Saude Mental Nos Ciclos Da Vida
Saude Mental Nos Ciclos Da Vida
Saude Mental Nos Ciclos Da Vida
Brasília-DF.
Elaboração
Produção
APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 4
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 7
UNIDADE I
A SAÚDE MENTAL.................................................................................................................................. 9
CAPÍTULO 1
SAÚDE MENTAL ONTEM E HOJE................................................................................................ 9
UNIDADE II
A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA................................................................................... 15
CAPÍTULO 1
SAÚDE MENTAL DO BEBÊ E DA CRIANÇA PEQUENA.................................................................. 15
CAPÍTULO 2
SAÚDE MENTAL DO ADOLESCENTE.......................................................................................... 26
CAPÍTULO 3
SAÚDE MENTAL NA TERCEIRA IDADE........................................................................................ 34
UNIDADE III
SAÚDE MENTAL NO ADULTO................................................................................................................. 38
CAPÍTULO 1
DESAFIOS DA SAÚDE MENTAL NA VIDA ADULTA........................................................................ 38
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 49
Apresentação
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Praticando
Atenção
5
Saiba mais
Sintetizando
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).
Avaliação Final
6
Introdução
Não se pode falar de Saúde da Família sem se abordar o campo de Saúde Mental. Esta disciplina visa
fornecer aos profissionais que atuam em saúde da família noções básicas e alguns aprofundamentos
acerca da saúde mental, fornecendo, ainda, um amplo material suplementar, com o objetivo de
instigar os alunos a buscarem mais informações.
Nosso percurso está dividido em três unidades. Na primeira, estudaremos o panorama histórico
que nos mostrará a evolução das noções e das abordagens que a loucura teve no decorrer dos
séculos. Também abordaremos alguns dos conceitos e das práticas mais importantes em saúde
mental na atualidade. Desse modo, obteremos instrumentos para conhecer, contextualizar, refletir
e questionar conceitos e abordagens da nossa prática diária atual, como é o caso das noções de
“normal” e “patológico”.
A segunda parte do nosso curso aborda a saúde mental em fases decisivas da vida: infância,
adolescência e terceira idade. Estas se configuram em momentos fundamentais, em que ocorrem
transformações psíquicas que refletem no bem-estar mental dos indivíduos. É imprescindível
que os profissionais em saúde mental compreendam as vicissitudes de cada uma dessas fases do
desenvolvimento humano que trazem inúmeros desafios ao nosso entendimento e atuação.
A terceira unidade está voltada para o estudo dos desafios relacionados à Saúde Mental no Adulto.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, mais de 450 milhões de pessoas em todo o
mundo sofrem de transtornos mentais. A Saúde Mental é parte integral da saúde de qualquer
pessoa. No entanto, ao longo da história, em todo o mundo, pessoas acometidas por transtornos
mentais sofreram grandes violações de seus direitos, e passaram por longos anos de isolamento,
discriminação e exclusão social. No Brasil não foi diferente. Por isso, com base no movimento da
Reforma Psiquiátrica, o governo brasileiro desenvolveu uma Política Nacional de Atenção à Saúde
Mental. Seu objetivo é superar um passado de muitos desafios e desrespeito a esta população
específica, para promover a atenção psicossocial que ela necessita.
No decorrer de todo o material, haverá sugestões de pesquisas complementares (por meio de leitura
de textos, artigos, livros etc.) que visam enriquecer e aprofundar os temas trabalhados.
Objetivos
» Conhecer a evolução histórica dos conceitos e das abordagens em saúde mental.
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» Compreender as especificidades da saúde mental em etapas decisivas da vida.
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A SAÚDE MENTAL UNIDADE I
CAPÍTULO 1
Saúde Mental Ontem e Hoje
A saúde mental é um campo relativamente novo nos estudos da saúde humana. Para melhor
compreendê-la, é necessário conhecer sua evolução histórica, bem como as noções de “normalidade”
e “anormalidade”, ao longo dos séculos.
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UNIDADE I │ A SAÚDE MENTAL
Este movimento teve fortes correntes em países como Inglaterra, França e Itália e grande repercussão
no Brasil e, ainda que não se tenham eliminado definitivamente os hospícios, a Reforma Psiquiátrica
deixou, como legado, a conscientização da necessidade premente de se pensar alternativas de
compreensão e prática no cuidado da loucura.
<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/relatorio_15_anos_caracas.pdf>
A Lei Federal no 10.216, de abril de 2001, conhecida como Lei Paulo Delgado, trata
da extinção progressiva dos manicômios e da criação de serviços comunitários para
o tratamento da doença mental. Confira o texto integral em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10216.htm>.
<http://www.ccs.saude.gov.br/nise_da_silveira/homepage.html> e <http://www.
ccs.saude.gov.br/nise_da_silveira/homepage.html>
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A SAÚDE MENTAL │ UNIDADE I
conhecimento. Entretanto, é preciso ter uma visão crítica a respeito de práticas que visam classificar
o comportamento humano e rotular o sujeito em categorias, a partir de um conjunto de sinais e
sintomas psiquiátricos. Até porque o profissional de saúde mental não é um mero observador de
sinais corporais alterados. Ele lida com fenômenos mais complexos, nos quais também se encontra
inserido, a saber, a linguagem e as produções simbólicas humanas, que podem ter infinitos
significados (MARTINS, 2003).
A nomenclatura dos quadros mentais vem sofrendo modificações e ampliações ao longo dos anos.
Abordaremos brevemente a nomenclatura utilizada pela Psiquiatria até os anos 1960, da qual
derivaram as classificações contemporâneas e que é adotada por algumas linhas de pensamento em
Psicologia. Sua relevância se situa no fato de se buscar a compreensão dos quadros de adoecimento
não apenas pela descrição de sinais e sintomas, mas pelos processos psíquicos subjacentes, que
remetem a uma estrutura psíquica. Assim, a doença mental se divide em dois grandes grupos1.
» Psicose – quadro marcado por uma falha no desenvolvimento psíquico, cuja origem
remonta às primeiras experiências de vida e que pode levar, nas crises, a uma
desintegração psíquica, que, por sua vez, causa alterações no estado de consciência,
perda do contato com o mundo, desorganização da personalidade e incapacidade de
julgamento (teste de realidade). Pode haver ruptura das relações sociais, delírios,
alucinações e demência ou degradação das capacidades cognitivas. As esquizofrenias
e os quadros paranoicos figuram neste grupo.
A drogadicção e o alcoolismo são hoje considerados problemas de saúde mental, e não mais apenas
de segurança pública, merecendo um agrupamento à parte no CID-10, referente aos transtornos
mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa (F10 – F19). Segundo dados
da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 10% das populações dos centros urbanos de
todo o mundo consomem de modo abusivo alguma substância psicoativa. E essa problemática
atinge todas as camadas populacionais, independente de sexo, idade, nível de instrução e
poder aquisitivo.
1
Há ainda uma terceira divisão utilizada sobretudo pelos psicanalistas, a Perversão, para designar um quadro estrutural de
desvios de conduta ou comportamento, em que há subversão de normas sociais, adoção de condutas não aceitáveis socialmente,
falta de empatia em relação ao outro, o que pode levar o sujeito a infligir sofrimento ao outro (ou a si mesmo), sem sentimento
de culpa. Neste grupo, estão os pedófilos, os sadomasoquistas, alguns drogadictos, dentre outros.
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UNIDADE I │ A SAÚDE MENTAL
Elas são classificadas em três grupos, de acordo com o efeito que produzem no Sistema Nervoso
Central.
Ainda dentro da questão da dependência química, o alcoolismo e o tabagismo vêm recebendo uma
atenção específica, tendo em vista serem substâncias lícitas, cujo consumo é até encorajado em
determinadas manifestações sociais e culturais, além de terem maior prevalência em relação às
outras substâncias psicoativas.
<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/A%20politica.pdf>
<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/alcool_reducao_danos.pdf>
O que o profissional de saúde deve ter em mente é que qualquer que seja o diagnóstico ou a causa,
o adoecimento mental acomete um sujeito que sofre e o foco deve ser a melhoria das condições da
saúde global da pessoa e da família, visando a sua autonomia, a partir da melhora ou, se possível,
da eliminação do sofrimento, com redução das limitações e consequências negativas para sua vida
em geral. Para isso, o atendimento comunitário e interdisciplinar em redes de atenção vem se
mostrando uma abordagem eficaz, em substituição ao modelo hospitalocêntrico.
Sobre a nova política de saúde mental no Brasil, que destaca, dentre outras
coisas, a construção de uma rede de cuidados comunitária:
<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/relatorio_15_anos_caracas.pdf>
<http://www.paho.org/portuguese/gov/ce/ce128_18-p.pdf>
Hoje há um consenso cada vez maior de que a saúde mental, pela sua complexidade, não deve ser
objeto de apenas um olhar, uma disciplina, qualquer que seja ela. A complexidade e a multiplicidade
dos fatores envolvidos no adoecimento mental requerem um acompanhamento interdisciplinar, o
que não significa a mera soma de vários saberes isolados, mas a existência de um diálogo e a troca
entre eles.
