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quarta-feira, março 04, 2009

A NOSSA FALADURA - CXXIX - TARIMBA

Se os fornos eram quatro, três eram os lagares. Bem, um era conhecido pela fábrica, pela simples razão de que já trabalhava, primeiro a motor e depois a electricidade. Ficava onde é hoje o café LAGAR, que lhe herdou o nome. Pertencia ao professor Leitão, artista inventor mor, espécie de professor Pardal, com motos a tirar água, chapéus de chuva invertidos para apanhar fruta, com uma tesoura colocada na ponta de um varapau que prolongava o eixo do guarda chuva, e por aí fora; outro pertencia à D. Carminda. Ficava ao lado da igreja no caminho para a ribeira: lagar de varas onde ainda se tentou adaptar um motor que a maior parte das vezes estava avariado. Raios e coriscos com praguejos mais que muitos se ouviam quando as correias não faziam andar o moinho e a massa estava quente....; o terceiro, e é este que merecerá maior atenção, era o da Lameira. Eram seus proprietários a Casa Campos, o professor Zé Manel Landeiro e a família Bargão com alguns Baptistas. Foi neste que quase me nasceram os dentes.
O Lagar, propriamente dito, tinha duas grandes salas: a da entrada onde se situavam as três varas e à direita a sala da lagariça. Tinha esta um enorme pio em pedra onde a azeitona ( 600 Kg por moedura) era moída até ao ponto conveniente por uma junta de vacas do Alberto Vaz. A hora de começo era, habitualmente as 5h 30min. O tempo de moagem era em regra de 2 a 2h-30 o que significa que a massa estava pronta por volta das 8h.
O moinho trabalhava a frio e a massa era transportada à mão, em gamelas para quatro ceiras que estavam por debaixo de cada uma das varas e que se iam enchendo e sobrepondo. Repare-se que cada uma levava 150 kgs de massa. Era obra. O líquido escorria para uma tarefa incrustada na rocha donde depois era decantado para outra ficando aí já o azeite limpo. De vez em quando lá ia o Zé Lopes a abrir a torneira para o azenagre ir para o inferno, espécie de poço, por onde passavam os detritos antes de entrarem na ribeira. É daqui que vem o velho aforismo: "a azeitona dá-a Deus e o azeite dá-o o diabo". As varas (enormes troncos de sobreiro) assentavam nas ceiras e com a pressão iam fazendo espremer as ceiras, mas para mais peso, havia, a meio, três enormes pedras, uma para cada vara, que eram levantadas num fuso enroscado numa chave, tudo em madeira, obra de arte de carpintaria artesanal. Por fim as ceiras eram despejadas e a massa era então escaldada e de novo enceirada. É aqui que eu entro:
O Chamiço dava lenha (recebia poia, é claro) mas a água para a caldeira que estava sempre aquecida era dada por três pessoas: eu, o lavra miúdo e o mota. Três vezes ao dia, às vezes quatro, quando o serviço apertava, lá íamos nós a dar água para a caldeira. À porta do lagar havia um pequeno poço donde era tirada a água que um transportava e outro despejava. O serviço era rotativo, mas eu queria ficar sempre a tirar a água do poço. Era um artista. Tenteava a água e o caldeiro caía sempre de borco e era só puxar e despejar. Tudo às escuras, que ali, às 5h 30min da manhã em pleno Inverno, não havia luz. Mau era quando chovia, mas lá se dava o jeito. Como era cedo e ainda nada se via e nada se podia fazer, às vezes ficava por ali, junto ao lume da caldeira no quentinho, sentado num tropesso e, quando combinava com os lagareiros, papávamos uma lata de atum de mistura com umas couves do dia anterior e escorropichávamos uns tintos pelo copo de lata sempre junto à candeia com torcida de trapo.
As duas salas do lagar eram divididas por taipas em madeira e o ganhão e as vacas dormiam logo à entrada, elas junto à manjedoura e ele numa tarimba cravada na parede e suspensa por dois barrotes para a qual subia por um escadéu. Às vezes já não subia porque o tinto era tanto que qualquer palha servia de enxerga. No outro lado dormiam , também em tarimbas, os três lagareiros.
Não sei em que estado isto tudo está, que o Zé do café comprou o lagar e pôs lá as galinhas e o tractor e mais o que quis.
Uma pena perder-se um lagar que eu vi em tão bom estado. Ainda esteve em tempos para ser adquirido pela autarquia para museu... O Presidente mudou, o lagar morreu, e o museu nem no papel.
Se alguém dos que me lêem tiver influência, sugiram a aquisição desta relíquia e facultem-na ao povo.
Um povo sem passado não tem história.
Aqui fica o apelo.
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sábado, fevereiro 21, 2009

