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domingo, 30 de dezembro de 2012

Sem limite



Frio. Continua a piar desgraçadamente no voo em círculo como se estivesse à procura de uma pista para aterrar, depois perco-a de vista mas o som ainda terrível belisca-me de novo o frio, o arrepio, o medo, a vontade de fechar os olhos e ouvir outros cantares. Não é noite nem é dia, é nevoeiro, é frio, é grito perdido. Os vasos de gerânios ostentam-se bizarros, amarelos, rosa-provoca-me, que eu aguento o Dezembro até ao fim e o mais que venha, só não entendo esta gaivota fora de mar, fora do rio, a clamar céu e terra entre prédios que se fatíam para orientar ruas e lugares dos quais nunca me lembro o nome, não lhes preciso, basta-me saber o caminho até casa, as cores dos gerânios ou o gato malhado vadio que foge quando o chamo. Gaivota vadia, se te piar igual virás ou regressas ao mar... não é o nevoeiro que te embacia o norte, é o frio que me abraça quando o medo dobra a esquina por farejar o esquecimento de voar, não quero saber de nomes, quero lembrar o cheiro do nome, o som do grito quando dizia o nome, a fome dos olhos na saudade da água do mar salgado. A arder, a arder, a arder quando se mergulha de olhos abertos na profundidade do nevoeiro e distintamente se acorda com os sentidos todos e planamos de asas abertas na vida que já usámos. Sem barreiras, sem perímetro marcado, voo, vagueio, vou, sonhei, alimento-me do que comi, volto, parto e retomo.
Está frio, gosto deste frio.
Desperta-me.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Corpo de ser




Hipoteticamente estaría ocupada, distraída, esquecida quiçá aborrecida destas lides e satisfeito o gosto dos dedos, outro se tería arranjado para ocupação do tempo e das mãos, um tricot ou um guache ensaiado ou então nada disso, uma doença qualquer para aqueles que o lado trágico preenche a lacuna do teatro na vida pequenina, a morte, a morte ter-me ía chegado e a árvore, finalmente, sem rega nem poda, mais dia menos dia, catrapumba, caía de oca, que a substância esvaíra-se comigo para a cova.
Não. Ainda não, conforme palavras aqui, minhas, da Árvore.
Sem especulações: Há que parar.
Quando as palavras se tornam tão simples e tão claras e o mundo dos homens tão abstracto e cruel em que nada apetece, e até o sentido dos sentidos se reverte do que se faz no verbo, é tempo de acordar e espantar as metáforas que nos acolheram como leito macio, afundado, a sufocar a realidade.
Desejar estar no lado das palavras ao invés de lhes sentir o prazer é ter medo de ser.
Não quero perder-me num pingo de tinta solto, prefiro a loucura de uma frase numa noite de insónia, mas sabendo que eu ou os outros de mim a comandavamos.
Tóxico, o verbo.
Perecível, eu.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Degelo



Final de dia, despir a tarde, arrancar baton, riscos e sorrisos e saltos altos e alturas compradas, descompôr cabelos e pernas afastadas, não responder e responder e murmurar e soltar quês e hãs, cantarolar, tamborilar, espreguiçar e fazer marrecas e pôr a mão na anca, falar depressa, falar calão, abraçar, abraçar, abraçar, meter o dedo na boca, chamar o cão, chamar o gato e chamar o gato, deitar no chão, dar beijos à vez, reclamar de lambidelas, reclamar de arranhadelas e puxões de cabelos, andar de quatro, observar, ficar quieta, ficar muito quieta, deitar de lado, pensar amar, abraçar, abraçar, abraçar.




quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Alucinações de uma vida paralela (7)



Não me calço, não me escutam, não me sigam, para onde vá vêm os passos atrás, não são só meus, uma porção deles que se esconde e vai à medida do caminho apagando vestigios das pegadas, ora calcando nas minhas ora voando ao redor, dizem invenção, mais uma das minhas, todas minhas, um mundo à parte.
Erro maior, que mundos tenho eu, não apenas mais outro.
Sempre falei deles, riam-se, eu a contar, pedíam-me que dançasse, eu a dizer, shhhhhh, eu a insistir, nem mais uma palavra, nem mais um passo.

terça-feira, 7 de agosto de 2012



Até ao céu dois elevadores, em caso de perigo usar as escadas de serviço, se tem boas pernas subir os degraus, em qualquer caso é sempre para cima, não há que enganar.
Vai mais além, não dá para acreditar que o cimento se estanque aos pés, ainda noutro dia perseguiu à vista uma ave - ía jurar que era um flamingo rosa - e quase o alcançou, o diacho do bicho tinha muito treino e só por isso não se pôs a seu lado, mas por muito tempo manteve-se na sua cauda até o perder na massa fofa de nuvens brancas que se aglomeraram e lhe toldaram a vista, quase-quase-quase, no instante em que lhe ganhava... Regressou ao terraço, um pouco contrariado, um pouco derrotado, bastante cansado ao evitar estatelar-se ao fundo de tantos andares.
É dificil por vezes evadir corpo e alma, quando os dois não se acompanham, quando os olhos olham uma natureza bela e o corpo quer saltar para fazer parte, sentir na carne esse gozo... e duvidar que a alma venha a sentir se o corpo não aguentar.
Será, disse sonoramente a si.
Acabou de fumar o cigarro e lançou a beata entre dedos como um projectil, seguiu-lhe a trajectória, imaginou-a como uma ave a libertar-se.
Mais alto e mais ao longe, um risco no céu sublinhava a chegada de um avião ao aeroporto da cidade.
Fechou os olhos e por segundos tudo desapareceu.


Fotografia oferecida por Eduardo J.Silva

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O bater do coração (quinze)



Talvez me escreva uma carta.
Ao alto não ponho data, assim estará pronta para ser lida em dia qualquer que precise de ouvir coisas bonitas, nada de serviço, tudo muito trivial, banal, a começar pelas perguntas do costume como vou eu, a familia, o cão e os gatos, os cozinhados, a escrita, a dança, essas coisas que ao ler-me hei-de fazer torcidelas com os beiços e risinhos parvos mas cá por dentro gosto e a saudade de algumas delas dá-me apertos e baques, acelera-me o sangue nas veias, aflige-me às mãos uma tremura leve de tanto apertar com ternura o papel de carta.
Devo escrever-me uma carta.
Ando farta de tanto profissionalismo. De tanta hora marcada. De tanto rigor. De tão certinha ando em cima do risco que até de olhos fechados o sei correr sem risco nenhum. De tão cansada de estar cansada que já não me canso.
Devo escrever-me e responder-me com tantas parvoeiras como tantas deverei receber.
E devo remetê-la em correio azul pois urge que volte a sentir, metade de mim está dormente e não responde quando chamo.

