Queixo-me muito do tempo, da falta deste e o que me consome pelos dias fora sem me retribuír numa réstia de nada fazer que me permita dedicar uma nesga que seja à minha pessoa, sendo certo que se acontecesse, não sabería o que pensar, pela simples razão que tal nunca sucedeu. E se a ocasião surgisse, o mais certo era inventar qualquer coisa para me ocupar ou afligir-me por ter deixado em falta coisa nenhuma. Assim, conclui-se que reclamo do que não posso. Ou que não sei ou desconheço para estar a falar com propriedade. Também. Mas não vem ao caso.
O que interessa mesmo, é que num fim de tarde em deambulações por Lisboa, tira fotografia aqui, rabisca acolá, anota cores, registos no caderno, as pernas já a começar a acusarem as subidas e descidas por causa de tanto calor, a boca seca e a água já foi, dei comigo a lembrar um homem que morava por ali, no alto da colina e que tinha uma janela enorme que se rasgava sobre o Tejo.
Mas por mais exercicios de memória que fizesse não conseguía atinar com a rua ou a porta, um nome ou até mesmo uma referência perto que me indicasse que não estava longe do sitio. Só a janela me vinha à memória.
Depois, também não havía ninguém pelas ruas serpenteadas, tudo deserto, como se eu fosse o único ser vivo por ali... talvez fosse do calor, mas comecei a duvidar se não tería sido alguma das minhas histórias e eu estivesse a reviver a ficção.
Desci, murcha, a tralha a tiracolo, os pés a escaldar.
No fim da rua, um café com algumas moscas a zumbirem e uma arca de gelados à porta convidou-me a entrar. Pedi uma garrafa de água. Encostado ao balcão estava o homem que eu procurava. Comecei a rir, dois beijos, a janela perguntei, o sobrolho dele arqueado, saímos, subimos a rua, algumas mulheres a varrerem, onde é que esta gente estava?
Perdi a noção das horas, ficámos a conversar pela noite fora, a aragem do rio chapinhava-me os sentidos, estava-se tão bem na casa dele, na janela dele, na nossa conversa, no silêncio, no meu nada fazer.