes que
de tolerância e eficácia elevada. trabalham em unidades em que o acesso a exames
Há ainda estudos que mostram sua maior efi- complementares não é possível, tais característi-
cácia no espectro não tão benigno dessas síndro- cas tornam LEV um FAE muito útil.
202
Levetiracetam
Referências bibliográficas 15. Koo DL, Joo EY, Kim D, et al. Effects of levetirace-
tam as monotherapy on bone mineral density and
1. Panayiotopoulos CP. A clinical guide to epileptic biochemical markers of bone metabolism in patients
syndromes and their treatment. 2. ed. London: with epilepsy. Epilepsy Res. 2013:104 (1-2):134-9.
Springer-Verlag, 2007. p. 209-11.
16. López-Góngora M, Martínez-Domeño A, García
2. De Smedt T, Raedt R, Vonck K, et al. Levetiracetam:
C, et al. Effect of levetiracetam on cognitive func-
the profile of a novel anticonvulsant drug. Part I:
tions and quality of life: a one-year follow-up stu-
preclinical data. CNS Drug Rev. 2007;13(1):43-56.
dy. Epileptic Disord. 2008;10(4):297-305.
3. Patsalos PN. Pharmacokinetic profile of levetira-
17. Bazil CW, Battista J, Basner R. Effects of leveti-
cetam: toward ideal characteristics. Pharmacol
racetam on sleep in normal volunteers. Epilepsy
Ther. 2000;85:77-85.
Behav. 2005;7:539-42.
4. Xu T, Bajjalieh SM. SV2 modulates the size of the
18. Jain SV, Glauser TA. Effect of epilepsy treatment
readily releasable pool of secretory vesicles. Nat
on sleep architecture and daytime sleepiness: an
Cell Biol. 2001;3(8):691-8.
evidence- based review of objective sleep metrics.
5. Lynch BA, Lambeng N, Nocka K, et al. The synap-
Epilepsia. 2013 Dec 2.
tic vesicle protein SV2A is the binding site for the
19. Uges JW, Van Huizen MD, Enggelsman J, et al.
antiepileptic drug levetiracetam. Proc Natl Acad
Safety and pharmacokinetics of intravenous leve-
Sci USA 2004;101:9861-6.
tiracem infusion as add-on in status epilepticus.
6. Freitas-Lima P, Alexandre V Jr, Pereira LR, et al.
Epilepsia. 2009;50: 415-21.
Influence of enzyme inducing antiepileptic drugs
20. Gámez-Leyva G, Aristín JL, Fernández E, et al.
on the pharmacokinetics of levetiracetam in pa-
Experience with intravenus levetiracetam in status
tients with epilepsy. Epilepsy Res. 2011;94:117-20.
epilepticus. A retrospective case series. CNS Dru-
7. May TW, Rambeck B, Jurgens U. Serum concen-
gs. 2009;23 (11):983-7.
tration of levetiracetam in epileptic patients: the
influence of dose and comedication. Ther Drug 21. Bartha AI, Shen J, Katz KH, et al. Neonatal seizu-
Monit. 2003;25:690-9. res: multicenter variability in current treatment
practices. Pediatr Neurol. 2007;37:85-9.
8. Pellock JM, Glauser TA, Bebin EM, et al. Pharma-
cokinetic study of levetiracetam in children. Epi- 22. Ramantani G, Ikonomidou C, Walter B, et al. Le-
lepsia. 2001;42(12):1574-9. vetiracetam: safety and efficacy in neonatal seizu-
res. Eur J Paediatr Neurol. 2011;15(1):1-7.
9. Tomson T, Palm R, Källén K, et al. Pharmacoki-
netics of levetiracetam during pregnancy, delivery, 23. Sharpe CM, Capparelli EV, Mower A, et al. A se-
in the neonatal period, and lactation. Epilepsia. ven-day study of pharmacokinetics of intravenous
2007;48(6): 1111-6. levetiracetam in neonates: marked changes in
10. Panayiotopoulos CP. Atlas of epilepsies. London: pharmacokinetics occur during the first week of
Springer, 2010. p.1775-82. life. Pediatr Res. 2012;72(1):43-9.
11. Major P, Greenberg E, Khan A, et al. Pyridoxine 24. Vajda FJ, Graham J, Roten A, et al. Teratogenicity
supplementation for the treatment of levetirace- of the newer antiepileptic drugs--the Australian
tam-induced behavior side effects in children: pre- experience. J Clin Neurosci. 2012;19(1):57-9.
liminary results. Epilepsy Behav. 2008;13:557-9. 25. Salas-Puig J, Parra J, Fernández-Torres J.L. Epi-
12. Sazgar M, Bourgeois B. Aggravation of epilepsy by lepsia fotogénica. Rev Neurol. 2000;30:81-90.
antiepileptic drugs. Pediatr Neurol. 2005;33:227-34. 26. Covanis A. Photosensitivity in idiopathic generali-
13. Szucs A, Clemens Z, Jakus R, et al. The risk of para- zed epilepsies. Epilepsia. 2005; 46(suppl. 9):S67-S72.
doxical levetiracetam effect is increased in mentally 27. Von RP. Brivacetam (UCB 34714). Neurothera-
retarded patients. Epilepsia. 2008;49(7):1174-9. peutics. 2007;4:84-7.
14. Nissen-Meyer LS, Svalheim S, Taubøll E, et al. 28. Rios-Pohl L, Solari-Bardi F, Varela-Estrada X, et
Levetiracetam, phenytoin, and valproate act diffe- al. Single oral dose of levetiracetam as a fast, effec-
rently on rat bone mass, structure, and metabo- tive and safe treatment for photosensitive epilepsy
lism. Epilepsia. 2007;48(10):1850-60. in children. Epilepsia. 2011;52(suppl. 6):S722.
203
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
29. Von Stülpnagel C, Kluger G , Leiz S, et al. Leve- 30. Borggraefe I, Bonfert M, Bast T, et al. Levetirace-
tiracetam and add-on therapy in different sub- tam vs. sulthiame in benign epilepsy with centro-
groups of “benign” idiopathic focal epilepsies in temporal spikes in childhood: a double-blinded,
childhood. Epilepsy Behav. 2010;17:193-8. randomized, controlled trial (German HEAD Stu-
dy). Eur J Paediatr Neurol. 2013;17(5):507-14.
204
Parte 5
205
Dietas cetogênicas e outras
18 alternativas terapêuticas
Letícia Pereira de Brito Sampaio
Assistente Doutora de Neuropediatria da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Apesar dos enormes avanços no diagnóstico eram tratadas com DC apresentavam redução de
e tratamento da epilepsia em crianças e adultos e mais de 50% das crises epilépticas, 30% a 40% apre-
da introdução de novos fármacos antiepilépticos sentavam redução de mais de 90% e 20% a 30% não
(FAEs), alguns pacientes ainda permanecem com apresentavam nenhum benefício no controle das
crises epilépticas não controladas e têm opções li- crises2. Em 1938, quando a eficácia clínica da di-
mitadas para o tratamento crônico. fenil-hidantoína foi descrita, os estudos foram di-
Se o paciente com epilepsia de difícil controle recionados para o desenvolvimento de novos FAEs
não é um candidato à ressecção cirúrgica, terapias e a DC foi se tornando progressivamente menos
alternativas devem ser consideradas. utilizada, cada vez mais menos nutricionistas eram
treinadas em sua implantação, rigor e no ajuste fino
dessa modalidade terapêutica, o que levou a acre-
Dietas cetogênicas ditar que a DC era inefetiva e intolerável3. Compa-
A dieta cetogênica (DC), rica em gorduras rada com a perspectiva de novos FAEs, a dieta foi
e escassa em carboidratos e em proteínas, é um considerada relativamente difícil, rígida e cara.
tratamento não farmacológico, bem estabelecido Na tentativa de torná-la mais palatável e menos
e efetivo para crianças e adultos com epilepsia de rígida, na década de 1970 foi desenvolvida a DC com
difícil controle. A DC é rigidamente controlada e triglicérides de cadeia média (TCMs), que são mais
individualmente calculada, sendo realizada com cetogênicos, permitindo a inclusão de maior quanti-
diferentes protocolos em vários países, ocasional- dade de carboidratos e proteínas na dieta, sendo ab-
mente com variações significantes em sua admi- sorvidos de forma mais eficiente e transportados di-
nistração. Deve ser instituída de forma multidisci- retamente do sistema digestivo para o fígado através
plinar, com a supervisão do médico e nutricionista. do sistema porta. Entretanto, crianças em dieta com
A DC foi desenvolvida em 1921, com o objetivo TCM frequentemente apresentam náusea, diarreia e
de mimetizar no organismo as alterações bioquí- aumento de gases intestinais. Apesar do incremento
micas associadas ao jejum, quando os corpos cetô- da cetose e possível redução das crises epilépticas,
nicos se tornam o principal combustível para pro- esses efeitos adversos são inaceitáveis e levam a fa-
duzir energia no sistema nervoso central (SNC)1. mília a desistir do tratamento. Neal et al.4 sugeriram
Nessa época, quando ainda poucos FAEs se encon- uma dieta com menor quantidade de TCMs e, con-
travam disponíveis, 60% a 75% das crianças que sequentemente, menos efeitos adversos (Figura 1).
207
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Figura 1. Composições das dietas normal, cetogênica clássica e com triglicérides de cadeia média.
Muitas vezes a dificuldade de implantar a die- menos medicação. Os efeitos adversos atribu-
ta parte dos próprios médicos que acreditam, de ídos à DC foram letargia, desidratação grave ou
forma equivocada, que os familiares e a criança acidose, alteração de comportamento, aumento
não são fortes e dedicados o suficiente para ade- de infecções, constipação e vômitos. Os motivos
rirem a ela. Medicamentos e promessas de novas para descontinuar a DC foram intolerabilidade,
medicações mais efetivas também desestimulam dificuldade de manter a dieta restritiva e controle
o uso da DC. insuficiente das crises. Este estudo não foi rando-
Desde 1994, com a divulgação da DC pela mí- mizado ou controlado, podendo-se considerar o
dia e o financiamento de centros de treinamento efeito placebo. Os autores acreditam que 40% de
na implantação da DC pela Charlie Foundation crianças com crises epilépticas de difícil controle
to Cure Pediatric Epilepsy (Santa Monica, Cali- com mais de 50% de redução na frequência após
fórnia) nos Estados Unidos, reacendeu o interesse um ano de DC, é pouco provável que seja por efei-
clínico pelo uso de DC, tendo sido publicado um to placebo5.
grande número de artigos que mostram seus be- Nesse mesmo ano, o grupo de DC do Johns
nefícios, os tipos de crise que apresentam resposta Hopkins, em Baltimore, publicou um estudo
ou não, seus efeitos adversos e sua evolução. realizado com 150 crianças entre um e 16 anos
Em 1998, com o apoio dessa fundação, reali- de idade, as quais apresentaram, em média, 410
zou-se um estudo multicêntrico em que foram in- crises epilépticas ao mês. Após um ano de DC,
cluídas 51 crianças que apresentavam, em média, observou-se que 27% das 150 crianças apresen-
230 crises por mês antes de iniciar a dieta. Cerca taram mais de 90% de redução na frequência das
de metade (47%) delas permaneceu na dieta du- crises, 7% ficaram livres de crises e 50% apresen-
rante um ano, dentre as quais 43% apresentaram taram mais de 50% de redução. As crianças que se
mais de 90% de controle de crises, tornando-se li- mantiveram na DC pelo período de um ano fo-
vres ou quase livre de crises, 39% tiveram de 50% ram as que apresentaram mais 50% de redução na
a 90% de suas crises controladas e 17%, menos de frequência das crises. Aquelas que apresentaram
50% de controle das crises. Estas permaneceram menos de 50% de redução consideraram a dieta
na dieta ou porque as crises estavam menos fre- difícil de ser seguida e a abandonaram. Também
quentes e severas ou porque estavam recebendo se observou que as crianças que obtêm sucesso
208
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
com DC apresentam logo nos primeiros três me- Ao reconhecer a insuficiência de estudos com
ses redução superior a 50% na frequência das cri- nível de evidência classe I para implantar DC e
ses, que pode vir a melhorar progressivamente. seguir esses pacientes, a Charlie Foundation reu-
Se essa redução não for observada, é pouco pro- niu um comitê internacional de neurologistas e
vável que venha a ocorrer nos meses subsequen- nutricionistas com experiência nesse tipo de die-
tes6. Acompanhando a evolução dessas crianças ta, em dezembro de 2006, durante o congresso
durante o período de três a seis anos após iniciar da American Epilepsy Society, para realizar um
a DC, 13% dessas 150 crianças estavam livres de consenso, uma primeira iniciativa internacional
crises e 10% apresentavam crises epilépticas in- para padronizar a DC. Esse consenso foi publi-
frequentes. Na maioria delas, foi possível descon- cado em 2009, sendo importante sua divulgação
tinuar o FAE7. para aqueles que se interessam por essa modali-
A dificuldade para realizar estudos controla- dade terapêutica8.
dos com DC são claras. Neal et al.4 acompanha- Independentemente da idade, do tipo de cri-
ram 103 crianças que não haviam apresentado se ou da etiologia, a DC ocasiona redução supe-
resposta a pelo menos dois FAEs e apresentavam rior a 90% das crises epilépticas em um terço dos
pelo menos sete crises epilépticas por sema- pacientes9. Em relação à seleção dos pacientes, o
na. Elas foram randomizadas em dois grupos: o consenso concluiu que a DC deve ser oferecida a
primeiro iniciou a DC de imediato e o segundo, crianças após a ausência de resposta a dois ou três
após três meses, com a medicação em dose está- FAEs, independentemente da idade ou do sexo
vel. Após três meses, o grupo em tratamento com e, principalmente, nas epilepsias generalizadas
DC apresentou redução de 75% na frequência de sintomáticas, em razão de sua eficácia e da pou-
crises em relação ao grupo controle; 38% apresen- ca chance de controlar a crise com novos FAEs.
taram decréscimo de mais de 50% e 7%, mais de DC é o tratamento de escolha para síndrome de
90% de redução. De Vivo – deficiência do transportador de glicose
O estado de conhecimento do mecanismo de tipo 110 – e para a deficiência de piruvato desidro-
ação da DC é similar ao de outras medicações genase11, quando os corpos cetônicos contornam
antiepilépticas, em que várias ações farmaco- o defeito metabólico, sendo fonte de energia para
lógicas são descritas, porém persiste o desafio o cérebro. Em algumas condições específicas, a
de se criar uma relação causa-efeito definitiva DC pode ainda ser usada de forma mais preco-
entre o mecanismo de ação específico e a ação ce, como na síndrome de Dravet, em espasmos
antiepiléptica. Assim que a DC é iniciada, com infantis, epilepsia mioclônico-astática e esclerose
a produção de corpos cetônicos (acetona, aceto- tuberosa. Em crianças candidatas à cirurgia de
acetato e hidroxibutirato), estes se tornam dis- epilepsia, seu benefício é limitado. DC é contrain-
poníveis na circulação e atravessam a barreira dicada em algumas condições específicas (Tabela
hematoencefálica e entram no SNC, onde atuam 1). Antes de instituir essa dieta, principalmen-
no início, na propagação e no término da crise te em pacientes com sintomas clínicos de atraso
epiléptica. Não se sabe ainda se um ou mais des- de desenvolvimento, cardiomiopatia, hipotonia,
ses corpos cetônicos é(são) responsável(is) pelo intolerância a exercícios, mioglobinúria e fatiga-
controle das crises ou se é(são) indicador(es) bilidade, devem ser excluídos os erros inatos do
da presença de outros fatores ou alterações me- metabolismo, os quais podem ocasionar crises
tabólicas que ainda não foram identificadas. A catabólicas, como deficiência dos transportadores
figura 2 representa os mecanismos atualmente de ácidos graxos, defeitos da betaoxidação e ou-
propostos para a DC. tras doenças mitocondriais.
209
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Figura 2. Produção de corpos cetônicos e mecanismos de ação propostos para a dieta cetogênica:
1 - Neurotransmissor inibitório GABA (hiperpolarização neuronal e canais de membrana); 2 - Inativação
da VGLUT (vesícula transportadora de glutamato) e inibição do neurotransmissor excitatório glutamato;
3 - Mudança na concentração de monoaminas biogênicas, 4 - Mecanismo Antioxidante: Redução de
ROS (espécies reativas de oxigênio). Elaborada pela nutricionista Patrícia Azevedo de Lima.
210
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
Tabela 1. Contraindicações específicas para die- Na dieta tradicional com TCM, 60% da ener-
tas cetogênicas gia provém de TCM. O desconforto gastrointes-
tinal é frequente, assim como cólica abdominal,
Deficiência primária de carnitina
diarreia e vômitos. Por essa razão, foi desenvolvi-
Deficiência de carnitina palmitoiltransferase I e II
da a dieta com TCM modificada, na qual 30% da
Deficiência de carnitina translocase energia provém do TCM e 30%, dos triglicérides
Porfirias de cadeia longa. Na prática, o uso de TCM entre
Defeitos da betaoxidação dos ácidos graxos 40% e 50% parece ser o melhor nível de equilíbrio
entre a tolerabilidade gástrica e a cetose adequada.
Deficiência de piruvato carboxilase
A DMA é semelhante à DC em sua composi-
ção, na relação 1:1. O consumo inicial de carboi-
Antes de iniciar a DC, é necessário avaliar o
dratos é de aproximadamente 10 g ao dia, aumen-
paciente para identificar o tipo de crise epiléptica,
tando para 15 a 20 g ao dia, após um a três meses.
descartar doenças metabólicas que contraindi-
Não existe limitação ao consumo de proteínas,
quem essa dieta e fatores de complicação, como
líquidos e calorias, tornando mais fácil o planeja-
cálculos renais, dislipidemia, doença hepática,
mento das refeições (Figura 3).
desnutrição, refluxo gastroesofágico, constipa-
ção, baixa aceitação alimentar, cardiomiopatia e
acidose metabólica crônica. É muito importante
discutir com os pais, familiares e cuidadores se
compreenderam a importância de estarem en-
volvidos na administração da DC e aderirem ao
tratamento, a necessidade de evitar carboidratos,
da suplementação de vitaminas e minerais, o re-
conhecimento dos efeitos adversos e como lidar
com eles.
A DC clássica é o tratamento mais tradicional. Dieta modificada de Atkins
Em alguns casos, pode-se dar preferência à dieta Gordura: 65%
Proteína: 30%
com TCM, dieta modificada de Atkins (DMA) ou
Carboidrato: 5%
dieta com baixos índices glicêmicos.
Figura 3. Composição da Dieta modificada de Atkins.
A DC clássica é calculada a partir da relação
de proporção de gramas de gordura por gramas
de carboidrato e proteína. A relação mais fre- A dieta com baixos índices glicêmicos (DBIG)
quente é de 4 g de gordura para 1 g de proteína permite a ingestão de uma quantidade de carboi-
e carboidrato, conhecida como dieta 4:1. Isso sig- dratos diários de 40 a 60 g/dia, porém controla o
nifica que 90% da energia se origina da gordura e tipo de carboidrato, sendo utilizados aqueles que
10%, da associação de proteína e carboidrato. produzem pouca alteração na glicose sanguínea
As calorias são tipicamente restritas a 80% a (carboidratos com índice glicêmico inferior a 50),
90% da recomendação diária para a idade. A res- como os produtos integrais.
trição hídrica de 90% se baseia no uso histórico Essas últimas duas dietas são mais livres e não
da dieta mais do que em evidências científicas. é necessário que os alimentos sejam pesados. Os
Vários centros não adotam mais a restrição hídri- níveis mais elevados de cetose são obtidos com a
ca em crianças durante a DC. DC clássica (Figura 4).
211
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Cetose
Dieta modificada de
Atkins
Estudos sugerem que as dietas modificadas aos pais e aos cuidadores como pesar, preparar e
apresentam eficácia semelhante à da DC clássica administrar a dieta e seus efeitos.
e são indicadas principalmente a adolescentes e Após entrar em cetose, a DC é introduzida
adultos. A escolha do tipo de dieta deve se base- com aumento diário na quantidade de calorias,
ar nas necessidades alimentares e nos hábitos de mantendo a proporção 4:1, ou com a quantidade
cada indivíduo, além de ser influenciada pela ex- total de calorias necessárias na proporção de 1:1,
periência dos profissionais envolvidos. com aumentos diários na proporção 2:1, 3:1 e 4:1,
permitindo adaptação progressiva.
Iniciando a dieta O jejum não é necessário para que o orga-
A forma de iniciar a dieta varia entre os di- nismo entre em cetose e os protocolos de início
ferentes centros. A forma tradicional é feita du- gradual oferecem o mesmo padrão de controle
rante um período de jejum, que pode variar de de crises em três meses, sendo os efeitos adversos
12 horas a 48 horas, e não deve durar mais de 72 relacionados a esse período menos frequentes e
horas. Pelo fato de o jejum poder ocasionar hipo- severos12. A realização de jejum antes de iniciar a
glicemia, acidose, náusea, vômitos, desidratação, dieta é comparada a uma dose de carga de medi-
anorexia, letargia e um pequeno risco de aumento cação endovenosa, permitindo que o organismo
das crises, esses centros iniciam a DC com o pa- entre em cetose de forma mais rápida e a resposta
ciente internado, supervisionando de perto esses seja também observada de forma mais rápida.
efeitos e corrigindo-os se necessário. Também se Em nosso programa de DC, no qual recebe-
aproveita esse período de internação para ensinar mos crianças encaminhadas de diferentes lugares
212
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
do país, realizamos inicialmente uma reunião apresentem maior ou menor eficácia em relação ao
com os pais e cuidadores, em que se discute e se controle de crises epilépticas, assim como altera-
explica a DC, tentando esclarecer dúvidas e veri- ções do nível sérico de FAEs pela DC. Sugerem-se
ficar a capacidade de adesão ao tratamento. Em efeitos sinergísticos quando se associa terapia não
seguida, cada paciente é avaliado, sendo realiza- farmacológica de estimulação do nervo vago13.
dos história médica e exames físico e neurológico. A DC pode levar à acidose metabólica tran-
Considerando-se o paciente candidato ao trata- sitória e frequentemente assintomática. Em pa-
mento, são solicitados os exames necessários an- cientes que fazem uso de medicações inibidoras
tes de iniciar a dieta (Tabela 2). da anidrase carbônica, como topiramato (TPM)
Tabela 2. Exames laboratoriais e zonisamida (ZNS), a acidose metabólica pode
se acentuar, principalmente logo após o início da
Exames laboratoriais 0, 3, 6, 12 meses
e a cada 6 meses
DC14. É necessário que os níveis de bicarbonato
• Hemograma sejam cuidadosamente monitorados, principal-
• Ferritina e folato mente quando em uso associado dessas medica-
• Eletrólitos ções, e que sejam suplementados quando o pa-
• Cálcio, fósforo e magnésio ciente estiver clinicamente sintomático (vômitos,
• Ureia, creatinina e ácido úrico
letargia). É necessário monitorar os pacientes
• Perfil lipídico
quanto à presença de cálculos renais e, se necessá-
• Glicemia, transaminase glutâmico-oxalacética,
transaminase glutâmico-pirúvica rio, administrar citrato de potássio.