domingo, 5 de agosto de 2012

O debate



Podía dizer que aqueles eram eles e mais nenhuns outros e acreditassem se quisessem, bastava ele saber, a verdade é sempre bastante para quem a sabe embora quem a duvide ache que a proclamação seja necessária e vá de gritá-la e ecoá-la e puxar a manga e perguntar repetidamente se ouviu bem.
Iniciaría desta forma o debate.
Para quem desatento, tivesse ensejo de se manifestar preocupado com algo alheio, usaría a insistência: Quem são aqueles? Somos nós? Mesmo? Tem a certeza? Olhou bem? Não tem dúvidas? (Mas que chato... quem é este gajo? Só me faltava esta... vem uma pessoa espairecer e leva com cada um... é que não desiste! E se eu fizesse de surdo-mudo?)
Perante a gaguez inicial da surpresa seguida da mutez já reflectida, passaría ao plano B: A linguagem gestual.
A universalidade inteligível sem parâmetros de faixa etária a comprometerem a mensagem, sem barreiras sociais, sem o cognitivo da questão a ser vedado pela construção académica.
Prendeu-a nos braços, descaiu a mão direita sobre a anca saída e sentiu o quente dos seus lábios presos, sentaram-se, o rosto dela apoiado sobre o redondo do ombro, fiquemos assim, deixa-os, esquece-te deles... não nos conhecem, não nos podem ver, sossega, o meu beijo...



(in Telas, Set.2011)

sábado, 4 de agosto de 2012

Olhar com vista sobre o Rio (1)




Ri-te, podes fazê-lo de boca cheia, propriedade não te falta e eu mereço mas também já perdi a vergonha, aponto-te esta, toma lá, como razão maior para me deitar contigo depois de ter jurado não te voltar a falar, prometido a mim mesma que sobre ti não gastaría um pingo de tinta que me caísse distraída enquanto pensasse sobre outras palavras e ainda sobre outros rios.
Que tu sabes que houve outros, sabes sim, mas a tua cor anda por dentro e por fora de mim há demasiados anos, alterou-me o olhar, a cidade, a forma como piso o chão e desembarco estremunhada na realidade, por isso desavergonhadamente e de mãos escondidas retorno à tua cama, aos teus braços, deixo que me faças o que queres fazer, faz que eu não gosto mas preciso, que raiva este querer de amor, vá lá eu entender-me que nunca subjuguei vontades a homens e alongo pernas a letras só para ficar mais bonito escrever-te.
Ri-te que eu choro mas só por dentro, esse gosto não te dou, querías tu que tu aumentasse a galhardia?! Levas-me toda por agora o mais logo se verá.



(in Olhar com vista sobre o Rio, 2011)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Caixa de sapatos



 Ao levantar a tampa o que salta à vista são as cores, os lilazes a sorrirem entre os pálidos envergonhados do açúcar amarelecido dos recadinhos dos pedaços de papel rasgado à sorte para deixar memória do não te esqueças de mim, lembra-te, eu também, para sempre, para sempre numa caixa de sapatos entre botões caídos nos abraços da despedida e o perfume do lenço molhado que secou no agitar de tanto se dizer ao horizonte adeus, que não te vejo mais, onde estás que te quero e não consigo recordar, ainda agora nos meus braços sentía calor e depois vazio, frio, peso de malas que se arrastam em mudanças de vida mas a caixa de sapatos essa vai comigo para todo o lado, carrego-a como a minha vida, tem mechas de cabelo minha e da minha mãe e até da minha avó e dos meus filhos, tanta gente que aqui cabe entre flores que secaram e se desmancham e nem deste modo lhes perdemos o destino de apontarmos e contar que nesse dia foi oferecida para pôr na lapela, tal como vai na fotografia, esta, e mais esta, todas as que aqui estão a preto e branco de cantos retorcidos de tanto passarem entre dedos e bocas de beijos e esta medalhinha, quase esquecida! E um brinco, o outro perdido, sabe-se lá por onde, oferecidos por um namorado muito querido, segredos, quantos, tantos, ah se esta caixa falasse...
- A caixa é para levar?
- É sim.
Leva a caixa dos sapatos novos que comprou.
Um dia há-de ter cores bastantes na sua vida que os sapatos não lhe farão falta alguma.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O livro negro dos homens (um)



A impressionante capacidade dos homens para contarem histórias começa na sua engenhosa capacidade de mentir, esconder, adulterar, alindar o que lhe é desfavorável, nocivo, corrosivo, temível, um armário gigante onde encafuam esqueletos e vão amontoando ao longo da vida desde a mais tenra idade, toda a espécie de desculpas que rapidamente se transformam em argumentos de peso e depois em justificações até ao culminar do perdão pela morte do seu semelhante.
Contar um facto, reproduzir um acontecimento nunca é exactamente clonar o sucedido, é acrescentar-lhe de si uma arte do seu carácter, uma marca (que parece) insignificante que faz toda a diferença.
Eu faço parte desse mundo. Horrível. Tornar belo o que vi feio, transformar divertido em palavras o que escutei tristemente estúpido a tombar da boca alheia, a justificar a minha morte porque não aguentei a vida parda de outros.


(lx. 18-01-2010)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Campo de palavras (8)




Feitas as contas disseram-me que o estrago não é grave, que é como quem diz, o que fiz tem reparo, que é como quem diz, vou pagar as favas, ou adaptando a coisa aqui, vou suar as estopinhas e preparar o campo para palavras novas (não o fiz sempre?!), pois tenho bom lombo e o terreno ficou com muita pedra e erva daninha e há que o pôr arável.
Nem vale a pena retorquir, dizer que nem acho que tenha sido tão mau assim (por acaso até acho, aliás até pior!) e sementes nunca faltaram, tomara que brotem, cresçam e floresçam, despontem bons frutos, sombras gradas e grossos troncos.
Conversa. De palha. O que se quer mesmo é verbo.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Serenamente



Observo-os fingindo deixando-os pensar que durmo. Não pretendo enganá-los, sei que me conhecem, mas esta dormência e silêncio após tanto bulicio e pó levantado sabe-me bem, tranquiliza-me, aquietam-se as folhas, os objectos analisam-se finalmente estáticos na sua forma e podem-se inventar diálogos, fechar os olhos, esboçar sorrisos por alguma tontice que num segundo alguém nunca pudesse dizer.
Todos os meus pedaços, fiapos, lentamente regressam ao meu corpo, uma suave brisa empurra-os até mim e esse encaixe recorda-me passeios de bicicleta, dias de chuva na praia, um cartucho de castanhas, o aroma de alfazemas, coisas perdidas na memória sem arrumo, sem importância de maior, à deriva e se vão pescar de quando em vez para nos salvarmos de coisas muito feias.
Para serenar e não se morrer.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Ponto de ordem




Mandam-me sentar e escrever. Mandam-me embora. Chamam por mim, as minhas mãos precisam-se. Mandam-me arrumar as tralhas, destruir o que escrevi sobre eles, lixo, tudo lixo, porcarias, vêm exigentes, intoleráveis, narcísicos, dão ordens e contra-ordens, eles próprios chocam contra as cabeças uns dos outros e todos contra a minha, perco-me, dói-me, habituei-me a esta dor e já não a lembrava... É dor?
Caiem indicadores sobre o meu nariz, apontam-me direcções, papéis, parágrafos, pontos finais, canetas de tinta azul, tinteiros entornados que desenham borboletas que ninguém vê voar, árvores que penteiam copas de salgueiros sobre margens de rios que desaguam em fronteiras perigosas entre o sonho e o delírio como se o primeiro não fosse o outro de olhos perdidos em passos que conto, 1, 2, 3, jeté, pirouette, attitude, pas de deux, il n'a pas, não haver, não ter, serei eu quando vós sois construções verbais da minha língua, medições de força, forca, amputação das minhas mãos, como hão-de ser vocês então?
Eu Gasolina para todos vós em mim.

