quarta-feira, fevereiro 27, 2013

Correntes, a reportagem possível

Vista geral do evento com a sala cheia. Vamos lá a ver: da esquerda para a direita e sem contar com os editores e editoras: Aurelino Costa, Afonso Cruz, Cristina Carvalho, João Tordo, Maria do Rosário Pedreira e Ignacio del Valle

Aurelino no uso da palavra, Afonso Cruz e 3 editores 3

É o que dá sermos os primeiros a falar e esperar pelo resto das intervenções

Cristina Carvalho (sabiam que é filha de António Gedeão?) e João Tordo

João Tordo e Maria do Rosário Pedreira na mesa

João Camargo edita «Que Se Lixe a Troika» na Deriva


«Que Se Lixe a Troika» é o título do livro que João Camargo editará na Deriva e contará com o prefácio de Boaventura Sousa Santos. Para além de uma análise política, social e económica extremamente lúcida das manifestações de março e setembro do ano passado, a apresentação dos temas é feita em forma de dicionário. Também não faltará a crítica ao modo tendenciosamente útil para o poder político o trabalho muito pouco sério de alguma comunicação social sobre estas manifestações e dos objetivos que as fizeram mover numa enorme torrente de gente farta deste estado das coisas.

Sobre os tempos que vivemos, João Camargo escreveu no Blogue Que Se Lixe a Troika:


«São tempos horríveis. Feios, sujos, mentirosos. Mesmo as pessoas habituadas a engolir sapos já não conseguem mais. A mentira ocupou o discurso público. Mentiras simples, muito simples e curtas ocuparam o centro dos debates: «o estado é insustentável»; «devemos abdicar da nossa soberania»; «vivemos acima das nossas possibilidades»; «devemos ter a saúde que conseguirmos pagar»; «há professores a mais»; «a reforma do estado vai melhorá-lo». Quem as profere, dia após dia, de canal em canal, de sintonia em sintonia, de cartaz em cartaz é ignorante ou está de má-fé. Haverá alguns ignorantes. A maioria sabe bem o que faz e para onde quer levar-nos. A concretização que decorre dessas mentiras simples é a destruição das vidas de milhões, aqui em Portugal, como em toda a Europa.
São tempos horríveis, em que pessoas com mais de 80 anos são despejadas de suas casas, porque as rendas tinham que ser modernizadas. Em que os estudantes têm de deixar as escolas por não terem dinheiro para pagar a sua educação. Em que, em pleno inverno, bairros são demolidos e as pessoas atiradas à rua, para «embelezar» as cidades. Em que se corta o número de camas disponíveis nos hospitais, apesar de já faltar capacidade de atender doentes. Em que se aumenta o tamanho das turmas nas escolas para «rentabilizar» os poucos professores ainda disponíveis. Em que os medicamentos são racionados e os doentes não podem tratar-se. Em que se salvam os bancos para que estes ponham a economia a funcionar, o que não fazem. Em que pais se suicidam com as suas crianças por estarem desempregados, sem apoios e na iminência de perder as casas. Em que nas noites das cidades centenas de pessoas se amontoam pelo chão, contando apenas com o calor do corpo ao lado para aguentar o frio. Em que se registam ilegalmente imagens das manifestações. Em que se identificam e detêm de forma avulsa pessoas nas ruas. Em que mais de dois terços da população não conseguem pagar as suas contas todos os meses. Em que mais de metade das pessoas que trabalham está desempregada ou é precária. São os tempos da mentira universal, da brutalidade universal e da ascensão de um ódio profundo à comunidade e à sociedade, concretizado pelas troikas internacionais e pelas suas representações permanentes nos países, os governos da austeridade. Não há já dúvida de que o que querem é um novo regime. Um regime de trevas, injustiça e desigualdade. Um regime de exploração, de espoliação e de regressão. O regime da austeridade.
Vivemos, portanto, numa nova época terrível da longa história humana. Mas acreditamos, como Galeano, que este mundo podre, sujo e mentiroso está grávido de outro mundo. E acreditamos nesse outro mundo. Temos de acreditar. Ele não é só possível. Ele está ao alcance das nossas mãos. Está ao alcance da nossa capacidade de articulação, de organização, de empreendermos a tarefa mais importante das nossas vidas: a de resgatarmos um futuro para nós e para a nossa sociedade.
Não pedimos favores à troika ou ao governo. Não lhes pedimos clemência ou piedade, esmola ou razoabilidade. Sabemos não ser essa a sua natureza e não ser essa a relação que um movimento de resistência tem com um movimento de ocupação e saque. Sabemos estar do lado certo pois o mundo que nos propõem, o da miséria e da injustiça para a maioria, com o privilégio e o luxo para uma minoria, é e será sempre errado. Já demos passos sérios para deixar essa situação: já derrubámos monarquia e aristocracia, já abolimos escravidão e servidão, já espezinhámos ditaduras e tornámos a liberdade e a democracia a norma. A história não pode voltar para trás. Não a deixaremos voltar para trás. Temos de continuar a evoluir para sermos mais, melhores, justos, solidários e humanos. Eles são o passado, a paz podre das cortes e dos tribunais inquisitórios, a medicina das sangrias e a censura da liberdade. Lutamos e lutaremos contra este inimigo terrível, de mil caras e mil mentiras. Não lhe vamos dar paz, não vamos aceitar voltar atrás, não vamos vergar ou contemporizar. Não vamos negociar uma paz podre a pagar pelos nossos filhos e netos, por nós mesmos, que trairia a memória daqueles que no passado lutaram para que chegássemos aqui. Vamos atacar estes tempos horríveis com o futuro, a justiça e a democracia no peito e na cabeça.
Uma vez mais nos lançamos nesta luta. Cada vez somos mais e mais organizados. Levamos nas nossas vozes e nas nossas bandeiras o espírito da nossa irreverência, do nosso inconformismo e da nossa coragem. Que se oiça em todo o lado, em todas as ruas de todas as cidades: «O POVO É QUEM MAIS ORDENA». E então será ele mesmo a ordenar.»
João Camargo