• Proteínas totais, albumina A descontinuação de FAEs é também um dos
• Vitaminas D e E, zinco objetivos da DC e deve ser iniciada após a com-
• Carnitinas total e livre
provação da eficácia da dieta. Deve-se ter aten-
• Selênio
• Nível sérico de FAE
ção com a descontinuação do fenobarbital (PB) e
• Ultrassom renal benzodiazepínicos (BZDs) pela possibilidade de
aumento de crises epilépticas.
Introduzimos a DC ambulatorialmente, na A ingestão de carboidratos pode rapidamente
proporção 2:1. Após uma semana de adaptação e reverter a cetose, ocasionando o reaparecimento
familiarização com a dieta, alteramos para a pro- da atividade epileptiforme. Os pacientes devem
porção 3:1 e, após 15 dias, se necessário, para a ser bem orientados quanto a essa possibilidade e
proporção 4:1 (Tabela 3). estar atentos a tudo o que for oferecido a crianças
em DC, tornando-se verdadeiros “caçadores de
Tabela 3. Cronograma de tratamento
carboidratos”.
Primeira semana Dieta 2:1 Na DC, é necessária a suplementação com
Segunda e terceira vitaminas e minerais, com suplementos livres de
Dieta 3:1
semanas carboidratos. A suplementação de carnitina pode
Dieta 4:1 (dependendo da ser necessária em pacientes mais jovens, com es-
Quarta semana em diante
cetose) tado nutricional inadequado e uso concomitante
de ácido valproico15.
Na maioria das vezes, a DC é introduzida a pa- Efeitos adversos podem ocorrer e devem ser
cientes que não apresentaram resposta aos FAEs. monitorados. As anormalidades metabólicas in-
Não existem relatos de interações farmacodinâmi- cluem hiperuricemia (2% a 26%), hipocalcemia
cas entre FAEs e a DC ou combinações de FAEs que (2%), hipomagnesemia (5%), redução dos níveis
213
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
214
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
215
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
216
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
Indivíduos com epilepsia podem apresen- de pacientes incluído nos diferentes grupos foi
tar vários tipos de anormalidades imunológicas, pequeno, ou seja, 61 pacientes divididos em qua-
como baixo nível de IgA sérica, ausência de sub- tro grupos: 18 pacientes no grupo placebo, 14 pa-
classes de IgG e identificação de anticorpos que cientes receberam IGIV 100 mg/kg, 14 pacientes,
são patogênicos ou secundários à doença primá- IGIV 250 mg/kg e 15 pacientes, IVIG 400 mg/kg,
ria [canais de potássio e cálcio voltagem-depen- o que pode ter contribuído para o resultado in-
dentes24, descarboxilase do ácido glutâmico25 e do satisfatório. Nesse estudo não foram reportados
receptor N-metil-D-aspartato (NMDA)]26. efeitos adversos graves. No estudo de Türkay et
O mecanismo de ação da IGIV na epilepsia al.32, seis pacientes com epilepsia intratável rece-
parece ser principalmente imunológico. O prin- beram IGIV 200 mg/kg, três vezes por semana.
cipal componente da IGIV (molécula de IgG) A frequência de crises e o EEG melhoraram de
atravessa a barreira hematoencefálica, aumentan- forma significativa em quatro pacientes e parcial-
do significativamente a concentração de IgG no mente em dois pacientes.
líquido cefalorraquidiano (LCR), sendo provável Em um estudo aberto publicado em 2007, 13
que chegue ao cérebro e tenha ação central27. Os pacientes com epilepsia refratária receberam qua-
efeitos terapêuticos da IGIV também podem ter tro doses de IGIV 400 mg/kg com intervalos de
um impacto sobre as vias do sistema imune, in-
três semanas, tendo-se observado redução na fre-
cluindo a modulação dos níveis plasmáticos de
quência de crises em sete deles28.
interferon, interleucina-6 (IL-6) e IL-828. Além
Em 2008, após revisão de literatura pela Eu-
disso, o efeito imediato do tratamento é observa-
ropean Federation of Neurological Sciences, reco-
do não apenas em um único tipo de epilepsia, mas
mendou-se o uso de IGIV para epilepsia refratá-
em vários, incluindo formas idiopática e sintomá-
ria na infância, com a ressalva de que se verificou
tica, indicando mecanismos de ação não imuno-
lógicos ou efeito anticonvulsivante por meio de melhora em metade dos casos, sendo as recaídas
neuromodulação direta. frequentes33.
O tratamento com IGIV mostrou redução im- Algumas síndromes epilépticas, como en-
portante na frequência de crises em crianças com cefalite de Rasmussen, entre outras, podem ter
síndromes de West e Lennox-Gastaut, tendo-se origem imunológica e ser responsivas à imuno-
observado o controle completo das crises em 20% terapia como IGIV e corticosteroides. Evidências
(em todos os tipos) a 100% (síndrome de West de benefício em estudos observacionais têm sido
criptogênica)29. Outro estudo com dez pacientes relatadas em encefalopatias epilépticas, como en-
com síndrome de Lennox-Gastaut, que recebe- cefalite de Rasmussen, síndrome de Landau-Kle-
ram placebo ou IGIV 400 mg/kg, em duas oca- ffner e estado de mal epiléptico elétrico no sono.
siões, com intervalo de duas semanas, constatou Poucos pacientes com a síndrome de Landau-
redução nas crises epilépticas em 42% e 100% em -Kleffner apresentam melhora da linguagem em
duas crianças30. Van Rijckevorsel-Harmant et al.31 longo prazo durante o tratamento com IGIV. Nos
conduziram um estudo multicêntrico, duplo-ce- que respondem ao tratamento, a melhora é sig-
go, randomizado e controlado por placebo, tendo nificativa, devendo-se repetir o tratamento com
avaliado a eficácia de IGIV como terapia adjunti- IGIV. Antes de iniciar o tratamento, pacientes
va. Não houve diferença significativa na redução com níveis elevados de IgG no LCR apresentam
de 50% ou mais de crises entre o grupo tratado melhor chance de resposta34. Em pacientes com
e o grupo placebo, porém observou-se melhor encefalite de Rasmussen, observa-se melhora na
resposta no grupo com crises focais. O número frequência de crises e do quadro neurológico com
217
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
doses de 200 a 400 mg/kg/dia utilizadas em pulsos dos demais recebe-a como adjuvante aos FAEs.
durante vários meses seguidos35. Estudos contro- Alguns pacientes com síndromes epilépticas espe-
lados são necessários a fim de definir quais sín- cíficas, como espasmos infantis, tiveram as crises
dromes se beneficiam desse tratamento. controladas com doses variáveis de vitamina B6.
De acordo com uma recente revisão, com base Estudos recentes sugerem que a forma ativa dessa
nos estudos publicados, atualmente nenhuma vitamina, o fosfato de piridoxal, é melhor do que
conclusão de confiança pode ser tirada sobre a efi- o protótipo.
cácia de IGIV como tratamento para a epilepsia.
São necessários mais estudos controlados e ran-
domizados. Se IGIV pode ser um tratamento efi-
Metabolismo normal da vitamina B6
caz para alguns tipos de epilepsia refratária, como A piridoxina é uma vitamina solúvel em água
a síndrome de Lennox-Gastaut e a síndrome de que está presente no organismo como piridoxol,
West, as evidências ainda permanecem desconhe- piridoxal aldeído, amina piridoxamina e seus
cidas. Nenhuma conclusão pode ser tirada sobre respectivos 5’-fosforil ésteres. A vitamina B6 é
IGIV como monoterapia ou tratamento adjuntivo ingerida na dieta, presente em muitos alimentos,
para outros FAEs. Essa questão é extremamente incluindo carnes, cereais, legumes e algumas fru-
importante para os clínicos que se deparam com tas. Uma proporção de vitamina B6 é derivada da
um número cada vez maior de opções de FAEs e flora bacteriana intestinal37. Os componentes fos-
necessitam fazer uma escolha baseada em evidên- forilados da vitamina B6 são convertidos em ba-
cias entre IGIV e outros tipos de medicamentos. ses livres por fosfatases alcalinas intestinais e, em
Também não existe atualmente nenhum estudo seguida, absorvidos no intestino delgado superior
controlado e randomizado que avalie os efeitos da por um sistema mediado por transportador38.
IGIV no tratamento da epilepsia não refratária36. A absorção é rápida e os componentes passam
para a circulação portal e são absorvidos pelo fí-
gado. Aqui, piridoxina, piridoxamina e piridoxal
Piridoxina (vitamina B6) são fosforilados por uma quinase de piridoxal a
A vitamina B6 desempenha várias funções no ésteres 5’-fosfato e o fosfato de piridoxina e o fos-
corpo humano, como a transaminação de ami- fato de piridoxamina são oxidados para formar o
noácidos, as reações de descarboxilação, a mo- fosfato de piridoxal. O fosfato de piridoxal é libe-
dulação da atividade dos hormônios esteroides e rado a partir do fígado para a circulação, onde se
a regulação da expressão de genes. A deficiência liga à albumina e forma aproximadamente 60%
dessa vitamina pode causar deficiência de ácido da vitamina B6 circulante, com menores quanti-
gama-aminobutírico (GABA) e crises epilépticas. dades de piridoxina, piridoxamina e piridoxal.
Se não tratada, pode provocar sequelas neuroló- Somente os componentes livres podem atra-
gicas permanentes. Assim, é importante conhe- vessar a barreira hematoencefálica. Para penetrar
cer as vias normais de metabolismo da vitamina nela, o fosfato de piridoxal é clivado para pirido-
B6, o papel das fosfatases alcalinas no transporte xal e transportado para o LCR por um mecanis-
dela para o cérebro e os distúrbios do metabolis- mo de transporte ativo, assim como a piridoxina
mo dela. e a piridoxamina. O transporte dos componentes
A vitamina B6 tem sido utilizada em muitos da vitamina B6 do LCR para as células cerebrais
pacientes com epilepsia. Apenas uma pequena ocorre por mecanismo semelhante. A hipofosfa-
proporção deles apresenta um transtorno especí- tasia é uma doença metabólica hereditária e rara,
fico no metabolismo da vitamina B6. A maioria caracterizada por raquitismo com redução da ati-
218
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
219
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
sentam até os três anos de vida49. Os pacientes xina utilizada é geralmente de cerca de 15 mg/kg/
do grupo de início precoce podem desenvolver dia até 500 mg/dia. Dificuldade de aprendizagem
convulsões pré-natais com cerca de 20 semanas parece ser uma complicação comum na forma de
de gestação. Um terço dos pacientes apresenta início precoce50. O atraso em meses ou anos no
encefalopatia neonatal, sendo os récem-nascidos tratamento desses pacientes provoca alterações
alertas, com irritabilidade importante e estímulo motoras graves com dificuldade de aprendizagem
sensível. As alterações sistêmicas incluem dificul- e alterações sensoriais. Alguns estudos sugerem
dade respiratória, dor abdominal, distensão e vô- que a cada recém-nascido com crise epiléptica,
mito, bem como acidose metabólica. Vários tipos mesmo se houver suspeita de asfixia perinatal ou
de crises iniciam-se nos primeiros dias de vida e sepse, deve-se administrar uma dose de vitamina
são resistentes a FAEs convencionais. Pode haver B6 IV. Da mesma forma, em crianças que tiveram
anomalias estruturais do cérebro, como hipopla- epilepsia até os três anos de idade, deve-se realizar
sia da parte posterior do corpo caloso, hipoplasia prova terapêutica, VO, com vitamina B651.
cerebelar ou hidrocefalia, e outras complicações Crianças com crises epilépticas responsivas
cerebrais, como hemorragia cerebral ou anorma- a piridoxina ou ácido folínico e recém-nascidos
lidades na substância branca50. com epilepsia resistente ao tratamento devem
A atividade epileptiforme é imediatamente ser submetidos a uma avaliação mais aprofun-
(dentro de minutos) responsiva a 100 mg de pi- dada, incluindo medição na urina ou no plasma
ridoxina administrada por via IV. No entanto, do semialdeído alfa-aminoadípico (alfa-AASA).
constatou-se que depressão cerebral ocorreu após A maioria dos casos de epilepsia piridoxina-de-
a primeira dose de piridoxina em cerca de 20% pendente se deve à deficiência da desidrogenase
das crianças com deficiência de piridoxina. As do alfa-AASA (também conhecido como anti-
crianças podem se tornar hipotônicas e dormir quitina), erro inato do metabolismo autossômi-
por várias horas. co recessivo causado por defeitos no gene AL-
Na forma de início tardio, encefalopatia e al- DH7A1 que levam ao acúmulo de alfa-AASA.
terações estruturais do cérebro foram observadas. Recomenda-se a análise da mutação do gene AL-
As crises epilépticas podem começar a qualquer DH7A1 em pacientes com rastreio bioquímico
momento até os três anos de idade51. Frequente- anormal e/ou evidência clara da capacidade de
mente, as crises ocorrem no contexto de uma do- resposta ao ácido folínico ou piridoxina. Pacien-
ença febril que pode evoluir para estado de mal tes com deficiência de antiquitina devem receber
epiléptico. Na maioria das vezes, há resposta ini- suplementação crônica com ácido de piridoxina
cial aos FAEs convencionais, no entanto os efeitos e/ou folínico46.
desaparecem com o tempo.
Piridoxina 100 mg/dia por via oral geralmen- Dose de manutenção
te controla a atividade convulsiva em um a dois
• 50 a 100 mg/dia, VO. Um estudo observacio-
dias. Depressão cerebral não é uma complicação
nal no Reino Unido recomenda dose de 30
na forma de início tardio.
mg/kg/dia49.
A única maneira de confirmar o diagnóstico
de deficiência de piridoxina é retirar a piridoxina
e demonstrar a recorrência das crises, que mais Efeitos adversos
uma vez mostram pronta resposta à piridoxina. O • SNC: cefaleia, crises epilépticas (após doses
tratamento é para toda a vida e a dose de pirido- elevadas por IV), sonolência.
220
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
221
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
222
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
Em crianças, iniciar com 5 mg/kg/dia; após A ACZ, uma medicação relativamente se-
uma semana, aumentar para 10 mg/kg/dia, man- gura, potente inibidora da anidrase carbônica,
tendo essa dose com duas ingestas ao dia. foi inicialmente utilizada no tratamento da epi-
Se não se observar resposta em um a dois me- lepsia por Bergstrom et al. em 195255. A partir
ses, o tratamento deverá ser descontinuado. A disso, vem sendo utilizada empiricamente no
descontinuação deve ser feita de forma gradual tratamento da epilepsia refratária focal e ge-
por um período de duas semanas. neralizada e da epilepsia catamenial. Estudos
Antes de iniciar o tratamento, hemograma, não controlados mostraram que ACZ pode ser
eletrólitos e função renal devem ser avaliados. efetiva no tratamento de diferentes tipos de cri-
Os eletrólitos devem ser monitorados durante o se, sendo relatado seu uso em monoterapia no
tratamento, inicialmente a cada semana ou mês e tratamento de crises TCGs em pacientes com
posteriormente a cada três a seis meses. Os níveis epilepsia mioclônica juvenil56, no tratamento de
de vitamina D devem ser monitorados e suple- crises mioclônicas e acinéticas e como terapia
mentados se necessário. adjuntiva na epilepsia focal, sendo seu uso limi-
tado pelo desenvolvimento de tolerância. Lim et
al.57 avaliaram a eficácia de ACZ em um peque-
Concentração sérica terapêutica no grupo de mulheres com epilepsia catamenial
O melhor controle de crises em adultos com não controlada. A eficácia foi semelhante nos
politerapia é provável que ocorra com a concen- pacientes com epilepsias focal e generalizada
tração plasmática de sultiame entre 2 e 10 mg/l (7 e epilepsias temporal e extratemporal. Obser-
a 34 µmol/l). Em crianças com politerapia, é pro- varam-se redução significativa na frequência
vável que ocorra com a concentração plasmática de crises em 40% das pacientes e significante
de sultiame entre 1 e 3 mg/l (3 a 10 µmol/l). redução na severidade das crises em 30%. Não
houve diferença em relação à eficácia e ao tra-
Acetazolamida tamento contínuo ou intermitente. Foram re-
latados somente efeitos adversos menores e a
Estrutura química
N-(5-(aminosulfonil)-1,3,4- tiadiazol-2-il)-acetamida. Peso
tolerância ocorreu somente em 15%57. Kataya-
molecular: 222,25. ma et al.58 avaliaram o efeito a longo prazo da
O O administração de ACZ a pacientes com epilep-
H sia, verificando a relação entre a concentração
S S N CH3 plasmática e a eficácia. Em relação aos tipos de
H2N
epilepsias e crises epilépticas, não se observou
N N O diferença estatisticamente significante em rela-
ção à eficácia desse fármaco. Porém, os pacien-
Acetazolamida. Fórmula empírica: C4 H6 N4 O3 S2. tes que apresentaram remissão das crises por
mais de três anos foram aqueles com epilepsia
Apesar de pertencer ao grupo das sulfonami- focal sintomática e aqueles somente com crises
das, a acetazolamida (ACZ) é diferente dos anti- focais, sugerindo ser mais efetiva nesses casos.
bióticos que contêm sulfonamida. Ela não contém Em relação à associação com outros FAEs, foi
o grupo arilamina na posição N4, que contribui mais efetiva quando associada a CBZ e clonaze-
para as reações alérgicas associadas ao antibiótico. pam. Não se constatou diferença na concentra-
A estrutura química da acetazolamida apresenta ção plasmática dos pacientes que responderam
alguma similaridade com a ZNS. ou não à medicação58.
223
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
224
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
como acidose metabólica, parestesias e cálculos Deve-se iniciar com 3 a 6 mg/kg/dia, uma ou
renais. Os efeitos relacionados ao SNC podem ser duas vezes ao dia, e realizar ajustes de 3 a 6 mg/
amenizados pelo aumento gradual da dose. A aci- kg/dia em intervalos de três a sete dias, se forem
dose metabólica é geralmente compensada. Os pa- necessários e tolerados.
cientes devem ser tratados com bicarbonato oral Muitos pacientes apresentam resposta satisfa-
para níveis de CO2 entre 15 e 18 mEq/l ou menos. tória com doses relativamente baixas de ACZ, em
Se possível, deve-se evitar ACZ em pacientes torno de 500 mg/dia para adultos e 10 mg/kg/dia
em uso de TPM, ZNS ou em DC, pois esses tra- em crianças, devendo ser reavaliados nessa dosa-
tamentos também predispõem a acidose meta- gem, evitando aumentos desnecessários.
bólica e cálculos renais. Os pacientes devem ser • Epilepsia catamenial: 8 a 30 mg/kg/dia.
incentivados a ingerir bastante água. Na epilepsia catamenial, tem sido usada de
A anorexia e a perda de peso podem melhorar forma contínua e intermitente durante os dias de
com a redução da dose. exacerbação das crises. Doses de até 1.000 mg/dia
Efeitos adversos comuns podem ser necessárias e são bem toleradas. De-
Parestesias, principalmente formigamento pois de estabelecida a dose efetiva e bem tolerada,
nas mãos e pés, tontura, ataxia, borramento visu- pode-se administrá-la durante os dias necessá-
al, poliúria, alteração do paladar, principalmente rios, sem necessidade de aumento gradual.
para bebidas carbonadas, acidose metabólica, re- A introdução lenta da medicação aumenta a
dução do apetite, náuseas, vômitos, diarreia e rash tolerabilidade aos efeitos sedativos. Com o desen-
cutâneo. volvimento da tolerância, a suspensão da medica-
ção reestabelece o efeito terapêutico prévio.
Efeitos adversos raros e não sérios
Durante a descontinuação de ACZ, deve-se
Nefrolitíase secundária à redução de citrato
ajustar a dosagem das medicações concomitantes,
urinário, discrasia sanguínea, alterações visuais e
pois os níveis séricos de outros FAEs podem se
miopia transitória, tinido, depressão, diminuição
alterar. Se possível, ACZ deve ser descontinuada
da libido e perda de peso.
de forma gradual, em um período de um a três
Efeitos adversos sérios meses. Em pacientes que recebem o tratamento
Raramente podem ocorrer síndrome de Ste- de forma intermitente, a descontinuação gradual
vens-Johnson, necrose epidérmica tóxica e necro- não é necessária.
se hepática fulminante, assim como agranulocito- O nível terapêutico adequado para o contro-
se, anemia aplástica e outras discrasias sanguíneas. le de crises em pacientes em monoterapia ocorre
com a concentração plasmática em torno de 10 a
Dose 14 mg/l (45 a 63 µmol/l).
• Adultos e crianças com mais de 12 anos: 250 a
1.000 mg/dia. Contraindicações
Deve-se iniciar o tratamento com 250 mg/dia, Deve ser utilizada com cautela em pacientes
uma ou duas vezes ao dia, e realizar ajustes de 250 sob tratamento associado ao aumento do risco de
mg/dia em intervalos de três a sete dias, se forem cálculos renais.
necessários e tolerados. Não deve ser utilizada por pacientes com aci-
• Crianças com menos de 12 anos: 10 a 20 mg/ dose hiperclorêmica e com cirrose hepática devi-
kg/dia. Dose de 20 a 30 mg/kg/dia pode ser do ao risco de hiperamonemia severa. Histórico
necessária, se bem tolerada. de reação alérgica a antibióticos do grupo das sul-
225
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
fonamidas não é uma contraindicação absoluta ao traram nenhuma alteração no metabolismo, trans-
uso de ACZ. Não deve ser administrada a pacien- porte ou sítios de ligação do GABA. O íon brome-
tes que ingerem altas doses de aspirina, em razão to também pode inibir a anidrase carbônica61.
do risco de anorexia, taquipneia, letargia, coma e
morte. Também é contraindicada a pacientes com
Uso
doença de Addison e insuficiência adrenal, devi-
Foram realizados estudos não randomizados,
do à tendência de perda de potássio.
controlados com placebo, para determinar a efi-
cácia dos brometos. Embora tenham sido usados
Brometos em adultos no passado, a maioria dos relatos mais
Embora não sejam mais utilizados no trata- recentes refere-se ao tratamento de crianças e
mento de rotina da epilepsia, os brometos podem adolescentes.
ainda ter um papel no tratamento de pacientes A maior série (196 crianças) foi publicada
com epilepsia refratária ou que não toleram ou- em 1953. Os pacientes receberam um elixir de
tros FAEs. Brometos também pode apresentar brometo triplo (uma combinação de brometo de
efeitos adversos importantes. amônio, brometo de potássio e brometo de só-
dio) em doses crescentes até que fossem efetivas
ou ocorresse sedação. Cento e nove desses pa-
História
cientes não haviam apresentado resposta a outros
Depois de seu isolamento em 1826, a partir FAEs. Sessenta e um pacientes tiveram o controle
das águas do mar Mediterrâneo, por um breve completo das crises, 39 melhoraram significati-
período os brometos foram considerados a “cura” vamente (redução de 75% das crises epilépticas),
para hepatosplenomegalia, sífilis e eczema. Além 15 apresentaram redução inferior a 50% e 81 não
disso, o composto apresentava propriedades an- apresentaram resposta. Em relação ao tipo de
tiafrodisíacas. No século 19, o íon brometo foi crise, aparentemente o elixir foi mais efetivo nas
usado pela primeira vez como FAE quando Sir crises TCGs, parciais, mioclônicas e acinéticas. As
Charles Locock, em 1853, tratou vários de seus crises de ausência não apresentaram melhora. Os
pacientes com brometo de potássio59. Na forma de efeitos adversos reportados foram sonolência (as-
brometo de potássio, brometo de sódio e brometo sociada a níveis superiores a 20 mEq/l) e erupções
de amônio, brometos foram amplamente usados cutâneas acneiforme62.
com sucesso por 59 anos. A introdução de PB em
Boenigk et al.63 trataram 68 crianças e ado-
1912 ofereceu uma alternativa eficaz e segura para
lescentes com crises refratárias TCGs com doses
o tratamento da epilepsia. Em 1937, a descoberta
não especificadas de brometo de potássio. Trinta e
de PHT marcou o fim dos brometos na idade mo-
três por cento dos pacientes na primeira infância
derna dos FAEs.
tornaram-se livres de crises. Doze pacientes com
síndrome de Lennox-Gastaut não apresentaram
Mecanismo de ação resposta, tendo ainda ocorrido aumento das cri-
O mecanismo preciso de ação dos brometos ses tônicas em um terço deles. Não foram relata-
permanece desconhecido. Há evidências de que dos efeitos adversos.
possam atuar de maneira semelhante ao GABA na Woody60 relatou o resultado da terapia com
estabilização de membranas, levando à hiperpola- brometos em crianças com epilepsia refratária.
rização dos neurônios60. Experimentos em ratos Foram administrados 10 mg/kg/dia de sais de
que receberam continuamente brometos não mos- brometo (elixir triplo), divididos em duas a três
226
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
227
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
228
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
229
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
230
Dietas cetogênicas e outras alternativas terapêuticas
28. Billiau AD, Witters P, Ceulemans B, et al. Intrave- 42. Mills PB, Surtees RA, Champion MP, et al. Neo-
nous immunoglobulins in refractory childhood- natal epileptic encephalopathy caused by muta-
-onset epilepsy: effects on seizure frequency, EEG tions in the PNPO gene encoding pyridox(am)
activity, and cerebrospinal fluid cytokine profile. ine 5’-phosphate oxidase. Hum Mol Genet.