A NOSSA FALADURA - CXXVIII - CASQUEIRO

Eram quatro os fornos que trabalhavam para o povo. Não se podiam considerar comunitários, já que tinham dono e forneiro. O povo, melhor, as mulheres do povo, no entanto, cozia(m) o pão em qualquer deles: em frente às escolas velhas, o forno da D. Carminda, onde pontuava como forneira a ti Maria Bondita, não raro, coadjuvada pelas suas duas filhas, na 5 de outubro o forno do ti Mné Alfácea, no Beco da Ribeira o do Mija a Parede e no Oiteiro, à direita da barreira, o da Figo Seca.
Não havia moleiros na aldeia, que sejam da minha lembrança. Com toda a certeza, deve ter havido porque os moinhos de vento, tanto à direita como à esquerda do alto da estrada, atestam esse mister. A ribeira nunca correu todo o ano, mas falava-se no moinho dos Casacos, mesmo onde a ribeira tem uma queda de água em socalco e lá está (ainda estará?) a levada que fazia mover a roda da azenha.
Nos meus tempos de garoto, o moleiro vinha de Penha Garcia e trazia a farinha moída, centeio, milho(pouco) ou trigo, que levava uma semana antes e moía na sua azenha no Ponsul. Era o ti António Beringuilho.
A mula que sempre o acompanhava era uma animal de se lhe tirar o chapéu: alta, espadaúda, crina farta, castanha escura, reluzente, arreios sempre a brilhar, levava 5 taleigos como se não fosse nada. Valente animal, mansinha, nem era preciso prendê-la à ferradura do Agostinho Ratado. Era uma mula egueira, orelha curta, viva de olhar e dente sadio.
Aparte o Beringuilho, todos os comércios faziam a troca da semente por farinha, mediante o pagamento da poia: o taleigo da semente tinha dois alqueires e perdia a dízima.
Para facilitar começou a pesar-se naquelas balanças decimais cujos pesos permitiam alguma batota que um dia vos explicarei.
Faziam-se trocas no Fatela, no Cunha, no Zé Rolo, no Zé Júlio, na Troa, e periodicamente passava o Zé Oliveira que levava a semente e deixava a farinha. Até que começaram as sacas e os pacotes e se deixou, a bem dizer, de semear cereal. Lembro-me bem dos quintos e de todos os cabeços até à serra da Marvana e da Raposa serem semeados de centeio, na maioria, e algum trigo.
Quem fazia o casqueiro tinha que acarrejar a lenha para o forno, excepção no do Alfácea que era permanentemente abastecido pelo Chamiço que dava também a lenha para o lagar quando trabalhava. Claro que cobrava poia, tanto no forno como no lagar.
A sala do forno tinha a toda a volta uns baturéis onde as mulheres pousavam os tabuleiros com o casqueiro (e ou as bicas) já finto(as). Cada uma delas - o forno metia quatro tabuleiros - tinha uma marca que podia ser uma caruma, um pau de esteva, ou como ainda hoje é o meu carimbo, tinham um sinete que timbravam no cimo do pão antes de o forneiro o meter, por mor de não baixar e assim não haver dúvidas de pertença.
A periodicidade da cozedura variava em função do número do agregado ou das fainas do campo, mas era hábito uma cozedura cada 15 dias.
Pode parecer estranho a quem não viveu neste tempo, mas uma caixa de fósforos dava para um ano e fermento para o pão era também coisa que não se gastava : os fósforos eram substituídos por um tição que se pedia à vizinha que já tivesse o lume aceso e o fermento era vantajosamente substituído pelo crescente, que era também cedido por quem tivesse pão bem finto.
A isto chama-se economia.
Ao sair do forno, o casqueiro era embrulhado num cobertor dentro do respectivo tabuleiro e era lentamente que arrefecia. Na verdade, se o pão arrefecer ao ar, a côdea solta-se do miolo e não fica nada de jeito. Nunca se comia no dia em que era feito. Primeiro deixava-se assentar que era para luzir mais. No dia, lá se comia uma biquinha ou fazia-se uma ( taborna) = tibórnia .

O velho Estopa, naquele Verão tinha ido para os quintos, para lá do Frade e do Batcharel e para não terem de se levantar ainda mais cedo - é preciso notar que se trabalhava de sol a sol - os homens decidiram que dormiam por lá. O almoço seria levado, cada dia, por uma das mulheres e eles tinham comida de seco para o desjejum, a côdea, a merenda e a ceia.
Só que o Estopa, um dia antes de acabar a estrafega do quinto, foi acometido de tal borreira que se viu nas horas del conho.
Papel não havia e Estopa tinha que limpar o traseiro com palha molhada dos nagalhos.
O Sol era inclemente, Estopa suava, não podia atrasar-se na linha do corte e esgadanhava-se todo para ir a par, mas lá lhe vinha outra vez a vontade.
As ceroulas molhavam-se e secavam, Estopa sofria atrozmente e estava mais vermelho nas partes que um pimento para pimentada.
Lá chegou a casa, a arrastar as botifarras, diz à mulher para lhe aquecer água, tempera-a com um pouco de fria, mete as nalgas na selha, lava-se com sabão macaco, a sorver ar e a assobiar para não gritar.
A mulher que tinha cozido, e o cheiro do casqueiro desafiava a fome, preparava uma taborna morna. Só que os assobios do homem aguçam-lhe a curiosidade e quando se depara com aquela vermelhidão: «oh! home, isso está feio; espera aí que vou por um pano macio e já te limpo.» Só que Estopa não consentia que lhe esfregassem, nem mesmo com pano macio, as pudibundas partes e a mulher sai-se com esta:« põe-te aí de cu pró ar ao pé do lume, maneiras junto à candeia que eu boto-te aí um pouco de farinha triga que me sobrou do pão pra secares».
Estopa, desacorçoado (=descoroçoado) como estava, nem hesita. A mulher lá espalha a farinha, mas os resíduos gasosos da borreira entraram em descarga e quando ela estava mesmo por trás, sai-lhe uma bojarda que salpica a cara da mulher. A linguagem trocada não é traduzível, mas não vos é difícil imaginá-la.
A taborna ia ficando por comer mas a necessidade obriga e mesmo no meio do cheiro lá a roeram enquanto o casqueiro, esse, estava a salvo, abafado no cobertor e não ficou garanhotado como a cara de Angélica.
Acidentes.
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