Frio. Continua a piar desgraçadamente no voo em círculo como se estivesse à procura de uma pista para aterrar, depois perco-a de vista mas o som ainda terrível belisca-me de novo o frio, o arrepio, o medo, a vontade de fechar os olhos e ouvir outros cantares. Não é noite nem é dia, é nevoeiro, é frio, é grito perdido. Os vasos de gerânios ostentam-se bizarros, amarelos, rosa-provoca-me, que eu aguento o Dezembro até ao fim e o mais que venha, só não entendo esta gaivota fora de mar, fora do rio, a clamar céu e terra entre prédios que se fatíam para orientar ruas e lugares dos quais nunca me lembro o nome, não lhes preciso, basta-me saber o caminho até casa, as cores dos gerânios ou o gato malhado vadio que foge quando o chamo. Gaivota vadia, se te piar igual virás ou regressas ao mar... não é o nevoeiro que te embacia o norte, é o frio que me abraça quando o medo dobra a esquina por farejar o esquecimento de voar, não quero saber de nomes, quero lembrar o cheiro do nome, o som do grito quando dizia o nome, a fome dos olhos na saudade da água do mar salgado. A arder, a arder, a arder quando se mergulha de olhos abertos na profundidade do nevoeiro e distintamente se acorda com os sentidos todos e planamos de asas abertas na vida que já usámos. Sem barreiras, sem perímetro marcado, voo, vagueio, vou, sonhei, alimento-me do que comi, volto, parto e retomo.
Está frio, gosto deste frio.
Desperta-me.