Epilepsia. 2007;48:1739-49. 2005;14:1077-86.
29. Ariizumi M, Baba K, Hibio S, et al. Immunoglobu- 43. Walker V, Mills GA, Peters SA, et al. Fits, pyridoxi-
lin therapy in the West syndrome. Brain Develop. ne, and hyperprolinaemia type II. Arch Dis Child.
1987;9(4):422-5. 2000;82:236-7.
30. Illum N, Taudorf K, Heilmann C, et al. Intrave- 44. Farrant RD, Walker V, Mills GA, et al. Pyridoxal
nous immunoglobulin: a single-blind trial in chil- phosphate de-activation by pyrroline-5-carboxylic
dren with Lennox-Gastaut syndrome. Neurope- acid. Increased risk of vitamin B6 deficiency and
diatrics. 1990;21(2):87-90. seizures in hyperprolinemia type II. J Biol Chem.
31. van Rijckevorsel-Harmant K, Delire M, Schmitz- 2001;276:15107-16.
Moorman W, et al. Treatment of refractory epi- 45. Baxter P. Pyridoxine-dependent seizures: a clinical
lepsy with intravenous immunoglobulins. Results and biochemical conundrum. Biochem Biophys
of the first doubleblind/dose finding clinical study.
Acta. 2003;1647:36-41.
Int J Clin Lab Res. 1994;24(3):162-6.
46. Mills PB, Struys E, Jakobs C, et al. Mutations in an-
32. Türkay S, Baskin E, Dener S, et al. Immune globu-
tiquitin in individuals with pyridoxine-dependent
lin treatment in intractable epilepsy of childhood.
seizures. Nat Med. 2006;12:307-9.
Turkish J Pediatrics. 1996;38(3):301-5.
47. Wang HS, Kuo MF, Chou ML, et al. Pyridoxal
33. Elovaara I, Apostolski S, van Doorn P, et al. EFNS
phosphate is better than pyridoxine for con-
guidelines for the use of intravenous munoglo-
trolling idiopathic intractable epilepsy. Arch Dis
bulin in treatment of neurological diseases. Eur J
Neurol. 2008;15:893-908. Child. 2005;90:512-5.
34. Mikati MA, Shamseddine AN. Management 48. Been JV, Bok LA, Andriessen P, et al. Epidemio-
of Landau-Kleffner syndrome. Paediatr Drugs. logy of pyridoxine dependent seizures in the Ne-
2005;7:377-89. therlands. Arch Dis Child. 2005;90:1293-6.
35. Granata T. Rasmussen’s syndrome. Neurol Sci. 49. Baxter P. Epidemiology of pyridoxine dependent
2003;24:S239-S43. and pyridoxine responsive seizures in the UK.
36. Geng J, Dong J, Li Y, et al. Intravenous immu- Arch Dis Child. 1999;81:431-3.
noglobulins for epilepsy (review).The Cochrane 50. Baxter P, Griffiths P, Kelly T, et al. Pyridoxine-
Collaboration. John Wiley & Sons, 2011. dependent seizures: demographic, clinical, MRI
37. McCormick DB. Two interconnected B vita- and psychometric features, and effect of dose on
mins: riboflavin and pyridoxine. Physiol Rev. intelligence quotient. Dev Med Child Neurol.
1989;69:1170-98. 1996;38:998-1006.
38. Said HM. Recent advances in carrier-mediated 51. Chou ML, Wang HS, Hung PC, et al. Late onset
intestinal absorption of water-soluble vitamins. pyridoxine-dependent seizures: report of two ca-
Annu Rev Physiol. 2004;66:419-26. ses. Acta Paediatr Taiwan. 1995;36:434-8.
39. Nunes ML, Mugnol F, Bica I, et al. Pyridoxine de- 52. Rating D, Wolf C, Bast T for the Sulthiame Stu-
pendent seizures associated with hypophosphatasia dy Group. Sulthiame as monotherapy in chil-
in a newborn. J Child Neurology. 2002;17:222-4. dren with benign childhood epilepsy with cen-
40. Yamamoto H, Sasamoto Y, Miyamoto Y, et al. A trotemporal spikes: a 6-month randomized,
successful treatment with pyridoxal phosphate double-blind, placebo-controlled study. Epilepsia.
for West syndrome in hypophosphatasia. Pediatr 2000;41(10):1284-8.
Neurol. 2004;30:216-8. 53. Borggraefe I, Bonfert M, Bast T, et al. Levetirace-
41. Kang JH, Hong ML, Kim DW, et al. Genomic or- tam vs. sulthiame in benign epilepsy with centro-
ganization, tissue distribution and deletion muta- temporal spikes in childhood: a double-blinded,
tion of human pyridoxine 5’-phosphate oxidase. randomized, controlled trial (German HEAD Stu-
Eur J Biochem. 2004;271:2452-61. dy). Eur J Ped Neurol. 2013;17:507-14.
231
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
54. Milburn-McNulty P, Powell G, Sills GJ, et al. Sul- cally exposed to bromide in vivo. J Neurochem.
thiame add-on therapy for epilepsy. Cochrane Da- 1987;48:167-9.
tabase Syst Rev. 2013 Mar 28;3. 62. Livingston S, Pearson PH. Bromides in the tre-
55. Bergstrom WH, Garzoli RF, Lombroso C, et al. atment of epilepsy in children. Am J Dis Child.
Observations on metabolic and clinical effects of 1953;86:717-20.
carbonic anhydrase inhibitors in epileptics. Am J 63. Boenigk HE, Saelke-Treumann A, May T, et al.
Dis Child. 1952;84:71-3. Bromides: useful for treatment of generalizaed
56. Resor SR, Resor LD. Chronic acetazolamide mo- epilepsies in children and adolescents? Cleve Clin
notherapy in the treatment of juvenile myoclonic J Med. 1989;56:S272.
epilepsy. Neurology. 1990;40:1677-81. 64. Steinhoff BJ, Kruse R. Bromide treatment of
57. Lim LL, Foldvary N, Mascha E, et al. Acetazolami- pharmaco-resistant epilepsies with generalized
de in women with catamenial epilepsy. Epilepsia. tonic-clonic seizures: a clinical study. Brain Dev.
2001;42:746-9. 1992;14:144-9.
58. Katayama F, Miura H, Takanashi S. Long-term ef- 65. Brown P, Steiger MJ, Thompson PD, et al. Effec-
fectiveness and side effects of acetazolamide as an tiveness of piracetam in cortical myoclonus. Mov
adjunct to other anticonvulsants in the treatment Disord. 1993;8:63-8.
of refractory epilepsies. Brain Dev. 2002;24:150-4. 66. Koskiniemi M, Van Vleymen B, Hakamies L, et al.
59. Ryan M, Baumann RJ. Use and monitoring of Piracetam relieves symptoms in progressive myo-
bromides in epilepsy treatment. Ped Neurol. clonus epilepsy: a multicentre, randomised, double
1999;21:523-8. blind, crossover study comparing the efficacy and
60. Woody RC. Bromide therapy for pediatric seizure safety of three dosages of oral piracetam with place-
disorder intractable to other antiepileptic drugs. J bo. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1998;64:344-8.
Child Neurol. 1990;5:65-7. 67. Genton P, Guerrini R, Remy C. Piracetam in the
61. Balcar VJ, Erdo SL, Joo F, et al. Neurochemistry treatment of cortical myoclonus. Pharmacopsy-
of GABAergic system in cerebral cortex chroni- chiatry.1999;32(suppl. 1):S49-S53.
232
Parte 6
A programação terapêutica
233
Quando iniciar o tratamento
19 com fármacos antiepilépticos?
Jaderson Costa da Costa
Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas,
Rio Grande do Sul, Brasil.
Neste capítulo, será abordado quando se deve e entre os médicos. No Reino Unido, uma cri-
iniciar o tratamento, considerando as diferenças se isolada não é tratada1,2. Estima-se em 15% os
regionais, os prós e contras do tratamento, alguns que recebem FAEs no Reino Unido3,4. Nos Esta-
estudos sobre a primeira crise e o risco de recor- dos Unidos, a maioria (aproximadamente 70%)
rência, fatores importantes na decisão e o que fazer é tratada com FAEs5. Será que a literatura que os
enquanto se aguarda a definição do diagnóstico. médicos do Reino Unido e os norte-americanos
Trata-se de um tema controvertido. Na lite- leem são diferentes? Provavelmente não. Existem
ratura médica, ninguém se posiciona claramente outros fatores que devem ser considerados, como
quanto à decisão de tratar ou não tratar a primeira os aspectos médico-legais, as questões locais de
crise. Provavelmente, essa falta de definição seja julgamento da conduta do médico (o bom e o
uma consequência da diversidade de fatores que mau médico), o impacto psicossocial e as diferen-
devem ser ponderados antes de se iniciar o trata- ças extremadas entre os índices de recorrência.
mento com fármacos antiepilépticos (FAEs). Veja Aspectos médico-legais, como o processo
a seguir os fatores mais importantes a serem con- médico, às vezes possibilitam que o médico trate
siderados no início do tratamento. mais precocemente e com maior facilidade.
Questões locais, como, em algumas regiões, a
recorrência de crises, podem levar ao julgamento
Tratamento da primeira crise não de que o médico não é tão capaz.
provocada: diferenças regionais Em relação ao impacto psicossocial das cri-
O critério para iniciar o tratamento com FAEs ses, sabe-se que uma crise em um indivíduo que
varia consideravelmente de acordo com cada país mantém uma atividade pública eminente pode
235
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Tempo de Recorrência
Autores População estudada Tipo de estudo Faixa etária
seguimento (%)*
Crianças e
Hauser et al.5 Pacientes de quatro hospitais Prospectivo 6 a 55 meses 27%
adultos
236
Quando iniciar o tratamento com fármacos antiepilépticos?
Tempo de Recorrência
Autores População estudada Tipo de estudo Faixa etária
seguimento (%)*
Pacientes atendidos em um
Crianças e
Elwes et al.14 hospital após primeira crise Prospectivo 1 a 69 meses 71%
adultos
tônico-clônica generealizada
Serviço de
Média de 31,4
Camfield et al.15 eletroencefalograma após Retrospectivo Crianças 52%
meses
primeira crise
Crianças e
Annegers et al.16 Prontuários médicos Retrospectivo Até 10 anos 56%
adultos
Pacientes atendidos em
Adolescentes
Hopkins et al.3 hospital com crises, sem Prospectivo Até 3 anos 52%
e adultos
doença neurológica prévia
Predominante
Crianças e
Hart et al.4 Pacientes de clínico geral mente 2 a 4 anos 78%
adultos
prospectivo
51% não
Pacientes de 35 hospitais após
First Seizure Crianças e tratados
primeira crise tônico-clônica Prospectivo Até 3 anos
Trial Group17 adultos e 25%
generalizada
tratados
Pacientes de três hospitais e
Shinnar et al.18 Prospectivo Crianças 2 a 8 anos 44%
clínica privada
237
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
tanto, nessa casuística estão incluídas as crises be- plexas, 79%, e as crises de ausência, crises atôni-
nignas idiopáticas da infância, o que contamina cas, mioclônicas e espasmos infantis apresentam
essa avaliação. Talvez, por isso, o EEG anormal e recorrência de praticamente 100%15.
a crise inicial durante o sono sejam fatores rela-
cionadas a maiores índices de recorrência. Como
nas crises idiopáticas da infância com paroxismos
Recorrência em crianças
centro-temporais, a maioria das crises ocorre du- O risco de recorrência geral é de 42%, sendo
rante o sono (72,2%; tabela 2) e o EEG evidencia maior nos primeiros seis meses.
anormalidades paroxísticas nas áreas centrotem- As crises sintomáticas remotas apresentam
porais. Não causa admiração o fato de EEG anor- maior índice de recorrência.
mal e crises durante o sono estarem associados à EEG anormal e crise inicial durante o sono se
maior recorrência (Tabela 2). relacionam a maior índice de recorrência.
A recorrência é maior para as crises de ausência,
Tabela 2. Horário de ocorrência das crises na epi-
atônicas, mioclônicas e espasmos infantis (100%),
lepsia benigna da infância com paroxismos cen-
seguidas pelas crises parciais complexas (79%).
tro-temporais.
238
Quando iniciar o tratamento com fármacos antiepilépticos?
Em um estudo realizado por Buck et al.25, evi- rando sempre seu desejo e/ou o dos responsá-
denciou-se que as crises determinam trauma de veis após os orientar adequadamente quanto
crânio em 24% dos pacientes, queimaduras em aos riscos e benefícios.
16%, traumatismo dentário em 10% e alguma fra- - Lembrar que provavelmente se pode evitar
tura em 6%. O tipo de crise e o risco de trauma que muitos pacientes tenham recorrência de
também devem ser considerados. crises, afastando os fatores desencadeantes,
como medicamentos, álcool, febre, fotossen-
sibilidade (TV, vídeos, discos, videogame),
Risco associado a fármacos privação do sono, estresse emocional e alguns
antiepilépticos outros mecanismos reflexos.
O risco de efeitos adversos inaceitáveis é de
aproximadamente 30%26. Deve-se considerar os
efeitos no desenvolvimento e/ou aprendizado Referências bibliográficas
principalmente em crianças e considerar os efei- 1. Sander JWAS. Starting antiepileptic treatment. In:
Duncan JS, Gill JQ (eds.). British Branch of the In-
tos psicológicos de um tratamento crônico e o
ternational League Against Epilepsy. Lecture notes
custo financeiro. for the 5th Epilepsy Teaching Weekend, 1995. p. 159.
Portanto, a decisão de tratar ou não a primei- 2. Brodie MJ. Management of newly diagnosed epilepsy.
ra crise deve ser individualizada e baseada no In: Duncan JS, Gill JQ (eds.). British Branch of the
conhecimento dos riscos e benefícios. As infor- International League Against Epilepsy. Lecture Notes
mações epidemiológicas disponíveis servem so- for the 5th Epilepsy Teaching Weekend, 1995. p. 161.
mente como orientação quanto à probabilidade 3. Hopkins A, Garman A, Clarke C. The first seizure
in adult life: value of clinical features, electroen-
de recorrência.
cephalography, and computerised tomography
scanning in prediction of seizure recurrence. Lan-
cet. 1988;721-6.
Critérios para iniciar o tratamento 4. Hart YM, Sander JWAS, Johnson AL, et al. for the
com fármacos antiepilépticos NGPSE (National General Practice Study of Epi-
lepsy). Recurrence after a first seizure. Lancet i.
- Ter estabelecido o diagnóstico de que se tratou
1990;336: 1271-4.
de uma crise epiléptica e não uma crise pseu-
5. Hauser WA, Anderson VE, Loewenson RB, et al.
doepiléptica, como um episódio sincopal19,27. Seizure recurrence after a first unprovoked seizu-
- Estar certo de que o risco de recorrência para re. N Engl J Med. 1982;307:522-8.
esse paciente é elevado. 6. Berg AT, Shinnar, S. Do seizures beget seizures?
- Considerar o tipo de crise, a gravidade, o ho- An assessment of the clinical evidence in humans.
J Clinical Neurophysiol. 1997;14:102-10.
rário e o fator desencadeante.
7. Hart YM. Principles of treatment of newly diagno-
- Considerar a possibilidade de realmente o pa- sed patients. In: Shorvon S, Dreifuss F, Fish D, et
ciente aderir ao tratamento28. al. (eds.). The treatment of epilepsy. Oxford: Bla-
- Após orientar o paciente e/ou familiares, con- ckwell Science, 1996. p. 169-76.
siderar seu desejo. 8. Thomas MH. The single seizure: its study and ma-
nagement. JAMA. 1959;169:457-9.
- Considerar o impacto social de uma nova cri-
9. Costeff H. Convulsions in childhood: their natu-
se e, portanto, a ocupação do paciente.
ral history and indications for treatment. N Engl J
- Só iniciar o tratamento com FAEs quando Med. 1965;273:1410-3.
houver certeza do diagnóstico e do risco de 10. Saunders M, Marshall C. Isolated seizures: an EEG
recorrência elevado para o paciente, conside- and clinical assessment. Epilepsia. 1975;16:731-3.
239
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
11. Blom S, Heijbel J, Bergfors PG. Incidence of epi- 21. Loiseau P, Duche B, Cordova S, et al. Prognosis of
lepsy in children: a follow-up study three years benign childhood epilepsy with centro-temporal
after the first seizure. Epilepsia. 1978;19:343-50. spikes: a follow up study of 168 patients. Epilepsia.
12. Cleland PG, Mosquera I, Steward WP, et al. Prog- 1988;29:229-35.
nosis of isolated seizures in adult life. Br Med J. 22. Scaramelli A, Trentin GA, Da Costa JC. Epilep-
1981;283:1364. sia e sono. In: Da Costa JC, Palmini A, Yacubian
13. Goodridge DMG, Shorvon SD. Epileptic seizures EMT, et al. (eds.). Fundamentos neurobiológi-
in a population of 6,000. II. Treatment and prog- cos das epilepsias. V. 1. São Paulo: Lemos, 1998.
nosis. Br Med J. 1983;287:645-7. p. 707-19.
14. Elwes RDC, Chesterman P, Reynolds EH. Prog- 23. Musicco M, Beghi E, Solari A, et al. Effect of an-
nosis after a first untreated tonic-clonic seizure. tiepileptic treatment initiated after the first unpro-
Lancet ii. 1985:752-3. voked seizure on the long-term prognosis of epi-
15. Camfield PR, Camfield CS, Dooley JM, et al. Epi- lepsy. Neurology. 1994;44(suppl. 2):S337-S8.
lepsy after a first unprovoked seizure in childhood. 24. Berg AT, Shinnar S. The risk of recurrence
Neurology. 1985;35:1657-60. following a first unprovoked seizure. A quantita-
16. Annegers JF, Hauser WA, Elveback, LR. Remission tive review. Neurology. 1991;41:965-72.
of seizures and relapse in patients with epilepsy. 25. Buck D, Baker GA, Jacoby A, et al. Patient´s expe-
Epilepsia. 1979;20:729-37. rience of injury as a result of epilepsy. Epilepsia.
17. First Seizure Trial Group. Randomized clinical 1997;38:439-45.
trial on the efficacy of antiepileptic drugs in re- 26. Mattson RH, Cramer JA, Collins JF, et al. Compa-
ducing the risk of relapse after a first unprovoked rison of carbamazepine, phenobarbital, phenytoin
tonic-clonic seizure. Neurology. 1993;43:478-83. and primidone in partial and secondarily genera-
18. Shinnar S, Berg AT, Moshé SL, et al. The risk of lized tonic-clonic seizure. Lancet. 1985;2:752-3.
seizure recurrence after a first unprovoked afebrile 27. De Paola L, Gates JR. Eventos não epilépticos.
seizure in childhood: an extended follow-up. Pe- In: Da Costa JC, Palmini A, Yacubian EMT, et al.
diatrics. 1996; 98:216-25. (eds.). Fundamentos neurobiológicos das epilep-
19. Da Costa JC, Palmini A. Epilepsias refratárias em sias. V. 1. São Paulo: Lemos, 1998. p. 445-79.
crianças. In: Da Costa JC, Palmini A, Yacubian EMT, 28. Campos CJR, Alonso NB. Adesão ao tratamen-
et al. (eds.). Fundamentos neurobiológicos das epi- to e fracassos na terapêutica medicamentosa das
lepsias. V. 2. São Paulo: Lemos, 1998. p. 817-29. epilepsias. In: Da Costa JC, Palmini A, Yacubian
20. Lerman P, Kivity S. Benign focal epilepsy of chil- EMT, et al. (eds.). Fundamentos neurobiológicos
dhood. A follow-up study of 100 recovered pa- das epilepsias. V. 2. São Paulo: Lemos, 1998. p.
tients. Arch Neurol. 1975;32:261-4. 789-805.
240
Estratégias medicamentosas
20 nas epilepsias parciais:
papel dos diagnósticos sindrômico e subsindrômico
André Palmini
Professor do Departamento de Medicina Interna da Divisão de Neurologia da Faculdade
de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Chefe do Serviço de
Neurologia e diretor científico do Programa Cirurgia da Epilepsia do Hospital São Lucas, Rio
Grande do Sul, Brasil.
Érika Viana
Neurologista, ex Residente da Divisão de Neurologia do Departamento de Medicina Interna
da Faculdade de Medicina e do Programa de Cirurgia da Epilepsia e Grupo de Estudos em
Neuropsiquiatria do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade
Católica, Rio Grande do Sul, Brasil.