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A SAÚDE MENTAL │ UNIDADE I
A identificação de um quadro de adoecimento mental não se dá por parâmetros objetivos, tais como
nível de glicemia ou colesterol, como ocorre com outras doenças de origem orgânica. Os sintomas
possuem as mais variadas naturezas e manifestações: depressão, irritabilidade, alcoolismo,
mudanças de humor, insônia, medos exagerados, dentre outras, que podem inclusive coexistir e se
modificarem numa mesma pessoa em diferentes momentos da vida. Ainda, uma manifestação que
ocasiona grande sofrimento para um indivíduo não necessariamente representará adoecimento para
outra. Desse modo, tanto o diagnóstico quanto o tratamento devem ser feitos de forma cuidadosa e
respeitando, mais do que nunca, a famosa máxima de que “cada caso é um caso”.
Como é organizada a atuação dos profissionais das diversas áreas no serviço em que
você atua? Quais os resultados dessa organização? Há o que melhorar? Como? Em
que você pode contribuir para a implantação da interdisciplinaridade no seu serviço?
Outra questão que permeia o trabalho em saúde mental para qual o profissional deve estar atento é
a delimitação entre o que é saúde e doença. Vale ressaltar que a linha entre o normal e o patológico
é muito difícil de ser traçada e sua delimitação pode variar de acordo com fatores socioculturais e
históricos. Isso quer dizer que fenômenos considerados patológicos numa certa sociedade ou época
podem ser aceitáveis, cotidianos ou até mesmo valorizados em outra e vice-versa.
O livro A Louca e o Santo, escrito pela filósofa francesa Catherine Clément, em parceria
com o psicanalista indiano Sudhir Kakar (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997)
traz uma interessante discussão sobre esta questão. Os autores traçam um paralelo
entre as histórias de duas personalidade que apresentavam “sintomas” semelhantes,
mas tiveram destinos bastante distintos. A primeira é de Madeleine, moça pobre,
católica, que viveu na França do século XIX, e foi internada e tratada por 22 anos pelo
ilustre médico Pierre Janet, tendo sido considerada louca. A outra história refere-se à
trajetória de Ramakrishna, um hindu analfabeto de Calcutá, também do século XIX,
que se tornou uma figura importante e reconhecida do misticismo da Índia. Ambos
apresentavam manifestações parecidas: visões alucinatórias ou místicas, prolongados
jejuns e paradas respiratórias, êxtases, dentre outras. No entanto, à Madeleine, inserida
em uma sociedade dominada pelo racionalismo e positivismo francês, não coube
outro destino senão a loucura, a internação, o tratamento médico. Já Ramakrishna,
imerso em um ambiente que valorizava o misticismo em detrimento da razão, tornou-
se reconhecido e amado como santo e guru.
Sigmund Freud promoveu uma grande revolução nos estudos do psiquismo humano
e na forma de se conceber o homem ao postular o conceito de inconsciente, esfera
psíquica à qual nossa consciência não tem acesso direto, onde ficam guardadas
as impressões da infância, que vão mover grande parte de nossa forma de ser no
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UNIDADE I │ A SAÚDE MENTAL
mundo e marcar para sempre nossa personalidade. Até então, a ciência e a filosofia
abordavam o homem como um ser consciente: “Penso, logo existo”. No entanto,
Freud demonstra que o ser humano é dividido em sua essência e precisa lidar
com conflitos internos entre seus desejos inconscientes e as exigências (advindas
da cultura) de seu psiquismo, dos quais, muitas vezes, não tem conhecimento
consciente. “O homem não é senhor em sua própria morada”, afirmou em um das
suas célebres frases.
Machado de Assis, em sua célebre obra O Alienista, faz uma crítica ao cientificismo
predominante da sua época (fim do século XIX), retrata, de forma irônica e cruel, a
mentalidade de internação vigente e questiona as noções de sanidade e doença
mental. Vale a pena enriquecer seus estudos com a leitura deste clássico da
literatura brasileira.
<http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn003.pdf>
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A SAÚDE MENTAL
EM FASES DECISIVAS UNIDADE II
DA VIDA
CAPÍTULO 1
Saúde Mental do Bebê e da
Criança Pequena
Até os anos 1950, a ciência considerava o bebê um ser passivo, cuja atividade primordial se resumia
à função da alimentação (lactente). A concepção reinante era que bastava fornecer os cuidados
básicos de alimentação e higiene, até que a criança crescesse e, a partir dos 6 ou 7 anos, entrasse, de
fato, em uma fase de desenvolvimento e aprendizagem.
Entretanto, a partir da segunda metade do século XX, houve uma mudança gradual mas decisiva na
forma de conceber o bebê, quando se passou a reconhecer que a criança, mesmo no início da vida,
era muito mais que um mero “tubo digestivo” (GOLSE, em Aragão, 2004).
Um fator primordial para essa mudança conceitual deu-se durante a Segunda Guerra Mundial. O alto
índice de patologias mentais e mortes em crianças abrigadas em orfanatos do pós-guerra começou
a chamar a atenção dos estudiosos. Percebeu-se que, apesar de receberem cuidados de alimentação
e higiene, as crianças apresentavam comportamentos estereotipados, apatia, desinteresse, dentre
outros sintomas, sugerindo a existência de um sofrimento que extrapolava as condições materiais
e os cuidados físicos a elas oferecidos. A partir daí, deu-se início a um período de grande pesquisa
acerca da vida mental da criança nos primeiros anos de vida.
Dentre os estudos, destacaram-se as pesquisas de René Spitz, que cunhou o termo “síndrome do
hospitalismo” para designar um quadro que acometia crianças abrigadas que, mesmo sendo bem-
alimentadas, vestidas, aquecidas, passavam a apresentar graves prejuízos no seu desenvolvimento,
com falta de apetite, baixo peso, hipotonia, apatia e gradual desinteresse pelo ambiente e pelas
pessoas, vindo, muitas vezes, a óbito. Spitz percebeu que a privação de afeto e atenção individualizada
e constante gerava efeitos nefastos para a saúde mental das crianças.
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UNIDADE II │ A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA
Outro teórico que merece menção é Bowlby (1969/2002, 1976/2001), que desenvolveu a Teoria
do Apego, segundo a qual um vínculo seguro entre o bebê e sua mãe (ou cuidador) proporciona à
criança um posterior sentimento positivo de segurança em relação ao mundo. Segundo Bowlby, o
comportamento de apego, ou de vincular-se, é um mecanismo básico do ser humano. Esse vínculo
afetivo vai se formando a partir das capacidades cognitivas e emocionais do bebê, e da responsividade
e sensibilidade dos cuidadores (a mãe, o pai ou outra pessoa que cuide dele). Assim, as primeiras
relações de apego que a criança estabelece em tenra infância afetam o estilo de apego do sujeito ao
longo de sua vida, influenciando, consequentemente, na formação de sua personalidade.
Donald Winnicott, em sua prática como pediatra e psicanalista na Inglaterra, percebeu que grande
parte dos problemas emocionais tinha origem nas vivências dos primeiros anos de vida da criança. A
partir disso, dedicou seus estudos à investigação das fases mais iniciais do desenvolvimento mental
humano. Assim, tornou-se um dos grandes nomes da pesquisa da relação mãe e bebê, que, para ele,
fornece as bases do desenvolvimento da saúde mental do ser humano.
Segundo Winnicott (1965/2005), o bebê, no início da vida, compõe-se de uma série de percepções
sensoriais dispersas, desorganizadas, que o colocam em um estado de não integração, com sensações
de despedaçamento, aniquilamento, tal qual a de cair num fosso sem fundo. É a partir da ação
materna (ou de um cuidador privilegiado), manifestada nos cuidados diários dirigidos ao bebê, que
vai se criando para ele um sentimento de continuidade, segurança e a percepção de ser uma pessoa
inteira, integrada.
Mas a integração não é algo automático; é algo que deve desenvolver-se pouco
a pouco em cada criança individual. Não é mera questão de neurofisiologia,
pois, para que seu processo se desenrole, há a necessidade da presença de
certas condições ambientais, a saber: aquelas cujo melhor provisor é a própria
mãe da criança. (pág. 7).
Winnicott (1958/2000) postula a existência de um estado psicológico especial que a mulher desenvolve,
principalmente ao final da gravidez e semanas depois do nascimento do seu filho, que a torna mais
sensível às necessidades de seu bebê. Esse estado de sensibilidade exacerbada, que ele denonimou de
Preocupação Materna Primária, poderia ser comparado a um quadro psiquiátrico patológico, caso
não houvesse o bebê. Winnicott chega a descrevê-lo como uma “doença normal” e enfatiza que tal
condição fornece o contexto necessário para o início da constituição psíquica da criança.
