TRAÇOS E RETRAÇOS narrando uma história
inacreditável! Tida como verídica, não se sabe até onde vai a verdade, em face
da ausência de provas. Conto como a ouvi, através de fartos comentários da
cidade. Até hoje, ninguém de sã consciência, pode apontar os nomes dos dois
personagens. Os boatos, todavia, assim os identificavam: o primeiro,
comerciante, homem alto, magro, empertigado, inteligente, empreendedor e
espirituoso. Lembrava o fidalgo cavaleiro Dom Quixote, como a partir de agora
será tratado. O segundo, ao contrário, era baixo, barrigudo, cabeça chata, rala
cabeleira, desengonçado e com ar de bobo. Agricultor e fazendeiro, era a cara
de Sancho Pança, como será chamado.
Sancho, apesar de possuir uma grande propriedade
agrícola e muitas cabeças de gado, era considerado o rico mais avarento da face
da terra. Comentava-se que escondia dinheiro em botija e nos ocos das
catingueiras de sua fazenda. Nos dias de feira arranchava-se na mercearia de
Quixote, onde comprava os mantimentos da semana. Com o passar do tempo se
tornaram amigos.
Quixote, certo dia, valendo-se da confiança e da
esperteza que Deus lhe deu, mostrou a Sancho o cofre que havia no meio do salão
da venda, dizendo que se tratava de um cofre forte, isto é, um móvel de total
segurança, fabricado em aço puro, com uma fechadura reforçada e que, além da
chave, necessitava de um segredo para abri-lo, que só ele e mais ninguém sabia,
salientando que, pesado e resistente, o que nele se guarda deixa o dono certo
de sua inteira segurança.
Com efeito, estes e outros argumentos convenceram Sancho e atingiram os objetivos. Tanto é assim que, como num passe de mágica, Quixote do dia para a noite surge como o novo rico. Amplia consideravelmente a mercearia, diversifica o comércio e se torna agricultor e pecuarista.
Conta-se que, noutro certo dia, Quixote chama
Sancho novamente em particular e, constrangido, confessa que, forçado pela
fiscalização do governo, foi obrigado a abrir o cofre e todo o dinheiro nele
guardado foi apreendido, alegando-se sonegação de imposto e advertido que
ficasse calado sob pena de prisão.
Há quem diga que não foi pequena a quantia depositada,
muitos contos de réis.
Sancho teria dito a um amigo que foi roubado por
Quixote, vangloriando-se de não ser tão besta quanto ela pensa, por não ter
confiado todo seu dinheiro.
Depois disso, Sancho não cruzou mais os batentes da
mercearia de Quixote.
Os moinhos do Quixote custodiense, ao contrário dos
moinhos do Quixote De La Mancha, são por demais verdadeiros.
Autor: JCarneiro
Recife - PE
Publicação autorizada pelo autor