241
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
trole medicamentoso o fez com doses elevadas de parâmetros laboratoriais para definir que um de-
um FAE ou com politerapia. Este artigo enfatiza a terminado agente tem efeito antiepiléptico têm
importância para o epileptologista dos diagnósti- permanecido inalterados ao longo das últimas dé-
cos sindrômico e subsindrômico da epilepsia na cadas e baseiam-se na propriedade de que fárma-
construção da estratégia farmacológica visando cos reduzem a tendência e aumentam o limiar de
ao controle das crises em pacientes com epilep- crises induzidas experimentalmente pela injeção
sias parciais. de pentilenotetrazol ou pela aplicação de eletro-
Tratar crises epilépticas e sua tendência à re- choque em animais experimentais8. A decorrência
corrência em pacientes com epilepsia é uma das direta disso é que ainda não se atingiu um estágio
atribuições mais frequentes dos neurologistas. de desenvolvimento racional de FAEs baseado na
Epilepsia é uma entidade com prevalência eleva- etiologia (patologia) subjacente ao foco epilép-
da3,4 e o grau de controle das crises com FAEs faz tico. Esse aspecto será explorado ao longo deste
toda a diferença na vida de uma pessoa com epi- capítulo, como uma das principais causas para o
lepsia. Pacientes com crises bem controladas ten- estágio ainda insatisfatório do arsenal terapêutico
dem a uma integração social adequada, enquanto à disposição do neurologista para controlar as cri-
aqueles com crises recorrentes, a despeito do uso ses epilépticas. Existem duas maneiras de abordar
de medicamentos, geralmente são relegados a um clinicamente o tratamento de crises epilépticas,
segundo plano na estratificação social. Assim, co- convivendo com as limitações inerentes ao des-
nhecer profundamente os FAEs, sua aplicação e conhecimento de grande parte dos mecanismos
os critérios que regem a seleção de esquemas de fisiopatológicos e moleculares subjacentes a agre-
tratamento farmacológico para controlar crises gados neuronais epileptogênicos. Uma é aceitar
epilépticas talvez seja uma das principais res- de forma mais ou menos passiva as limitações e
ponsabilidades que um indivíduo assume quan- simplesmente selecionar fármacos e dosagens a
do decide ser neurologista. Do empirismo dos partir de alguns padrões estabelecidos, como tipo
brometos à casualidade da descoberta do efeito de crises e obtenção de níveis séricos propostos
antiepiléptico do valproato (VPA)5, a pesquisa como “adequados”. A outra abordagem, que será
científica está rapidamente evoluindo no sentido explicitada e detalhada neste capítulo, envolve
do desenvolvimento racional de FAEs, a partir de uma postura ativa de selecionar fármacos, dosa-
avanços no conhecimento de mecanismos intrín- gens e combinações com base numa integração
secos aos agregados neuronais epileptogênicos6,7. constante entre tipo de crises9, tipo de síndrome
Assim, alguns “alvos” farmacodinâmicos que se epiléptica10, além da presença, tipo e extensão de
correlacionam com redução da atividade epilep- lesão estrutural subjacente (subsíndrome epilép-
togênica já estão bem definidos, e os FAEs atual- tica). Além disso, será proposto que pacientes
mente disponíveis provavelmente atuam por meio com uma mesma síndrome epiléptica sejam dis-
de um ou mais de uma série de mecanismos que tribuídos ao longo de um espectro de severidade
reduzem a excitabilidade de agregados neuronais. de epilepsia, devendo tal fato ser constantemente
Entre estes, incluem-se a redução de potenciais considerado na decisão sobre que dosagens atin-
de ação repetitivos gerados pelo influxo de sódio, gir de determinados fármacos para obter contro-
o aumento da atividade inibitória GABAérgica e le adequado das crises11. Deve-se enfatizar que a
a interferência na neurotransmissão de aminoá- gravidade da epilepsia não varia apenas entre as
cidos excitatórios, como glutamato e aspartato8. diversas síndromes epilépticas, mas dentro de
Muito embora seja inegável o avanço no conhe- uma mesma síndrome. O reconhecimento ou não
cimento dos mecanismos de ação dos FAEs, os desse aspecto tem implicações práticas no grau
242
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais
de controle das crises. Este capítulo, então, tenta- uma série de estigmas que acompanham os indi-
rá abordar de forma prática essas e outras ques- víduos com epilepsia, seus familiares e a popula-
tões, procurando fornecer primariamente uma ção em geral. Ingredientes para isso não faltam:
filosofia de abordagem no tratamento de crises crises epilépticas ocorrem de forma imprevisível e
epilépticas e também algumas sugestões práticas. suas manifestações, na maioria das vezes, têm um
Ao longo do capítulo serão mesclados dados e impacto social francamente negativo. Entretanto,
condutas bem estabelecidas com posturas deri- a análise científica do prognóstico das epilepsias
vadas da experiência prática dos autores. Sempre quanto às possibilidades de remissão ou controle
que factível, um e outro estarão claramente sa- altamente satisfatório com FAEs mostra um qua-
lientados e você, leitor, deverá fazer seu próprio dro muito mais otimista. Uma análise recente de
julgamento a respeito da propriedade de algumas 564 pacientes epilépticos acompanhados durante
abordagens derivadas da experiência dos autores. nove anos, de forma prospectiva, por clínicos ge-
Ao mesclar literatura com experiência pessoal, é rais no Reino Unido, mostrou que mais de 85%
possível contribuir um pouco mais para a abor- obtiveram remissão ou controle completo das cri-
dagem prática do tratamento das epilepsias par- ses com FAEs por um período de três anos e 68%,
ciais. Primeiramente, serão apresentados alguns por um período de cinco anos12. Quando esses da-
dados epidemiológicos sobre controle de crises dos foram analisados à luz do tipo de crises, 80%
epilépticas e uma breve discussão sobre aspectos dos pacientes com crises parciais e 91% daqueles
conhecidos e desconhecidos que facilitam a ocor- com crises primariamente generalizadas obtive-
rência de crises em pacientes epilépticos. A seguir, ram remissão durante, no mínimo, três anos. De
serão discutidos brevemente alguns aspectos far- modo interessante, mesmo quando os autores se-
macológicos gerais. Para finalizar, há uma seção pararam os pacientes, de acordo com a provável
sobre as estratégias de seleção de fármacos, doses etiologia da epilepsia, observou-se taxa elevada
e combinações a partir daquela análise do cená- de remissão em todos os grupos. Por exemplo,
rio completo, envolvendo tipo de crise, síndrome, 61% daqueles com epilepsia sintomática a um
presença de lesão e distribuição do paciente ao insulto remoto (grupo que engloba a maioria das
longo do espectro de severidade na sua respectiva epilepsias parciais) obtiveram remissão de cinco
síndrome epiléptica. anos com o uso apropriado de FAEs. Uma outra
forma de utilizar estudos populacionais como
indicadores do prognóstico quanto ao controle
Epidemiologia do controle das das crises também foi proposta pelo mesmo gru-
crises epilépticas nas epilepsias po13, sugerindo quatro cenários prognósticos em
relação às chances de controle das crises. Apro-
parciais ximadamente 30% dos pacientes com epilepsia
A experiência de ter ou presenciar uma ou têm uma condição muito leve, autolimitada, que
mais crises epilépticas em um familiar próximo remite em tempo relativamente curto, ou seja,
é universalmente descrita como um evento alta- após algum tempo os pacientes deixariam de ter
mente traumático e que traz à mente a possibi- epilepsia. Outros 30% desses pacientes têm crises
lidade de um problema muito sério, que poderá facilmente controláveis com FAEs e, com trata-
comprometer significativamente a qualidade de mento adequado, permanecem longos anos em
vida desse indivíduo. Aliás, o enorme receio de remissão. Um terceiro grupo, englobando aproxi-
que crises epilépticas sinalizem uma vida de limi- madamente 20% dos pacientes com epilepsia, tem
tações e sofrimento é o principal responsável por uma forma de mais difícil controle, necessitando,
243
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
244
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais
sexuais. Entretanto, algumas dessas pacientes já é representado por adolescentes e adultos jovens
estão recebendo doses bastante elevadas de um com epilepsia parcial e graus variados de contro-
ou mais FAEs, de forma que aumentos adicionais, le medicamentoso, mas que desejam participar
ao longo de todo o mês, podem ocasionar efeitos de atividades sociais inerentes a sua faixa etária.
colaterais indesejáveis. Nesses casos, segundo a Tal fato vai envolver, necessariamente, a ingestão
literatura internacional3,19 e os resultados obti- eventual de quantidades pequenas ou moderadas
dos na prática diária, recomenda-se a associação de bebidas alcoólicas e algumas noites com menos
de clobazam (CLB) intermitente, iniciando três horas de sono. É muito difícil uma pessoa passar
a quatro dias antes da data provável da menstru- por uma adolescência normal sem vivenciar algu-
ação e persistindo por mais três a quatro dias a mas dessas situações. Existem duas posturas possí-
partir disso. Naquelas pacientes que já utilizam veis. Uma é a que preconiza uma virtual proibição
CLB, recomenda-se elevar 10 mg (um compri- ao paciente de participar das atividades inerentes
mido) na dose diária no período perimenstrual. à sua faixa etária. Proíbe-se a ingestão de qualquer
Da mesma forma, uma série de pacientes referirá quantidade de bebidas alcoólicas e convencem-se
maior chance de ocorrer crises em períodos nos os pais do adolescente de que ele deve dormir cedo
quais estejam dormindo pouco, tenham passado para não elevar a frequência de crises. Isso tran-
por momentos de tensão emocional ou ingerido quiliza o médico e os pais, mas cria um enorme
bebidas alcoólicas. Deve-se estar atento a esses conflito na vida do paciente, contribuindo muito
fatos e tentar realmente ajudar tais pacientes. Au- para uma série de comorbidades psíquicas que es-
xiliá-los não significa criticá-los ou proibi-los, de ses jovens com epilepsia apresentam. A alternativa
forma indiscriminada, a exporem-se a situações proposta é que se tente ajustar as doses de FAEs, da
em que esses fatores potencialmente desencade- melhor forma possível, incluindo uma certa mar-
antes de crises estarão presentes. O neurologista gem de segurança que acomode eventuais exposi-
deve procurar ajustar as doses dos FAEs utilizados ções a situações que potencialmente reduzam o li-
para a eventual possibilidade de que os pacientes miar epileptogênico. Tal postura aumenta a adesão
exponham-se a situações que possam desencade- ao tratamento e induz no paciente a percepção de
ar crises epilépticas, o que envolve uma análise que suas características estão sendo respeitadas e o
individual de cada caso. médico está fazendo todo o possível para diminuir
Não foi descoberta ainda uma forma de imu- o impacto funcional da epilepsia na sua vida. Por
nizar as pessoas, epilépticas ou não, a períodos de fim, um aspecto merece atenção especial. Muitas
tensão ou estresse emocional. Conflitos e preocu- crianças (especialmente) com epilepsias parciais
pações são parte da experiência humana de estar têm aumento da probabilidade de crises quando
vivo. Assim, de nada serve aconselhar os pacientes estão com febre. Não se trata de crianças com con-
para que “não se incomodem”, “procurem evitar vulsões febris, mas com crises tanto na presença
situações de tensão emocional” e recomenda- quanto na ausência de febre, mas nas quais o in-
ções do gênero. Se um determinado paciente está cremento da temperatura corporal ocasiona uma
passando por uma fase emocionalmente difícil, maior frequência de crises. Em um percentual sig-
o melhor a fazer é ajustar as doses do(s) FAE(s) nificativo dessas crianças, encontra-se uma causa
para o proteger, mesmo quando sob estresse. No- bem definida para infecções recorrentes, em geral
tadamente, um estudo sobre eventos vitais “estres- das vias aéreas superiores. Otites, faringoamig-
santes” e frequência de crises em pacientes com dalites ou sinusites de repetição frequentemente
epilepsia não verificou uma associação significa- provocam febre e, em seguida, crises epilépticas.
tiva entre as variáveis20. Um outro cenário comum A correção de predisponentes anatômicos para es-
245
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
sas infecções recorrentes provoca grande melhora na circulação sistêmica, o fármaco passa a distri-
da situação e deve ser ativamente buscada. Além buir-se nos diversos tecidos corporais, novamen-
disso, pode-se discutir com os pais aumentos tran- te dependendo de seu grau de lipo e hidrossolu-
sitórios da dosagem dos FAEs durante a vigência bilidade e da proporção que se liga às proteínas
das infecções. Uma alternativa é aplicar a mesma plasmáticas, principalmente à albumina. O volu-
estratégia discutida anteriormente a algumas mu- me de distribuição (Vd), particular a cada fárma-
lheres com exacerbação de crises no período pe- co, mede-se a partir da quantidade que sai da cir-
rimenstrual, ou seja, o uso intermitente de CLB. culação sistêmica para distribuir-se nos tecidos21.
Assim, Vd é uma espécie de medida “retrospecti-
va”: não indica um volume real, mas o volume no
Princípios básicos de farmacocinética qual o fármaco deveria distribuir-se para explicar
para o uso adequado de fármacos seu nível de desaparecimento da circulação. Essa
antiepilépticos e planejamento da distribuição do fármaco é responsável pela queda
inicial de sua concentração sérica. Quanto maior
dosagem o Vd, mais rápida será essa queda. Por exemplo,
Como com qualquer medicamento, a dispo- diazepam deve a seu grande Vd sua ação antie-
nibilidade biológica de um FAE para agir no SNC piléptica de curta duração. O processo farmaco-
será determinada por um processo dinâmico cinético seguinte é a metabolização do fármaco,
que se inicia pelas variáveis ligadas à sua absor- responsável por sua eliminação gradual do orga-
ção, prossegue com sua distribuição nos diver- nismo. Quase todos os FAEs em uso corrente são
sos compartimentos corporais e culmina com os biotransformadas (metabolizadas) por via hepáti-
mecanismos para sua eliminação, por meio de ca. Alguns metabólitos, produtos da biotransfor-
processos metabólicos e excretórios. A ordenação mação, têm efeito antiepiléptico, como é o caso
temporal desses processos durante tratamento notório da CBZ-10,11-epóxido22 . Particularida-
crônico por via oral, como no caso do tratamen- des no metabolismo hepático dos FAEs serão os
to da epilepsia, não deveria sugerir que se trata principais responsáveis pelo cuidado que se deve
de passos estanques. Na realidade, à medida que ter no planejamento da dosagem e, especialmen-
um fármaco é absorvido, passa a ser distribuído e te, no tocante a interações medicamentosas. O
metabolizado de forma que esses processos pra- conceito de meia-vida biológica de um fármaco
ticamente coexistem no tempo. Sua divisão tem, está intrinsecamente ligado a seu metabolismo
principalmente, fins didáticos. O primeiro fator hepático: a meia-vida biológica refere-se ao tem-
limitante da eventual ação de FAEs ingeridos por po necessário para que a concentração sérica do
via oral é o percentual absorvido, bem como a ve- medicamento diminua em 50% após a absorção
locidade de sua absorção enteral. Tal fato depen- e a distribuição terem sido completadas. Assim,
de da hidro e lipossolubilidade do medicamento, FAEs com metabolização mais rápida terão meia-
bem como do pH gástrico no momento da inges- vida menor e, com isso, determina-se a necessi-
tão. Como exemplo prático, é fundamental lem- dade de administrações mais frequentes. O meta-
brar que a presença de alimentos no estômago bolismo hepático é efetuado por meio de sistemas
retarda a absorção do VPA, enquanto aumenta a enzimáticos, os quais são sensíveis a diferentes
absorção da carbamazepina (CBZ)17. A velocida- fatores, principalmente disfunção hepática, e à
de da absorção determinará o tempo necessário influência de outros fármacos, particularmente
para que o fármaco atinja sua concentração má- outros FAEs. Alguns medicamentos são indutores
xima. Ao mesmo tempo que é absorvido e entra enzimáticos, ativando o sistema. Quando usados
246
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais
247
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
248
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais
249
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
sias benignas estariam distribuídos de forma mais farmacológicas, por volta de 20% dos pacientes
equilibrada ao longo do espectro (ou continuum) epilépticos (ou 50% daqueles com formas mais crô-
de controle, enquanto a maior parte daqueles com nicas de epilepsia, que não respondem facilmente
epilepsias neocorticais ou límbicas sintomáticas ao manejo com doses médias em monoterapia de
tenderia a ter crises de difícil controle. Esse concei- um dos FAEs tradicionais) persistirão com crises
to parece extremamente relevante, pois não se deve refratárias ao tratamento medicamentoso13,23. Tal
esperar controle adequado das crises desses últi- fato tem diversas implicações teóricas e práticas,
mos pacientes com doses médias de FAEs nem que duas das quais merecem uma breve consideração.
CBZ em doses elevadas esteja incluída no esquema Em primeiro lugar, o percentual relativamente alto
de tratamento. O que se observa frequentemente é de pacientes com crises refratárias (especialmente
que a não identificação desses pacientesleva a uma caso se considere que a maioria é constituída por
série de tentativas frustradas de tratamento, com a pacientes com formas sintomáticas de epilepsia
associação de múltiplos FAEs, geralmente em do- parcial) mostra como se sabe pouco a respeito dos
ses submáximas. A incorporação dos diagnósticos mecanismos causadoresde atividade epileptogêni-
sindrômico e subsindrômico na decisão de como ca nos diferentes tipos de patologia cortical. Mais
selecionar e utilizar FAEs eleva muito as chances de do que isso, ressalta o fato de que os paradigmas
controlar as crises1,36,37. ainda hoje utilizados para identificar um fármaco
Uma vez caracterizada a refratariedade a doses como antiepiléptico são insatisfatórios segundo
elevadas (adequadas) de CBZ ou OXC em monote- uma perspectiva “etiológica”. Não há razão para
rapia, tenta-se politerapia racional que inclua CBZ que os mecanismos celulares subjacentes à epilep-
ou OXC. Geralmente, opta-se por uma associação togenicidade da esclerose hipocampal39 sejam os
com clobazam19. Quando ineficaz, busca-se a asso- mesmos que aqueles das displasias corticais40, por
ciação de OXC ou CBZ com PHT ou VPA ou a tro- exemplo, mas mesmo assim se abordam as crises
ca pela associação de VPA com LTG. A partir dos epilépticas nas duas entidades de forma farmaco-
resultados do SANAD, entretanto, muitas vezes se logicamente idêntica. Assim, uma modificação no
tem tentado combinar doses robustas de LTG (300 a cenário atual _ um nível insatisfatório de contro-
500 mg/dia) e clobazam (ou, algumas vezes, OXC). le de crises em pacientes com epilepsias parciais
Não se costuma dar importância à mensuração de sintomáticas _ depende de uma mudança no pa-
níveis séricos, pois, como foi indicado anteriormen- radigma do desenvolvimento de FAEs, que deve
te, o conceito de níveis séricos é secundário àquele cada vez mais se basear no efeito antiepiléptico em
do tipo de síndrome epiléptica que se pretende tra- modelos experimentais de “patologias corticais es-
tar. Prefere-se o conceito de “doses máximas tolera- pecíficas”. Em segundo lugar, o neurologista deve
das”38 e interrompe-se a elevação das doses somente ter um approach objetivo no que tange à identi-
quando se obtém controle satisfatório ou surgem ficação de pacientes com alto risco de refratarie-
efeitos colaterais claramente indesejáveis. dade ao tratamento farmacológico. O diagnóstico
sindrômico32,33,11 precoce e a instituição de uma
terapêutica adequada, com base no que se propôs
Quando mesmo assim as anteriormente, deve permitir a identificação de
pacientes com crises refratárias após um período
crises persistem refratárias ao
médio de dois a quatro anos (ou menos dois) de
tratamento medicamentoso tentativas racionais de tratamento (e não de 20 a
Mesmo com uma abordagem correta em ter- 40 anos, como é o quadro atual). Definida a intra-
mos de seleção de FAEs, suas dosese associações tabilidade medicamentosa, o paciente deve ser en-
250
Estratégias medicamentosas nas epilepsias parciais
caminhado a um centro especializado na avaliação MM (eds.). Epilepsia. São Paulo: Lemos, 1996. p.
pré-cirúrgica de pacientes com epilepsias refratá- 323-38.
rias41. O tratamento cirúrgico da epilepsia parcial 12. Cockerell OC, Johnson AL, Sander JWAS, et al.
Prognosis of epilepsy: a review and further analy-
refratária tem passado por uma enorme transfor-
sis of the first nine years of the British National
mação, e um significativo contingente de pacientes General Practice Study of Epilepsy, a prospective
tem suas crises satisfatoriamente controladas após population-based study. Epilepsia. 1997;38:31-46.
procedimentos cirúrgicos adequadamente indica- 13. Shorvon S, Dreifuss F, Fish D, et al. The treatment
dos42. Não há mais por que condenar indivíduos of epilepsy. London, Blackwell Science, 1996
com epilepsia a uma vida de privações e sofrimen- 14. Szoeke C, Sills GJ, Kwan P, et al. Multidrug-re-
to quando os FAEs, utilizados de forma adequada sistant genotype (ABCB1) and seizure recur-
rence in newly treated epilepsy: data from in-
e racional43,13, não conseguem controlar as crises
ternational pharmacogenetic cohorts. Epilepsia.
incapacitantes42.
2009;50:1689-96.
15. Schwartzkroin PA. Origins of the epileptic state.
Referências bibliográficas Epilepsia. 1997;38:853-8.
1. Semah F, Picot M-C, Adam C, et al. Is the under- 16. Gleick J. Chaos. New York: Penguim Books, 1987.
lying cause of epilepsy a major prognostic factor 17. Engel J Jr. Antiepileptic drugs. In: Seizures and
for recurrence? Neurology. 1998;51:1256-62. epilepsy. Philadelphia: F. A. Davis Company,
2. Engel J Jr. Etiology as a risk factor for medically 1989a. p. 410-42.
intractable epilepsy: a case for early surgical inter- 18. Engel J Jr. General principles of treatment. In:
vention. Neurology. 1998;51:1243-5 [Editorial]. Seizures and epilepsy. Philadelphia: F. A. Davis
3. Duncan JS, Shorvon SD, Fish D. Clinical epilepsy. Company, 1989b. p. 380-409.
London: Churchill Livingstone, 1995. 19. Guberman A, Couture M, Blaschuk K, et al. Add-
4. Shorvon SD. The epidemiology and treatment of -on trial of clobazam in intractable adult epilepsy
chronic and refractory epilepsy. Epilepsia. 1996; with plasma level correlations. Can J Neurol Sci.
37(suppl. 2): S1-S3. 1990;17:311-6.
5. Brodie M. Established anticonvulsants and treat- 20. Neugebauer R, Paik M, Hauser WA, et al. Stressful
ment of refractory epilepsy. In: Epilepsy: a Lancet life events and seizure frequency in patients with
review. London, 1990. p. 20-5. epilepsy. Epilepsia. 1994;35:336-43.
6. Avoli M. Gaba-mediated synchronous potentials 21. Theodore W. Basic principles of clinical pharma-
and seizure generation. Epilepsia. 1996;37:1035-42. cology. Neurol Clinics. 1990;8:1-13.
7. Olsen RW, Avoli M. Gaba and epileptogenesis. 22. Theodore W. Clinical pharmacology of antie-
Epilepsia. 1997;38: 399-407. pileptic drugs: selected topics. Neurol Clinics.
8. Meldrum BS. Update on the mechanism of action 1990;8:177-91.
of antiepileptic drugs. Epilepsia. 1996;37(suppl. 23. Mattson R, Cramer J, Collins J, et al. Comparision
6):S4-S11. of carbamazepine, phenobarbital, phenytoin, and
9. Commission on Classification and Terminology primidone in partial and secondarily generalized to-
of the International League Against Epilepsy. Pro- nic-clonic seizures. N Engl J Med. 1985;313:145-51.
posal for revised clinical and electroencephalogra- 24. Mattson R, Cramer J, Collins J, et al. A comparison
phic classification of epileptic seizures. Epilepsia. of valproate with carbamazepine for the treatment
1981;22:489-501. of complex partial seizures and secondarily gene-
10. Commission on Classification and Terminology ralized tonic-clonic seizures in adults. N Engl J
of the International League Against Epilepsy. Pro- Med. 1992;327:765-71.
posal for revised classification of epilepsies and 25. Callaghan N, Kenny RA, O’Neil B, et al. A pros-
epileptic syndromes. Epilepsia. 1989;30:389-99. pective study between carbamazepine, phenytoin,
11. Palmini A, Calcagnotto ME, Oliveira AJ. Drogas and sodium valproate as monotherapy in pre-
antiepilépticas. In: Guerreiro CAM, Guerreiro viously untreated and recently diagnosed patients
251
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
with epilepsy. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 33. Tinuper P, Cerullo A, Marini A, et al. Epileptic
1985;48:639-44. drop attacks in partial epilepsy: clinical features,
26. Richens A, Davidson DLW, Cartlidge NEF, Easter evolution, and prognosis. J Neurol Neurosurg Psy-
DJ. Adult EPITEG Collaborative Group. A multi- chiat. 1998;64:231-7.
centre comparative trial of sodium valproate and 34. Berkovic SF, McIntosh A, Howell RA, et al. Fa-
carbamazepine in adult onset epilepsy. J Neurol milial temporal lobe epilepsy: a common disor-
Neurosurg Psychiatry. 1994; 57:682-7. der identified in twins. Ann Neurol. 1996;40:
27. Verity CM, Hosking J, Easter DJ. A multicentre 227-35.
comparative trial of sodium valproate and car- 35. Scheffer IE, Bhatia KP, Lopes-Cendes I, et al. Au-
bamazepine in pediatric epilepsy. Dev Med Child tosomal dominat frontal lobe epilepsy misdiagno-
Neurol. 1995;37:97-108. sed as sleep disorder. Lancet. 1994;343: 515-7.