domingo, 29 de julho de 2012

Das árvores




Ouço-lhes os passos, caminham nesta direcção reclamando terreno, exigindo o que é seu a abrir goelas para que lhes devolva a voz, já chega, tive o meu tempo, falei deles, de uns quantos que me deixaram a oportunidade do dizer mas não foi trabalho bastante, bem que em tempos eu havía dito que se algum dia tal acontecesse e por mim falasse mesmo a falar de outros, nenhum interesse eu tería.
O que me faz são as árvores, nada de mim é para além das árvores, toda eu sou hóspede, como me enganei pela vida fora, não foram eles que me ocuparam, não fui eu que me fardei soldado e vigiei a dois tempos o tempo da luz e da escuridão, sempre deles, foi sempre neles que me instalei e acomodei quente e guardada, é certo que entregue bosque e clareira, que permita que me cuidem pois que nem de mim soube guiar verbo a contento.

sábado, 28 de julho de 2012

Chá, biscoitos, passagens, intrusos, visitas & outros nunca mais se verão



Há-os de ambos os géneros, toda a categoria e qualidade: Os que preparam o chá e me convidam para se despedirem, os que nem sequer me acenam por tal não aguentarem, os que não se dão ao trabalho, os que já se esqueceram do convite feito, os que afinal resolvem que ainda não chegou o dia, os que arranjam pretexto para celebrar seja o que for, mesmo que seja uma falsa partida, os que introduzem uma nova companhia... Mais uma trinca, dois dedos de conversa, um gole, beberrica aqui, escalda a ponta da lingua que a conversa queima nas palavras que enchem até atafulhar, tanta gente que hoje aqui está, afinal somos tantos, mais do que dedos de mãos e pés quem diría e quem diría que contados num corpo só há estes, que tontice! Só um par de olhos consegue apenas ver isto, tão minusculo ser apenas dois braços, duas pernas, um coração falar por uma boca onde tantos biscoitos se mordem e amassam e em pasta se moldam figuras e se montam e afiam entre mãos (só duas?) e alteiam até subirem homens e mulheres que se chamam nomes.
Nomes.
Nomes.
Quantos nomes querem chamar.


E responder.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Manuel João




Será possível tanto infortunio e malapata atingirem um só individuo e ainda assim a graciosidade, a educação, o gesto simples e desprendido o ocupem tanto quanto o azar, que dos olhos tristes de cão se arqueia a boca para que no contar das suas desventuras consiga arrancar silêncios seguidos de palmas e gargalhadas como se metros de filmes se desembrulhassem imparáveis nos rolos de trapalhadas cada vez mais intricadas para tudo acabar solitariamente, ele, um chapéu de chuva, alguma água, muita água, não forçosamente chuva, os seus botões, uma ladainha de criança que embala e conforta o peito quando o desvario lhe assentaría bem melhor em dia desgarrado, em dia perdido, em cabeça perdida.
Conheci Manuel João num desses dias.
Eu de cabeça perdida.
Correu os botões da minha gabardina a dedo, Rei, Capitão, Soldado, Ladrão, Menina bonita do meu coração, foi assim que começou a estória.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O Ausente




Está sempre presente.
Mesmo quando distraidamente se esquece da vida, nós alheados, nós satisfeitos ou condoídos ou esperançados, ele sempre lá, um grande ausente que se mistura na turbe, faz conversa, troca galanteios, opina, traz número para o seu clube e enquanto o diabo esfrega o olho está sentado na nossa frente de joelho traçado e pé animado num ritmo de vai-vem a atirar-nos com perguntas à laia de respostas quando nesse momento o que pedimos são respostas às perguntas que não tivemos tempo de fazer.
Não há como o evitar, mudar-lhe as voltas, enganá-lo ou mandar dizer que não se está, é ardiloso bastante para saber como achar quem quer e no fundo, não há ninguém que não tenha uma pontinha de desejo de saber como será conversar sem tempo.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Simone





Sei tudo sobre Simone como se eu mesma fosse Simone. Sou capaz de trautear no mesmo tom rouco, pegar num copo da mesma forma enquanto amparo o resto de um cigarro mortiço entre dedos e me desloco decidida para a saída não ligando quando me chamam, sei ser Simone de tão veemente ter escutado a sua vida após ter morrido.
Na verdade nunca a conheci.
Na verdade ninguém percebe porque ela morreu, quer dizer porque ela decidiu assim.
Mas eu sei.
Só não o digo porque quebraría o encanto de quem me falou sobre Simone.
E há coisas que não se quebram.
Não é por dizê-las, é por partir o que é perfeito.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Vladir




Toma chá de limão à colher e apenas desta forma, o que me enerva um pouco, confesso. Isto e a eternidade que gasta a limpar os óculos redondos e miúdos como moedas, demasiado miúdos para o tamanho do rosto de um homem com quase dois metros medidos, já lho disse, mas ele não ligou, é uma pessoa meticulosa, de rituais, de horários escrupulosamente cumpridos, embora tempo seja coisa que lhe sobeje.
Outra coisa que lhe sobra são histórias e dessas nunca me canso. Não sei se são invenção ou se aconteceram, mas muitas delas ele refere como uma cobardia, uma espécie de titulo maior onde encaixa registos de cenas que sucedem a qualquer um mas na boca dele parecem tomar outra grandeza, uma importância que só agora se repara.
Não sei se é por ter viajado mundo fora, se por ser velho, se por ter perdido a familia na guerra ou se por tudo isto mais ele mesmo, consegue despertar o relato do comum dia-a-dia, fervendo a consciência até vir por fora, onde ainda agora se amornavam traseiros a assentos para escutar estórias de princesas e dragões.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Constança




