Se há tema de difícil tratamento, sem dúvida, o tempo ocupará lugar cimeiro. Agostinho de Hipona em resposta à pergunta: o que é o tempo, sai-se assim (Vide Confissões, XI, 14-17): «Se ninguém me perguntar, eu sei, se quiser explicar a quem me pergunta, já não sei.».
Podemos falar de tantos tempos, que difícil é em pouco tempo conseguir enumerar tantos tempos: tempo físico, tempo psicológico, tempo atmosférico, tempo atómico, tempo social, tempo real, tempo virtual ... e até algumas partes do tempo são tão diversos que até parece que não nos referimos ao mesmo espaço de tempo: ano civil, ano fiscal, ano lectivo, ano religioso, ano agrícola..., tantos tempos e passamos a vida a dizer que não temos tempo.
Mais complicado ainda é se repararmos que ao mesmo tempo vivemos em tempos diferentes, seja no mesmo espaço, seja em espaços muito diferentes. Imaginai apenas uma festa de anos de um vosso filho e reparai quantos tempos diferentes aparecem na festa: O tempo do vosso filho, o vosso tempo, o tempo dos avós, dos tios ,... vivem todos no mesmo tempo e simultaneamente em tempos diferentes: brincadeiras diferentes, roupa diferente, preferências alimentares diferentes, linguagens diferentes, cada uma destas facetas reflectindo um tempo que já ocorreu noutro tempo. É mesmo complicado entender o tempo.
Se nos transpusermos para outros continentes, então até parece que o tempo parou: um bosquímane, por exemplo, até parece que vive nos tempos pré históricos e, no entanto, também coabita connosco a mesma Terra. E mais: nós que temos tanta civilização, tanta tecnologia, tanta facilidade, acabamos por não saber como sobreviver nos desertos africanos...Mas o bosquímane sabe. Essa é que é essa! Precisaríamos de muito tempo para aprendermos rudimentos do que ele sabe. A realidade é que ele sobrevive naquele ambiente inóspito com instrumentos rudimentares e nós morreríamos em pouco tempo, apesar de tanto aparelho sofisticado.
Às tantas vivemos num tempo sem tempo tantos são os tempos e nós nunca temos tempo. Falta-nos tempo para tudo. Antigamente não havia telemóveis e os meios de comunicação eram tão lentos que até afligia, só que havia tempo para tudo: os terrenos andavam todos lavrados, limpos e cultivados, as propriedades eram divididas por muros feitos com pedras pequenas, aparelhadas sem argamassa e ainda hoje resistem, se alguém nascia ou morria a presença dos familiares e amigos acontecia como que por magia, enquanto hoje, com tanta inovação, em que instantaneamente por correio electrónico, por sms, via skipe, a bem dizer, fazemos coincidir o real com o virtual, e ninguém, ou poucos, aparecem. Outros tempos! Sendo objectivamente o tempo o mesmo para todos, até parece que é diferente para cada um..
Volvamos ao tempo em que o tempo de criação de um porco doméstico era, em média, uma no. Criado sem aditivos farináceos de engorda, era mimado com viandas resultantes do aproveitamento de todos os restos, a que se juntava, à laia de tempero, um pratinho de esmalte de farelo. Claro que o tempo de crescimento era muito mais lento. Só que isso fazia com que a carne fosse muito mais saborosa e os enchidos unissem melhor, deixando-nos os dedos untados por uma gordura temperada que lambíamos com sofreguidão. Já pouco se vê disso, nos tempos que correm.
Quem desta vez matava o porquinho era o ti Chico Rolo. O matador era o irmão Zé e entre os convidados estava também eu. O filho, também ele Chico, mais familiarizado com o animal entrou na furda com uma corda já pronta com nó corredio, para pear o animal. Com maior ou menos dificuldade, Chico lá atou a pata traseira do bicho, o mano Zé abriu a porta da furda, enquanto Mné Chquim com um caldeirinho com milho, ia chamando o desgraçado:«fecá, fecá, fecá, toma, toma, toma...».Chegado perto da banca era preciso tombá-lo, meter-lhe um cordel na boca e apertar-lhe bem o focinho, segurá-lo firmemente, deitá-lo na banca, amarrá-lo comédado e deixá-lo em posição adequada para Zé Rolo lhe espetar a faca. Não foi nada fácil: o porco era valente, o terreno estava escorregadio da chuva, tudo escorregava, inclusive o próprio porco devido à morrinha que caía e, para cúmulo, o rabo do porco era saroto, pelo que ninguém lhe podia pegar por trás para o conseguir ajudar a imobilizar. A custo lá se levou a tarefa a cabo e na conversa enquanto se saboreava a meloreja, lá se volta à narrativa e se realça de novo a complicação que é ardulhar um porco no chão quando tem o rabo saroto." Quando é comprido, afiançava Zé Labouxa, vizinho, um homem, bota-lhe os gadapunhos e o animal é como que fica sem metade da força, quando se lhe pega com alma ao rabo". Todos concordaram e a conversa depressa passou para o tempo que «num dava pra fazer nada, estava tudo encharcado, e nem o gado podia sair, era só a poder de comida à manjedoura», e mais isto e mais aquilo até que se passou o tempo e era tempo de cada um ir à sua vida mesmo que o tempo atmosférico não ajudasse.
E eu também tenho que me ir, cassenão não vou a tempo de chegar a tempo do tempo acordado para uma conversa entre amigos numa tertúlia gastronómica em que o tema é exactamente o tempo.
A ver se não demoro tanto tempo a contar-vos mais histórias das terras xêndricas.
XXXXXXXXXIIIIIIIII GGGGGGGGGGGGRAAAAAAANDDDDEEEEEEEEEEEEE