domingo, fevereiro 24, 2013

Festa homenagem a Joaquim Castro Caldas, A Barraca, terça, 21:30

Na terça feira, dia 26 de fevereiro, vai ter lugar em Lisboa uma homenagem ao Joaquim Castro Caldas. É no Teatro A Barraca, às 21:30. O seu livro Mágoa das Pedras, que a Deriva editou, vai estar disponível a quem o queira adquirir, pela mão amiga de Rui Spranger e Isaque Ferreira que vão dizer também poemas seus. Será a última vez que o livro estará disponível. Depois desta homenagem, será retirado do mercado e dado como esgotado só cedendo o seu trabalho para futuras antologias.Foi assim que o Joaquim quis. A entrada é livre.

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Hoje, nas 14ª Correntes d'Escritas, Aurelino Costa apresenta Domingo no Corpo


Aurelino Costa, hoje, 21 de fevereiro de 2013, no Hotel Vermar, às 22:00, apresenta Domingo no Corpo. A apresentação vai ser assim: 


A poesia de Aurelino Costa enquadra-se num registo que se vem perdendo, paulatinamente, desde os idos dos setenta e que assenta numa tradição do verso sonoro, da vogal aberta e provocadora, da junção incoerente e oposta de palavras e de expressões que aduzem surrealismos e abjeccionismos vários. Mas apor um ismo, por simples comodidade de catalogação literária, é um erro que se deve evitar. Em Domingo no Corpo espraia-se o prazer de um erotismo emergente numa ligação lógica à terra, onde subjaz a negação do nec otium latino, da obrigação do trabalho e da rotina. A poesia de Aurelino convida à crítica de costumes que lembra igualmente o escárnio, mas que, de imediato, nos propõe a cantiga de amigo, do amor que assoma à porta, entre ferros, plantas e pedras, sempre omnipresente.
Nunca, como agora esta poesia foi tão necessária. Porque limpa, porque propõe, entre outras, «ressuscitar as cobras aos pés da santa», mexer nos sonhos que ainda nos faltam realizar, denunciar os visas que nos tolhem os passos da vida e nos fazem «murchar a óptica em direcção à esperança». Mas o poeta não esmorece na sua atitude irrequieta perante a vida, quando se propõe inventar de novo a rua e ir para longe, sabendo que, numa despedida anunciada, irá sempre «de volume em volume/despir este icebergue que arde». Nas palavras verdadeiramente mágicas de Aurelino Costa. A Deriva marca, de novo, um rumo traçado nesta poesia.
António Luís Catarino

domingo, fevereiro 17, 2013

Aurelino Costa apresenta nas Correntes d'Escritas Domingo no Corpo. 5ª feira, dia 21, pelas 22:00 no Hotel Axis Vermar

O livro tem ilustrações de Anxo Pastor e um posfácio de Mário Cláudio, para além de uma nota de Ondjaki

Já se encontra em contagem decrescente para a apresentação, nas Correntes d'Escritas, do livro de poesia que a Deriva agora edita, Domingo no Corpo de Aurelino Costa. Dia 21 de fevereiro, quinta feira, pelas 22:00, no Hotel Axis Vermar. Com ele, também estarão a apresentar livros Cristina Carvalho, João tordo, Ignácio Martinez de Pisón e Manuel Rui.

sábado, fevereiro 16, 2013

Hoje, em destaque na Livraria Poetria

Hoje, em destaque na Livraria Poetria o livrinho de Jean-Claude Pinson Para que serve a poesia hoje?, onde a Deriva tem grande parte dos seus livros de poesia e da coleção Pulsar e Cassiopeia. Quem quiser ganhar algum tempo e ir lá e ver as suas estantes é junto ao Teatro Carlos Alberto.