Vejo-a como um reflexo dos meus pensamentos, uma imagem produzida numa face espelhada que encontra o meu universo emparelhado ao dela, tantas são as coincidências da fala, do gesto, do olhar nas palavaras que nos escrevemos.
Escrevemo-nos mais do que nos encontramos embora a distância que nos separa seja mais curta que as duas margens do rio, mas decidimos que o gosto partilhado da epístola nos mantería ainda mais unidas e assim e amiúde, lambemos selos e aguardamos que da outra o som do verbo se grite e contrarie a modernidade das mensagens rápidas e surdas do dedo batido em sms.
Há vezes que temo por ela, dá-me medo o que me diz ou o que faz suspeitar das suas palavras por nascer em que deduzo um ténue fio entre o que é e a loucura.
Mas esse é o encanto de Constança, saber-lhe genuína, identificar-me no seu mundo ao contrário

domingo, 22 de julho de 2012

Nimbo




Nimbo, o homem que espreita homens e mulheres. Tomei-o de asco. Um nojo imediato sem nunca o ter espreitado. Quando nos conhecemos já lhe tinha dado forma, cor, tom de voz, gordura de pele, cheiro requentado e no final quase me passava despercebido na sua normalidade, simpatia.
Insisti no meu desagrado e ele a decepcionar-me com os seus dentes brancos arqueados num sorriso agradável, a sua falta de interferência na vida alheia, o uso do olho à distância como colecionador de vidas à semelhança de outros que o fazem com moedas ou caixas de fósforos e eu pragmática, privado, privado, tudo isso é privado, e esse nome, não acredito nesse nome de nuvem e ele sem denotar qualquer aborrecimento, o que me aborreceu deveras, a comentar que eu não era nada original no reparo.
Convidou-me para um café, um éclair, mais não, somos dois estranhos, acrescentou, talvez de uma próxima um lanche, por agora uma explicação sobre a janela do seu prédio, tão vulnerável quanto as dos seus vizinhos, tão próxima quanto as do prédio em frente, basta querer ver, basta deixar o nimbo dissipar-se.

sábado, 21 de julho de 2012

O Guardador




Eu que nada sou dada a essas coisas do esoterismo de quando em vez encontro-me de falas trocadas com este homem que não estou certa se será deste mundo ou de um outro, que francamente, não terá que ser dos mortos, mas estranho ele é, e sereno e sapiente também, e que adivinhante do facto ocorrer, abano a cabeça a dizer que sim muito depressa.
Mas que interessa qual é o mundo?
É do mundo do meu querer, do meu peito, das minhas mãos, das minhas mãos fechadas e a abrirem e a desenharem-se as linhas muito devagar e profundamente, como caminhos que se espalmam para os pés acharem guarida no descobrir.
Sería assim que ele diría se fosse ele a falar, sou eu a tentar imitá-lo, porque gosto quando me fala das coisas, das pessoas que conhece e me traz quase à mão mesmo que nunca as tenha visto e logo mas faz presença e encanto.
Depois fala-me de chaves e de portas e baralha-me. Por vezes até me assusta porque me diz que um dia há-de chegar o meu dia e nesse dia serei eu a escolhida de escolher.
Eu não entendo, mas sinto que é dia grave esse por chegar.
Será nesse dia que perceberei porque lhe chamam o Guardador, conta-me. A última vez que nos falaremos.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Maria Manuel




Paixão, perseverança, ideias fixas, obssessão, doença. Tudo isto eu já lhe disse. Ela ouviu. Sem pestanejar, sem alterar a fisionomia ou protestar, ouviu. Fiquei sem saber que mais dizer-lhe. Não se quis defender, não apresentou argumentos que me convencessem na sua causa, não trouxe grandes discursos sobre o amor e que o amor tudo conquista como rezam os factos da história.
Maria Manuel persegue o coração desde que a conheço, não se envergonha desse caminho, não tem amigos, chora quando perde, ri quando vê o homem que ama, deseja mal às suas rivais, sonha com o primeiro beijo dele, tem um diário como se fosse uma adolescente.
No fundo, ela é tudo aquilo que todos nós somos, mas revelado, sem processamento de análise ou filtro de comportamento, sem condicionamento ou punição.
Não sei se algum dia aquele amor vai ter validade suficiente para aguentar. Mas isso também não lhe importa, o que lhe faz agitar o peito é o que sente agora, e agora é imenso.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

El




A insónia juntou-nos, levou-me por becos escuros e esquinas mal dobradas até onde a luz amarela se faz mais parda que um gato fugitivo e ele lá estava, à porta da taberna do bairro onde vive desde sempre e metemos conversa.
Acabei em casa dele, no sofá dele, na conversa dele ou na minha conversa porque a madrugada veio, o sol encheu a sala e a janela escancarou-se para limpar a noite como uma borracha igual às que descansavam no seu estirador.
Tens de ficar comigo antes que a noite chegue de novo e aí vais ver, disse-me, ver o quê, perguntei mas ele não respondeu, cofiou a barbicha rala alongando o movimento pelo pescoço enrugado e magro.
Depois desse dia voltei lá ínumeras vezes e aprendi a magia de uma hora sem ponteiros em que este homem transforma a conversa em silêncios perigosos e ignora as presenças para se atirar janela fora para um mundo que é só dele.
El. Proibiu-me de repetir o seu nome, está convicto que faría mal a esses segundos que antecedem uma noite anunciada proferir sonoramente uma partícula que fosse do nome com que o conhecem, rasgaría toda a beleza que envolve Lisboa e perdida, afundar-se-ía no horizonte do Tejo.
Eu ri-me quando o ouvi falar disto, depois inquietei-me pela sua seriedade.
Agora, habituada à sua mutez, por vezes irritada quando ele me ignora ou se debruça sobre os seus desenhos quando o visito, bato a porta para me fazer notada, olho-o da calçada, mas sei que ele não me vê.
Só a cidade o contempla.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O Contador




Era uma vez um homem que contava numeros de livros e toda a gente troçava dele apelidando-o de guarda-livros, coisa que o enfurecía deveras já que o seu sonho era ser escritor mas o que mais perto tinha conseguido chegar era do manuseamento destes exemplares na sua conservação, manutenção, limpeza e arquivo.
De quando em vez, era-lhe exigido que desempenhasse o papel principal dos personagens de alguns desses livros, independente do género, o que lhe trazía grande estafa e igual desacato mental, já que  dificil se tornava desencarnar a figura e uma grande mistela entre o feminino e o masculino se instalava no pobre corpo suado tresandando a fumos baratos, por ser o auge dos seus dias corriqueiros entre gritos do chefe e assédios da esposa deste.
Conheci o Contador junto ao latão do lixo, ignorando a consciência da divisão ecológica das cores do papel, plástico, vidro. Preparava-me para fazer desaparecer rabiscos da adolescência quando este homem de cigarro nos lábios mirrados meteu conversa comigo e me convenceu a depositar o meu espólio na sua biblioteca.
Não sei onde pára actualmente.
É daquele tipo de pessoas de quem nos lembramos de quando em vez, nunca nos fez mal, nunca nos fez bem, mas por uma qualquer razão sem razão, acabamos por não telefonar ou visitar, deixamos o tempo correr entregando-lhe as rédeas de um encontro oportuno para lhe exclamar piscando o olho:
- Estava mesmo a pensar em ti! Deve de haver uma linha do destino a marcar o teu número, não achas?!

terça-feira, 17 de julho de 2012

Edna




Por mais que tente não consigo lembrar em que altura e a que propósito é que Edna apareceu na minha vida. Não é que tenha importância de maior até porque, diga-se, é pessoa que me causa aversão imediata.
A sua total incapacidade para sorrir é decerto a principal razão para eu não gostar de Edna. A juntar ao seu ar perfeito, à sua elegância perfeita, à sua roupa de griffe, ao seu profissionalismo, a nada ter que se lhe apontar. Esta mulher não existe porque não há mulheres perfeitas.
E é por isso que eu não gosto dela.
Se ao menos tivesse um cabelinho fora do sitio... um destempero qualquer que lhe fizesse perder o ar sério e a queda do pedestal.
Depois, é também a frieza constante que tem nos olhos, como se nunca tivesse sido criança ou nunca se tivesse encantado por coisa alguma ou mesmo tido ânsias de desejos, vontades, iras, raivas, as coisas comuns de quem sente dor e alegria, nada, mesmo nada, não se consegue ler nada naquele olhar. Até do aperto de mão não resta memória, não ficam lembranças se foi frouxo ou rápido mas apertado na chave...
Não gosto de Edna. Sinto sempre frio quando estou perto dela. Por dentro. Na barriga. Não é medo. É frio de desgraça, de tragédia. Não sei explicar, procuro sempre a luz do dia, o sol, fugir da sala onde manda sempre fechar a porta.
Mas deve ser a minha cabeça cheia de histórias, poucas palavras trocamos, tão pouco me lembro de onde e porque razão nos travamos de conhecimento, nada sei sobre ela e ela de mim nada sabe, e assim há-de permanecer.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Zilto



Não sei o que mais me encanta neste homem que parece ter música na voz, nas mãos, nos cabelos presos em rabona, nos jeitos felinos de deslizar pela calçada e subir degraus e sentar e pegar em pequenos copos de vidro espesso e levá-los à boca carnuda e tragá-los como beijos suspeitos e roubar braços de mulheres para os entralaçar nos seus na medida que parece desprezá-los tanto quanto os deseja e cativa.
Apaixono-me por este homem cada vez que o vejo dançar, cada vez que o observo de olhos cerrados sentidamente apaixonado, apaixono-me pelo salão de baile, pelos cheiros, pela luz, pelas cores, pelo medo, fico ébria desse risco total em que se perde a noção da vida e se quer tudo.
É o tango.
Foi Zilto quem mo sussurrou.

domingo, 15 de julho de 2012

Vitória






 
Da empatia forte a detestá-la visceralmente vai um fósforo, por vezes nem precisa proferir palavra para me fazer sentir uma chama a arder-me nas costas, basta olhar nos seus olhos o rigor com que a mentira se veste para brilhar em qualquer sala e a preceito levar avante as suas intenções.
Nada faço para além de voltar costas e recusar-me a tomar parte no circo, ser uma das suas marionetas. Isto a público. Porque a duas, entre paredes, quando encostamos testa a testa e eu lhe cuspo mentirosa e ela a mim me escarra santa, esgravatamos no coração uma da outra e aquilo que descobrimos comemos sem mastigar, sem contar o que nos entalou na garganta.
Ela sabe de mim e entende.
Eu sei dela e entendo.
Não há perdões, porque não há o que perdoar, seja o que ficou para trás, seja o que se faz adiante para sobreviver em consequência do que se sofreu no dantes.
A Vitória não olha para as costas, não há tempo para esse luxo porque também ninguém lhe deu a oportunidade de tentar uma segunda vez e assim sendo nem a si permitirá fragilidades sobre cansaço, arrependimentos, traição, ingratidão, amor.
Por vezes, quando nos encontramos no mesmo espaço entre outros, passa por mim tão perto que lhe sinto o halo quente do corpo e depois afasta-se.
Só nos damos ao tratamento da 1ª pessoa em privado.
Já passaram alguns anos desde um desses rendez-vous tão peculiares, este inesquecível, em que ela de unhas cravadas no meu pulso sussurrava à minha orelha:
- Sabes qual é a mais velha profissão do mundo? Não é ser puta! É ser contador de estórias! Aprende!



 

sábado, 14 de julho de 2012

Edmundo



 
Onde começa a arte terá o homem forçosamente de se sentar e deixar o espaço livre, os dois sufocam. Não é um mundo partilhado, é um universo substituído, não há tempos capazes e fortes o suficiente para aguentar uma relação de fraquezas e embates, desvios e distrações quando o objectivo é a arte, não por si só mas enquanto essência, enquanto vida.
Edmundo dizía-mo olhos nos olhos, uma tranquilidade que perpassava porque sentidamente a respirava. Eu entendía, fazía perguntas, discutíamos detalhes, questionei-o quanto às suas imagens de nús, o preto e branco, ele respondeu origens e morte, ovo, inicios e fins, fui buscar os seus textos e ele aquiesceu, a mulher e ele falou de ventre, referi a morte, fiz reticências e ele apontou para a sua bata branca.
Sempre que há tempo para nós falamos por horas, falamos das nossas artes mas nunca falámos de nós.


sexta-feira, 13 de julho de 2012

Carolina


Imprevisivelmente tornamo-nos amizade. Mesmo na maioria das vezes discordando. Ou talvez seja esse o condimento necessário para manter as nossas conversas abertas sem direito a reserva de pensamento, onde o lema é: o que ficar por dizer hoje a propósito não poderá ser repetido.
Saímos algumas vezes magoadas mas sempre e confessadamente verdadeiras no sentido de apontarmos o que desgostamos - não em termos de critica destrutiva ou de sujeito substitutivo - quer em relação à opinião politica, quer à discussão religiosa, quer à marca de sapatos (que se a Carolina aqui estivesse neste texto, defendería com unhas e dentes os italianos, juntando os dedos polegar ao anelar da mão esquerda em movimentos verticais enérgicos).
Uma conversa com esta Senhora equivale a várias voltas na montanha-russa com direito a looping e a oitos, pois nada é morno, mesmo quando o tom de voz esmorece como um sussurro e já quando tudo parece ter chegado finalmente a terra firme, ela ainda surpreende com o mais perfumado chá que alguma vez se degustou.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Teresa



Falaram-me de Teresa porque pedi.
Porque a única vez que a vi passava eu numa rua estreita, escura e velha, eu perdida nos passos da memória que nos levam nas pernas sem rumo e sem dar conta nos vão levando à mão até onde a luz se mantenha para que os olhos não durmam.
Os meus abriram-se mais porque me chamaram sem som, sem nome, sem aceno e ao alto, no topo de uma casa velha esmagada entre outras esguias, uma mulher de vestido branco, acocorada e de cabelos longos, permanecía recortada na noite estalando o contraste do seu vestido no azul do escuro. Não me olhou, só do telhado parecía que o mundo a qualquer instante me pedía o joelho por terra.
Lembro-me ou não me lembro, não sei, mas devo ter pestanejado, devo ter engolido em seco, porque quando apontei ao alto a vista encontrou nada.
Andei muito tempo à procura daquela rua estreita, escura e velha e não a achava.
Acabei por a esquecer.
Um dia ao olhar o Tejo vi uma mala a ir-se na maré e voltei a lembrar-me da rua, da mulher, do recorte do vestido e daquela noite azul escura e procurei o caminho e achei-o à claridade do dia.
Perguntei pela mulher do vestido branco no telhado.
Falaram-me de um parto.
Contaram-me uma história.
Chamava-se Teresa do Mar e nunca mais foi vista.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