Com sua célebre frase “um bebê sozinho não existe”, Winnicott ressaltou a importância de a mãe
(ou o cuidador) ser “suficientemente boa”, isto é, nem tão perfeita a ponto de responder a todas as
demandas do bebê, tampouco indiferente a elas. Isso significa que a mãe, aos poucos, deve deixar
de responder de imediato às demandas do filho, à medida que vai percebendo nele uma capacidade
de suportar sua falta e satisfazer-se sozinho.
A mãe (e o ambiente) será, portanto, “suficientemente boa”, ainda segundo Winnicott, caso ofereça à
criança três funções fundamentais, a saber: o holding, a forma como o cuidador sustenta, tanto física
quando psiquicamente o bebê, capacidade de a mãe se identificar com seu bebê e assim reconhecer
suas necessidades; o handling, a forma como o bebê é cuidado, manipulado, fornecendo à criança
a noção do seu próprio corpo; e a apresentação de objetos ou elementos substitutivos ao
corpo materno, o que auxiliará a criança na tomada de consciência do mundo externo (1971/1975).
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A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
Este estado reflete o trabalho psíquico que a mãe deve efetuar em relação às várias
transformações que a vinda de um filho promove, tais como o encontro com o bebê
real, sempre diferente do bebê imaginado; a modificação de sua posição na estrutura
familiar – de filho para mãe; e mudança na imagem corporal – não é mais grávida,
tampouco recuperou o corpo de mulher. Ainda que seja passageiro e reversível e
não acarrete prejuízos à saúde mental do bebê, o sofrimento pode ser atenuado
quando há para a mãe a possibilidade de compartilhar seus sentimentos sem que
se sinta julgada.
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UNIDADE II │ A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA
A partir desses estudos, constata-se o papel fundamental, ou mesmo fundante, que o adulto
cuidador desempenha na constituição física e psíquica da criança. O bebê humano nasce sob uma
dependência radical daquele(s) que dele se ocupa(m) e, dessa forma, as vivências dos primeiros anos
terão grande influência na construção das bases do desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e
social do futuro sujeito. Assim, um trabalho em saúde mental com bebês deve incluir a díade mãe-
bebê (e/ou as pessoas que estabelecem uma relação próxima e significativa com o bebê).
As descobertas não pararam por aí. A partir da década de 1970 e 1980, com o avanço tecnológico
dos métodos de ultrassonografia e monitoramento fetal, foi possível demonstrar que os bebês
desenvolvem capacidades e habilidades impressionantes desde o período pré-natal. Pesquisas acerca
da sensorialidade do feto, por exemplo, mostraram que o recém-nascido prefere cheiros e gostos aos
quais teve contato enquanto estava no ventre materno, o que prova a existência de um desenvolvimento
sensorial e de memória já no período intrauterino (BUSNEL, 2002). Quanto à audição, os estudos
indicam que o feto já responde a estímulos sonoros, desde a 24ª semana de gestação.
Experimentos sobre a visão dos recém-nascidos revelaram que, logo já nas primeiras horas após o
nascimento, as crianças preferem o rosto materno ao de qualquer outra mulher (idem). Também
foram descobertas nos bebês uma capacidade de imitar os gestos do adulto. Desse modo, constatou-
se que o bebê, antes mesmo de nascer, já dispõe de uma gama de habilidades que o tornam
extremamente ativo e apto para a interação e vinculação afetiva com o outro.
A partir das pesquisas sobre a constituição psíquica na primeira infância, foi possível constatar que
as vivências dos primeiros meses e anos de vida são fundamentais e estruturantes para a saúde
mental do indivíduo. E os efeitos de tais vivências poderão ser positivos e/ou negativos a depender
da qualidade e intensidade delas. Assim, desmistifica-se a ideia segundo a qual pouco ou nada se
pode fazer em termos de saúde mental do bebê ou da criança pequena. Ao contrário, cada vez mais
os profissionais que lidam com a primeira infância – enfermeiros e auxiliares de enfermagem de
18
A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
UTI neonatal, neonatologistas, pediatras, educadores de creche, psicólogos infantis, entre outros –
tornam-se conscientes da importância do cuidado da saúde psíquica da criança em seus primeiros
anos, meses, dias e até mesmo já no ventre materno.
Em vista disso, é crescente o número de experiências e práticas nessa área, como, por exemplo, o
incentivo ao parto humanizado, cujo objetivo é não só a redução dos partos cirúrgicos e a mudança
de uma visão meramente biológica e médica do processo, como também a conscientização dos
profissionais e dos usuários de que a mulher (e o bebê) é a protagonista do parto e, dessa forma,
deve ter necessidades, valores, dignidade e individualidade respeitados (BRASIL, 2001). Outro
exemplo é a crescente preocupação de implementar nas UTIs neonatais rotinas adequadas para as
necessidades psíquicas do recém-nascido, muitas vezes prematuro, como diminuição de estímulos
excessivos (iluminação, barulho) (SILVA, 2002), e a implementação de um trabalho de apoio na
formação dos laços afetivos entre mãe (pais) e bebê (ANDRADE, 2002 e SZEJER, 1999).
Que práticas e atitudes um profissional que atua no âmbito da família pode adotar
visando a contribuir para o desenvolvimento da saúde mental da criança pequena?
O ser humano não nasce falando. A palavra “infância” vem do latim infans e significa “aquele que
não fala”. A introdução na linguagem, que antecede o sujeito, dá-se aos poucos. Dessa forma, o
bebê expressa que algo não vai bem no seu psiquismo por meio de sintomas no seu corpo, como,
por exemplo, dificuldades de alimentação ou de sono sem causas orgânicas, choros frequentes sem
motivo aparente, evitação do olhar, entre outros. A forma como a mãe “concebe” e cuida de seu
filho, o que pode ser percebido por sinais não verbais e pelo seu discurso, também fornece indícios
de como está caminhando o desenvolvimento da relação entre aquela mãe e seu bebê. Assim, um
trabalho em saúde mental com bebês e crianças pequenas deve considerar o que se passa na díade
mãe-bebê, abrangendo desde a observação dos sinais não verbais até a escuta do discurso da mãe
em relação ao seu filho.
Fonte: Degenszajn, R. D. “Sinais preditivos de risco psíquico”. Em: Revista A mente do Bebê.
(2006).
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UNIDADE II │ A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA
Caso sejam constatadas dificuldades em alguns desses itens, é necessária uma investigação mais
aprofundada por parte de um profissional especializado em saúde mental infantil.
Ainda assim, é preciso cautela a fim de evitar correlações advindas de um raciocíonio de causalidade
linear, do tipo: mães deprimidas geram filhos hiperativos, por exemplo. Sabemos que tal lógica pode
funcionar bem para problemas matemáticos ou físicos. Mas quando se trata de saúde mental, as coisas
não são tão simples assim, tendo em vista a multiplicidade de fatores envolvidos, aos quais não se tem
acesso integralmente. Diante disso, é fundamental ao profissional considerar cada caso como único,
singular. E isso só é possível por meio de um olhar e escuta atentos, sem “pré-conceitos”.
Graças aos avanços nos estudos e nas pesquisas, não é mais possível pensar a primeira infância
apenas como uma fase anterior à infância propriamente dita ou de preparação para a vida adulta.
Torna-se mister pensar o bebê como um sujeito em constituição, que, em sua especificidade, já
conta com uma singularidade, com uma história, vivências, cujos primórdios se encontram nas
fantasias de sua mãe a respeito do filho imaginado, na experiência da gravidez e no encontro e no
estabelecimento das primeiras relações com o bebê real.
É preciso estarmos atentos ainda ao outro lado da moeda, ou seja, ao fato de que as impressionantes
descobertas acerca das capacidades dos recém-nascidos podem gerar uma euforia desmedida, levando
profissionais a desenvolverem práticas que buscam o desenvolvimento precoce da criança, no furor de
produzir superbebês, alinhando-os aos valores de competividade e alta produtividade apregoados pela
sociedade moderna. Aqui fica a pergunta: não corremos o risco de negar às crianças o direito a uma
infância digna, que respeite seu tempo, seus limites e sua singularidade como sujeito em formação?
Aquarela
(Toquinho)
20
A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
Como nos fala este trecho da música de Toquinho, ser criança é descobrir o mundo, por meio da
fantasia. Coisas simples, como “uma folha qualquer”, podem virar seres e objetos fantásticos. É
a idade do faz de conta, das fadas e bruxas, dos mocinhos e bandidos. É a idade do brincar, das
descobertas, mas também do aconchego do colo. Que, um dia, findará. Mas marcará para sempre
nosso futuro, nossa forma de ser no mundo.