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

A Moralidade da Profissão das Letras, de Stevenson, na Pulsar. Deriva/ILC

 
Saiu ontem mesmo e já está na distribuição, mais um livrinho da coleção Pulsar, com a chancela da Deriva e do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa da FLUP. O título é uma maravilha: A Moralidade da Profissão das Letras e Outras Defesas da Literatura, de Robert Louis Stevenson. A tradução e nota de leitura é do Professor Jorge Bastos da Silva.
Anotem, por favor, o que se lê à página 20: «A copiosa baixeza dândi do repórter americano ou do croniqueiro parisiense, ambos de leitura tão leve, hão-de exercer incálculável influência perniciosa; dão início à consideração de tudo, nas mentes jovens e impreparadas, num espírito indigno; sobre todos os assuntos, fornecem alguma pungência para as pessoas sem brilho citarem. O próprio volume dessa matéria feia esmaga o pouco que dizem os homens bons; os desdenhosos, os egoístas e os cobardes estão espalhados em grandes folhas em todas as mesas, enquanto o antídoto, em pequenos volumes, se encontra, por ler, na prateleira.»
 


Livraria Leitura no Shopping Cidade do Porto. Livros da Deriva




Talvez seja a melhor livraria do Porto, se pensarmos no belíssimo stock existente que nos dá o que dificilmente uma grande superfície tem. Tempo, preços muito acessíveis e livros (pasme-se) com seis meses a um ano de existência! Mas, na poesia, na filosofia, história, sociologia e linguística podemos encontrar obras muito, muito anteriores, o que nos deixa com vontade de passar lá umas tardes. Acho que há quem o faça, para sua felicidade e proveito. É nestes preparos que os livros da Deriva se dão bem. Todos os autores da Deriva estão lá e qual foi o espanto ao encontrar-se os esgotados Abrasivas de João Pedro Mésseder e A Cidade Líquida e Outras Texturas, mais O Problema de Ser Norte, de Filipa Leal, nas estantes muito cheias da Leitura. Os livros juvenis e infantis lá se podem encontrar também, com Perigo Vegetal, O Futuro Roubado e Ameaça na Antártida, de Ramón Caride à venda, bem destacados.

Ratzinger: um rapaz do seu tempo


Perante a indiferença da torrente mediática sobre a resignação do papa, deparei-me com uma frase de uma jornalista da RTP1: «O jovem Ratzinger, como todos os rapazes do seu tempo, aderiu à Juventude Hitleraniana». E fiquei a pensar que, contra todos os males, houve rapazes que não foram do seu tempo, no tempo em que viveram. Na Alemanha de 30, houve rapazes que não aderiram à Juventude Hitleraniana, como por exemplo o jovem Hobsbaumm, ainda com o nome da grafia judaica, que preferiu bater-se na rua contra os bandos nazis, a tiro. Como ele, jovens social-democratas, socialistas, comunistas, anarquistas e católicos não quiseram ser «jovens do seu tempo», como diria a jornalista. Alguns perderam a vida. Hobsbawm, agora com a grafia que lhe deu a mãe inglesa era um jovem judeu do seu tempo. Fugia para não morrer. Como no seu tempo, em Berlim dos anos 30, perdeu a sua família quase toda. Resistiu e combateu, mesmo que não tivesse nenhum jeito para o fazer. Milhões de jovens pela Europa resistiram como puderam. Mas, nos tempos que correm, lamentavelmente os de hoje, esses não eram do seu tempo. Razão pela qual uma jornalista, possivelmente jovem, ignorante, pouco estudiosa e escrupulosa, sem se dar ao trabalho de investigar e pensar, se saiu com aquela. Provavelmente vai ser mais uma jornalista inútil, do seu tempo.

terça-feira, fevereiro 05, 2013

A grande mentira do cinema «independente»


Hollywood descobriu um razoável filão de dólares com a tanga do cinema dito independente. É possível que a indústria cinematográfica americana (sabiam que faz mais milhões que o petróleo?) tenha encontrado a fórmula para conquistar uma faixa etária que se divorciou da insuportável indigência dos filmes em 3D ou com recurso mais que insultuoso de efeitos especiais por minuto e por filme. Vem isto a propósito do filme Seis Sessões que anda por aí e que apresenta as tais caraterísticas obrigatórias: para ter o rótulo de «independente»» é necessário ter sido premiado em Sundance ou em Cannes; arranjar uns atores na Fox ou Axn, canais dos cinquentões ou quarentões; promover a lágrima fácil através de uma doença incurável ou uma deficiência arrasadora; uma paixão improvável entre o deficiente e uma «terapeuta sexual» que se estafa em todo o filme para dizer que não é nenhuma prostituta, sem que se perceba bem onde está a diferença; construir diálogos melodramáticos e «estilo profundo-filosófico-ensaístico» com o padre da freguesia; despir sistematicamente, em cada sessão, uma atriz que pretende um orgasmo com o deficiente, dando-lhe outro em troca. Como acaba? Isto não acaba nunca: o paraplégico morre, vai tudo ao funeral, com quatro mulheres quatro apaixonadíssimas pelo defunto que deixa um rasto da tal filosofia comprada nos livros de Paulo Coelho. Tédio do camandro!

