Isto não é um poemaEsta história começa mais ou menos assim:
Era uma vez, um grande grupo de animais esgravatadores cuja sua grande riqueza, e fonte de poder, como é qualquer riqueza, era nada mais que as sementes que serviam para eles comerem, e que fazia com que eles passassem a maior parte das suas vidas a
esgravatarem.
Um desses animais esgravatadores, um entre muitos; diferente também de muitos; mas também igual a tantos outros; esgravatava esgravatava. E quando o sol se punha, que naquele lugar era de mês em mês, reparava sempre ao pôr do sol, e portanto ao fim do dia, que as sementes que tinha consigo não lhe permitiriam nunca, por-si-só chegar ao dia seguinte (estes animais só necessitavam de sementes para serem eles próprios, para viverem e para se sentirem vivos).
Com pesar via então que no fim de todo aquele dia inteiro (que lá durava um mês), a sua riqueza era bem menos que suficiente.
Quando os outros que lhe eram chegados o viam de bolsos virados do avesso (que era o sítio onde guardavam as sementes) e viam a ridícula riqueza que era aquele pequeníssimo montículo de sementes que era o seu sustento até ao fim do dia seguinte (que durava um mês), diziam:
- Tá-bem toma lá estas sementes que me fazem muita falta porque também eu passei o dia a esgravatar e é claro que eu sou um esgravatador muito melhor que tu. De certeza desperdiçaste muitas sementes que te caíram dos bolsos. A mim nada me cai dos bolsos porque eu não sou um mau esgravatador como tu.
E o nosso esgravatador pobre recebia sempre as sementes que os outros lhe davam e nem sequer podia chamar-lhes uma "caridade" porque entre pessoas chegadas é uma palavra muito feia, que possivelmente por bom senso nem consta no dicionário. E sabia também que o facto de os outros esgravatadores não deixarem cair sementes dos bolsos era de certeza uma grande "treta", perdoem-me a obscenidade do palavrão. Mas prosseguindo, ao fim ao cabo, por muito bom esgravatador que se seja, escapam-se sempre algumas sementes dos bolsos para fora e que se perdem; ou não fosse a prova disso a vegetação multicor que se espalhava sempre e florescia pelos prados.
O pobre esgravatador a cada oferta fingia que realmente estava quase convencido que era um mau esgravatador e sabia que no dia seguinte logo mal passasse um mês (porque lembremos que ali os dias duravam um mês) tudo se voltaria a repetir.
-A história não acaba aqui
- A última vez que vi o esgravatador (personagem central desta história)...
- Ele estava muito mais magro; qu'engraçado!
José João da Costa Mota
Debaixo do Bulcão poezine
Número 4 - Almada, Julho 1997