António






Desconcertante, apaixonante, irritante, inteligente, aborrecido, insistente, dedutivo, persistente, monótono, louco, prepotente, baço, obssessivo, podería manter-me neste ritmo e adjectivá-lo nos extremos, pois é isso que ele é, ou pelo menos é isso que eu acho que ele é.
Já nos encontrámos bastantes vezes, sempre a trabalho e fora dele, apenas na sequência do trabalho, ou seja, almoços de trabalho, jantares de trabalho, copos de trabalho. Creio que nada mais existe para ele que trabalho ou que lhe mereça créditos de tempo e atenção que não envolva o seu negócio.
Nunca lhe vi um sorriso que trouxesse na cauda outra coisa que torcidamente arrastasse uma piada sobre um cliente ou uma combinação de fim-de-semana numa praia que não motivasse um encontro forçado para falar de um plano x para apanhar y.
Soube há pouco tempo que tem medo de andar de avião e quase me senti vitoriosa. Depois achei-me uma tonta por tal mesquinharia, mas quando vi a sua forma sobranceira de dirigir a palavra aos demais apeteceu-me espalhar a noticia como um rastilho... Não o fiz, mas lutei contra mim.
Aposto que deve ter grandes dificuldades em adormecer, a sua consciência deve dar-lhe uma cama dura e penosa e a tormenta que dá aos outros deve-o aconchegar à noite.
Tomara.
Assim o espero.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Q.C.





Vai para três anos que nada sei dele.
Melhor, deles.
De inicio ainda recebi algumas cartas, depois mais espaçado uns quantos postais, não muitos é verdade, mas o que continham enchíam o peito e valíam como uma presença abraçada, mais que tudo, sabía-o feliz, completamente esquecido da ideologia da perda que durante tanto tempo alimentou como um ego.
Ela há-de estar-lhe junto, estou certa, vivo ou morto.
Há relações que se tecem para além do invólucro que o olhar tem a capacidade de atingir ou o que as palavras conseguem traduzir nas linhas pintadas, são impressões, manchas de luz, ecos de voz, coisas não faladas, pormenores de cor, fé, carne, alma, vontade, homem e mulher.
Ao tentar conquistar a mulher que amava acabou por conseguir a lua.
Ao saber-se conquistador tornou-se homem.
Por vezes, recordo o seu olhar angustiado nas noites em que a esperava e ela tardia, arrastava os pés cansados trazendo um cheiro de animal que parecía acelerar o crescente da Lua. Mas os postais embrulham essa memória para uma noite sem luz e do papel semi-duro de boas novas desprende-se um leve aroma a rosas molhadas.
Sei que nunca mais o verei. 


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Túlia




Espia-me, compõe os óculos e observa-me naquele ar de quem me sabe de cor, por dentro, incomodam-me as suas pequenas tosses, o seu copo de água a acompanhar o eterno livro forrado a papel muito branco, os gestos medidos e imperturbáveis, a pontualidade, a falta de rugas na roupa.
Ouço falar dela como uma figura rara e longínqua, acometida de uma doença invulgar alvo de estudo e de percentagens extremadas, de familia com raízes nobiliárias, mas nada se confirma, é tudo um halo de histórias que se emanam porque nada se sabe e nada se lhe pergunta.
Na verdade não sei porque não se lhe pergunta, porque quando afasto da minha testa todas as teias que não vejo, só encontro simplicidade no trato. Deve ser por isso.
Irritam-me as suas poucas palavras tão acertadas como se tivessem sido um alimento muito bem mastigado antes de ser engolido para não caír mal a um aparelho digestivo delicado.
E depois há a poesia. Aquela sua outra metade que me desconcerta no seu ar tão clean e onde verte os sentires, onde nunca se podería adivinhar que afinal há uma mulher, há pele, há doer, há vontades, uma saudade imensa no adeus.
Há também o amigo, o homem que todos lhe sabem e ninguém aponta a ausência a seu lado. Vivem-se, respiram-se, fazem-se escrita um do outro retalho a retalho, um todo secreto, constroem-se vida.
Às vezes creio que me condena pelas minhas confissões públicas, pelo meu lado dramático e exacerbado do coração e da exposição do verbo como expiação da tormenta. Mas não diz nada, toma um gole de água e fixa os olhos escuros por detrás das lentes no meu rosto, na mesma aparência controlada com que desfia as páginas do seu livro não identificado.
Ela lá e eu aqui.


domingo, 8 de julho de 2012

Viriato




Não sei se o procuro se é ele que procura ficar perto de mim, invariavelmente tropeçamos um no outro, encontramo-nos para tomar café, almoçamos sem previamente marcar, chocamos ao virar da esquina, escolhemos assento frente a frente em reuniões de amigos. Acabamos por não falar tudo, despedimo-nos com a promessa de contacto em breve para nunca cumprirmos, deixamos o destino ou as coincidências absurdas agarrar a agenda e tratar dessas questões. Partimos com a pontas dos dedos a tocarem e habitualmente não passamos de um beijo porque há sempre qualquer imprevisto que impede que o segundo beijo aconteça: ou se derrama um copo, ou um outro amigo aparece, ou passa um carro e quase me atropela, ou a velocidade de alguma noticia faz esquecer o acto.
Nunca falamos das suas mulheres.
Ou do seu convicto celibato.
Ou das pequenas manias que se tornaram um rigor.
Ou do facto de ter fugido do seu coração e por isso estar solteiro e por isso ser um maníaco. É tudo do mesmo.
E ainda do seu amigo inglês (que tenho para mim) que apesar de ser um pândego, é um grandessíssemo bêbado e que muitas vezes o desencaminha, mas a sua amizade e lealdade levá-lo-íam para além da vida.
Mas também nunca falamos que o estimo muitíssimo porque o deixaría envergonhado e que tenho muita honra em conhecer um homem de palavra porque já há poucos e outros poucos que ainda abrem a porta a uma senhora e ele pode esquecer o segundo beijo, mas essa cortesia não.

sábado, 7 de julho de 2012

Violeta





Estar, sorrir e dar a mão, sorrir de novo, fechar os olhos e esperar o beijo, o abraço, o abraço e o beijo, os lábios quentes e húmidos adaptados a uma forma única e aguardada como se sempre  soubesse que aquela concha pequenina e envolvente tinha a medida ideal num espaço reservado ao uníssono descompassado que faz bem e faz mal, falta o ar, sobra o ar, zune o ar, tremelicam coisinhas que não existem mas que se vêem, há ruídos em todo o lado onde mais ninguém está mesmo circulando a multidão ao redor...! Palavras que se falam nos olhos, ou se atingem no silêncio, saltos em câmara lenta, cabeleiras esvoaçantes paradas no ar, legendas infindáveis de certezas sobre eternidades em que as exclamações são reticências e três pontos são perguntas para levar para casa para lembrar ao deitar.
Amar
Mas se o desgosto é franco, disse-me Violeta, é melhor aprender com ele.
Sabe tudo sobre o amor, contou-me ela, todos os sinais antes dele surgir, o que acontece na fase de incubação, no pico da doença, o que fazer para rapidamente se livrar.
É uma verdadeira arte, a arte de não amar, refere.
E repete-mo convencida, de mãos apertadas junto ao peito, por cada vez que se apaixona e foge, assustada.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Maria da Luz




