A mesma relva, o mesmo verde, o mesmo odor de verde cortado, talvez nunca cortada esta relva e quantas vezes pisada e magoada a aguentar segredos no grito surdo do escutar e engolir terra dentro o crescimento de aparentar sempre a mesma. É a mesma.
Juro que é a mesma.
Nunca lhe vi o gume do sinal: É favor não pisar a relva.
Deito-me e fecho os olhos, apagam-se a noite e o dia e os carros deslizam macio na avenida como um poema que ondula na memória por terminar e se traz constante, não se quer acabar, recita-se aos golinhos para os amigos. Deitados ao lado. Eles tocam a relva e mordiscam um trevo desafiando o riso, contando quatro folhas na sorte, azêdas, são só azêdas não são trevos da sorte e escaparam ao jardineiro por ser pisco e adorador de aves canoras.
As mesmas aves silvam e beliscam o ouvido, embrulham-se em sons que quero e tento chiar. Lá e agora só causo riso, provocações de imitador, poemas sem fim outra vez que enfio na terra à procura de crescerem.
Sou a mesma.
Abraço os livros e as folhas espalhadas, fingimentos.
Nunca estudei no jardim.
Escrevo e danço, recito um poema recorrente como um pesadelo, falo com estranhos, deito-me na relva e afago-a, prometo o regresso ao jardim, eu venho mas não sei quando, talvez sempre, talvez só mais uma vez.
Dói saber.
Naquele tempo acho que já sabía mas não quería saber, talvez me convencesse que a terra do jardim me guardasse a verdade tapada pelos bolbos dos lírios, assim escondida como um ninho bem protegido e quando fosse o momento certo haveria de brotar devagar, lenta mas vigorosa, colorida como uma bandeira a assinalar. Eu tinha estado ali. No jardim. E aqueles que viessem a seguir a mim e se deitassem e rissem com os amigos, atentos que fossem, ouviriam segredos e confissões e palavras bonitas e mãos a dizerem quero e haveriam de tentar encontrar uma rima para um poema germinado na terra entre relva verde muito aparada e cheirosa.
Juro que sou a mesma.
Descalço-me e magoo a relva à espera que as palavras me gritem: É favor não pisar.
Já sei. Vem um guarda admoestar-me, terei visto o sinal? Falo com este estranho mais estranho que os de outrora que me respondíam com perguntas e me deixavam cheia, plena, este deixa-me a boca seca e amarga. O zunido do trânsito na avenida obriga-nos a um diálogo estridente que desperta os olhares de quem passa. Não há pássaros, solto uma imitação lembrada muda que cessa o confronto.
Dói voltar.
Fecho os olhos e não consigo lembrar os rostos de todos.
Nem de todo o jardim.