Como vimos no item anterior, o trabalho com a primeira infância possui um grande caráter
preventivo. A prática clínica mostra que, quando as dificuldades psíquicas que apontam nesses
primeiros anos não são devidamente cuidadas, elas podem surgir de forma mais grave nas etapas
seguintes do desenvolvimento, como dificuldades de aprendizagem, de relacionamento interpessoal,
entre outros. Partiremos agora ao estudo da saúde mental das crianças maiores.
Nem sempre a criança e a infância gozaram do estatuto e do interesse dos dias atuais.
Conforme nos mostra Ariès (1981), durante a Idade Média, havia um sentimento de
indiferença em relação à essa fase da vida, tendo em vista a alta mortalidade infantil.
As crianças permaneciam no anonimato até uma certa idade – em torno dos 7 anos
– quando, então, passavam a frequentar o mundo adulto, inserindo-se no trabalho e
nos jogos coletivos, como miniaturas de adulto.
Freud, já postulava, no início do séc. XX, que a criança (moderna) ocupa um lugar privilegiado
no narcisismo, ou amor-próprio inconsciente, dos pais, ou seja, ela recebe todo o tipo de aposta e
esperança no sentido de realizar os desejos frustrados dos pais:
Após o período da primeira infância, a criança entra em uma fase de gradual abertura para o mundo.
O núcleo familiar deixa de ser suficiente para as crescentes capacidades da criança e ela passa a
21
UNIDADE II │ A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA
frequentar outros ambientes, engajar-se em diversas atividades: visita a casa de parentes, brinca
com coleguinhas, vai à escola etc.
Uma aquisição importante desta fase é a apropriação da linguagem. Seria errôneo dizer que a
criança adquire linguagem quando começa a falar. A criança encontra-se, desde sempre, inserida na
linguagem. Desde quando seus pais já lhe antecipavam os primeiros traços: vai ser levado igual ao
pai, tranquila tal qual a irmã… Estudos comprovam que os balbucios que as crianças desenvolvem
em torno dos 6 meses já apresentam características da língua materna. O que ocorre é que a criança
se apropria da linguagem e passa a se utilizar dela. Ou seja, a criança deixa de ser falada pelos pais
(“ela) deve estar com fome”) para ela própria falar (“estou com fome”).
Esta é uma virada importante e dificuldades nessa área devem ser diagnosticadas, investigadas e
tratadas, pois entre outras coisas, o uso da linguagem diz da capacidade de simbolização da criança,
imprescindível para um bom desenvolvimento de sua saúde mental. A capacidade de simbolizar
permite à criança prescindir dos objetos concretos. Daí é que derivará a capacidade de apreender
operações lógicas cada vez mais complexas, além do pensamento abstrato.
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A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
As mães já constatam, desde muito cedo, que seus bebês buscam não apenas o leite quando
amamentam, mas o aconchego, o olhar, as palavras, o toque, os carinhos maternos. Freud nos fala de
uma manifestação da sexualidade infantil já presente aí, e a amamentação seria seu primeiro protótipo.
Fonte: Zornig, S. A-J. (2006). Pelo viés do corpo. Revista A mente do bebê. (com adaptações).
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UNIDADE II │ A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA
A partir dos 6 anos, a criança entra num período que Freud denominou de latência, em que a
energia sexual é direcionada para a aprendizagem, o desejo de saber e de descobrir o mundo. Esta
fase coincide com a idade escolar e o período de alfabetização.
Na puberdade, o sujeito entra na fase genital, marcada por uma sexualidade que se aproxima à
adulta, havendo o predomínio das pulsões em torno da zona genital. O prazer se encontra dividido
entre a ternura (amor) e a paixão (desejo), dirigido às relações sociais, aos parceiros sexuais, que
podem ser do mesmo ou outro sexo.
Existem alguns quadros que são descritos com mais frequência no campo da saúde mental infantil.
Porém, antes de abordá-los, vale ressaltar que não devemos utilizá-los para rotular os pequenos
pacientes, o que pode ter efeitos nefastos para o seu futuro. Sabemos que a palavra de um especialista
tem um peso muito grande para a criança e sua família. Deste modo, é fundamental adotarmos uma
postura ética no sentido de não influenciarmos negativamente o desenvolvimento da criança, sob
um “pretenso saber”, a partir do que comunicamos, das palavras que utilizamos.
» O Autismo é uma patologia grave que surge até os três anos de idade. A criança
apresenta comprometimento (e às vezes impossibilidade) na interação com o meio.
Os sintomas principais são movimentos estereotipados, respostas inadequadas
a estímulos visuais ou auditivos, grande desorganização em situações que saem
da rotina, dificuldade no desenvolvimento da linguagem e na comunicação,
agressividade, distúrbios no sono e na alimentação. Não existe consenso em relação
à etiologia do autismo. Prefere-se pensar que é uma doença multifatorial, em que
fatores genéticos, hereditários e também psíquicos estejam em jogo.
Psicose Infantil
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642000000100012>
Autismo
<http://www.fundamentalpsychopathology.org/art/v08_03/02.pdf>
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A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65642000000100006&script=sci_
arttext&tlng=es>
» Desatenção.
» Dificuldade de concentração.
Do grupo da Hiperatividade.
» Agitação.
» Impulsividade.
Algumas crianças podem apresentar sintomas de um grupo ou combinar ambos. O TDAH pode
levar a dificuldades no relacionamento familiar e social e no desempenho escolar.
Este site traz uma conferência proferida pelo psicanalista Alfredo Jerusalinsky, em
2003, na qual ele levanta importantes questionamentos acerca do diagnóstico do
TDAH e o tratamento medicamentoso <http://www.appoa.com.br/noticia_detalhe.
php?noticiaid=35&PHPSESSID=bbea8b84cbb064f37445c2e5eac26344>.
25
CAPÍTULO 2
Saúde Mental do Adolescente
A canção Xote das Meninas, de Luís Gonzaga, ilustra uma mudança por que passa a menina
numa determinada fase da vida. Os esforços do pai de curar o “mal” que acomete a filha, ao levá-la
ao médico, são em vão, pois o doutor bem sabe do que se trata e lhe adianta: “o ‘mal’ é da idade” e
acrescenta que para ele “não há um só remédio em toda a medicina.”
Eis que mudanças surgem. O corpo cresce... A voz já não é a mesma. Ora engrossa, ora afina…
Os órgãos sexuais ganham volume e pelos. Não se quer mais saber da boneca... ou do carrinho.
Aquela criança, até então desenvolta com seu corpo, depara-se com uma nova imagem corporal e
novos interesses.
Mas, antes de falar do adolescente, vamos conhecer um pouco sobre como surgiu esse conceito
ou fase.
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A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
A adolescência nem sempre foi reconhecida como uma etapa do desenvolvimento. Isso se deu
relativamente há pouco tempo, a partir do século XIX, com o surgimento das famílias nucleares
modernas.
Hoje, na nossa sociedade, a adolescência é vista como uma fase específica, ainda que haja divergências
quanto à sua delimitação. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência é um período
que vai de 10 a 19 anos. O nosso Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece o período
de 12 a 18 anos.
De qualquer forma, esta é uma fase de grandes transformações. Em poucos anos, um adolescente
pode chegar a engordar 30 kg e crescer 50 cm. E não se trata de um mero aumento do corpo infantil.
Este adquire novas formas, novas características e atributos, às quais é preciso ajustar-se.
Há também o enfraquecimento das referências identificatórias. Se até então, o pai e a mãe eram as
principais figuras das quais a criança retirava suas referências, na adolescência, esses ideais caem
ou se enfraquecem. O jovem começa a perceber que o pai do vizinho é mais rico que o seu, que a
mãe da amiga é mais bonita que a sua etc. Ou seja, as falhas dos pais, como seres humanos que
são, saltam aos olhos antes cegos para elas. O adolescente parte em busca de outras referências. A
adoração e a idealização dos ídolos surgem.
O Adolescente e a Loucura
Por ser uma fase que coloca para o jovem uma série de desafios (físicos e psíquicos) aos quais ele
tem que responder sem o até então habitual apoio dos pais, a adolescência é um período propício
para a eclosão de psicopatologias nos sujeitos que possuem alguma fragilidade psíquica. O sujeito
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UNIDADE II │ A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA
é convocado a realizar escolhas e posicionar-se diante das várias exigências colocadas pela vida,
principalmente no campo do amor e do trabalho. Isso coloca para o adolescente, de forma veemente,
a questão do desamparo, de que todo ser humano padece, mas que, nesta fase, surge em tons mais
intensos. Os jovens conseguirão atravessar esse período de forma mais ou menos turbulenta, a
depender de uma multiciplicidade de fatores como suas vivências infantis, características pessoais,
circunstâncias sociais, ambientais e culturais. Quando há uma fragilidade herdada da infância,
as exigências da vida podem ser maiores que a capacidade do aparelho psíquico de enfrentá-las
e o jovem sucumbe e adoece, seja por meio de um surto psicótico ou do surgimento de sintomas
neuróticos graves. A psicose configura-se num quadro onde há uma desorganização psíquica, com
possibilidade de quebra com a realidade, desenvolvimento de pensamentos delirantes (paranoia) e
deterioração das capacidades cognitivas (esquizofrenia).