28. Marson AG, Al-Kharusi AM, Alwaidh M, et al. 36. Benbadis SR, Lüders HO. Epileptic syndromes: an
The SANAD study of effectiveness of carbama- underutilized concept. Epilepsia. 1996; 37:1029-34.
zepine, gabapentin, lamotrigine, oxcarbazepine, 37. Palmini A, Calcagnotto ME. Epilepsias refratárias:
or topiramate for treatment of partial epilepsy: an diagnóstico sindrômico, topográfico e etiológico.
unblinded randomised controlled trial. Lancet. In: Guerreiro CAM, Guerreiro MM (eds.). Epilep-
2007;369:1000-15. sia. 2. ed. São Paulo, Lemos, 1996. p. 391-411.
29. Palmini A, Gambardella A, Andermann F. Opera- 38. Elkis L, Bourgeois B, Wyllie E, et al. Efficacy of a
tive strategies for patients with cortical dysplastic second antiepileptic drug after failure of one drug
lesions and intractable epilepsy. Epilepsia. 1994;35 in children with partial epilepsy. Proceedings of
(suppl. 6):S57 - S71. the Sixth International Bethel-Cleveland Clinic
30. Jackson G, Berkovic S, Tress B, et al. Hippocampal Epilepsy Symposium, Bielefeld, Germany, 1995.
sclerosis can be reliably detected by magnetic reso- 39. Sloviter RS. The functional organization of the hi-
nance imaging. Neurology. 1990;40(12): 1869-75. ppocampal dentate gyrus and its relevance to the
31. Machado VH, Palmini A, Bastos FA, et al. Lon- pathogenesis of temporal lobe epilepsy. Ann Neu-
g-term control of epileptic drop attacks with the rol. 1994;35:640-54.
combination of valproate, lamotrigine, and a ben- 40. Spreafico R, Battaglia G, Arcelli P, et al. Cortical
zodiazepine: a proof of concept, open label study. dysplasia: an immunocytochemical study of three
Epilepsia. 2011;52:1303-10. patients. Neurology. 1998;50:27-36.
32. Kanemoto K, Takuji N, Kawasaki J, et al. Charac- 41. Engel J. Current concepts: surgery for seizures. N
teristics and treatment of temporal lobe epilepsy Engl J Med. 1996;334:647-52.
with a history of complicated febrile convulsion. J 42. Scheuer M, Pedley T. The evaluation and treat-
Neurol Neurosurg Psychiat. 1998;64:245-8. ment of seizures. N Engl J Med. 1990;323:1468-74.
252
Quando interromper o
21 tratamento
Luciano de Paola
Chefe do Serviço de Eletroencefalografia e Epilepsia do Hospital de Clínicas da Universidade
Federal do Paraná. Epicentro – Centro de Atendimento Integral de Epilepsia do Hospital Nossa
Senhora das Graças, Paraná, Brasil.
A maior parte da prática médica é pontuada à recorrência de crises são mensuráveis? Final-
por intervenções positivas, ou seja, um fármaco mente, uma questão bastante específica: é segura
ou procedimento é ativamente introduzido como e indicada a retirada das medicações antiepilep-
instrumento de tratamento ou alívio para os ma- ticas após cirurgias de epilepsia bem-sucedidas?
les dos pacientes. Já o ato médico oposto, aquele Mesmo com o aprimoramento de tecnologias e
que prevê a retirada de medicamentos ou sus- o reconhecimento de potenciais biomarcadores,
pensão de um procedimento, é intrinsecamente muitos desses aspectos permanecem sem solu-
relacionado ao conceito de cura. Em outras pa- ção satisfatória e o “dilema” é pontual, contínuo
lavras, a interrupção da intervenção médica an- e cotidiano. A revisão a seguir tem por objetivo
tecipa necessariamente a noção de que a doença produzir algum embasamento para justificar e
foi debelada. Justamente aí reside o grande dilema assumir, de forma compartilhada com pacientes
na condução dos casos de pacientes com crises e familiares, essa importante decisão no curso de
epilépticas responsivas ao tratamento. Longos pe- seu tratamento.
ríodos de ausência de crises, na vigência do uso
de fármacos antiepilépticos (FAEs), devem ser
interpretados como “remissão duradoura” (even- Questões pungentes e respostas
tualmente não definitiva) ou “remissão terminal”
disponíveis
(cura propriamente dita) das crises? Uma respos-
ta sistematizada a essa pergunta implica esclarecer Certeza do diagnóstico: é mesmo epilepsia?
outros aspectos polêmicos relacionados à epilep- Qualquer consideração relacionada a manu-
sia. Qual é a sua história natural? Quais os fatores tenção ou interrupção de um tratamento específi-
de risco relacionados à recorrência de crises após co envolve precipuamente a certeza do diagnósti-
a retirada da medicação? Existem diferenças entre co e, por extensão, a convicção sobre o tratamento
os fatores de risco em crianças e adultos? Qual é o efetivo. Apesar de relativamente estereotipados
risco do uso continuado da medicação antiepilép- para um mesmo indivíduo, há grande variedade
tica? A recorrência de crises implicaria uma epi- semiológica nos fenômenos epilépticos. A utiliza-
lepsia mais refratária? Qual é o período livre de ção de eletroencefalograma (EEG) de rotina como
crises ideal para considerar a retirada da medica- biomarcador de epilepsia pode ser frustrante pe-
ção? As consequências psicossociais relacionadas las limitações de sensibilidade do método. Acha-
253
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
254
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento
pouca homogeneidade das populações estudadas diato. Por esse motivo, os estudos são conduzidos
e dos diferentes protocolos de tratamento e tem- em populações relativamente pequenas, propen-
pos de seguimento. Apesar dessas dificuldades, sas à elevada incidência de comorbidade, o que
a maior parte dos pesquisadores concorda com limita parcialmente algumas de suas conclusões.
um cenário bastante mais animador em relação Em 1992, Placencia et al., citados por Sander6,
à remissão das crises. Existe certo consenso em desenvolveram um estudo no norte do Equador
torno do fato de que 70% a 80% dos pacientes que culminou com a avaliação de 881 indivídu-
com epilepsia atingirão uma chamada remissão os com diagnóstico de epilepsia. Destes, apenas
terminal, enquanto 20% a 30% deles represen- 15% estavam em tratamento e menos de um ter-
tarão casos refratários, a despeito de qualquer ço havia sequer recebido algum tipo de medica-
tratamento ministrado. Mais especificamente, ção em qualquer momento. Cerca de 46% desses
estudos populacionais conduzidos em Rochester, pacientes apresentavam remissão duradoura de
Minnesota, mostraram que em seis anos, a partir crises. Esses dados sugerem que os fármacos po-
do diagnóstico de epilepsia, 42% dos pacientes dem prevenir crises epilépticas sem que, de fato,
estavam sem crises por cinco anos, após dez anos, alterem a história natural da epilepsia, que será
61% estavam sem crises por cinco anos e após de remissão em praticamente metade dos casos.
20 anos, 70% dos pacientes estavam sem crises A conclusão natural é que os medicamentos pos-
por cinco anos. Esse tipo de dado, replicado em sivelmente não são necessários a partir de certo
outras séries, sustenta o conceito de que a maior momento na evolução da epilepsia de pacientes
parte dos pacientes, de fato, atingirá remissão de selecionados. Evidentemente, poderiam ser reti-
suas crises poucos anos após o estabelecimento rados nesses casos específicos.
do diagnóstico. O problema reside em estabele- Já o curso da epilepsia tratada é mais bem
cer antecipadamente quem serão esses pacientes documentado na literatura. Parte dos pacien-
e quando atingirão a remissão de crises. Também tes que apresentaram convulsão possivelmente
indefinido é o verdadeiro papel dos FAEs (se é apresentará uma segunda crise; o tratamento,
que existe algum) na remissão da epilepsia. então, será iniciado e a remissão será a regra
A melhor compreensão desses aspectos passa para a maioria desses casos. A maioria dos tra-
pelo conhecimento da história natural da epilep- balhos, com diferentes metodologias, descreve
sia, sem e com tratamento. Em grande parte, a resultados em termos percentuais de pacientes
primeira é desconhecida. O desejo intrínseco de livres de crises por um a cinco anos após o início
“tratar” torna altamente desconfortável a conduta da terapêutica. Cerca de 58% a 95% dos pacien-
expectante em pacientes que se apresentam à con- tes entrarão em remissão por pelo menos um
sulta após um evento tão impressionante quanto ano, com números menos satisfatórios (16% a
uma primeira convulsão. Acrescente-se a isso a 43%) para aqueles com epilepsia manifesta por
justificável ansiedade dos pacientes e familiares e crises parciais complexas.
está criado o cenário ideal para iniciar a terapêu- Sander6 considerou variáveis adicionais “no-
tica antiepiléptica. Essa rotina, que se repete des- vos FAEs” e “tratamento cirúrgico” no curso das
de a introdução dos brometos em 1857, diminuiu epilepsias. O método empregado foi uma revisão
substancialmente as populações de indivíduos sistematizada da literatura e a conclusão foi uma
não tratados disponíveis para estudo. Na ver- surpreendente reedição dos números conhecidos:
dade, estas são procedentes em grande parte de cerca de 70% a 80% dos pacientes deverão entrar
comunidades de países subdesenvolvidos, onde em remissão prolongada, em geral a partir do
o tratamento não se encontra disponível de ime- quinto ano.
255
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
256
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento
257
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
da definição de epilepsia iniciada na faixa pedi- familiares19. Notadamente, esses números pare-
átrica ou idade adulta, podendo a linha de corte cem resistir ao tempo, mantendo-se relativamente
ser traçada aos 10, 15 ou 18 anos, dependendo estáveis. Chadwick20 sugere que aproximadamen-
dos critérios de cada estudo, determinando, des- te 70% dos pacientes com epilepsia entrarão em
sa forma, alguma diferença na interpretação dos remissão superior a dois anos e, de fato, em sua
resultados. Saber e Gram16 também enfocaram o maioria, o farão rapidamente após o início do tra-
prognóstico de recorrência de crises abrangendo tamento. Esse percentual é sustentado e define o
resultados de várias séries, incluindo adultos e grupo de potenciais candidatos à retirada da me-
crianças, com algumas características evolutivas dicação. Em um estudo de longo termo, Sillanpää
comuns, com o tempo de controle antes da retira- e Schmidt21 seguiram um grupo de pacientes (N =
da superior a dois anos e o período de seguimento 90) por 32 anos, após a decisão de interromper o
de, no mínimo, 18 meses, chegando a índices de tratamento, encontrando taxas de recorrência de
recidiva de 12% a 46%, grosseiramente equivalen- 37%, muito próximas àquelas dos trabalhos reali-
tes aos números anteriormente citados. zados uma década antes.
Parece também consensual entre os estudos
que a maior chance de recorrência ocorre durante Fatores de risco para recidiva de
os primeiros seis meses após a retirada dos me- crises após a retirada dos fármacos
dicamentos, de forma indistinta entre adultos e
antiepilépticos: afinal, quais pacientes
crianças. Percentualmente, 50% das recorrências
ocorrerão no primeiro semestre, acima de 60% a voltarão a apresentar crises?
80%, durante o primeiro ano e 85%, até o quinto Berg et al.22 ofereceram uma das mais sistema-
ano após a retirada. tizadas abordagens aos fatores de risco para reci-
Finalmente, deve-se avaliar tais dados em re- diva de crises após a retirada de FAEs. A partir
lação aos pacientes que continuam a terapêutica dessa e de outras revisões, é evidente que o tipo
antiepiléptica e sua chance de recorrência de cri- e a relevância de fatores de risco podem ser tão
ses após dois anos livres de crises. Esses números vastos e diferenciados quanto o número de sín-
foram especificamente abordados em poucos es- dromes epilépticas e a disponibilidade de recursos
tudos, havendo evidências que sugerem de 19% a de investigação no momento do diagnóstico. En-
22% de recorrência de crises nesse grupo. tretanto, de forma geral, as mesmas variáveis são
Em 1996, o Quality Standarts Subcommittee discutidas em diferentes estudos e algumas delas
da Academia Americana de Neurologia, com serão revisitadas sucintamente nesta breve discus-
base em uma análise de 53 artigos publicados en- são sobre as chances de recorrência de crises.
tre 1967 e 1991, definiu os percentuais de recor- Idade de início: apesar de frequentemente ci-
rência de crises após a retirada das FAEs: 31,2% tado na literatura, o fator idade deve ser analisado
em crianças e 39,4% em adultos17. A publicação com cuidado como critério para avaliar a retirada
recebeu o título de guideline, ou seja, passou a de FAEs. Por exemplo, metodologicamente, há di-
ter o valor prático de normatização, com o aval ferença entre a idade de início das crises (mais fre-
da Academia Americana. A despeito da relevân- quentemente utilizada) e a idade no momento da
cia acadêmica, dados específicos do artigo foram retirada dos FAEs; ou, ainda, o estudo exclusivo
contestados, apontando erros de metodologia e de populações com crises iniciadas muito preco-
de referências18. No entanto, as percentagens de cemente na infância pode levar a conclusões pes-
recorrência não foram questionadas, avalizando simistas quanto à remissão, caso se desconsidere
sua utilização como informação para pacientes e a incidência de comorbidades (déficits cognitivos,
258
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento
paralisia cerebral) particular a esse grupo. Ainda alentecimento focal ou presença de resposta foto-
que corrigidos esses fatores, parece haver alguma paroxística nas mesmas condições. Diante da du-
disputa nessa informação, com artigos sugerindo biedade de informações, EEG, por ocasião da reti-
o início mais tardio no início das crises associado rada dos FAEs, deve, neste momento, ser colocado
à menor chance de remissão e outros sugerindo como adjuvante valorizável apenas à luz de outros
o oposto23. componentes do quadro clínico, já que seu papel
Etiologia: também de forma consensual a epi- isoladamente não pode ser adequadamente defini-
lepsia dita “sintomática remota” (ou seja, associa- do. Recentemente, Su et al.24 avaliaram, de forma
da a insultos neurológicos prévios, malformações prospectiva, os fatores preditivos de recorrência em
congênitas, lesões estruturais variadas do SNC, quase cem pacientes livres de crises em retirada de
trauma, acidentes vasculares, entre outras nature- FAEs e determinaram alterações eletrencefalográ-
zas) conduz a uma chance de remissão significa- ficas (ou seja, atividade de padrão epileptiforme)
tivamente menor. Estudos de metanálise sugerem presentes no primeiro ano de retirada dos fárma-
um risco relativo de 1,55 para recorrência de crises cos como o principal fator associado à recorrência
em epilepsias sintomáticas remotas, em compara- de crises epilépticas, recomendando, enfaticamen-
ção com epilepsias ditas “criptogênicas” (ou seja, te, a realização de EEG ao longo desse período.
sem etiologia definida, também referida como Síndrome epiléptica: as dificuldades em ob-
“provavelmente sintomática” mais recentemente). ter uma adequada classificação sindrômica já fo-
Entre os fatores associados a altos índices de reci- ram discutidas. Não obstante, algumas síndromes
diva, o retardo mental parece apresentar um papel podem ser claramente individualizadas e seu re-
significativo e, portanto, esses casos mereceriam conhecimento tem papel direto na decisão sobre a
atenção especial. retirada dos FAEs. Há pouca dúvida, por exemplo,
Características eletroencefalográficas: o valor em relação às evoluções antagônicas da epilepsia
preditivo do EEG no momento da decisão sobre benigna da infância com paroxismos centrotem-
a retirada de medicamentos tem sido debatido ao porais (quase invariavelmente levando à retirada
longo dos anos, sempre com resultados contro- da terapêutica, quando esta chegou a ser institu-
versos. Vários fatores justificam a incerteza de seu ída) e da epilepsia mioclônica juvenil (em que a
potencial como elemento de prognóstico de dados recorrência de crises é a regra mediante tentativas
técnicos (confiabilidade na adequada execução do de retirar os FAEs). Outras síndromes bem deli-
registro) e interpretativos (incluindo desde a for- neadas mostram números intermediários para
mação de quem lê esses registros até o que é, de recidiva, como 30% para as ausências, 25% para
fato, valorizável). Apesar de intrinsecamente des- epilepsia benigna da infância com paroxismos oc-
confortável, a presença de grafoelementos epilepti- cipitais ou 40% para a epilepsia do lobo temporal,
formes documentados durante EEG realizado pre- para citar alguns exemplos. Essas são situações
viamente à retirada dos FAEs não necessariamente em que a decisão é igualmente dependente de ou-
traduz um maior potencial de recorrência de cri- tros fatores que extrapolam a simples classificação
ses, segundo vários estudos. A heterogeneidade das da síndrome epiléptica.
anormalidades foi também amplamente debatida, Tipo de crise: a tentativa de imputar prog-
havendo estudos que justificam um maior poten- nósticos baseados exclusivamente no tipo de crise
cial para recorrência em pacientes que se apresen- é ainda mais problemática que o uso da classifi-
tam com padrões de ponta-onda ainda presentes cação das epilepsias, uma vez que reconhecida-
durante a fase de retirada e outros que preveem mente um tipo de crise pode ser comum a várias
maior chance de recorrência em EEG, mostrando síndromes. No entanto, há pouca dúvida de que
259
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
pacientes com múltiplos tipos de crise têm maior que apresentaram normalização do EEG durante
chance de recorrência de crises durante uma even- o tratamento.
tual tentativa de retirada de FAE. Mesmo conside- O último item (EEG) foi merecedor de severa
rada sua obviedade, esse dado possivelmente será crítica. De fato, dos quatro critérios, é o de menor
refletido em todos os outros fatores de risco para embasamento em evidências clínicas. Os próprios
esse tipo de paciente. autores das guidelines (normativas), cerca de oito
Gravidade da epilepsia: essa informação tam- anos após a publicação delas, admitiram que esse
bém tem valor questionável de acordo com a con- item seria mais bem expressado por “ausência de
formidade dos elementos utilizados para mensurar EEG anormal por ocasião da retirada dos FAEs”19.
a gravidade da epilepsia. Resumidamente, pacien- A mudança semântica seguramente tem melhor
tes com histórias compatíveis com grande número aplicação prática, porém não modifica a tônica
de crises antes da remissão, longa duração de suas dada ao EEG na retirada dos FAEs, dado altamen-
epilepsias, falência de múltiplos regimes terapêuti- te questionado na literatura.
cos (sendo necessário utilizar politerapia) e história O´Dell e Shinnar25 definiram que o risco re-
de crises ocorrendo na vigência de estados febris lativo de recorrência de crises em pacientes com
têm maior chance de recorrência de suas crises du- EEG anormal por ocasião da retirada dos FAEs
rante as tentativas de retirada dos FAEs. Curiosa- é 1,45 (95% de IC; 1,18 a 1,79). O dado aguça a
mente, fatores relacionados ao grau de gravidade polêmica, porém posiciona os autores entre os
da epilepsia, como histórico de episódios de esta- que consideram o EEG um instrumento válido no
do de mal epiléptico ou recorrência em tentativas contexto clínico-laboratorial que envolve a deci-
prévias de retirada de fármacos, não puderam ser são por descontinuar o tratamento.
correlacionados com prognóstico mais reservado,
O mais recente conjunto de critérios, analisa-
não devendo, em princípio, ser valorizados.
do sob a forma de revisão estruturada e publicado
História familiar: os estudos são inconclusi-
com a relevância de recomendações/guidelines,
vos em relação ao valor da história de epilepsia
proveniente da Liga Italiana Contra Epilepsia26,
em um familiar de primeiro grau de pacientes em
sugere que EEGs anormais (epileptiformes ou
que se considera a retirada de FAEs, havendo lite-
não) devem ser considerados fatores de risco, mas
ratura corroborativa de valores preditivos positi-
não contraindicam a retirada se constituírem o
vo e negativo para esse dado. Portanto, a exemplo
único fator de risco na ausência de outros. Essen-
de outras variáveis, a história familiar não deve,
cialmente as mesmas recomendações são feitas
no momento, ser valorizado de forma isolada.
em relação a etiologia, predomínio de crises par-
Combinações de fatores: o Quality Standarts ciais, história familiar, tempo de epilepsia e tipo
Subcommittee da Academia Americana de Neu- ou quantidade de FAEs, todos associados a algum
rologia definiu, com já mencionado, bom prog- risco, porém não de forma isolada.
nóstico relacionado à remissão de crises após a
retirada dos FAE em 61% dos adultos e 69% das Tempo de remissão: qual é o período
crianças17. Os fatores combinados associados a
esses índices percentuais favoráveis foram os se-
livre de crises necessário para iniciar a
guintes: pacientes que permaneceram livres de retirada dos fármacos antiepilépticos?
crises por dois a cinco anos em tratamento com O número mais frequentemente citado na li-
FAEs; pacientes que apresentaram um tipo (úni- teratura é dois anos, apesar de que extensões para
co) de crise, parcial ou generalizado; pacientes três ou cinco anos são comumente relatadas. Es-
com exame neurológico e QI normais; pacientes sencialmente o período de 24 meses parece haver
260
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento
sido definido com base em estudos que mostram sia, incluindo tipo de crise, gravidade da epilepsia,
um maior risco de recorrência de crises em pa- fatores psicossociais e FAEs. Não é raro, particu-
cientes que permaneceram livres de crises por larmente em pacientes cujo tipo de atuação pro-
menos tempo antes da opção pela retirada dos fissional exige grande demanda intelectual, o re-
FAEs. Esses estudos foram complementados por lato de queixas sutis relacionadas a concentração
outros demonstrando diferenças pouco signifi- ou memória, em geral não incapacitantes, porém
cativas entre 2,3 e quatro anos de remissão nos desconfortáveis. A redução da posologia surge
índices de recorrência após a retirada dos me- como opção natural para minimizar essa situação;
dicamentos. Assim como com todos os outros ocasionalmente, entretanto, a redução pode ser de
itens discutidos até o momento, também este é tal ordem que a continuidade do tratamento pas-
altamente sujeito a variações de interpretação. sa a ser questionável, novamente suscitando em
Certamente existem síndromes cuja benignidade casos selecionados a opção pela descontinuidade
endossa a retirada mais precoce dos FAEs (após precoce do tratamento.
um ano ou menos de remissão), como no caso Finalmente, há os pacientes que por uma ou
da epilepsia da infância com paroxísmos centro- outra razão desejam interromper o tratamento
temporais; outras, com evolução menos linear, após alguns meses livres de crises. Mesmo um
poderiam até sugerir períodos mais longos de se- diálogo esclarecedor pode ser de pouca validade
guimento antes da descontinuidade27. a pacientes realmente decididos e a orientação
Três outras situações poderiam de certa for- sobre a melhor maneira de proceder à descon-
ma influenciar a decisão sobre o momento ideal tinuação precoce dos FAEs surge como única
para a retirada dos FAEs: pacientes com planos conduta possível.
de gestação, pacientes com efeitos colaterais sutis, Sirven et al.28 utilizaram-se de uma metanálise
porém persistentemente observados ao longo do com critérios bastante restritivos a partir de cin-
tratamento, e desejo dos pacientes. co instrumentos de pesquisa (Cochrane Epilepsy
Uma extensa discussão sobre o potencial tera- Group Trials Register, MEDLINE, EMBASE, In-
togênico dos FAEs certamente vai além dos obje- dex Medicus e CINAHL). Pacientes adultos não
tivos desta revisão. Sabe-se, porém, que ele existe foram incluídos por não preencherem os requi-
e, de modo geral, não constitui contraindicação sitos do estudo. Foram avaliadas 924 crianças de
aos planos de gestação. Mesmo assim, de modo sete ensaios terapêuticos com pacientes pediátri-
ideal, seria desejável, sempre que possível, que a cos. Avaliaram-se a retirada dita “precoce” (abai-
concepção pudesse ocorrer de forma planejada, xo de dois anos) e a “tardia” (acima de dois anos).
em um momento livre de crises, sem o uso de A retirada precoce eleva o risco de recorrência em
FAEs. Porém, aspectos puramente circunstanciais pacientes com crises parciais ou EEG anormal.
na prática diária suscitam a oportunidade para A conclusão do estudo define que um período
retirada (ou orientação sobre manutenção) dos mínimo de dois anos seria indicado, precedendo
FAEs, mediante o desejo iminente (e frequente- a consideração de retirada de FAEs, particular-
mente incontido e incontestável) de engravidar. mente nas duas condições anteriormente citadas.
