É nesta altura que os moralistas desaparecem com medo de serem relacionados comigo e com o que tenho vindo aqui a contar. Ou que poderíam aparecer e escarafunchar o dedo na ferida.
É verdade que fiz muitas cenas, ensaiei mentiras, apontei presumíveis culpados, despertei o ódio e inocentei-me como vitima sacrificada e indefesa.
Também é verdade que apelei ao mais básico do ser humano para que todas estas emoções de causa-efeito tivessem o resultado que melhor me convinha. Mas também é verdade que tive que pôr a cabeça a funcionar para que o irracional despertasse sem levantar suspeitas sobre a condução das minhas intenções e sem, consequentemente, se sentirem manipulados.
Porém, não é mentira que fui uma mulher subjugada à vontade de outrém: Primeiro ao meu pai e à passividade da minha mãe; À proibição de me relacionar com um negro e seguir a escolaridade que tanto quería; À entrega a um homem que nunca me satisfez sexualmente, intelectualmente e me respeitou enquanto individuo.
A dependência financeira foi uma corrente que me prendeu e quando pedi a chave, esperaram de mim que me tornasse uma parideira, esse era o meu destino.
Tive de mentir.
Quando declarei a minha vontade de independência negaram-ma, amarrotaram os meus desejos, lembraram-me que a minha função era servir. Servir sempre a alguém e nunca aos meus sonhos, à minha descoberta do mundo que passava à medida que eu perdía os dias em conjecturas.
Menti, não me arrependo dos meus actos, de ter tido a vontade para acordar e querer mudar, de ter chegado a minha vez de me servir de terceiros para saber se a felicidade existe ou é uma coisa que alguém se lembrou de inventar para justificar não ter vontade de lutar pelo que anseia.
Ainda não descobri a felicidade mas já não me sinto infeliz.