Mas o medicamento é muito útil em certas situações. Por exemplo, quando se trata
de restaurar o acesso à palavra, nos casos em que a psicose parece impor um estado
de silência, de opacidade e paralisia ante o contato humano. Ele, então, faz ressurgir
a palavra e a torna disponível para esta tarefa de “reconstrução” e a que o psicótico
se dedica.
Depressão na Adolescência
A depressão é um estado patológico em que há perda de vitalidade, falta de estratégias de busca de
prazer, desânimo exagerado a ponto de abandonar atividades que antes proporcionavam grande
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A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
prazer. Aqui é necessário estar atento a duas questões: não confundir depressão com tristeza, que é
um sentimento temporário e natural do ser humano, ou com o desinteresse dos jovens por atividades
antes prazerosas, já que o adolescente tende mesmo a abandonar interesses da infância.
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-166X2006000100003&script=sci_
arttext&tlng=pt>
<http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/307/30701007.pdf>
Transtornos Alimentares
A anorexia e a bulimia são doenças que acometem principalmente jovens do sexo feminino. A
anorexia (do grego an, ausência e órexis, apetite) caracteriza-se por uma perda de peso excessiva
devido à recusa em se alimentar. Há distorção na imagem corporal, com a busca incessante pela
magreza, podendo causar sérias complicações orgânicas, como alterações ou até mesmo interrupção
do ciclo menstrual. Mesmo estando extremamente magras, as jovens se veem gordas e persistem em
dietas muito restritivas. A bulimia (do grego bou, grande quantidade e limos, fome) é caracterizado
por episódios de ingestão exagerada de alimentos, seguidos de atos que visam eliminar o risco de
engordar, como a indução de vômito, o uso de laxantes, jejum e a prática excessiva de exercícios
físicos. Em geral, na bulimia, a imagem corporal não se encontra tão distorcida como na anorexia e
as meninas não atingem uma magreza tão extrema.
É certo que uma baixa autoestima, insatisfação com a imagem corporal e os padrões modernos de
beleza que cultuam a magreza contribuem para o desenvolvimento e o aumento dos transtornos
alimentares nas adolescentes. Entretanto, pesquisas têm demonstrado que a anorexia e a bulimia
estão relacionadas à forma como a jovem vivencia as alterações em seu corpo que adquire
formas femininas, aproximando-o ao de sua mãe. As investigações psicanalíticas têm mostrado
que a origem desses transtornos remonta a relação precoce mãe e filha (primeira infância) e os
processos de identificação (da filha com a mãe), apontando uma dificuldade de separação psíquica
nos primórdios da vida. Assim, a magreza excessiva (e também a obesidade) se configura numa
tentativa de apagamento da feminilidade, da eliminação de qualquer traço que represente uma
indiferenciação com a mãe.
<http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0115556_03_cap_03.pdf>
Vale ressaltar que situações reais adversas, como violência na família, alcoolismo, doenças crônicas,
podem agravar o adoecimento do jovem, mas não são os únicos fatores determinantes. O adoecimento
mental decorre não só de fatores graves, mas também de elementos sutis, os mais diversos a que
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UNIDADE II │ A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA
talvez jamais se tenha acesso. Assim, o sofrimento de um adolescente que aparentemente “tem
tudo” não pode ser, de forma alguma, desvalorizado e taxado como “frescura”.
Por outro lado, muitas das manifestações dessa fase da vida podem ser confundidas com sintomas
patológicos, tendo em vista que, tal como na psicose, por exemplo, a realidade é modificada: o corpo
muda tanto de imagem quanto de estatuto (RASSIAL, 1999).
Por tudo isso, a melhor conduta de um profissional é ter uma postura cautelosa na hora de
diagnosticar, abordar e tratar o adolescente, considerando a singularidade e especificade de cada
jovem, cada história, cada família.
Gravidez e Adolescência
O texto, a seguir, de Diana Dadoorian, doutora em Psicologia Clínica, levanta uma interessante
questão a respeito da gravidez na adolescência. Mostra que a gestação nesta fase da vida não ocorre
necessariamente por falta de informação, e que um desejo inconsciente de ter um filho pode estar
em jogo, como forma de se afirmar socialmente como mulher.
A maioria das abordagens sobre gravidez aponta a desinformação sexual das jovens
como principal causa das preocupantes estatísticas relacionadas ao tema. Mas será
que essa explicação ainda se sustenta? Mesmo com as limitações e as dificuldades
que o nascimento de um filho possa infligir à vida de uma jovem, é bastante comum
ouvir a adolescente dizer que está contente por estar grávida e que quer ter o filho.
Este foi o foco da pesquisa que realizei, em 1993, com adolescentes grávidas de
classes populares no Instituto Fernandes Figueira, Rio de Janeiro. Nesse estudo,
publicado no livro Pronta para voar (Rocco, 2002), privilegiei o discurso das jovens
sobre seu estado e as conclusões foram surpreendentes: a gravidez é desejada por
elas. Na investigação do significado da gestação, destacam-se entre os principais
fatores os biológicos e os não biológicos, nos quais se inserem os aspectos culturais
e psicológicos.
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A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
Durante a investigação, as jovens mães relataram que o filho representa “tudo” para
elas. A criança é, portanto, depositária de muitas expectativas: terá o que elas, em sua
maioria, não tiveram, como estudo completo, perspectiva de trabalho e até mesmo
uma família. A relação mais intensa, contudo é a estabelecida entre as adolescentes
e a própria mãe. As garotas repetem o modelo feminino, segundo o qual ser mulher
está associado a ser mãe jovem.
Com esta análise, é possível dizer que as causas da gravidez na adolescência não se
referem de maneira exclusiva à desinformação sexual, mas ao desejo inconsciente
de ter um filho, aliado aos valores, às demandas e às fantasias socioculturais. Ele
está inscrito no projeto de vida de cada mulher, com variadas formas de expressão,
sendo o produto da elaboração individual dos modelos e representações próprias
de sua cultura. Bertrand Cramer, no livro Segredos femininos de mãe para filha
(Artes Médicas, 1996), descreve a transmissão subjetiva da feminilidade de modo
universal. As mães transmitem para as filhas, desde o berço, um complexo sistema
de valores e sua forma de ser mulher.
O Adolescente e as Drogas
A dependência química tem sido tratada como uma questão de saúde mental. Por estar num período
de transição identitária – nem criança, nem adulto –, o adolescente parte em busca de novos lugares
subjetivos e sociais, fora da família. E o álcool e a droga podem configurar-se como uma tentativa de
encontrar um lugar, ainda que temporário e ilusório.
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UNIDADE II │ A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA
Segundo dados da OMS, cerca de 1,7 milhões de adolescentes morrem anualmente no mundo,
principalmente por causas evitáveis, como, por exemplo, acidentes, suicídio, complicações
decorrente de gravidez, violência, uso de droga e álcool. O consumo do álcool é particularmente
preocupante por se tratar de uma substância lícita que, muitas vezes, representa um “ritual de
passagem” para a vida adulta. Na maioria dos casos, o uso do álcool/droga dá-se por curiosidade,
experimentação, entretanto, muitos jovens acabam desenvolvendo um padrão de consumo abusivo,
que pode chegar a uma dependência.
Às vezes, é difícil distinguir o uso recreativo do abusivo. Em geral, considera-se uso abusivo quando
há algum tipo de prejuízo à saúde física e mental do sujeito, às relações sociais, às atividades e
obrigações do cotidiano. Já a dependência caracteriza-se pela falta de controle em relação ao uso da
substância, ou seja, há o consumo compulsivo mesmo quando os efeitos nocivos são importantes,
com o abandono de atividades e interesses antes valorizados em prol do uso da droga.
O uso crônico de substâncias psicoativas pode causar tolerância: necessidade de consumo de doses
cadas vez maiores, para obter o efeito desejado, e síndrome de abstinência: surgimento de sintomas
físicos e psíquicos quando o uso da droga é reduzido ou interrompido.
Não é possível falar de um padrão de evolução do uso que, supostamente, começaria de um consumo
recreativo, passando pelo uso abusivo até chegar à dependência. Cada pessoa estabelece uma relação
particular com o álcool/droga, que vai ser influenciada por uma série de fatores, como história e
características pessoais, aspectos sociais e propriedades farmacológicas da substância.
O tratamento que tem se mostrado mais eficiente é o ambulatorial realizado por equipe multidisciplinar
em centros especializados, com a adesão do paciente. No caso específico do adolescente, é fundamental
um trabalho de apoio e suporte com as famílias, que muitas vezes, também precisam de tratamento. A
internação só é indicada nos casos de desintoxicação, risco de suicídio, agressividade ou, ainda, para
preservar a vida/saúde quando a pessoa se encontra muito debilitada.
<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC000000008200500020006
6&script=sci_arttext>
<http://www.scielo.br/pdf/agora/v9n1/a09v9n1.pdf>
Sugestão de filmes:
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A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
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CAPÍTULO 3
Saúde Mental na Terceira Idade
Epitáfio
(Sérgio Brito)
A canção acima retrata as reflexões de uma pessoa que, ao fazer um balanço de sua vida, chega à
conclusão de que poderia ter vivido mais intensamente. O tempo verbal que predomina é o pretérito
imperfeito (do latim im+per+feito: não feito): “devia ter, queria ter”, no sentido do expressar uma
situação hipotética irreal, não realizada. E quando há um verbo no futuro, este se relaciona ao acaso:
“o acaso vai me proteger”.
A terceira idade, ou velhice, é uma fase da vida geralmente associada com iminência da morte,
improdutividade, adoecimento, falta de sexualidade. Entretanto, com os avanços na medicina, a
informação e a conscientização da importância de se ter bons hábitos (alimentação, atividade física,
combate ao stress), as pessoas estão vivendo cada vez mais e com mais qualidade de vida.
Como em qualquer período da vida, o envelhecimento implica perdas e ganhos. Perde-se o vigor
corporal, ganha-se em experiência de vida e maturidade. Perde-se a potência sexual, ganha-se na
seletividade dos relacionamentos afetivos e sociais, na ternura. Perde-se a produtividade laboral,
ganha-se tempo para a dedicação a outros interesses: família (netos), autocuidado, voluntariado,
hobbies etc.
34
A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
Não é fácil delimitar a terceira idade. Quando começa a velhice? O que a define? Segundo Secco
(1999), apesar de haver algumas mudanças biológicas evidentes, o conceito de envelhecimento
também é marcado por determinantes culturais, que variam entre diferentes indivíduos, culturas e
períodos históricos.
A OMS instituiu a idade de 1960 anos para designar o início do envelhecimento, ressaltando que
O aumento da população de idosos é um fenômeno que vem ocorrendo principalmente nos países
desenvolvidos e também no Brasil. Segundo a OMS, entre 1980 e 2000, a população de pessoas com
60 ou mais anos cresceu em 7,3 milhões, acompanhado pelo aumento da expectativa de vida que é
atualmente de 72 anos, segundo dados do IBGE. Para 2025, a previsão é que o Brasil ocupe o sexto
lugar dentre os países do mundo em número de idosos e que, pela primeira vez na história, haja mais
idosos do que crianças no planeta. Dessa forma, é fundamental que as autoridades e os serviços de
saúde se preparem para oferecer um atendimento de qualidade e que atenda às necessidade dessa
faixa da população, pois não basta viver muito, é preciso viver bem.
Estudos (NOVAES, 1995) postulam que a velhice não acrescenta aspectos à personalidade da
pessoa, apenas favorece e reforça os mecanismos defensivos já existentes. Assim, a forma como
uma pessoa lida com as limitações advindas com a idade (doenças, aposentadoria, redução ou perda
do vigor físico e sexual, morte de amigos e familiares) vai depender das características pessoais
(orgânicas, psíquicas, sociais). É claro que uma pessoa com idade avançada tende a passar por mais
situações adversas. Ainda assim, isso não leva necessariamente a um quadro patológico. Desse
modo, talvez seja melhor falar de envelhecimentos, ou terceiras idades, tendo em vista que cada
sujeito envelhecerá a seu modo.
De acordo com Novaes, o que diferencia os idosos é a capacidade de manter uma vida em relação,
ou seja, continuar estabelecendo laços sociais e afetivos: “O investimento fora do EU seria a
condição de manutenção de continuidade subjetiva, envolvendo atividades afetivas e cognitivas
que levam à procura de interesses, motivações e de razões para viver.” Quando a manutenção dos
laços encontra-se prejudicada, há o enrijecimento psíquico, com o fortalecimento de mecanismos
defensivos primitivos, que pode levar à dependência afetiva, o recolhimento narcísico (isolamento),
a idealização da infância e do passado, sentimentos de frustração, depressão, dentre outros.
Os principais quadros de adoecimento mental que atingem os idosos são a depressão e a demência.
Em geral, as demais patologias (psicose e transtornos) costumam aparecer na adolescência ou idade
adulta, sendo pouco comuns nessa fase. O que geralmente pode ocorrer é uma piora num quadro já
existente, quando não tratado adequadamente, ou pelo surgimento de dificuldades que surgem ou sou
intensificadas na terceira idade (problemas de saúde, aposentadoria, morte de entes queridos etc.).
35
UNIDADE II │ A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA
O mesmo ocorre em relação à dependência química. Pode haver aumento no uso de álcool (ou
do fumo) mas dificilmente (o que não quer dizer que seja impossível), uma pessoa que não tinha
o costume de ingerir bebidas alcoólicas (ou fumar) iniciará um uso compulsivo nesta fase. De
qualquer forma, os indivíduos que fazem uso abusivo ou que são dependentes de álcool, drogas ou
fumo, costumam ter que lidar com os comprometimentos à saúde que essas substâncias produzem.
Vale lembrar ainda que o alcoolismo, o tabagismo e a drogadicção contribuem para a redução da
expectativa de vida do indivíduo. Assim muitos não atingem a terceira idade.
Com o surgimento de doenças físicas ou psíquicas, muitos idosos passam a tomar medicamentos de
forma abusiva, o que pode desencadear uma dependência química nesta fase da vida.
Envelhecimento e Depressão
Muitas vezes, um quadro de depressão na terceira idade pode ser confundido com preconceitos
ou manifestações tidas como próprias desse período, como, por exemplo: sintomas somáticos,
hipocondria, desinteresse, desânimo, alterações no sono, na alimentação, dentre outros. Assim,
apenas uma equipe especializada, a partir de uma investigação cuidadosa e dirigida, terá condições
de melhor avaliar o quadro daquele paciente.
Envelhecimento e Demência
A demência caracteriza-se por um quadro de perda cognitiva, em geral, gradual e irreversível, cujos
sintomas mais comuns são alterações em funções como memória, linguagem e orientação tempo-
espacial, confusão mental, além de comportamentos inadequados (agressividade, inquietação,
impulsividade, desinibição sexual, dentre outros). Os casos mais graves podem levar a problemas
na fala, na marcha, nas funções motoras, o que pode levar a uma falta de autonomia e a necessidade
de cuidados 24 horas por dia. As pessoas idosas têm mais chances de desenvolver um quadro
demencial, que pode estar relacionado com patologias neurológicas como doenças de Alzheimer, de
Parkinson e esclerose múltipla.
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/envelhecimento_ativo.pdf>
<http://www.unati.uerj.br>
<http://www.unati.uerj.br/tse/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
59282002000200002&lng=pt&nrm=iso>
36
A SAÚDE MENTAL EM FASES DECISIVAS DA VIDA │ UNIDADE II
<http://www.ufrgs.br/3idade/portaria1395gm.html>
Livro que fala do impacto na família que cuida de um idoso em processo de demência
– Caldas, C. P. (2002). O idoso em processo demencial: o impacto na família. Em
Minayo, M. C. S. & Coimbra Jr., C. (org.) Antropologia, saúde e envelhecimento, pp.
51-71. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
37
SAÚDE MENTAL NO UNIDADE III
ADULTO
CAPÍTULO 1
Desafios da Saúde Mental na vida
Adulta
De modo geral, a fase adulta compreende as idades de 18 a 60 anos. Como qualquer outra época
da vida, é uma fase de desafios, problemas e aprendizagem. Entre os principais desafios estão a
construção de vínculos como o casamento e a paternindade/maternidade, e os avanços na vida
profissional. Tudo isso envolto por uma sociedade complexa. As dificuldades para enfrentar tais
desafios podem gerar sofrimento mental dos mais variados.
A seguir, iremos descrever três importantes problemas de saúde mental enfrentados pelos adultos.
A proposta aqui não será discutir a fundo cada questão, mas tomar conhecimento de problemáticas
importantes nessa faixa etária. Obviamente, a lista dos transtornos mentais na vida adulta é
extensa. Aqui abordaremos dois dos transtornos mais frequentes nos serviços de saúde mental
– a esquizofrenia e o uso de substância psicoativa. Além disso, também abordaremos a
problemática do luto e perdas. A vivência das perdas é uma causa de sofrimento recorrente na
vida adulta, visto que é inevitável enfrentar situações como o divórcio, a perda de um emprego, a
morte de um ente querido, por exemplo.
O objetivo deste capítulo é compreender esses três quadros de comum ocorrência na saúde mental
dos adultos.
