A necessidade de actualmente fecharmos
todas as portas a quantas chaves for possível é hábito relativamente recente. Na
verdade muitas das portas nos tempos idos, ou estavam apenas encostadas, ou
fechadas ao trinco, facilmente acessíveis a quem quisesse entrar. Outras,
sobretudo no campo, ou se fechavam com um baraço enrolado num prego espetado no
batente e ligeiramente encurvado ou, às vezes era um arame em forma de argola
fixo na porta e que depois se ajustava a uma presilha qualquer existente também
no batente ou mesmo numa fresta lateral à ombreira da porta. Decididamente
o importante era que algum animal que estivesse dentro não conseguisse sair...
Nalgumas utilizava-se outro artefacto: o pinchavelho.
Em regra era um pequeno pau, aguçado dum lado e que entrava justo numa argola
onde metia um arame que assim não desandava do sítio mesmo que o vento abanasse
a porta. A alternativa era um pequeno ferrolho em cuja extremidade estava um
penduricalho que entrava na dita argola e lá ficava.
Não existia então o medo do roubo e nunca
acontecia ter que voltar a casa buscar a chave que se esquecera. Ainda algumas
vezes me abriguei em casebres destes quando alguma trovoada me apanhava
desprevenido.
Mesmo nas povoações era raro que se
esbarrasse numa porta fechada à chave. Premia-se o trinco ou puxava-se um
baraço que arrastava a língua da fechadura, abria-se a porta e só depois é que
se perguntava: Oh Rosa estás
cá?
Mas o mais interessante era que as pessoas
quando estavam em casa conversavam umas com as outras, sobre tudo e sobre nada.
Simplesmente conversavam. Os novos iam aprendendo as histórias que os mais
velhos vezes sem conta contavam, como por exemplo a do peidinho da senhora, que
quando o avô dizia que desde o peidinho à peidorra que venho atrás do cu da
senhora, provocava sempre cristalinas gargalhadas, ou aquela outra do conto das
calcinhas vermelhas, ou a da morte da burranca,... O decisivo era que
conversavam. Ide lá ver hoje! já não basta a porta da rua trancada, como ainda cada
um com o seu telemóvel ou computador, entretém-se a jogar ou a partilhar
nas diferentes plataformas sociais, mas ninguém conversa com quem está com eles
na sala. Mesmo quando riem, cada um ri de coisa diferente e em momento
diferente à medida que encontra algo engraçado no desenrolar da sua busca.
E se queremos entrar no mundo deles, não
penseis que basta desenculatrar o pinchavelho
que aliás não existe. É preciso que ele se disponha a rodar a chave com
que se fechou no seu mundo.
Se se pretende, então, fazer algum debate
sobre um tema que esteja na berra e que de algum modo podia animar uma boa
conversação, ou desandam para o quarto, colocam auscultadores nas orelhas
(agora chamam-se fones) e isolam-se de novo no seu mundo privado.
Por exemplo, algum dia vos perguntastes se
em vez de termos os mandamentos em forma de imperativo negativo (não matar, não
mentir, não levantar falso testemunho, não invejar...), os tivéssemos de forma
afirmativa e, se em vez de serem aqueles que todos conhecemos fossem outros
como (sirvo-me de Richard Dawkins em A Desilusão de Deus, casa das letras, pag
316): esforça-te por não fazeres o mal; vive a vida com alegria e
admiração; procura sempre aprender algo novo; trata os teus semelhantes, os
seres vivos e o mundo em geral com amor, lealdade, honestidade e respeito;
interroga-te sobre tudo; forma opiniões independentes com base na tua própria
razão e experiência.
A ideia dogmática da inalterabilidade é a
morte da criatividade, da inovação. É preciso, se não ser subversivo, ser pelo
menos ousado e provocador (aquele que PROVOCA DOR) ou seja, é proibido estagnar
e ousar...
Seja-me ainda permitido trazer à baila um
assunto candente: o dos direitos dos animais. De facto este assunto deixou de
estar trancado e passou a estar acessível por um pinchavelho acerca do qual qualquer um opina. Deixando de lado esta
questão sublime que é a de todos e cada um se julgar autoridade em assuntos
acerca dos quais nada sabe e mandar para o ar uns bitaites de forma
aberradamente aleatória. Já uma vez aqui tratei da famosa doença contemporânea:
a opinionite…Diferentemente do que se
julga, a opinião não pode ser emitida a eito. A opinião deve ser apenas
dada por quem saiba de um assunto e não por um basbaque qualquer que se arvora
em especialista fazendo "figura de crocodilo na classe dos mamíferos"
na sublime leitura de Joaquim de Carvalho.
Volvamos, pois, ao assunto que aqui nos
conduziu: o dos direitos dos animais. Talvez ninguém melhor que Peter Singer – este
sim, pode falar do que sabe ...- E que defende o nosso especialista? Olhai só: «devemos
avançar para uma condição 'pós especialista' em que o tratamento humano é
alargado a todas as espécies que disponham de um cérebro suficientemente
poderoso para dele desfrutar. Talvez isto aponte já na direcção que
o ZEITGEIST moral
deverá tomar nos próximos tempos. Tal não seria mais do que o prolongamento
natural de reformas anteriores, como a abolição da escravatura e a emancipação
das mulheres.. (esta problemática do Zeitgeist vai ter tratamento especial num
dos próximos basas.).
Mas, já agora deixo-vos uma questão linear
que não vamos, por agora, desenvolver: será que quem não tem deveres tem
direito a ter direitos...?
O problema é agora o de saber: quem
dialectiza estes problemas comigo? Não tenho parceiro e por isso penso sozinho
e, olha!, partilho convosco. Pode ser que algum de vós me desafie! O meu pinchavelho não tem segredo: é abrir e
entrar.
XXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIII GGGGGGGGGGGGGGGRAAAAAAAAAAANNDDDDDDEEEEEEE.