Entrou. Fez um compasso de espera nas portas empurradas à força do antebraço e esperou que o viessem cumprimentar, indicar-lhe a mesa costumeira guardada no recanto junto ao espelho, a sua, a dele. Mas ninguém lhe dirigiu a palavra e os empregados continuaram para lá e para cá tilintando o abre-latas na pequenina bolsa preta pendurada à laia de avental.
A mesa estava ocupada. Dois rapazes. Vários piercings. Sentiu-se incomodado. Apetecía-lhe uma torrada aparada em pão de forma e um sumo natural. Depois café, cremoso, espesso, daqueles que se debatem até afundar o açúcar. A sua mesa ocupada por estranhos que não respeitavam a alvura da toalha branca, por baixo a grenat.
Quem entrou empurrou-o, vedava a entrada, abancou-se na sua mesa à companhia dos outros dos piercings.
Um empregado perguntou-lhe quantas pessoas mas não olhou para ele e ele não o reconheceu, devía ser novo, senão tería afastado da sua mesa os que a ocupavam como mosquedo na zoada de conversas intraduzíveis.
Ali. Mas ali era ao fundo, perto das casas-de-banho...
Pois que seja, que sem a torrada é que não se abala. E depois, daqui a nada, quando menos esperar, hão-de aparecer caras conhecidas da casa que o conhecem a ele como sendo da casa.
Senta-se. Adiante não vê nada, tem uma coluna. À esquerda a vitrine dos salgados, tão pouco consegue chegar a vista à das artes da seringa nos bolos finos. Atrás, a porta das casas de banho, sem mola, bate tristemente e chega-lhe uma corrente de ar aos pés que lhe lembra o Inverno.
Lança o olhar pela nesga do que lhe foi reservado, uma magra fatia de um salão que busca encantos ao seu homónimo francês. Algumas senhoras de cabelo lilás, uma dignidade gereátrica nas pérolas e nas rendas, artroses que seguram chávenas de chás e espetam dobrado o mindinho. Mas nem nestas peles que se derretem até ao centro da terra reconhece o amigável.
Apela ao empregado. Outra vez. De novo. Está invisivel. Não vai voltar a chamar, olha o relógio de pulso e acerta-o com o da parede. Mal, só vê de raspão. A partir de agora há-de medir quanto tempo passa desde que se sentou até que se apercebam que ele existe.
Nessa altura há-de pedir uma torrada aparada em pão de forma e um sumo de laranja natural.
Não perderá a compostura nem a educação.
Será o mesmo que conhecem desde a inauguração da casa em 1922.
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(in Eu na Versailles, improváveis escritos, C.G.-Maio/2006)