Dessa forma, em pacientes bem controladas, com Naquela oportunidade, não foi estabelecido um
histórico sugerindo um curso de benignidade, “tempo ideal” para retirar os FAEs.
talvez exista justificativa para uma retirada mais Duas publicações recentes26,29 avaliaram deta-
precoce da medicação antiepiléptica. lhadamente toda a literatura previamente dispo-
Uma variedade de elementos pode influenciar nível e encontraram variáveis níveis de evidência
os aspectos cognitivos em pacientes com epilep- sustentando um mínimo de dois anos livres de
261
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
crises para considerar a retirada de FAEs, com independência e autoestima aparecem frequente-
pouca ou nenhuma evidência de se há segurança mente como subprodutos naturais da recorrência
abaixo desse período e extensões até o quarto ou de crises. Esses aspectos devem ser francamente
quinto ano sem crises como limite superior em discutidos com pacientes e familiares, anteceden-
alguns trabalhos. do a decisão pela retirada ou prosseguimento do
tratamento. A insegurança de pacientes e familia-
Antecipando o caos: quais as possíveis res em relação às consequências da descontinua-
consequências da recorrência de ção do tratamento pode (e deve) postergar essa
conduta por tempo indeterminado, salvo melhor
crises após a retirada dos fármacos critério clínico.
antiepilépticos? Um fator relativamente tranquilizador, que
Uma expressiva parcela dos pacientes com deve ser mencionado aos pacientes sempre que a
epilepsia deseja interromper o uso de suas me- questão vier à tona, é a grande possibilidade de
dicações. Além do estigma associado à simples (re)controle das crises em caso de recorrência
menção desse tipo de tratamento, há evidentes destas. Dados disponíveis no momento sugerem
comorbidades associadas ao uso desses fárma- que apenas entre 2% e 4% dos pacientes apresen-
cos30. Mas esse tipo de aspiração deve ser pon- tarão dificuldade em controlar as crises após a
derado em relação às consequências físicas e reintrodução dos FAEs31. Esse fato possivelmente
psicossociais relacionadas à recorrência de crises se relaciona mais ao tipo da síndrome epiléptica
após a retirada dos FAEs. Ambas parecem estar subjacente do que à retirada dos FAEs per se.
direta e intimamente relacionadas à faixa etária Em caso de recorrência das crises, a esco-
dos pacientes, sendo, dessa forma, menores na lha pelo fármaco que anteriormente conferiu
faixa etária pediátrica e significativamente mais um bom controle delas parece ser o mais lógico
importantes em adolescentes e adultos. Em geral, curso de ação. Substituições podem ser opera-
crianças em idades mais precoces têm a super- das em função de efeitos colaterais previamente
visão direta dos pais, familiares ou orientadores detectados ou do custo do tratamento. Novas
durante a maior parte do tempo, sendo relativa- tentativas de retirada da medicação podem ser
mente menor o risco de traumatismos impor- realizadas após alguns anos de tratamento, se-
tantes associados às crises. Mesmo para pais es- guindo basicamente as mesmas diretrizes até o
clarecidos previamente, a recorrência de crises momento, discutidas.
certamente é encarada de forma frustrante, mas
a reintrodução do tratamento é, de forma geral,
bem-vinda em face da maior segurança por ele
Decisão tomada: como suspender a
propiciada. A menor compreensão da dimen- medicação?
são psicossocial das recorrências de crises pode A não ser que a interrupção abrupta não seja
também minimizar suas consequências na fai- recomendável, na verdade não existe um consen-
xa pediátrica. Já em adolescentes e adultos, os so na literatura em relação a um “método ideal”
traumatismos associados à recorrência de crises para suspender os FAEs. À parte deste, são pou-
podem trazer consequências catastróficas a tra- cos os outros pontos de comunhão nas revisões
balhadores de risco (maquinaria pesada, grandes disponíveis. A maioria dos autores parece acre-
alturas, corrente elétrica, entre outros) ou oca- ditar que não há benefício real nos longos perí-
sionar acidentes automobilísticos. Desemprego, odos de redução progressiva dos medicamentos
fragilização das relações interpessoais e perda da em oposição àquela realizada em apenas algumas
262
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento
263
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
264
Programação terapêutica: quando interromper o tratamento
13. Engel Jr J. A proposed diagnostic scheme for pe- 26. Beghi E, Giussani G, Grosso S, et al. Withdrawal of
ople with epileptic seizures and with epilepsy: re- antiepileptic drugs: guidelines of the Italian League
port of the ILAE Task Force on Classification and Against Epilepsy. Epilepsia. 2013;54(suppl.7):2-12.
Terminology. Epilepsia. 2001;42(6):796-803. 27. Peters ACB, Brouwer OF, Geerts AT, et al. Rando-
14. Berg AT, Berkovic SF, Brodie MJ, et al. Revised ter- mized prospective study of early discontinuation
minology and concepts for organization of seizu- of antiepileptic drugs in children with epilepsy.
res and epilepsies: report of the ILAE Commission Neurology. 1998;50:724-30.
on Classification and Terminology, 2005-2009. 28. Sirven JI, Sperling M, Wingerchuk DM. Early ver-
Epilepsia. 2010;51:676-85. sus late antiepileptic drug withdrawal for people
15. Gross-Tsur V, Shinnar S. Discontinuing antiepi- with epilepsy in remission. Cochrane Database
leptic drug treatment. In: Wyllie E (ed.). The tre- Syst Rev. 2001; 3:CD001902.
atment of epilepsy: principles and practice. 2. ed. 29. Hixson JD. Stopping antiepileptic drugs: when
Baltimore: Williams & Wilkins, 1996. p. 799-800. and why? Curr Treat Opt Neurol. 2010;12:434-42.
16. Saber A, Gram L. Treatment of patients with epi- 30. Mula M, Sander JWS. Antiepileptic drugs and sui-
lepsy in remission. In: Shorvon S, Dreifuss F, Fish cide risk: could stopping medications pose a greater
D, et al. (eds.). The treatment of epilepsy. Oxford: hazard? Expert Rev Neurother. 2010;10(12):1775-6.
Blackwell-Science, 1996. p. 191-9. 31. Chadwick D, Taylor J, Johnson T. Outcomes after
17. Quality Standarts Subcommittee of the Ameri- seizure recurrence in people with well-controlled
can Academy of Neurology. Practice parameter: a epilepsy and the factors that influence it. Epilepsia.
guideline for discontinuing antiepileptic drugs in 1996;37(11):1043-50.
seizure-free patients. Summary statement. Neuro- 32. Tennison M, Greenwood R, Lewis D, et al. Discon-
logy. 1996;47:600-2. tinuing antiepileptic drugs in children with epi-
lepsy: a comparison of a six-week and a nine-mon-
18. Wilkins DE. A guideline for discontinuing an-
th taper period. N Engl J Med. 1994;330:1407-10.
tiepileptic drugs in seizure-free patients (Letter).
Neurology. 1999;53:239. 33. Schmidt D, Gram L. A practical guide to when
(and how) to withdrawn antiepileptic drugs in
19. Franklin G. A guideline for discontinuing antiepi-
seizure-free patients. Drugs. 1996;52(6):870-4.
leptic drugs in seizure-free patients. (Letter) Neu-
34. Treiman DM. Current treatment strategies in se-
rology. 1999;53:240.
lected situations in epilepsy. Epilepsia. 1993;34(su-
20. Chadwick D. Starting and stopping treatment
ppl.5):S17-S23.
for seizures and epilepsy. Epilepsia. 2006;47(su-
35. Taylor DC, Neville B, Cross J. New measures of
ppl.1):58-61
outcome needed for surgical treatment of epilepsy.
21. Sillanpää M, Schmidt D. Prognosis of seizure Epilepsia. 1997;38:625-30.
recurrence after stopping antiepileptic drugs in
36. Taylor DC, McMackin D, Stauton H, et al. Pa-
seizure-free patients: a long-term population-ba-
tient´s aims for epilepsy surgery: desires beyond
sed study of childhood-onset epilepsy. Epilepsy seizure freedom. Epilepsia. 2001;42(5):629-33.
Behav. 2006;8:713-6.
37. Schiller Y, Cascino GD, So EL, et al. Discontinua-
22. Berg AT, Shinnar S, Chadwick D. Discontinuing tion of antiepileptic drugs after successful epilepsy
antiepileptic drugs. In: Engel J Jr, Pedley TA (eds.). surgery. Neurology. 2000;54:346-9.
Epilepsy: a comprehensive textbook. 1. ed. New 38. Berg AT, Langfitt JT, Spencer SS, et al. Stopping
York: Lippincott-Raven, 1998. p. 1275-84. antiepileptic drugs after epilepsy surgery: a survey
23. Aktekin B, Dogan EA, Oguz Y, et al. Withdrawal of US epilepsy center neurologists. Epilepsy Behav.
of antiepileptic drugs in adult patients free of 2007;10(2):219-22.
seizures for 4 years: a prospective study. Epilepsy 39. Kerling F, Pauli E, Lorber B, et al. Drug withdrawal
Behav. 2006;8:616-9. after successful epilepsy surgery: how safe is it?
24. Su L, Di Q, Yu N, et al. Predictors for relapse after an- Epilepsy Behav. 2009;15:476-80.
tiepileptic drug withdrawal in seizure-free patients 40. Tellez-Zenteno JF, Hernandez-Ronquillo L, Moien-
with epilepsy. J Clin Neurosci. 2013;20(6):790-4. -Afshari F. Discontinuation of antiepileptic drugs
25. O´Dell C, Shinnar S. Initiation and discontinuation after succesful epilepsy surgery. A Canadian survey.
of antiepileptic drugs. Neurol Clin. 2001;19:289-311. Epilepsy Res. 2012;102:23-33.
265
O tratamento em condições
22 especiais
Iscia Lopes Cendes
Professora Titular do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
Fernando Cendes
Professor Titular do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.
Existem várias situações fisiológicas e pato- tâneos, morte perinatal, anomalias congênitas e
lógicas que interferem diretamente no manuseio anormalidades de crescimento e desenvolvimento
dos fármacos antiepilépticos (FAEs). Neste capí- das crianças. O risco aumentado de complicações
tulo, serão abordadas cinco situações especiais nessas pacientes é de cerca de uma a três vezes o
que requerem tratamento diferenciado em rela- esperado para a população geral.
ção à terapia: duas situações fisiológicas (gestação A ocorrência de malformações fetais na popu-
e anticoncepção) que certamente afetam a maio- lação geral é da ordem de 2% a 3% das gestações.
ria das pacientes com epilepsia, duas situações Em pacientes epilépticas em uso de FAEs durante
patológicas (insuficiências renal e hepática) que a gestação, esse risco é de 3% a 10%.
podem ter repercussões importantes na meta- Os tipos de malformações que podem ocor-
bolização e na eliminação de um grande número rer variam entre lábio leporino, fenda palatina,
de medicamentos e, finalmente, o tratamento do outras anomalias craniofaciais, malformações
paciente idoso. Pacientes com epilepsia e que se cardíacas e defeitos do tubo neural. No entanto,
enquadram nessas condições especiais de trata- as anomalias mais frequentemente relatadas são
mento têm sido vistos com maior frequência na pouco graves, como hipoplasia ungueal ou de fa-
prática clínica. Esse aumento pode ser um reflexo langes distais. A maioria dos FAEs não apresenta
das melhores condições de assistência de saúde a um padrão de malformação próprio, com exce-
pessoas com epilepsia, que começam a viver as si- ção do valproato (VPA), ao qual se associa risco
tuações fisiológicas e a apresentar as complicações de 1% a 2% de espinha bífida. Tem-se observado
clínicas antes vistas apenas na população geral. também que o risco de malformações congênitas
se eleva com o uso de FAEs em politerapia e em
doses elevadas1,2.
Uso de fármacos antiepilépticos na
Em uma publicação recente com base em da-
gestação e lactação dos do registro de epilepsia gravidez da EURAP,
Nas últimas décadas, inúmeros estudos têm Tomson et al.3 compararam a teratogenicidade
demonstrado uma frequência aumentada de relativa de quatro FAEs [carbamazepina (CBZ),
complicações durante a gestação, parto, puerpério fenobarbital (PB), VPA e lamotrigina (LTG)].
e de malformações na prole de mulheres com epi- Os autores demonstraram que o maior risco de
lepsia em uso de FAEs, incluindo abortos espon- malformações congênitas aumentou de forma
267
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
dose-dependente com os quatro FAEs avalia- é a deficiência de folato provocada pela maioria
dos. Observaram-se taxas particularmente altas desses medicamentos. O folato é muito impor-
de malformação com doses de ácido valproico tante para a divisão e a diferenciação celular, além
superiores a 1.500 mg por dia. O tratamento as- de participar de vários mecanismos bioquímicos
sociado com a menor taxa de malformações foi básicos da célula. Várias hipóteses têm sido pro-
LTG com dose inferior a 300 mg por dia, a qual postas para explicar a ação antifolato dos FAEs,
serviu como referência para as outras compa- entre elas alterações da absorção intestinal de fo-
rações. Em comparação com essa referência, o lato, indução de enzimas dependentes de folato e
risco de malformações congênitas foi significa- interferência em nível enzimático4. Os resultados
tivamente elevado com todas as doses de ácido de um grande estudo epidemiológico no Reino
valproico e PB e com as doses mais elevadas de Unido mostraram que o uso de ácido fólico reduz
CBZ (superiores a 1.000 mg por dia). VPA em a recorrência de defeitos do tubo neural na pro-
doses inferiores a 700 mg por dia se associou a le de mulheres da população geral. Além disso, a
uma taxa de malformação numa gama seme- suplementação de ácido fólico na farinha de trigo
lhante àquelas com CBZ em doses menores que tem reduzido significantemente a ocorrência de
1.000 mg por dia, PB em doses inferiores a 150 defeitos do tubo neural em vários países, inclusive
mg por dia e LTG com doses maiores que 300 no Chile. Tal suplementação está em processo de
mg por dia. Portanto, LTG, em doses elevadas, regulamentação também no Brasil.
não é mais segura que VPA em doses mais baixas A recomendação para o uso de suplemento de
(Tabela 1). História familiar de malformações ácido fólico tem sido também aplicada a mulhe-
congênitas foi independentemente associada ao res com epilepsia em uso de FAEs. É importante
quádruplo de risco de teratogênese. salientar a importância do início da terapia com
ácido fólico antes da gestação, para garantir níveis
Tabela 1. Risco de teratogênese comparado à la-
adequados de folato no momento da concepção.
motrigina em dose inferior a 300 mg por dia3
Não existe nenhuma evidência de que crises
Odds ratio (valor de p) parciais simples ou complexas, crises de ausência
LTG (≥ 300 mg/dia) 2,2 (p = 0,0221) ou mioclônicas afetam, de maneira adversa, a ges-
CBZ (< 400 mg/dia) 1,6 (p = 0,3803) tação ou o feto. No entanto, crises tônico-clônicas
CBZ (≥ 400 a < 1.000 mg/dia) 2,5 (p = 0,0012) generalizadas podem provocar acidentes graves
CBZ (≥ 1.000 mg/dia) 4,6 (p < 0,0001) e carregam risco potencial de promover hipóxia
PB (< 150 mg/dia) 2,5 (p = 0,0275) com prejuízos para a gestante e o feto.
PB (≥ 150 mg/dia) 8,2 (p < 0,0001) O risco de crises generalizadas tônico-clôni-
VPA (< 700 mg/dia) 2,8 (p = 0,0019) cas é um dos argumentos contra a mudança de
VPA (≥ 700 a < 1.500 mg/dia) 5,8 (p < 0,0001) regime terapêutico durante a gestação.
VPA (≥ 1,500 mg/dia) 16,1 (p < 0,0001) Tem-se relatado que entre 17% e 37% das mu-
lheres apresentam aumento na frequência de cri-
Dessa maneira, a recomendação geral é de que ses durante a gestação. Essa piora no controle das
a terapia medicamentosa de mulheres com epi- crises pode ser atribuída muitas vezes à não adesão
lepsia durante a gestação seja realizada em mo- ao tratamento, em razão da ansiedade da gestante
noterapia na menor dosagem possível para o bom em relação aos efeitos nocivos dos FAEs sobre o
controle de suas crises (Tabela 2) feto. Um estudo realizado em nosso meio por Cos-
Um dos primeiros mecanismos propostos ta et al.5 demonstrou que em um grupo de mulhe-
para justificar os efeitos teratogênicos dos FAEs res com alto risco de desenvolver piora de crises
268
O tratamento em condições especiais
durante a gestação (baixo nível socioeconômico, Tabela 2. Recomendações para o uso de fárma-
epilepsia sintomática e sem bom controle no pe- cos antiepilépticos durante a gestação
ríodo pré-gestacional), apenas 28% apresentaram
• Discutir com a paciente os possíveis riscos da ges-
incremento na frequência de crises e em 46% não tação para ela própria e o feto e os possíveis efeitos
houve mudança na frequência de crises durante a teratogênicos dos FAEs. Essa orientação deverá
gestação. Ainda neste estudo, não foram encontra- ser realizada de preferência antes da gestação, evi-
tando ansiedade desnecessária para a gestante e o
dos fatores de risco significativos que pudessem
risco de interrupção da medicação por falta de in-
prever quais pacientes apresentariam maior risco formações adequadas.
de aumento de crises durante a gestação. • Acompanhamento da gestação por equipe mul-
Esse fato vem reforçar a importância de acon- tidisciplinar em centro de gravidez de alto risco,
onde exames complexos de monitoração fetal pos-
selhar a gestante sobre os verdadeiros riscos as-
sam ser realizados.
sociados ao uso de FAEs e as consequências • Uso de ácido fólico nas dosagens de 1 mg a 5 mg ao
maléficas que podem advir da interrupção ou di- dia (não existe consenso na literatura, mas em caso
minuição da dose deles sem orientação médica6. de deficiência de folato comprovada ou suspeita, a
dose de 5 mg/dia deverá ser usada). O ideal é que
Há uma série de recomendações visando a di-
a paciente inicie o uso de ácido fólico pelo menos
minuir os riscos de complicações durante e após três meses antes da gestação.
a gestação em mulheres com epilepsia em uso de • Uso preferencial de FAE em monoterapia e com
FAEs e possibilitar uma gestação normal, um parto doses divididas. Porém, não alterar o regime te-
rapêutico durante a gestação, visto que qualquer
sem intercorrências e um recém-nascido saudável
mudança deverá ser realizada antes da gravidez.
(Tabela 2). Todas essas recomendações surgiram da A mesma dosagem pode ser dividida em mais in-
observação prospectiva de milhares de gestações, gestas ao dia, evitando a ocorrência de picos plas-
muitas das quais em estudos multicêntricos. Sem máticos do fármaco (aos quais têm sido associada
a teratogenicidade dos FAEs), mas mantendo um
dúvida, a recomendação mais importante é orientar
platô terapêutico mais constante.
as pacientes no período que antecede a concepção • Importante: não existe um medicamento comple-
ou o mais precocemente possível durante a gestação. tamente seguro para ser usado durante a gestação.
Toda mulher com epilepsia em idade fértil deve Além disso, nenhum FAE apresenta um perfil de
teratogenicidade específico.
ser informada que, apesar de haver um aumento
do risco de malformações fetais, a maioria dos re-
Um importante efeito adverso do PB e dos
cém-nascidos de mães em uso de FAEs durante a
benzodiazepínicos é causar sonolência e irritação
gestação não apresentará malformações e terá um
desenvolvimento normal, principalmente se reco- no recém-nascido, provocando dificuldades de
mendações simples forem seguidas (Tabela 2). alimentação.
A amamentação materna deve ser encoraja- Essa preocupação deve existir principalmente
da e as medidas para facilitá-la, implementadas, em relação ao PB, já que sua meia-vida no neona-
como a sugestão de que a mãe amamente senta- to pode variar de 40 horas a 300 horas e aproxima-
da no chão para evitar o risco de deixar o recém- damente 90% do fármaco estará livre no plasma.
nascido cair durante uma crise. A concentração Caso ocorram efeitos adversos importantes no re-
de FAEs que penetram no leite é diretamente cém-nascido, a amamentação materna deverá ser
proporcional à fração livre do medicamento no reduzida e, se necessário, suspensa.
plasma e da sua propriedade de se dissolver em Vale lembrar que se deve tomar precauções
lipídeos. Desse modo, em geral 10% da fenitoína quando da interrupção da amamentação materna
(PHT), 5% do VPA, 45% da CBZ e 40% do PB por efeito sedativo no recém-nascido, já que a re-
passarão para o leite. tirada abrupta de medicação sedativa pode causar
269
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
síndrome de abstinência no neonato, com agita- É importante que as pacientes saibam que o
ção e tremores. incremento das doses dos contraceptivos orais
Outro fator importante que pode se tornar li- nem sempre é suficiente para aumentar sua efi-
mitante ou proibitivo da amamentação materna é cácia. Assim, é recomendável que o uso de con-
o cansaço materno excessivo. Essa situação deverá traceptivo oral seja acompanhado de um método
ser analisada cuidadosamente com a paciente e o anticoncepcional de barreira.
pediatra para que a decisão apropriada seja toma- Alternativas de métodos anticoncepcionais
da em cada caso. que não sofrem interferência dos FAEs incluem
o uso de medroxiprogesterona de depósito (intra-
muscular) e dispositivo intrauterino.