Luto e perdas
A vida envolve uma série de situações, experiências e desafios que incluem aprender a lidar com
alegrias, ganhos, mas também perdas. Assim, a dinâmica do dia a dia exige um processo contínuo
de mudanças, ajustes e adaptações. A perda de um ente querido em decorrência de falecimento ou
separação, a perda de um objeto valioso ou de um projeto importante são alguns dos tipos de perdas
comuns à nossa vida. Todos nós passamos por isso, porém cada um reage de uma maneira diferente.
Essa reação depende de uma série de fatores, tais como a história de vida individual, a maturidade
emocional e a bagagem cultural. Mas também depende de como a perda se deu, se foi temporária ou
permanente, se foi esperada ou repentina.
38
SAÚDE MENTAL NO ADULTO │ UNIDADE III
Por exemplo, um atleta de 25 anos que enfrentou a perda de uma perna em um acidente de carro
pode lidar com a situação com frequentes rompantes de agressividade, colocando em risco sua
própria vida com tentativas de suicídio. Já uma mulher de 50 anos que sofreu a perda repentina
de seu marido por um ataque cardíaco pode desenvolver um grave quadro depressivo. Reações
semelhantes podem ser decorrentes de situações como o divórcio, a perda de um emprego ou a
falência financeira.
O modo como cada pessoa reage a perdas depende da capacidade individual interna de lidar com
tamanhos desafios. A cultura também tem um papel importante. Por exemplo, em partes da Índia,
onde a maioria da população segue a religião budista, acredita-se que o sofrimento desta vida será
aliviado na próxima encarnação. Dessa forma, nessa cultura as pessoas estão mais preparadas para
lidar com a morte com bem menos sofrimento (MORRISON-VALFRE, 2009).
Assim, a reação de cada sujeito depende de como a perda é percebida, valorizada e suportada. Aqui
definiremos perda como o estado no qual algo valioso, anteriormente presente, é modificado ou
perdido, e não pode mais ser visto, sentido, conhecido ou experienciado. (MORRISON-VALFRE,
2009). O estado de perda pode ser real, potencial ou imaginado. Ou seja, pode ser real como o
caso de uma família que perdeu sua casa e seus pertences em um incêndio, ou potencial como no
caso de um trabalhador que está assistindo seus colegas serem despedidos do emprego e corre o
risco também de perder o dele. E ainda, o caso de uma jovem recém-casada que perdeu o seio em
decorrência de um câncer e teme perder o marido acreditando que ele a irá rejeitar por esse motivo.
Nesse caso, a ameaça de perda do marido é imaginada, mas decorrente de uma perda real. Em todos
esses casos, o estado de perda é vivido com intenso sofrimento.
Portanto, o profissional de saúde mental deve estar atento em considerar o sentido que cada
pessoa dá para sua experiência de perda, entendendo que o sofrimento dessa pessoa precisa ser
compreendido de modo individualizado, para que o cuidado e apoio necessários sejam apropriados
(MORRISON-VALFRE, 2009).
A famosa psiquiatra Kubler-Ross elaborou uma teoria sobre os estágios da perda. Ela descreveu
cinco estágios normalmente vividos por aqueles que passam por uma perda significativa, tais como
a morte de alguém, a falência financeira, a perda do emprego, o divórcio, a perda de liberdade,
incluindo a aceitação da própria morte no caso de pacientes terminais.
O estágio de Negação
O primeiro estágio no processo de luto é a negação. Muito frequentemente, esse estágio se inicia com
o sentimento de choque, no qual o sujeito rejeita o estado da perda e recusa aceitar que perdeu algo
tão importante em sua vida. Nesse período, a pessoa pode continuar vivendo como se a perda não
tivesse de fato ocorrido. Seu discurso tende a seguir ideias de negação em que se ignora a experiência
39
UNIDADE III │ SAÚDE MENTAL NO ADULTO
de perda vivida, tais como: “Isso não pode estar acontecendo comigo” ou “Eu estou bem”. Muitas
vezes, essa fase tem a função de dar ao indivíduo tempo para que se prepare emocionalmente para
enfrentar a dor que está por vir. A negação é um mecanismo de defesa psicológica do sujeito para
ele lidar com momentos de forte sofrimento.
O estágio de Raiva
O estágio seguinte ocorre quando o mecanismo de defesa da negação não mais se sustenta. O sujeito
reconhece que não há mais como negar o ocorrido. Assim, sentimentos de revolta e raiva podem
aparecer. A raiva pode se manifestar de diferentes modos e ser direcionada a si mesmo ou aos
outros ao seu redor. O discurso, nesse caso, segue as seguintes ideias: “Por que eu?”, “Isso não é
justo!”, “Alguém é culpado por isso!”. Nessa fase, há uma tendência em direcionar a raiva a alguém
enquanto culpado pela perda e pela dor.
O estágio de Negociação
O terceiro estágio envolve a experiência de esperança. O sujeito passa a acreditar que pode mudar
o curso dos fatos e lutar contra o ocorrido, postergando a possibilidade de perda. Por isso, há a
tentativa de barganha, de negociação com a realidade. O discurso passa a ser: “Eu farei qualquer
coisa para mudar o ocorrido” ou “Eu farei tal coisa, se for possível mudar os fatos...”. Nessa fase, em
pacientes terminais há o discurso “Eu sei que vou morrer, mas se eu pudesse fazer algo para viver
um pouco mais”. Ou no caso de uma separação amorosa: “Ok, vamos nos separar, mas podemos
continuar amigos?” Ou seja, nessa fase, em decorrência da esperança, tenta-se fazer uma negociação
para mudar a realidade.
O estágio de Depressão
O estágio da depressão chega após o indivíduo perceber que não adianta negar, nem sentir raiva
ou negociar, pois a realidade é sim de intensa dor e sofrimento. Nesse momento, há a perda de
esperança e se espera pelo pior. O sofrimento é intenso, muitas vezes ocorrendo certa desconexão
afetiva com as pessoas à sua volta. Essa fase é uma aceitação embora acompanhada de profunda
dor e tristeza. Por vezes, também acompanhada de medo, culpa e incertezas. O discurso passa a se
concentrar em: “Vou morrer mesmo, pra que lutar?”, “Já perdi mesmo, pra que continuar vivendo?”
ou ”Desisto, não há mais nada a fazer”. Pode haver tendências ao suicídio nesse período, já que há
descrença e desesperança.
O estágio de Aceitação
Por fim, começam-se a aceitar os trágicos fatos. Nessa fase, se inicia o restabelecimento do equilíbrio
emocional e a força para continuar vivendo e superar as dificuldades. O sujeito passa a compreender
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que a perda ocorrida é uma realidade a ser aceita, pois a vida continua. Assim, ele passa a reinvestir
suas energias nas pessoas e nas atividades. E, então, ele muda seu discurso para ideias de aceitação,
tais como: “Tudo vai ficar bem”, “Se não posso mudar os fatos, terei que aprender a lidar com eles”
ou “Não posso lutar contra o que vai acontecer, mas posso me preparar para isso”.
Em todas as fases, é importante que o indivíduo receba apoio emocional e cuidado dos amigos
e familiares. Ressalte-se que essas fases não necessariamente ocorrem nessa ordem e não são
experimentadas por todas as pessoas. A importância desta teoria, porém, nos mostra que a perda é
um processo complexo, que envolve inúmeros elementos e deve ser considerada com cuidado por
profissionais da saúde mental. Destaque-se, também, que muitos outros teóricos desenvolveram
teorias sobre o assunto, mas este ganhou forte destaque internacional.
Desse modo, a teoria de Kubler-Ross ilustra a complexidade desse processo tão natural na vida, que
é o processo de perda. E, assim, nos mostra a importância da perda enquanto causa de sofrimento
na vida de todos nós.
Elizabeth Kubler-Ross foi uma psiquiatra suíça, pioneira nas pesquisas sobre
pacientes terminais. Sua teoria sobre os cinco estágios de luto teve grande impacto
nos estudos da saúde. Ela foi considerada pela Revista Americana Time uma das
maiores pensadoras do século XX.
Para abordar esta temática de saúde mental é necessário compreender a diferenciação fundamental
entre o que é uso e abuso de substâncias psicoativas. O uso de substâncias psicoativas é definido
quando uma pessoa faz uso de drogas com o objetivo de trazer algum tipo de alteração em seu aparelho
sensitivo, porém esse uso não afeta sua habilidade de realizar as atividades do dia a dia. No entanto,
no uso abusivo de substâncias psicoativas ocorre um prejuízo nas atividades diárias do indivíduo
e o uso de drogas transforma-se na sua atividade diária mais importante, trazendo sofrimento,
comprometendo e prejudicando os outros aspectos de sua vida, tal como seu funcionamento social
e profissional. (MORRISON-VALFRE, 2009).