domingo, fevereiro 03, 2013

Solidariedade ativa com Bárbara Bulhosa

É bom que se diga isto com clareza: o regime angolano é ditatorial. Pouca legitimidade terá para colocar uma pessoa no banco dos réus à custa de um argumento que não colhe: o da difamação. Difamação de quê? De um regime que não cuida dos seus nas suas mais básicas necessidades? Que engorda a elite burguesa com diamantes e petróleo ao ponto de se construir uma oligarquia que estará mais perto de uma cleptocracia que outro regime qualquer conhecido? Bárbara Bulhosa fez o que lhe competia editando um livro importante para desmascarar o regime angolano de Eduardo dos Santos. Devemos-lhe isso e a solidariedade ativa. O silêncio fica para os cobardes ou para os confundidos...aqui não haverá volta a dar: censura é censura. Ditadura é ditadura. A liberdade estará ao nosso lado. Que esta palavra seja escrita a Tinta da China!

Filipa Leal na Aurélia de Sousa

Já devem ter reparado na má fotografia, mas nem de longe, nem de perto, reflete o que se passou na Escola Secundária Aurélia de Sousa, no Porto. A convite de Zaida Braga e Ana Amaro, professoras de Literatura, as suas turmas mantiveram um constante diálogo com Filipa Leal sobre a poesia que é o mesmo que dizer, da vida. O debate foi genuíno, com vontade de ser, mesmo, verdadeiro. E isso aconteceu, de facto, tendo sido registados alguns apontamentos pessoais quer da Filipa, quer dos alunos, muito difíceis de se verem repetidos em apresentações «oficiais». Foi mesmo bom ter ido lá. O modo como os alunos reagiram a uma experiência poética significa que tudo está em aberto. A Filipa gostou muito.

sábado, fevereiro 02, 2013

Maria do Rosário Pedreira escreve sobre Vale Formoso, de Filipa Leal





VISITAR O VALE FORMOSO
Por Maria do Rosário Pedreira
No último fim-de-semana, fui ao lançamento do novo livro de poesia de Filipa Leal, que conheci há muitos anos no Porto, quando era a responsável pelo caderno semanal de cultura do Primeiro de Janeiro e, ao mesmo tempo, dizia poemas dos outros nas Quintas de Leitura. Depois disso, ela já publicou vários livros de poemas, todos na Deriva Editores, cujo esforço para manter disponível a obra desta e de outros poetas é francamente louvável. Mas Vale Formoso – assim se chama a obra lançada no último sábado – é uma maravilha rara e imperdível. Trata-se de um longo poema sobre um amor que não chegou a ser, um «equívoco», como a própria autora o descreve no final do seu livro. É, mesmo assim, um dos mais belos «equívocos» da história da poesia recente, que decorre inteiramente neste vale inventado – formoso, pois claro – aonde chegam visitas, mas nenhuma delas a desejada. Na apresentação, que foi de Mega Ferreira, a leitura de Filipa Leal e Pedro Lamares foi tão bonita que me chegaram as lágrimas aos olhos e, confesso, tive ciúmes por não ter sido minha a ideia de construir um lugar assim, atravessando todo o livro e dando-lhe uma unidade que é uma das coisas que mais aprecio nos volumes de poesia. Só para vos dar um cheirinho, deixo aqui, como não quer a coisa, um dos poemas. Para lerem os restantes (melhor dito, o resto do poema), procurem o livro. Não é só a autora que merece, somos nós que merecemos.

Apareceu para jantar no Vale Formoso um pianista.
O pianista trazia a mulher pianista, o filho
que preferia jogar às cartas, e um grande saco de maçãs.

À refeição, servida no alpendre, contou que vivia no campo
e que procurava em Lisboa uma casa onde coubesse
com a sua mulher, o filho de ambos, e três pianos.

Fiquei preocupada com a família do pianista
– eram três –
e com a família de pianos
– eram três –
e pareceu-me melhor avisá-los de que seria difícil encontrar
uma casa onde coubesse tudo aquilo
e a macieira.

No blogue «Horas Extraordinárias»
24 de Outubro de 2012