Anticoncepcionais e fármacos
antiepilépticos Uso de fármacos antiepilépticos na
Os anticoncepcionais orais apresentam eficácia
diminuída em mulheres que utilizam FAEs indu- insuficiência renal
tores de enzimas hepáticas, como PB, primidona, Na insuficiência renal, frequentemente ocor-
PHT, CBZ e oxcarbazepina (OXC). Em doses eleva- rem crises convulsivas por uremia, distúrbios ele-
das, topiramato interfere nos contraceptivos orais. trolíticos, encefalopatia hipertensiva ou intoxica-
VPA e, principalmente, LTG têm os níveis ção por medicamentos de eliminação renal.
séricos reduzidos pelos anticoncepcionais e um A metabolização da maioria dos FAEs ocorre
ajuste de dose da LTG geralmente é necessário em predominantemente em nível hepático e a elimi-
mulheres que iniciam o uso de anticoncepcionais. nação dos metabólitos ocorre principalmente por
Levetiracetam, tiagabina, zonisamida, lacosa- excreção renal.
mida, benzodiazepínicos, gabapentina e vigaba- Pacientes com insuficiência renal grave ou
trina não interferem na eficácia dos contracepti- em diálise necessitam reduzir as doses dos FAEs
vos orais. excretados pelos rins e doses extras podem ser
Em geral, o índice de falha de anticoncepcio- administradas depois de cada diálise. FAEs que
nais orais nessas mulheres é muito maior do que são quase exclusivamente excretados via renal in-
na população geral, chegando a cerca de 8,5% (na cluem levetiracetam, gabapentina e pregabalina.
população geral, esse índice é em torno de 1%)7. Vários FAEs não necessitam de ajuste de dose
É muito importante que o neurologista discuta as na insuficiência renal a não ser em situações mui-
opções de contracepção com suas pacientes com to graves, incluindo PHT, VPA, CBZ e benzodia-
epilepsia. No entanto, na maioria dos casos, os zepínicos (estes também não são removidos na
aspectos mais específicos relativos à escolha do diálise peritoneal ou hemodiálise). PB e primi-
método anticoncepcional mais adequado, o tipo e dona apresentam alto risco de intoxicação e, por-
a dosagem dos anticoncepcionais orais devem ser tanto, a dosagem precisa ser reduzida (esses dois
discutido entre a paciente e seu ginecologista. Em medicamentos são removidos por diálise).
geral, são necessárias preparações que contenham A LTG e a tiagabina não precisam de ajustes
pelo menos 50 mg de estradiol. Sangramento du- na insuficiência renal. Apesar de informações li-
rante o ciclo é um sinal claro de insuficiência dos mitadas, o perfil de metabolismo e os efeitos ad-
níveis de estrógeno e algumas mulheres necessita- versos do topiramato (TPM), incluindo o risco
rão de até 80 mg a 100 mg de etinilestradiol, o que elevado de litíase renal, tornam-no um medica-
pode causar náuseas como efeito adverso. mento pouco atrativo na insuficiência renal.
270
O tratamento em condições especiais
271
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Dentre os FAEs “clássicos” (ou mais anti- crises. Sua vantagem seria relativa aos efeitos
gos), PHT, VPA e PB apresentam desvanta- adversos e às interações medicamentosas. GBP
gens inerentes ao tratamento em idosos. PB não tem metabolização hepática significativa
é um medicamento seguro, porém alterações (a eliminação ocorre por excreção renal do
comportamentais e sedação tornam-no não medicamento não metabolizado), nenhuma
recomendável como primeira escolha na ter- interação medicamentosa tem sido identifica-
ceira idade. As interações medicamentosas são da e poucos efeitos colaterais foram relatados.
proeminentes com PHT e VPA. Além disso, Os inconvenientes são a meia-vida curta (seis a
a cinética não linear de PHT é um problema nove horas), necessitando de três ingestas diá-
importante. VPA é eficaz para controlar todos rias, e o custo elevado.
os tipos de crises e, apesar de poder induzir Dentre os FAEs mais recentes, LTG tem sido
tremor (ou síndrome parkinsoniana em doses o mais investigado em idosos. Um estudo mul-
mais altas) em idosos, tem um baixo potencial ticêntrico sugere que LTG é tão eficaz quanto e
para distúrbios cognitivos. A dosagem de VPA mais bem tolerada que CBZ em crises parciais e
necessária para a maioria dos idosos é baixa generalizadas em idosos12. LTG apresenta inte-
e geralmente bem tolerada, e formulações de ração com um número menor de medicamen-
liberação lenta podem ser administradas em tos comparada com CBZ e PHT e não influen-
uma tomada diária. CBZ oferece uma cinética cia significativamente o metabolismo de outros
linear e é menos sedativa que PB10. CBZ apre- FAEs ou da varfarina. Rash cutâneo pode ser um
senta interações medicamentosas significativas, problema em idosos, necessitando de doses ini-
porém menos importantes que PHT. Hipona- ciais menores e titulação ainda mais lenta que
tremia e problemas de condução cardíaca indu- para indivíduos jovens. TPM é um FAE eficaz
zidos por CBZ são mais frequentes em idosos. para crises parciais e tônico-clônicas generali-
OXC pode ser uma alternativa por apresentar o zadas, porém seu efeito sedativo e alterações
mesmo perfil de eficácia e potencialmente me- cognitivas podem ser fatores limitantes para seu
nos efeitos adversos que CBZ, porém promove uso em idosos13,14.
mais frequentemente hiponatremia em idosos. Em geral, os efeitos adversos de FAEs po-
Recomenda-se dosagem sérica de sódio peri- dem ser minimizados começando sempre com
ódica para idosos em uso de OXC, sobretudo uma dose baixa e fazendo uma titulação lenta.
quando apresentam outros fatores de risco para A maioria dos idosos responderá a doses mais
hiponatremia, como uso de diuréticos, vômitos, baixas de FAEs que adultos jovens. Monoterapia
diarreia, desidratação e procedimentos cirúrgi- é preferível sempre, sobretudo para o paciente
cos. Um estudo de metanálise sugere que CBZ que já utiliza medicações para outras doenças.
pode ser mais eficaz que VPA em controlar cri- No entanto, se o paciente idoso não está com as
ses parciais e tal diferença parece ser maior em crises controladas com a dose máxima tolerada
pacientes idosos11. de um FAE, bons resultados podem ser obtidos
Gabapentina, que é efetiva no tratamento com a associação de um segundo FAE, sempre o
de crises parciais com ou sem generalização iniciando com doses baixas. Antes de prescrever
secundária, oferece várias propriedades que FAEs para idosos, é fundamental instruir os pa-
sugerem ser essa uma boa opção para tratar rentes e cuidadores sobre os riscos, efeitos adver-
crises parciais em idosos. No entanto, é um sos e, principalmente, potenciais interações com
medicamento pouco eficaz para controlar as outros medicamentos.
272
O tratamento em condições especiais
273
23 Epilepsias refratárias
Crises refratárias ocasionam prejuízo na qua- mentoso8. Essa porcentagem é maior em pacien-
lidade de vida de pacientes com epilepsia. Crises tes com epilepsia focal do que nos pacientes com
mal controladas estão associadas a ocorrência de epilepsia generalizada idiopática9. Neste capítulo,
acidentes, lesões físicas, transtornos psiquiátricos, serão discutidos o conceito de refratariedade ao
declínio cognitivo progressivo, estigma e exclusão tratamento clínico em epilepsia, os fatores de ris-
social1-4. Além disso, a mortalidade de pacientes co e as causas dessa refratariedade, além dos pos-
com epilepsia refratária eleva-se quando com- síveis mecanismos implicados na refratariedade
parada à da população em geral, em parte pela aos FAEs.
ocorrência de morte súbita e inexplicada5-7. Por-
tanto, existe uma busca constante no sentido de
se compreender os mecanismos responsáveis pela O que é epilepsia refratária?
refratariedade a fármacos antiepilépticos (FAEs) O termo epilepsia refratária é preferível ao
e de se encontrar alternativas para contornar esse termo epilepsia intratável. Por intratável, enten-
problema clínico tão importante. de-se condição não passível de tratamento de
Desde o início do tratamento medicamentoso qualquer natureza ou modalidade, enquanto re-
das epilepsias, com brometo de potássio em 1857, fratariedade se refere aos casos de epilepsia em
por Sir Charles Locock, pacientes, médicos e a in- que não há resposta adequado ao tratamento me-
dústria farmacêutica anseiam por medicamentos dicamentoso. Mas como definir refratariedade ao
que tratem de forma segura e eficaz os pacientes tratamento clínico?
com essa doença. A descoberta do efeito de fár- Refratariedade poderia ser definida como au-
macos como fenobarbital e valproato e o desen- sência de resposta adequada a todos os fármacos
volvimento de fármacos com mecanismos de ação disponíveis e apropriados ao tratamento de deter-
especificamente voltados ao tratamento da epilep- minada síndrome epiléptica. Porém, esse conceito
sia, como vigabatrina e lamotrigina, trouxeram mais amplo ocasiona dificuldades na abordagem
novas esperanças para médicos e pacientes. de pacientes com epilepsia, uma vez que é neces-
Entretanto, a despeito de todos os FAEs dis- sário um período muito longo para demonstrar
poníveis, estima-se que cerca de um terço dos que nenhum dos fármacos disponíveis pode con-
pacientes com epilepsia não obtém controle ade- trolar as crises de um determinado paciente. Uma
quado de suas crises com tratamento medica- definição operacional é, portanto, necessária.
275
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
276
Epilepsias refratárias
cientes13. A amostra incluiu pacientes avaliados no Provavelmente, o fator preditivo mais impor-
estudo anterior. Nesse estudo mais recente, foram tante para haver resposta ao tratamento clínico é a
incluídos 1.098 pacientes com idades entre 9 e 93 síndrome epiléptica a ser tratada. Algumas síndro-
anos. Na última visita clínica, 749 (68%) pacientes mes epilépticas trazem desde seu diagnóstico uma
estavam livres de crises, sendo 678 (62%) em mo- possibilidade menor de resposta ao tratamento
noterapia. Observa-se que houve pouca diferença clínico: síndrome de Ohtahara, nos neonatos;
na porcentagem de pacientes livres de crises quan- síndromes de West e Dravet, nos lactentes; Len-
do comparada à do estudo anterior, a despeito da nox-Gastaut, Doose e Rasmussen, em crianças; e
disponibilidade de novos FAEs. De fato, embora epilepsias secundárias a malformações do desen-
os novos FAEs tenham sido um avanço significa- volvimento cortical em diversas faixas etárias18.
tivo em termos de perfil de segurança e, em certa As síndromes epilépticas com crises parciais
medida, de tolerabilidade, esses fármacos não mu- tendem a ser mais resistentes ao tratamento clínico
daram a porcentagem de pacientes com epilepsia do que as epilepsias generalizadas idiopáticas12,13.
refratária de forma mensurável ou convincente14. Em um estudo compreendendo 2.200 pacientes
adultos com epilepsia, Semah et al.9 observaram
que, após um ano de tratamento com FAEs em re-
Quais são as epilepsias refratárias? gime adequado, 82% dos pacientes com epilepsia
A resposta ao tratamento medicamentoso depen- generalizada idiopática estavam livres de crises.
de de uma série de fatores, incluindo a idade do pa- No grupo de pacientes com epilepsias focais, fica-
ciente, o tipo de crise epiléptica, a frequência de crises ram livres de crises 35% dos pacientes no grupo
e o tempo de evolução da epilepsia antes do início do com epilepsia focal sintomática e 35% daqueles
tratamento. Alguns fatores se relacionam a um mau com epilepsia focal criptogênica. Nesse estudo,
prognóstico em relação ao controle das crises, como apenas 11% dos pacientes com esclerose hipocam-
idade de início precoce15,16, crises frequentes, crises pal (EH) ficaram livres de crise após um ano de
com generalização secundária, ausência de controle tratamento. Esse número foi ainda menor (3%) no
das crises com o primeiro FAE em regime adequa- grupo de pacientes com dual pathology, definida
do12,13,17, uso de mais de dois FAEs12,13, presença de como EH associada à outra lesão epileptogênica
lesão estrutural nos exames de neuroimagem, retardo (Figura 1). A EH (Figura 2) claramente se associa
mental e anormalidades do exame neurológico18. a uma má resposta ao tratamento com FAEs19.
100
ar
Pacientes livres de crises (%)
ul
sc
va
ão
75
VC
aç
m
-A
r
s
al
fo
Pó
rm
or
al
M
no
l
Tu
a
tic
RM
50
r
co
sia
E
TC
la
sp
Di
da
y
og
la
ol
iso
25
th
EH
pa
al
Du
54 50 46 42 30 24 11 3
0
Figura 1. Controle de crises em pacientes com epilepsia focal, de acordo com os
achados na ressonância magnética de encéfalo9.
277
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Figura 2. Na parte superior da figura, sequência coronal pesada em FLAIR mostrando hipersinal no
hipocampo esquerdo. Na parte inferior, a sequência coronal em IR mostra redução volumétrica e perda
da estrutura interna do hipocampo esquerdo, que se encontra verticalizado em relação ao direito. Os
achados nesse caso são compatíveis com esclerose hipocampal esquerda.
278
Epilepsias refratárias
ses fármacos podem apresentar interações que controle inadequado das crises no início do trata-
dificultam o controle das crises. Medicamentos mento medicamentoso, são fatores reconhecidamen-
indutores do citocromo P450 levam à redução te relacionados a um mau prognóstico no tocante ao
do nível sérico de outros fármacos metaboliza- controle das crises epilépticas com FAEs9,12,18. Entre-
dos por esse sistema enzimático. Dessa forma, a tanto, pacientes com epilepsia de curso aparente-
despeito do tratamento com doses habitualmen- mente benigno no início do quadro podem evoluir
te adequadas de FAEs, pacientes em politerapia para uma situação de refratariedade.
poder apresentar crises refratárias por causa do Após o início da epilepsia, uma parcela signi-
nível sérico baixo dos fármacos utilizados. ficativa de pacientes pode apresentar um ou mais
• Tolerância aos FAEs: alguns FAEs, particular- períodos de remissão, isto é, períodos em que
mente os benzodiazepínicos, podem induzir esses pacientes ficam livres de crises, para mais
tolerância ao longo do tratamento, ou seja, tarde voltarem a apresentá-las. Em um estudo
uma resposta inicialmente boa ao tratamento multicêntrico que incluiu pacientes com epilepsia
pode se perder com a continuidade deste. Es- focal refratária submetidos à avaliação pré-cirúr-
tratégias como rodízio de benzodiazepínicos gica, 26% desses pacientes tinham apresentado
são tentativas de contornar esse problema. ao longo de sua evolução período de remissão
• Má adesão: evidentemente, má adesão ao tra- igual ou superior a um ano21. Dados semelhantes
tamento também pode resultar em crises apa- foram obtidos em um estudo brasileiro: em uma
rentemente intratáveis. população homogênea de pacientes com epilepsia
• Hábitos de vida inadequados: determinadas do lobo temporal mesial refratária ao tratamento
síndromes epilépticas cursam com crises com clínico, 19,2% desses pacientes apresentaram pe-
fator desencadeante muito bem definido. Talvez ríodo prévio de remissão das crises22. Esses dados
o exemplo mais comum na prática clínica seja a mostram que um curso benigno no início da epi-
epilepsia mioclônica juvenil, em que os pacientes lepsia não significa necessariamente que o pacien-
muito frequentemente apresentam crises desen- te terá sempre boa resposta aos FAEs.
cadeadas pela privação de sono. Nesse caso, mes- Por outro lado, alguns pacientes podem ter
mo com o tratamento com fármacos apropriados crises inicialmente resistentes ao tratamento clí-
e em doses adequadas, um hábito de vida inade- nico, para depois conseguirem um bom controle
quado, como má higiene do sono, acaba por levar com FAEs. Em seu estudo de 2012, Brodie et al.13
a um controle insatisfatório das crises. identificaram quatro padrões de resposta ao tra-
tamento com FAEs: padrão A, com controle das
Tratamento medicamentoso pode ser ineficaz
crises precoce e sustentado; B, controle tardio, mas
caso seja utilizado um fármaco inapropriado, se
sustentado; C, alternância entre períodos de crises
um FAE apropriado for usado em dose insuficien-
controladas e resistentes ao tratamento; e D, crises
te ou administrado de forma inapropriada, ou se
nunca controladas. Em sua série de 1.098 pacien-
ocorrerem interações medicamentosas adversas ou
tes seguidos prospectivamente, o padrão A foi ob-
desenvolvimento de tolerância a esse fármaco4,11.
servado em 37% deles, o B, em 22%, o C, em 16% e
o D, em 25%. É interessante notar que mais de um
Qual é a história natural das terço dos pacientes (22% do padrão B e 16% do
padrão C) apresentou crises refratárias ao trata-
epilepsias refratárias? mento em determinados momentos de seu segui-
O início precoce da epilepsia e um período pro- mento, para depois ter controle adequado dessas
longado antes do início do tratamento, bem como crises, sustentado (padrão B) ou não (padrão C).
279
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Como foi observado, algumas síndromes epi- tese das proteínas transportadoras de múltiplos
lépticas têm maior probabilidade de cursar com FAEs. Entretanto, essas duas hipóteses não são
crises refratárias, como a epilepsia do lobo tem- capazes de explicar todos os aspectos relativos à
poral secundária à EH e as epilepsias relacionadas refratariedade, o que levou ao surgimento de no-
às malformações do desenvolvimento cortical9,18. vas hipóteses, que serão discutidas brevemente.
Considerando-se as potenciais consequências ne-
gativas a longo prazo de crises persistentes, torna- Alteração dos sítios de ação dos
se importante a identificação precoce de pacientes
com epilepsia refratária, para que a esses pacien-
fármacos antiepilépticos
tes sejam oferecidas, o mais cedo possível, alterna- O primeiro mecanismo a ser destacado é a
tivas ao tratamento clínico12. natureza da lesão. Algumas lesões têm maior epi-
leptogenicidade, como a EH23 e a displasia cortical
focal24. Na epilepsia do lobo temporal com EH, a
Mecanismos envolvidos na reorganização celular no hipocampo, com brota-
refratariedade mento de fibras musgosas25,26, torna o tecido anor-
Paul Erlich, considerado o pai da quimio- mal particularmente epileptogênico.
terapia, lamentou que a resistência aos novos Alterações de receptores nas células hipo-
fármacos para o tratamento do câncer seguia o campais podem torná-las resistentes à ação dos
desenvolvimento desses medicamentos como FAEs27,28. Alterações em receptores podem con-
uma “sombra fiel”. Da mesma forma, o desenvol- tribuir para a resistência a FAEs em outras sín-
vimento de novos fármacos para o tratamento da dromes epilépticas. Em pacientes com epilepsia
epilepsia não impediu que uma parcela significa- crônica, é possível que a densidade, a distribuição
tiva dos pacientes – cerca de um terço – continue e a estrutura molecular e a função de canais iôni-
apresentando crises refratárias ao tratamento cos estejam alteradas, impedindo as modificações
com esses fármacos. Nem mesmo um curso apa- de conformação que normalmente ocorrem para
rentemente benigno nos primeiros anos de evo- promover a ação anticonvulsivante dos fárma-
lução pode predizer que esses pacientes não pro- cos28,29. Um exemplo é o que ocorre na epilepsia
gredirão para uma situação de refratariedade21,22. generalizada com crises febris plus (GEFS+) tipo 1,
As crises desses pacientes exibem resistência a uma síndrome epiléptica caracterizada por crises
fármacos com diferentes mecanismos de ação, o febris na infância, seguidas de crises generaliza-
que sugere que a resistência não se deve a fato- das na vida adulta, relacionada a uma mutação do
res relacionados a esses mecanismos. O fato de gene SCN1B da subunidade b1 do canal de sódio,
que as crises apresentam resistência à maioria, localizado no braço longo do cromossomo 1930,31.
senão a todos os FAEs conhecidos, sugere que As alterações nos sítios de ação dos FAEs po-
essa resistência se deva a fatores intrínsecos ou dem ser genéticas – como no caso da síndrome
adquiridos inespecíficos, que afetam, de forma GEFS+ – ou adquiridas. Exemplos de alterações
ampla, a resposta aos FAEs. Mas quais seriam, adquiridas são a internalização de receptores ga-
então, os mecanismos envolvidos na refratarie- baérgicos durante a evolução do estado de mal
dade aos FAEs? epiléptico e a diminuição da sensibilidade de
Nos últimos anos, duas hipóteses têm concen- neurônios do setor CA1 do hipocampo à car-
trado a maiorias dos estudos sobre refratariedade bamazepina em pacientes com EH e epilepsia do
em epilepsia: a hipótese da alteração dos sítios de lobo temporal resistente ao tratamento clínico.
ação dos FAEs no tecido epileptogênico e a hipó- Entretanto, dada a diversidade de estruturas mo-
280
Epilepsias refratárias
leculares em que agem os diferentes FAEs, parece cluindo a detoxificação dos fármacos utilizados, a
improvável que todos esses alvos moleculares so- alteração na apoptose induzida por medicamentos
fressem alterações de tal forma a originar resis- e a redução no acúmulo do fármaco33. A redução
tência a todos os FAEs utilizados no tratamento da concentração de medicamentos em seu sítio de
dos pacientes com epilepsia32. ação foi relacionada à expressão de uma proteína
Além da natureza da lesão epileptogênica, sua codificada pelo gene mdr1, a glicoproteína P (P-
localização também influi na resposta ao tratamen- glycoprotein), ou P-gp34. A P-gp é uma proteína
to19: quando comparados a pacientes com lesões ex- transmembrana que funciona como bomba de
tratemporais, pacientes com EH tendem a ter menor efluxo de fármacos35. Normalmente, é encontra-
controle de suas crises com o tratamento clínico. da em células no intestino, no fígado, no rim e no
endotélio capilar de vasos intracranianos. Em te-
cido nervoso normal, a P-gp não é encontrada em
neurônios nem em células da glia. Em tecido epi-
Proteínas transportadoras de
leptogênico, entretanto, P-gp agiria transportando
múltiplos fármacos antiepilépticos FAEs do tecido de volta para o sangue, diminuin-
Talvez o dado mais intrigante para os pesqui- do, assim, a concentração desses fármacos em seu
sadores que trabalham com o desenvolvimento sítio de ação36,37 (Figura 3). Vários fármacos, in-
de novos FAEs seja o fato de que pacientes com cluindo a fenitoína, o fenobarbital, a lamotrigina
epilepsia refratária em geral não respondem a no- e a oxcarbazepina, provavelmente são substratos
vos fármacos, mesmo com mecanismos de ação para P-gp38,39, mas ainda há incertezas em relação a
diferentes. Esse fato levou ao desenvolvimento de outros FAEs, e para a maioria deles, faltam evidên-
um novo conceito: a resistência a múltiplos medi- cias robustas de que são efetivamente transporta-
camentos (RMM). dos pela P-gp em humanos40,41.
A RMM consiste no fenômeno de resistência A P-gp pertence à superfamília de proteínas
simultânea a fármacos não relacionados33. Esse adenosine triphosphate (ATP)-binding cassette
fenômeno foi inicialmente estudado em pacientes (ABC), que inclui, ainda, outra proteína trans-
com câncer que apresentavam resistência a múlti- portadora de fármacos, a multidrug resistance-
plos medicamentos quimioterápicos. Mecanismos -associated protein (MRP). Atualmente, a P-gp é
para explicar essa resistência foram sugeridos, in- conhecida como ABCB1 e a MRP, como ABCC1.