Falar dela sem exagerar e sem cortar no esmero da sua postura, dos seus modos, dos seus medos, da pequena tremura que tenta disfarçar ao embrulhar no indicador a ponta do guardanapo ou o que sobra do cinto quando está mais magra, ou quando se apercebe do amarelado entre dedos e desesperada procura espaços entre roupa sem bolsos à medida que tenta controlar a vontade salivar de fumar.
Sobretudo falar de Maria da Luz é falar de silêncios.
Falar de amores, diversos amores extremados até à dor física vincar pelo estômago e ninguém se aperceber. Só um rubor que até lhe vai muito bem, ou uma palidez transparente que lhe entrega recato. Ninguém desconfia das suas dores, só lhe adivinham o nome, a luz, a casa, os filhos, a dedicação, os vestidos de bolinhas, a cesta da malha.
Não lhe sabem o caderno de confissões tresmalhado entre novelos de cores inocentes como se quer a uma dona-de-casa que não sabe de nada do mundo a não ser de meninos, de cozinha e de jardins plantados de rosas, não lhe querem sabida de nada que a mulher não foi feita de luzes sequer acesas para o amor.
Eu gosto de Maria da Luz.
Dos seus silêncios na ponta da cama a tirar meticulosa farrapos de tabaco mal fumado que lhe ficaram presos amargamente na língua enquanto pensa onde há-de esconder o caderno das suas confissões poemadas e de olhar perdido nas contas brancas do vestido azul marinho pendurado no guarda-fatos como um morto anunciado.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Tantas cores




Se todos misturados como num jogo quebra-cabeças me vieram parar às mãos, às folhas, aos riscos dos gatafunhos mal unidos que desajeitada tracei aqui e ali achando que imaginava ver ramos, troncos, árvores, a minha árvore, o meu encosto, palavras que figuram na minha boca e me fazem figura de gente, que aquilo que resta de mim serão os sons que o verbo faz a adivinhar-se escrito no papel para se fazer notado na dimensão, talvez eu nem exista e o que persista na verdade serão aqueles que eu achava fechados e mandei calar.
Eu é que me calei.
Durante todo este tempo, falei porque eles gostaram que eu com eles convivesse, uma espécie de animal de companhia que lhes agradou, obedeceu.
Se o Julho é meu o resto do ano pertence-lhes, assim como os meus truques, as minhas mãos articuladas em dedos, a fala escrevinhada é deles, o gesto parido meu. Carne e alma, almas.
Tempo de voltarmos.
Tempo de me contarem histórias.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Truques na perfeição




A uma certa altura deixa de ter importância a forma como os outros nos vêem e mais ainda, a maneira como os outros pesam as nossas opiniões e a nossa conduta. Não sei se esse é o estádio perfeito da maturidade, aliás nem sei se há um tempo certo para atingirmos a perfeição, porque toda a minha vida fui compelida a procurá-la e só me tornei mais defeituosa.
Ao contrário de mim, os meus de mim, nada buscaram, ou pelo menos, não demonstraram essa intenção, para piorar ou melhorar as suas condições de vida. Não envelheceram, se bem que alguns já morreram (e até a buscaram propositadamente). O saber chegou-lhes através da análise da passagem da vida, calmamente, sem correrias nem pressas nem considerações atabalhoadas. Outros, não pensam nisso, não querem pensar nisso, não devem pensar nisso pois levá-los-á redutoramente ao seu fim. A lógica é-lhes como o ar, não necessitam de filosofias.
Há ainda um e outro que encaram tudo desprendidamente, um laboratório de emoções. Mas um medo terrível do sentir, do gostar, do gostar-se sobretudo. Envergonham-se.
São tudo truques.
Claro e escuro.
Uma fotografia a preto e branco que devería entreter por muitas horas ao ser colorida à mão.
Como gosto eu desta multidão. Que por vezes me exaspera e me enoja. Me seduz e me faz vibrar até as lágrimas não se aguentarem. Que condeno e reprovo e critico e apoio e consolo e me faz perder noites.
São truques da alma.
É a perfeição da loucura.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Noite boa de veludo-azul





Eu contra mim, eu perante eu, esta solidão que bate na cara sem outros a apoquentar a vida pequena de um tão só, uma miserabilidade não pela coisa pequena que é mas pela queixa que se havido tornado. Eis, pois, tenho o que quis, achei o que busquei e agora é um penar na noite grande pelo reduzido de mim tão curta que me tornei.
Onde estão os outros que me roubei, os de mim fechados e amordaçados, riscados com força até esburacar a folha com raiva para os ferir, não dizes nem mais uma palavra, ouviste?!
Talvez se me calar, ficar muito queda e suster o respirar os escute, os deixe aproximar, permita que eles me perdoem a falta... quero-vos.
Faltam-me pedaços de pele, bocados não de mim que eles eu não sou, mas como amigos e inimigos que levamos na vida, preciso-os.
Está tudo escuro. Nem no contorno das árvores se consegue distinguir o susto dos ramos a apontar pesadelos ou a projecção de algum monstro que me arraste a voz para uma estória.




Vocês dormem?

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Campo de palavras (7)



Mudei-me de armas e bagagens para cá, uma espécie de quartel-general das canetas e lápis afiados - sem direito a borracha porque não há tempo nem lugar a enganos - para pôr um ponto de ordem nesta clareira e dar tréguas à árvore que com brio tem servido sombra, flores e fruta a uns quantos que se têm encostado no argumento do cansaço e na indisciplina do individualismo egoísta.
Estou de sentinela, alerta.
Rebelei-me aos meus eus, uma revolução nada pacifica, combato-me, firo-me, saro-me para me voltar a degolar e de novo a suturar.
Eu sou eu sem eles, eu sem eles sou outro, então não sou eu, então eu sou o inimigo de mim.


domingo, 1 de julho de 2012

O seu à sua DONA




Porque hoje é dia primeiro e até se conjuga com o descanso, podería atrever-me a pôr um vestido branco e passear à beira-mar de sapatos na mão e óculos escuros enquanto a aragem molhada me salgasse os cigarros enrolados e eu perdida no horizonte sem azul nem cinza, tentaría descobrir iludida pelo calor um barco a remos para me levar.

Mas o calor atormenta-me, exaspera-me quando em demasia, dobra-me em papas quando o mercúrio enlouquece e assim sendo, afoita, pus o vestido, fui até à minha secretária, abri o caderno e arrisquei um poema sobre o mar.

Sabes mar,
Ja te bebi de goles tanto
Tanto amar verti em pranto
Sal, Sol, Cinza e Branco
Que chorar não quero mais,
Só olhar e entender
Porque amar é só perder se o mar
É largo e tanto

Tanto querer, tanto mar para dizer que não há nada melhor para fazer num Domingo lindo do que vestir um vestido sem cor e chorar penas e dores para cantar poesias torcidas de paixão que bem poderíam ensopar noites de angústia a donzelas do século XIX??? Haja dó de quem escreve!