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Muitas pessoas fazem uso de álcool, tabaco e outras substâncias sem que ocorra prejuízo nas suas
atividades e responsabilidades do dia a dia. No entanto, outras fazem uso abusivo da droga e entram
em um estado de dependência. A dependência acontece em um processo gradativo no qual se inicia
com o uso e apreciação da substância. O desejo de repetir a sensação de prazer causada pela droga
faz o indivíduo repetidamente utilizá-la. Assim, ele começa a querer usar repetidamente. Mais tarde,
essa pessoa prefere sentir o prazer de utilizar a droga a qualquer outra atividade. Rapidamente,
cria-se um hábito de uso excessivo e passa-se a ignorar as responsabilidades do dia a dia. A pessoa
entra em um ritmo de compulsão, com dificuldades de controlar a quantidade consumida. O
comportamento de negação é comum, no qual se ignora ou se nega a existência do problema, e
não se dá ouvidos aos comentários das pessoas ao seu redor sobre o assunto. Durante esse período,
o indivíduo pode se tornar intoxicado. A intoxicação é um estado de transformação psicológica e
comportamental resultante da exposição a certa substância. Pessoas no estado de intoxicação por
substâncias psicoativas costumam apresentar grandes oscilações emocionais, falta de bom senso,
redução de pensamento crítico. Frequentemente, estão prontos para iniciar uma discussão ou briga
e apresentam agitação. Obviamente, esse quadro varia de pessoa para pessoa, mas, de modo geral,
essas são as características (MORRISON-VALFRE, 2009).
As consequências do abuso de drogas são graves. Enquanto os indivíduos progridem com o uso da
substância, seus vínculos sociais, profissionais e familiares tendem a diminuir consideravelmente.
Há tendência para o isolamento e comportamentos como faltas ao trabalho e até perda do emprego.
Envolvimento com problemas judiciais também podem ocorrer. Algumas pessoas chegam a esgotar
seus recursos financeiros para obter altas quantidades de droga. Acidentes, crimes, violência
doméstica, prostituição, suicídio e doenças são alguns riscos associados ao uso abusivo de drogas
(MORRISON-VALFRE, 2009).
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em pessoas que abusam de drogas. Outro aspecto de extrema importância no tratamento é assistir
os indivíduos em sua mudança de comportamento. Esta, muitas vezes, é a mais difícil etapa.
Psicoterapias individuais e também familiares são extremamente úteis nesta fase. Psicoterapias em
grupo e o uso de medicamentos durante esse processo também têm papel importante. A intenção é
reabilitar o indivíduo para que ele consiga reestabelecer seus vínculos sociais e familiares e retomar
suas atividades do dia a dia, sem que para isso necessite fazer uso de drogas.
As Psicoses
Entre os transtornos de saúde mental, destacam-se como os mais graves as psicoses. A perda
de contato com a realidade e o comprometimento do funcionamento mental e social são suas
características mais típicas. A mais conhecida e mais comum psicose é a esquizofrenia, a qual afeta
cerca de 1% da população mundial.
A esquizofrenia é uma doença crônica para a qual não existe cura e seu tratamento deve ser
baseado no controle de seus sintomas e na busca de uma melhor qualidade de vida ao portador desse
transtorno. Entre os sintomas da esquizofrenia estão: perda de contato com a realidade, distorção e
desorganização do pensamento, alucinações, delírios, pensamentos paranoicos, afeto inadequado,
falta de pensamento crítico e comportamentos bizarros, ritualísticos e repetitivos.
Os primeiros sintomas da esquizofrenia começam a aparecer quando a pessoa está em torno dos 20
anos de idade. O prognóstico para as pessoas com esquizofrenia é melhor se o tratamento iniciar tão
logo se identifiquem os primeiros sinais da doença. Muitos casos em que o tratamento se iniciou cedo
o sujeito foi capaz de resgatar vínculos importantes como iniciar trabalho, casar e constituir família.
No entanto, inúmeras pessoas apenas começam a receber cuidado após décadas do transtorno se
manifestar, o que, infelizmente, provoca uma cronificação do quadro.
Famílias com um membro com esquizofrenia enfrentam enormes desafios e demandas, pois
necessitam de frequente orientação e suporte para aprender a prestar os cuidados corretos ao seu
integrante em sofrimento. Além disso, ter um integrante com um transtorno tão grave afeta todo o
grupo familiar, que, muitas vezes, também necessita de acompanhamento psicológico.
Os vários tipos de psicoses e esquizofrenia variam de acordo com a combinação dos sintomas
apresentados. Por isso, descrevemos a seguir os principais grupos de sintomas presentes nesse tipo
de transtorno:
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Assim, podemos observar que a esquizofrenia afeta de forma grave praticamente todos os aspectos
da vida do sujeito. Suas atividades profissionais, seus vínculos sociais, sua capacidade de realizar
atividades simples do dia a dia, como higiene básica e se alimentar, tudo isso pode ser comprometido
com esse transtorno mental. O tratamento, portanto, é essencial para permitir que muitos pacientes
consigam recuperar várias dessas atividades.
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Como já abordado neste Caderno, o tratamento de um transtorno mental não pode simplesmente ser
baseado em medicamentos psiquiátricos. Certamente essa é parte importante do cuidado à pessoa
com esquizofrenia, mas seu tratamento deve incluir terapias ocupacionais, orientação aos familiares,
psicoterapia, entre outras ações de promoção da saúde. Além disso, destaca-se a importância de
que o tratamento ocorra dentro da própria comunidade, incentivando-se a preservação dos laços
sociais, familiares e comunitários.
Fonte: <http://revistaepoca.globo.com/>
O poeta Ferreira Gullar, 78 anos, teve dois filhos com esquizofrenia. Paulo, 50 anos,
vive num sítio, em Pernambuco, há cinco. Marcos, que tinha um quadro mais leve da
doença, morreu em 1992, de cirrose hepática. Recentemente, Gullar escreveu três
artigos no jornal Folha de S. Paulo sobre a falta de vagas para internação psiquiátrica.
A reação dos leitores chamou atenção para uma das maiores controvérsias da
psiquiatria: o que fazer com doentes mentais em estado grave? Gullar concedeu a
seguinte entrevista à ÉPOCA em seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro
(confira ao final desta página um vídeo com trechos da conversa):
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Gullar - Esse pessoal não diz explicitamente, mas eu sei que para eles não existe
doença mental. Por que falam em psiquiatria democrática? Existe urologia
democrática? A psiquiatria democrática pressupõe que as pessoas internam seus
parentes para cercear a liberdade deles. Segundo essa linha, o cara não é doido. Ele
é um dissidente. Isso vem da época das drogas, da época dos Beatles, da época em
que as pessoas diziam “tu tá pinel”. O que era isso? A classe média cheirava cocaína e
ia parar no Pinel. Não eram doidos. Mas, levada a uma overdose, a pessoa pode entrar
num estado de delírio. Esse pessoal acha que a máfia de branco cerceia a liberdade
das pessoas. Pessoas que são dissidentes da sociedade burguesa. A psiquiatria
democrática considera que a sociedade é que é doente e reprime aqueles que
discordam dela.
Gullar - Nessa época, sim. Um dia ele teve um surto e sumiu. Foi encontrado em
estado totalmente delirante e foi internado. A médica chamou a mim e a minha
mulher para conversar. Eu disse: coração adoece, rim adoece sem que a sociedade
seja culpada de nada. O cérebro é o único órgão que não adoece por si? A senhora
não acha que uma pessoa pode nascer com uma deficiência fisiológica no cérebro?
O que está por trás de tudo isso é uma visão equivocada.
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Para (não) Finalizar
Vimos que a saúde mental é um campo muito complexo. Em vista disso, não é possível atuar nessa
área com instrumentos estanques e acreditando em fórmulas milagrosas. Ao contrário, a atuação
em saúde mental é uma eterna construção, reatualizada a cada paciente, a cada família, tendo em
vista que cada ser humano é único e singular.
Aprendemos, também, que uma visão, uma disciplina não dá conta desse vasto campo. Desse modo,
é cada vez mais evidente a importância da atuação de equipes interdisciplinares, cujos membros não
só acrescentem suas visões, mas efetuem trocas de conhecimento, promovendo verdadeiros diálogos.
A disciplina não pretendeu, de forma alguma, esgotar o assunto, mas teve o objetivo de apresentar
um panorama introdutório, com alguns aprofundamentos, no intuito de fornecer algumas noções
essenciais e, ao mesmo tempo, instigar ao aprofundamento das questões abordadas e incentivar
futuras pesquisas, pois o limite do aprendizado é você, aluno, quem traça.
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Referências
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Janeiro: FIOTEC/FIOCRUZ, 2003. v.3.
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REFERÊNCIAS
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_____. Sobre a Psicopatologia da vida cotidiana. Em Edição Standard das Obras Psicológicas
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REFERÊNCIAS
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de Janeiro: Imago, 2000.
Sites
Centro Cultural Ministério da Saúde <www.ccs.saude.gov.br>
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