281
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
A partir da experiência com as proteínas sultado das crises repetidas, o que poderia ex-
transportadoras de medicamentos em pacientes plicar o desenvolvimento de resistência a FAEs
com câncer, o papel delas proteínas começou a ser em pacientes com status epilepticus prolongado,
estudado em pacientes com epilepsia refratária ao além de enfatizar a necessidade de tratamento
tratamento medicamentoso. rápido e adequado a esses pacientes.
Tishler et al.42 demonstraram uma superex- Variações na expressão e no nível de ativida-
pressão do gene mdr1, que codifica a proteína de da ABCB1 podem ter impacto significativo
P-gp, no cérebro de 11 de 19 pacientes com epi- na eficácia terapêutica de muitos fármacos51,52,
lepsia focal intratável submetidos à cirurgia para como quimioterápicos e FAEs. Portanto, a ca-
tratar as crises. Os autores concluíram que essa pacidade de detectar alelos relevantes para a
expressão aumentada pode contribuir para a na- expressão e/ou atividade da ABCB1 seria fun-
tureza refratária da epilepsia desses pacientes, damental para tratar pacientes que utilizam
uma vez que pode se associar a menores con- medicamentos reconhecidos como substratos
centrações de FAEs no parênquima cerebral. Es- para a ABCB1. Em 2003, Siddiqui et al.53 iden-
tudos com imuno-histoquímica demonstraram tificaram um fator genético associado à resis-
uma superexpressão de P-gp nos astrócitos e nos tência a FAEs: quando comparados com pa-
neurônios de pacientes com epilepsia secundária cientes responsivos ao tratamento com FAEs,
a malformações do desenvolvimento cortical43,44, pacientes com crises refratárias tinham maior
epilepsia do lobo temporal com EH45,46 e esclero- probabilidade de ter o genótipo CC do que o
se tuberosa47. genótipo TT para a proteína ABCB1 (P-gp).
Não se sabe ao certo a causa da superexpres- Outros polimorfismos de genes de proteínas
são das proteínas da superfamília ABC no teci- transportadoras foram estudados com resulta-
do cerebral dos pacientes com epilepsia refratá- dos conflitantes54-56.
ria. Em geral, a superexpressão dessas proteínas Além da superfamília de proteínas ABC,
é limitada à região da anormalidade histopato- outras proteínas implicadas na resistência a fár-
lógica (EH, displasia cortical), não sendo ob- macos quimioterápicos para o tratamento de
servada em tecido não lesional adjacente46. Essa neoplasias do sistema nervoso central também
superexpressão não seria, portanto, resultado podem estar envolvidas na resistência a FAEs.
de crises epilépticas repetidas ou da exposição Sisodiya et al.57 demonstraram uma superex-
continuada do tecido cerebral a FAEs. Em mo- pressão da major vault protein (MVP) no tecido
delos animais, entretanto, crises isoladas48 ou cerebral de pacientes com epilepsia focal refra-
repetidas49 foram capazes de induzir superex- tária secundária à EH, displasia cortical focal e
pressão do gene mdr (que codifica a P-gp) no tumor neuroepitelial disembriopásico.
córtex e no mesencéfalo. Um estudo em huma- Apesar da associação entre expressão de pro-
nos50 demonstrou superexpressão das proteínas teínas transportadoras e refratariedade, a prova
ABCB1 e ABCC1 em tecido cerebral normal de causalidade depende da demonstração – em
de um paciente que faleceu em decorrência de humanos – de que a resistência a múltiplos fár-
status epilepticus e, no exame anatomopatoló- macos pode ser revertida pela inibição da proteí-
gico, apresentava displasia cortical hemisférica na transportadora. Um dos candidatos a inibidor
unilateral. Nesse caso, os autores sugerem que da P-gp é o bloqueador de canal de cálcio verapa-
a superexpressão dessas proteínas no tecido do mil. Apesar de algumas evidências recentes58, os
hemisfério contralateral à lesão tenha sido re- resultados têm sido desapontadores59.
282
Epilepsias refratárias
283
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
ad hoc Task Force of the ILAE Commission on The- tial epilepsy: a study of 30 patients. Ann Neurol.
rapeutic Strategies. Epilepsia. 2009;51(6):1069-77. 1991;30(6):741-9.
11. Kwan P, Schachter SC, Brodie MJ. Drug-resistant 25. Babb TL, Kupfer WR, Pretorius JK, et al. Synaptic
epilepsy. N Engl J Med. 2011;365(10):919-26. reorganization by mossy fibers in human epileptic
12. Kwan P, Brodie MJ. Early identification of refrac- fascia dentata. Neuroscience. 1991;42(2):351-63.
tory epilepsy. N Engl J Med. 2000;342(5):314-9. 26. Thom M, Martinian L, Catarino C, et al. Bilate-
13. Brodie MJ, Barry SJE, Bamagous GA, et al. Patter- ral reorganization of the dentate gyrus in hippo-
ns of treatment response in newly diagnosed epi- campal sclerosis: a postmortem study. Neurology.
lepsy. Neurology. 2012;78(20):1548-54. 2009;73(13):1033-40.
14. Pohlmann-Eden B, Weaver DF. The puzzle(s) of 27. Blümcke I, Beck H, Lie AA, et al. Molecular neu-
pharmacoresistant epilepsy. Epilepsia. 2013;54:1-4. ropathology of human mesial temporal lobe epi-
15. Berg AT, Levy SR, Novotny EJ, et al. Predictors of lepsy. Epilepsy Res. 1999;36(2-3):205-23.
intractable epilepsy in childhood: a case-control 28. Elger CE. Pharmacoresistance: modern concept
study. Epilepsia. 1996;37(1):24-30. and basic data derived from human brain tissue.
16. Casetta I, Granieri E, Monetti VC, et al. Ear- Epilepsia. 2003;44(suppl. 5):S9-S15.
ly predictors of intractability in childhood epi- 29. Remy S, Gabriel S, Urban BW, et al. A novel me-
lepsy: a community-based case-control study in chanism underlying drug resistance in chronic
Copparo, Italy. Acta Neurologica Scandinavica. epilepsy. Ann Neurol. 2003;53(4):469-79.
1999;99(6):329-33. 30. Wallace RH, Wang DW, Singh R, et al. Febrile
17. Dlugos DJ, Sammel MD, Strom BL, et al. Res- seizures and generalized epilepsy associated with
ponse to first drug trial predicts outcome in a mutation in the Na+-channel beta1 subunit gene
childhood temporal lobe epilepsy. Neurology. SCN1B. Nat Genet. 1998;19(4):366-70.
2001;57(12):2259-64. 31. Wallace RH, Scheffer IE, Parasivam G, et al. Ge-
18. Arroyo S, Brodie MJ, Avanzini G, et al. Is refractory neralized epilepsy with febrile seizures plus: muta-
epilepsy preventable? Epilepsia. 2002;43(4):437-44. tion of the sodium channel subunit SCN1B. Neu-
19. Stephen LJ, Kwan P, Brodie MJ. Does the cause rology 2002;58(9):1426–9.
of localisation-related epilepsy influence the res- 32. Remy S, Beck H. Molecular and cellular mecha-
ponse to antiepileptic drug treatment? Epilepsia. nisms of pharmacoresistance in epilepsy. Brain.
2001;42(3):357-62. 2006;129(Pt 1):18-35.
20. LaFrance WC, Baker GA, Duncan R, et al. Mini- 33. Ling V. Multidrug resistance: molecular mecha-
mum requirements for the diagnosis of psycho- nisms and clinical relevance. Cancer Chemother
genic nonepileptic seizures: a staged approach: a Pharmacol. 1997;40(suppl.):S3-S8.
report from the International League Against Epi- 34. Cole SP, Bhardwaj G, Gerlach JH, et al. Overex-
lepsy Nonepileptic Seizures Task Force. Epilepsia. pression of a transporter gene in a multidrug-
2013;54(11):2005-18. -resistant human lung cancer cell line. Science.
21. Berg AT, Langfitt J, Shinnar S, et al. How long does 1992;258(5088):1650-4.
it take for partial epilepsy to become intractable? 35. Rao VV, Dahlheimer JL, Bardgett ME, et al. Cho-
Neurology. 2003;60(2):186-90. roid plexus epithelial expression of MDR1 P gly-
22. Miyashira FS, Pieri A, Olivieira DS, et al. Does re- coprotein and multidrug resistance-associated
mission of seizures predict a better prognosis in protein contribute to the blood-cerebrospinal-
temporal lobe epilepsy due to mesial temporal scle- fluid drug-permeability barrier. Proc Natl Acad
rosis? J Epilepsy Clin Physiol. 2004;10(2):79-82. Sci USA. 1999;96(7):3900-5.
23. Sloviter RS. The functional organization of the hi- 36. Löscher W, Potschka H. Role of multidrug trans-
ppocampal dentate gyrus and its relevance to the porters in pharmacoresistance to antiepileptic
pathogenesis of temporal lobe epilepsy. Ann Neu- drugs. J Pharmacol Exp Ther. 2002;301(1):7-14.
rol. 1994;35(6):640-54. 37. Sisodiya SM. Mechanisms of antiepileptic drug
24. Palmini A, Andermann F, Olivier A, et al. Focal resistance. Current Opinion in Neurology.
neuronal migration disorders and intractable par- 2003;16(2):197-201.
284
Epilepsias refratárias
38. Borst P, Evers R, Kool M, et al. A family of drug g-resistance gene: multiple sequence variations
transporters: the multidrug resistance-associated and correlation of one allele with P-glycoprotein
proteins. J Natl Cancer Inst. 2000;92(16):1295-302. expression and activity in vivo. Proc Natl Acad Sci
39. Potschka H, Fedrowitz M, Löscher W. P-glycopro- USA. 2000;97(7):3473-8.
tein and multidrug resistance-associated protein 52. Ramachandran V, Shorvon SD. Clues to the gene-
are involved in the regulation of extracellular le- tic influences of drug responsiveness in epilepsy.
vels of the major antiepileptic drug carbamazepine Epilepsia. 2003;44(suppl. 1):S33-S7.
in the brain. Neuroreport. 2001;12(16):3557-60. 53. Siddiqui A, Kerb R, Weale ME, et al. Association
40. Owen A, Pirmohamed M, Tettey JN, et al. Car- of multidrug resistance in epilepsy with a poly-
bamazepine is not a substrate for P-glycoprotein. morphism in the drug-transporter gene ABCB1.
Br J Clin Pharmacol. 2001;51(4):345-9. N Engl J Med. 2003;348(15):1442-8.
41. Zhang C, Kwan P, Zuo Z, et al. The transport of 54. Kwan P, Wong V, Ng PW, et al. Gene-wide tagging
antiepileptic drugs by P-glycoprotein. Adv Drug study of the association between ABCC2, ABCC5
Deliv Rev. 2012;64(10):930-42. and ABCG2 genetic polymorphisms and multi-
42. Tishler DM, Weinberg KI, Hinton DR, et al. MDR1 drug resistance in epilepsy. Pharmacogenomics.
gene expression in brain of patients with medically 2011;12(3):319-25.
intractable epilepsy. Epilepsia. 1995;36(1):1-6. 55. Ufer M, Mosyagin I, Muhle H, et al. Non-respon-
43. Sisodiya SM, Lin WR, Squier MV, et al. Multidru- se to antiepileptic pharmacotherapy is associated
g-resistance protein 1 in focal cortical dysplasia. with the ABCC2 -24C>T polymorphism in young
Lancet. 2001;357(9249):42-3. and adult patients with epilepsy. Pharmacogenet
44. Sisodiya SM, Heffernan J, Squier MV. Over-expres- Genomics. 2009;19(5):353-62.
sion of P-glycoprotein in malformations of cortical 56. Hilger E, Reinthaler EM, Stogmann E, et al. Lack
development. Neuroreport. 1999;10(16):3437-41. of association between ABCC2 gene variants and
45. Dombrowski SM, Desai SY, Marroni M, et al. treatment response in epilepsy. Pharmacogenomi-
Overexpression of multiple drug resistance genes cs. 2012;13(2):185-90.
in endothelial cells from patients with refractory 57. Sisodiya SM, Martinian L, Scheffer GL, et al. Ma-
epilepsy. Epilepsia. 2001;42(12):1501-6. jor vault protein, a marker of drug resistance, is
46. Sisodiya SM, Lin WR, Harding BN, et al. Drug re- upregulated in refractory epilepsy. Epilepsia.
sistance in epilepsy: expression of drug resistance 2003;44(11):1388-96.
proteins in common causes of refractory epilepsy. 58. Feldman M, Asselin M-C, Liu J, et al. P-glyco-
Brain. 2002;125(Pt 1):22-31. protein expression and function in patients with
47. Lazarowski A, Sevlever G, Taratuto A, et al. Tube- temporal lobe epilepsy: a case-control study. The
rous sclerosis associated with MDR1 gene expres- Lancet Neurology. 2013;12(8):777-85.
sion and drug-resistant epilepsy. Pediatric Neurol. 59. Löscher W, Luna-Tortós C, Römermann K, et
1999;21(4):731-4. al. Do ATP-binding cassette transporters cau-
48. Kwan P, Sills GJ, Butler E, et al. Regional expres- se pharmacoresistance in epilepsy? Problems
sion of multidrug resistance genes in genetically and approaches in determining which antie-
epilepsy-prone rat brain after a single audiogenic pileptic drugs are affected. Curr Pharm Des.
seizure. Epilepsia. 2002;43(11):1318-23. 2011;17(26):2808-28.
49. Rizzi M, Caccia S, Guiso G, et al. Limbic seizures 60. Rogawski MA, Johnson MR. Intrinsic severity as
induce P-glycoprotein in rodent brain: functional a determinant of antiepileptic drug refractoriness.
implications for pharmacoresistance. J Neurosci. Epilepsy Curr. 2008;8(5):127-30.
2002;22(14):5833-9. 61. Rogawski MA. The intrinsic severity hypothesis of
50. Sisodiya SM, Thom M. Widespread upregulation pharmacoresistance to antiepileptic drugs. Epilep-
of drug-resistance proteins in fatal human status sia. 2013;54:33-40.
epilepticus. Epilepsia. 2003;44(2):261-4. 62. Kobow K, El-Osta A, Blümcke I. The methylation
51. Hoffmeyer S, Burk O, Richter von O, et al. Func- hypothesis of pharmacoresistance in epilepsy. Epi-
tional polymorphisms of the human multidru- lepsia. 2013;54:41-7.
285
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Principais fármacos
antiepilépticos
Aminoácidos Gabapentina Crises parciais, crises 900 a 1800 mg/dia Crianças: Semana 1: 10-15 mg/
(GBP) tônico-clônicas em três doses diárias. kg/dia, em três doses; até 25-
generalizadas Primeiro dia, 300 mg; 35 mg/kg em crianças maiores
Segundo, 600 mg e então, de 5 anos e 40 mg/kg/dia em
300 mg em três doses (até crianças de 3- 4 anos. Doses
3600 mg/dia). de até 50 mg/kg/dia em 3
tomadas são bem toleradas.
Lacosamida Crises parciais, crises 200- 400 mg/dia em duas Crianças maiores: Semana 1: 3
(LCM) tônico-clônicas doses diárias. Semana 1: mg/kg/dia (1.5 mg/kg, 2 vezes
generalizadas 50 mg duas vezes ao dia; ao dia). Aumentar 3 mg/kg/
Incrementos dependendo dia a intervalos semanais; dose
da tolerabilidade- máxima 6 mg/kg duas vezes ao
Semana 2, 100 mg duas dia (12 mg/kg/dia).
vezes ao dia; Semana Lactentes: Semana 1: 2 mg/
3: 150 mg,duas vezes e kg duas vezes ao dia (4 mg/
então 200 mg, duas vezes kg/dia). Aumentar 4 mg/kg/
ao dia. dia a intervalos semanais; dose
máxima 8 mg/kg duas vezes ao
dia (16 mg/kg/dia)
Pregabalina Crises parciais, crises 150-600 mg/dia em duas Crianças maiores: Semana 1:
(PGB) tônico-clônicas ou três doses diárias. 1.5-2 mg/kg duas vezes ao dia
generalizadas Semana 1: 50 mg/dia em (3.5 mg/kg/dia). Aumentar 3
duas doses; aumentos a mg/kg/dia em doses divididas
intervalos semanais de 50 a intervalos semanais; dose
mg/dia máxima: 7.5 mg/kg em duas
doses (15 mg/kg/dia).
Lactentes: Semana 1: 2.5 mg/
kg em duas doses (5 mg/kg/
dia). Aumentar 5 mg/kg/dia
a intervalos semanais;dose
máxima 10 mg/kg duas vezes
ao dia (20 mg/kg/dia)
286
Principais fármacos antiepilépticos
Tontura, cefaleia, náusea, diplopia, Rash cutâneo Reduzem LCM (15-20%): Nenhum efeito sobre outros
ataxia, sonolência, vertigem, tremor, CBZ, PHT, PB FAEs;
comprometimento de memória. Não tem efeito sobre
Aumento do intervalo PR no ECG contraceptivos hormonais
(cuidado em pacientes com bloqueios
atrioventriculares)
Sonolência, sintomas vestíbulo- Rash cutâneo, GBP e PHT reduzem PGB Nenhum; não altera
cerebelares, efeitos neurocognitivos, angioedema, síndrome contraceptivos hormonais
ganho de peso, edema periférico, de hipersensibilidade a
disfunção erétil drogas
287
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Barbitúricos Fenobarbital Crises parciais, ORAL: 1,5 –4 mg/kg/dia. ORAL: 2 –8 mg/kg/dia. (as
(PB) crises tônico- INTRAVENOSA: Dose doses mais elevadas são para
clônicas primária de ataque: 10-30 mg/kg. lactentes). INTRAVENOSA:
ou secundariamente Máximo: 100 mg/minuto Dose de ataque: 10-30 mg/kg.
generalizadas ou 2 mg/kg/minuto. Máximo: 100 mg/minuto ou 2
mg/kg/minuto.
288
Principais fármacos antiepilépticos
Efeitos neurocognitivos Rash cutâneo Diminuem CLB: CBZ, PB Geralmente não afeta
e PHT outros fármacos
289
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Hidantoinatos Fenitoína Crises parciais, ORAL: 100 mg, duas ORAL: Dose inicial 5 mg/
(PHT) crises tônico-clônicas vezes ao dia; doses de kg/dia (divididos em duas
generalizadas manutenção de 100 mg ou três doses) até 300 mg/
uma ou duas vezes ao dia. Doses de manutenção,
dia, até 200 mg, uma 4 a 8 mg/kg/dia, divididos
ou duas vezes ao dia. em 2 ou 3 doses.
SUSPENSÃO ORAL:
125 mg, uma ou duas INTRAVENOSA: 15 mg/
vezes ao dia. kg. Doses de manutenção:
ORAL, DOSE DE lactentes e crianças, 4 a
ATAQUE: 1 grama, em 7 mg/kg, divididos em 2
três doses (400 mg, 300 doses; neonatos pré-termo,
mg e 300 mg), a cada 2 mg/kg a cada 12 horas e
duas horas. Dose de recém-nascidos a termo, 4
manutenção 24 horas a 5 mg/kg a cada 12 horas.
após a dose de ataque. Iniciar dose de manutenção
DOSE ÚNICA 12 horas após a dose de
DIÁRIA: o regime ataque.
de 300 mg pode ser
considerado.
INTRAVENOSA:
10 a 15 mg/kg
administrados
lentamente. Não
exceder 50 mg/minuto.
Dose de manutenção
de 100 mg por via oral
ou endovenosa a cada
6 a 8 horas.
STATUS
EPILEPTICUS: Dose
de ataque de 15 a 20
mg/kg, não diluídos
ou diluídos em
solução fisiológica,
administrados por via
intravenosa, 1 a 3 mg/
kg/minuto.
290
Principais fármacos antiepilépticos
291
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
Outros FAEs Carbamazepina Crises parciais, Iniciar com 200 mg Crianças 6-12 anos: iniciar
(CBZ) crises tônico-clônicas duas vezes ao dia. com 100 mg duas vezes ao
generalizadas Manutenção: 800-1200 dia. Manutenção: até 1000
mg/dia, até 1600-2000 mg/dia.
mg/dia. Crianças < 6 anos: Iniciar
com 10-20 mg/kg/dia
em duas ou três doses.
Manutenção < 35 mg/kg/
dia.
Lamotrigina Crises tônico-clônicas Sem valproato: Sem valproato: Semanas
(LTG) generalizadas, Semanas 1-2: 25 1-2: 2 mg/kg/dia em duas
ausências, mioclonias, mg, uma vez ao dia. doses. Manutenção: 5-15
crises parciais Semanas 3-4: 50 mg, mg/kg/dia em duas doses.
(amplo espectro). duas vezes ao dia. Máximo: 15 mg/kg/dia.
Pode piorar ou Aumentos de100 mg Com valproato: Semanas
desencadear a cada 1-2 semanas. 1-2: 0,5 mg/kg/dia em uma
mioclonias. Dose de manutenção ou duas doses. Manutenção:
de 300-400 mg por 1-5 mg/kg/dia em uma ou
dia divididos em duas duas doses. Máximo: 5 mg/
doses. kg/dia.
Com valproato:
Semanas 1-2: 25 mg,
em dias alternados.
Semanas 3-4: 25 mg
uma vez ao dia;
Incrementos de 25-50
mg/dia a cada 1-2
semanas; Dose de
manutenção 100- 200
mg por dia em duas
doses.
Levetiracetam Crises parciais, crises Dose inicial: 500 mg Crianças com menos de 30
(LEV) tônico-clônicas duas vezes ao dia; kg: Dose inicial: 5-10 mg/
generalizadas, Incrementos de 500 kg/dia; Incrementos: 10
mioclonias, ausências, mg/semana; mg/kg a cada semana; Dose
espasmos (amplo máxima: 40-60 mg/kg/dia.
Dose de manutenção:
espectro) Crianças com mais de
até 3000 mg/dia em
duas tomadas diárias 30 kg: Dose inicial 250
mg duas vezes ao dia;
Incrementos: 500 mg a
cada duas semanas; Dose
máxima: 1500 a 3000 mg/
dia (máximo 60 mg/kg/
dia).
Oxcarbazepina Crises parciais, crises 600-2400 mg em duas Iniciar com 8-10 mg/kg e
(OXC) tônico-clônicas doses. manutenção entre 6-50 mg/
generalizadas kg em duas ou três doses
diárias
292
Principais fármacos antiepilépticos
Sonolência, astenia, tontura, Rash cutâneo, DRESS Diminuem LEV (20-30%): LEV não altera outros
cefaleia, infecção (ex. rinite e (Drug Reaction with CBZ, PHT, PB, LTG fármacos, inclusive
faringite), anorexia. Alterações Eosinophilia and anticoncepcionais
comportamentais, depressão e Systemic Symptoms) hormonais
Aumentam LEV: VPA
psicose em crianças > adultos
(cuidado à introdução em pacientes
com antecedentes psiquiátricos)
293
Tratamento Medicamentoso das Epilepsias
294
Principais fármacos antiepilépticos
Este é um resumo de algumas informações das fontes relacionadas abaixo e contém as principais informações para uso clínico
destes fármacos antiepilépticos.
Em decorrência das consideráveis variações quanto às indicações, doses, formas de administração e efeitos colaterais, as
informações aqui contidas não dispensam a leitura das bulas dos produtos.
295
Tratamento
Medicamentoso
das Epilepsias
Apoio: