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domingo, 27 de janeiro de 2008

Ode ao Piolho - parte 2

O Piolho era frequentado por pessoal de várias Faculdades e de nenhuma. Conheci pessoal muito interessante (e outros que não interessavam ao menino Jesus). E tinha umas aves raras curiosas.

Havia o Ulisses (ou outro nome de um herói grego, não me lembro), de quem se dizia que tinha começado a tirar Letras mas se tinha enamorado de uma fulana que o fez sofrer e enlouqueceu (possivelmente a história não era nada disso). Passava sempre por lá a tentar vender um poema. Que era sempre o mesmo (esqueci-me do título, um dia destes lembro-me). Algum pessoal dava-lhe uma moeda de vez em quando, a ver se ele largava e se se enchia de cerveja ali ou noutro sítio qualquer.

Havia as "meninas", que faziam do jardim da Cordoaria o seu local de trabalho. O jardim era fechado, com muitos recantos. Mudou também, para uma coisa aberta e sem seguredos. Muito agradável.

A dona Rosa era uma delas. Não tinha dentes à frente. Um amigo meu achava que era de se ter dedicado muito ao "trabalho", mas eu achava que ela não era uma delas mas a (mmmm...) gerente de tempos e métodos (métodos não sei, mas de tempos devia ser). A dona Rosa era PS (lembro que eu entrei para a Faculdade no fim do Cavaquistão) e tinha um ódio de morte ao Cavaco Silva e ao PSD. A dada altura foram as eleições que opuseram o Sampaio ao Cavaco (toda a gente sabe como acabou o embate) e o Sampaio foi ao Porto. No beija-beija das eleições, estávamos curiosos para ver se ela conseguia dizer ao pobre Jorginho todo o amor que dizia à nossa frente que lhe tinha. A sorte foi que alguém (Deus??) deve ter protegido o Jorginho de tanto amor. Como canta o outro "too much love will kill you/just as sure as none at all".

Alguém no Piolho tinha decerto lido Sun Tzu e a parte do "mantém os teus amigos perto e os teus inimigos mais perto" (eu estou a brincar, mas de certeza que alguém tinha lido isso e mais). Não sei se tentou explicar isso à dona Rosa, mas deu-lhe um autocolante do Cavaco Silva e pediu para ela o colocar, o que a confundiu um bocadinho. Mais tarde veio ter com essa pessoa e disse que realmente tinha optado por colocar o autocolante do Cavaco. E passou a demonstrar. Foi nessa altura que quem estava ao pé dela ficou a saber que ela não usava cuecas, não fazia a depilação e possivelmente não se lavaria por baixo. Político sofre!

Os empregados também tinham a sua piada. A um deles um grupo era capaz de pedir um café curto, um café forte, um café cheio, um muito cheio, um café normal, um numa chávena escaldada e um não muito queimado. Ele assentia com o ar mais concentrado do mundo. Para chegar ao balcão e pedir "7 cimbalinos".

Um outro contou a mim e a um amigo que o irmão tinha estado preso pela PIDE e tinha chegado a estar numa cela com um metro cúbico e uma das paredes a escorrer água. Bem, ao fim de muito tempo eu e o meu amigo decidimos que ou um metro cúbico era 1 m de altura por um de largura por um de comprimento, ou tínhamos feito mal as contas ou ele se tinha enganado. Ele jurou que era verdade. E que as contas estavam bem feitas.

Ainda se estuda no Piolho, mas as Faculdades já voaram dali (acho que sobra um instituto de não sei o quê de saúde onde era Engenharia). Agora tem muitos estrangeiros, coisa que não havia na altura. As coisas mudam. Não é bom nem mau: é assim. O meu tempo de Piolho de dia e o tempo do Piolho tão só de estudantes e de "meninas" já passou. Mas continua lá e é lindo.

Ode ao Piolho - parte 1

A quem não entendeu, isto não faz parte da saga "baratas, carraças e bananas" (que está à espera de mais inspiração, que de momento me foge). Para falar verdade, não tem nada que ver com nada disso: é um post exclusivamente urbano. Já agora, aviso que poderá ser um bocado seca, por isso quem está à procura de figuras e badalhoquices bem pode desligar (bem, vai ter uma badalhoquice).

Ontem fui dar uma das minhas voltas sem destino nem percurso ao Porto. Não vi o Pedro Abrunhosa no Majestic, mas desta vez se ele fosse de óculos de sol veria qualquer coisa: é que estava um dia de sol lindíssimo: uma luz linda, que faz adivinhar a Primavera. Inevitavelmente andavam casalinhos de mão dada e um ar lamentavelmente apaixonado. Ou seja, são animais de sangue frio, como as cobras e as lagartichas: saem para a rua com o calorzinho.

Também fui à livraria Lello, que recomendo a toda a gente. Lembrei-me de um cientista honesto, o Luís, porque escreveu este post (e muitos outros). Lamentavelmente tinha a máquina fotográfica no carro, por isso não tirei uma única fotografia.

A dada altura fui desaguar ao Piolho, aka Âncora de Ouro, que eu conhecia de gingeira dos meus tempos de Faculdade.

Entrei e fiz o que sempre fazia (já sem pensar) quando entrava lá: olhei para todos os lados a ver se encontrava alguém conhecido. Só que isso foi há mais de 10 anos, por isso não havia ninguém lá conhecido.

Sentei-me na mesma e comecei a recordar e a observar. O café está diferente: está maior, porque a parede que o separava da parte onde se faziam refeições foi deitada abaixo. Não se pode fumar lá dentro, o que tem como consequência um ar respirável e o chão a já não parecer o "cinzeiro grande", onde eram sepultadas as beatas e pedaços de cinza que caíam de estudantes boémios e outras companhias (lá iremos). As casas de banho também passaram a ser melhores um pedaço. Aliás, passaram a ser mesmo bastante boas! E tem televisão: dois ecrãs XPTO, o que era mais ou menos escusado porque o atractivo do Piolho não são os bonecos a duas mas a três dimensões e com alma que por lá param.

Está igual nos espelhos que o forram, nas colunas com acabamento dourado, nas lamentáveis placas (coisa tão kitsh!) de cursos vários ao longo do tempo e ainda no mais importante: as mesas corridas.

Quando alguém chegava muito cedo (chegou a ser o meu caso, por horários de aulas desencontrados dos do autocarro) abancava em qualquer lado. Depois disso entrava um, entrava outro e outro e outro. Depois saía um, saía outro, depois entrava e por aí adiante. Um sistema dinâmico, em que se conhecia amigos de amigos de amigos de amigos de conhecidos. Para mim um rosto conhecido era o suficiente para abancar. Meio conhecido também.

Foi no Piolho que me viciei em café. Sim, eu viciei-me em café aos 18 anos, ou seja, depois de velha. O mais curioso é que não fui eu que comecei a ir para lá: as chocas das minhas coleguinhas é que na altura emburraram para lá porque "era mais académico" (ainda hoje não entendo bem o que é que isso quer dizer). Eu achava o café sujo (e era!) e ruidoso. A última parte acabei por apreciar; a primeira aprendi a ignorar.

(continua)