Não vou permitir uma coisa destas!

Dá cá a caneta!
É minha e a tinta que a enche fui eu que a comprei, e a mão que desenha a letra pertence ao meu corpo!

Era só o que faltava!



Cá vou eu!

Julho: O Mês é MEU!!!



sábado, 30 de junho de 2012

Campo de palavras (6)




Mais folhas e nem uma o vento roubou daqui que lhe aprouvesse no estomago alimento diferente do que fel ou açucar, vai-se a ver, e é tudo liquefeito, todo cuspo, tudo coisas de lingua ou do sabor de cada um ou como cada um acha que lhe pode caír consoante a disposição de o tomar.

A árvore ainda cá está, de copa larga, preguiçosa e madura mas forte e alta, corações cravados no tronco que não saram a resina que pinga, ninhos, muitos ninhos, alguns de gerações passadas, outros de ovos de Primavera primeira e voos ensaiados com muitas quedas.

Quando falei não falei de mim, usaram de mim para falarem deles, eu encostei-me na árvore e deixei porque gosto de ser palavras, porque me faz sentir tinta e correr e molhar terra e folhas e ventos e ser alimento. Por agora sacio-me.

Amanhã voltarei.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

(Des)Montagens



Dava-lhe um ar sereno. Até distante. Composto. Cénico. Por vezes uma aparência gelada, paralisada, recortada de uma só dimensão e colada a gosto num décor a necessitar de figura a condizer. De resto, pouco mais a acrescentar.
Ou muito, se a observassem em pleno horário de expediente, assaz dedicada a debicar nas teclas do computador com o rabo do lápis, já que o comprimento das unhas não permitia alcançar o polme dos digitos e tamanha envergadura havía-lhe levado mais de um par de horas na manicure, já para não falar no abanão orçamental. Depois, havía sempre o risco -embora calculado, é certo- da falsa unha se descolar da verdadeira, e isso sim, sería um problema dobrado: a revelação aos seus semelhantes e a reparação imediata em tempo laboral.
Claro que a rasto com este contratempo, outros viríam: Como correr para a manicure com saltos de 12cm? E como se exibir destronada, decepada de tais pedestais, praticamente uma anã? Para não referir o desconforto das pequenas almofadas de gel que lhe contornam os glúteos a escorregar, no esforço da passada larga... as bolsas de silicone que se agitam teimosas no soutien-up que tão up que se imaginam amígdalas à beira da extracção! E o enredilhar das extensões de madeixas no desenfreio suado da perdição da postura, e ainda as pestanas que por seis horas a manteve de olhos secos!!!
CÉUS!!!
Por isto tudo, continha-se.
Quando ría, fazía-o num tracinho fino da boca, as mãos presas num cuidado apertado e poisado no regaço gentil de quem sabe que o minimo descuido é a morte do artista.
Só não sabemos bem qual.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Dois olhos, infinitas janelas





Para lá de mim, para lá do cerco dos dias, das paredes que forram a vontade da fuga e dominam pernas em correria ou saltos de corça para esconder lágrimas de raiva, tenho dois peões corajosos que avançam e desbravam caminho. Umas vezes para me salvar, de outras tantas para ir a passeio.
Seja de uma ou outra causa, levam-me pela mão como se criança ainda fosse o meu estado e porque tal condição me faz sentir segura, prendo-me e ombreada a tal par percorro veloz ou singela, fugaz ou demorada, campos, rios, uma só nuvem, copas de árvores, as crinas de um lusitano, a zoeira de um enxame, as linhas em degrau de uma vinha do Norte, uma poça de água recebendo os pingos de chuva.
Para lá de mim, os meus olhos ajudam-me, abertos ou cerrados, a viajar e a salvar-me em mil cenários, num milhão de pormenores, numa incontável missão de fender rasgos onde sobem paredes.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Alucinações de uma vida paralela (6)



Se não me deixam dançar não quero ser nada. Não pretendo ser nada. Não pretendo morrer sequer sob o risco da despesa ou do incómodo ou da lembrança ou de algum traste que esquecido traia a passagem do fui, sou, eu sei lá, qualquer coisa que vos apeteça dizer não ao meu pedido ou o dedo apontado na contraordem da minha vontade.
Quero ser encolhida de esquecida, mirrada de sugada para dentro como se nunca tivesse sido pensada na existência do que anda e respira.
Se abrir muito a boca talvez me engula.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Solilóquio




A cidade ocupada do meu corpo ou o invólucro com validade: Planos de um sujeito prismado a olhares diferentes, a acção comandada por uma só vontade.

Quem me vê?
Quem consegue olhar para dentro de mim?
Quem querem que eu seja? Que esperam que eu seja hoje?

Na minha cidade há riso e lágrimas porque um sem o outro não fazem sentido, e o bem e o mal são noções inventadas pelo homem para se apoderar de outras cidades ou de outras estórias em que não havía cidades para conquistar. E como contar uma estória sem conquista?

Tenho dias maus, muito maus, em que me apetece fechar o mundo à chave e pô-lo de castigo só porque me cansou até à exaustão do sentir e nada mais restou do que impaciência, nada, nada, mesmo nada, nem dor nem raiva nem grito, só um sentar de espáduas paradas no tempo pesado por uma idade que não me é.

Quem me entende?
Quem me ouve?
Quem se senta a meu lado neste silêncio comungado sem medo das palavras?

segunda-feira, 25 de junho de 2012




Bocejos de noite branca, a síndrome da véspera ou o estalo ardente que mantém a vigília alumiada na correria dos muitos que se fazem à travessia do quarto, não necessariamente pelo soalho, mas à roda do leito, por cima deste, pisam os cabelos, estagnam no abdomen, apoiam os cotovelos no peito.
Nestas alturas deseja-se que os minutos se façam pensamento ou vento e se desfaçam rápido mas nada avança, tão só os tais estalidos de móveis estranhos como gente grotesca que me assiste incrédula ao contorcer dos meus eus, dos meus tempos, das minhas chamas, do meu rio, dos meus mortos, os meus pesadelos fazem-se de olhos abertos, será que já adormeci e é hora de erguer, atraso-me, um minuto apenas, faltam quatro horas, pouco falta para andar de quatro e uivar na besta que seguro mal.
Gosto de rosas, gosto de orquídeas, gosto de jarros, são para mim, obrigado, não são de verdade?

domingo, 24 de junho de 2012

Olhar com vista sobre o Rio (25)



Definitivamente és um belo amante.
O amante.
Daqueles que encantam, que fazem tremer os joelhos, semi-cerrar os olhos e nos põem a mexer para a outra banda quando já lhes chega.
Eu sei disso tudo e permito e deixo e gosto e de quando em vez olho ao alto e miro aquelas vigas em aço, poderosas, que sustentam o meu ar por segundos e... a ponte esboroa-se nos sonhos como por tantos anos que nela andei a sonhar contigo cá em baixo.
Que queres?
Também eu sou igual a ti.

(in Olhar com vista sobre o Rio, 2012)