Se os fornos eram quatro, três eram os lagares. Bem, um era conhecido pela fábrica, pela simples razão de que já trabalhava, primeiro a motor e depois a electricidade. Ficava onde é hoje o café LAGAR, que lhe herdou o nome. Pertencia ao professor Leitão, artista inventor mor, espécie de professor Pardal, com motos a tirar água, chapéus de chuva invertidos para apanhar fruta, com uma tesoura colocada na ponta de um varapau que prolongava o eixo do guarda chuva, e por aí fora; outro pertencia à D. Carminda. Ficava ao lado da igreja no caminho para a ribeira: lagar de varas onde ainda se tentou adaptar um motor que a maior parte das vezes estava avariado. Raios e coriscos com praguejos mais que muitos se ouviam quando as correias não faziam andar o moinho e a massa estava quente....; o terceiro, e é este que merecerá maior atenção, era o da Lameira. Eram seus proprietários a Casa Campos, o professor Zé Manel Landeiro e a família Bargão com alguns Baptistas. Foi neste que quase me nasceram os dentes.
O Lagar, propriamente dito, tinha duas grandes salas: a da entrada onde se situavam as três varas e à direita a sala da lagariça. Tinha esta um enorme pio em pedra onde a azeitona ( 600 Kg por moedura) era moída até ao ponto conveniente por uma junta de vacas do Alberto Vaz. A hora de começo era, habitualmente as 5h 30min. O tempo de moagem era em regra de 2 a 2h-30 o que significa que a massa estava pronta por volta das 8h.
O moinho trabalhava a frio e a massa era transportada à mão, em gamelas para quatro ceiras que estavam por debaixo de cada uma das varas e que se iam enchendo e sobrepondo. Repare-se que cada uma levava 150 kgs de massa. Era obra. O líquido escorria para uma tarefa incrustada na rocha donde depois era decantado para outra ficando aí já o azeite limpo. De vez em quando lá ia o Zé Lopes a abrir a torneira para o azenagre ir para o inferno, espécie de poço, por onde passavam os detritos antes de entrarem na ribeira. É daqui que vem o velho aforismo: "a azeitona dá-a Deus e o azeite dá-o o diabo". As varas (enormes troncos de sobreiro) assentavam nas ceiras e com a pressão iam fazendo espremer as ceiras, mas para mais peso, havia, a meio, três enormes pedras, uma para cada vara, que eram levantadas num fuso enroscado numa chave, tudo em madeira, obra de arte de carpintaria artesanal. Por fim as ceiras eram despejadas e a massa era então escaldada e de novo enceirada. É aqui que eu entro:
O Chamiço dava lenha (recebia poia, é claro) mas a água para a caldeira que estava sempre aquecida era dada por três pessoas: eu, o lavra miúdo e o mota. Três vezes ao dia, às vezes quatro, quando o serviço apertava, lá íamos nós a dar água para a caldeira. À porta do lagar havia um pequeno poço donde era tirada a água que um transportava e outro despejava. O serviço era rotativo, mas eu queria ficar sempre a tirar a água do poço. Era um artista. Tenteava a água e o caldeiro caía sempre de borco e era só puxar e despejar. Tudo às escuras, que ali, às 5h 30min da manhã em pleno Inverno, não havia luz. Mau era quando chovia, mas lá se dava o jeito. Como era cedo e ainda nada se via e nada se podia fazer, às vezes ficava por ali, junto ao lume da caldeira no quentinho, sentado num tropesso e, quando combinava com os lagareiros, papávamos uma lata de atum de mistura com umas couves do dia anterior e escorropichávamos uns tintos pelo copo de lata sempre junto à candeia com torcida de trapo.
As duas salas do lagar eram divididas por taipas em madeira e o ganhão e as vacas dormiam logo à entrada, elas junto à manjedoura e ele numa tarimba cravada na parede e suspensa por dois barrotes para a qual subia por um escadéu. Às vezes já não subia porque o tinto era tanto que qualquer palha servia de enxerga. No outro lado dormiam , também em tarimbas, os três lagareiros.
Não sei em que estado isto tudo está, que o Zé do café comprou o lagar e pôs lá as galinhas e o tractor e mais o que quis.
Uma pena perder-se um lagar que eu vi em tão bom estado. Ainda esteve em tempos para ser adquirido pela autarquia para museu... O Presidente mudou, o lagar morreu, e o museu nem no papel.
Se alguém dos que me lêem tiver influência, sugiram a aquisição desta relíquia e facultem-na ao povo.
Um povo sem passado não tem história.
Aqui fica o apelo.
XXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIII