Desenvolvimento Humano e Aprendizagem - Final

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Desenvolvimento Humano

e Aprendizagem

Brasília-DF.
Elaboração

Cecília Gomes Muraro Alecrim

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário
APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 5

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................... 6

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 8

UNIDADE I
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA.............................................. 11

CAPÍTULO 1
ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO: A CIÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO......... 11

CAPÍTULO 2
DESENVOLVIMENTO HUMANO................................................................................................. 14

UNIDADE II
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO............. 21

CAPÍTULO 1
VYGOTSKY – A PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA DO DESENVOLVIMENTO................................... 22

CAPÍTULO 2
PIAGET – A PSICOGÊNESE DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO................................................ 28

CAPÍTULO 3
WALLON – A PSICOGÊNESE DA PESSOA.................................................................................. 37

CAPÍTULO 4
AUSUBEL – A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA............................................................................ 44

UNIDADE III
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO............................................. 47

CAPÍTULO 1
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO............................................................................................. 47

CAPÍTULO 2
PROCESSOS DE INTERAÇÕES: MEDIADORES DO CONHECIMENTO (FATORES INTRAPESSOAIS,
INTERPESSOAIS E SOCIOAMBIENTAIS NO PROCESSO EDUCATIVO)............................................. 50

CAPÍTULO 3
RELAÇÃO AFETO-COGNIÇÃO................................................................................................ 54

UNIDADE IV
O ALUNO ADOLESCENTE..................................................................................................................... 58
CAPÍTULO 1
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA ADOLESCÊNCIA............................................................... 61

CAPÍTULO 2
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E AFETIVO NA ADOLESCÊNCIA..................................................... 66

CAPÍTULO 3
O AMBIENTE ESCOLAR DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO E A APRENDIZAGEM.... 69

PARA (NÃO) FINALIZAR....................................................................................................................... 76

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 79
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Gostaria de introduzir o nosso tema fazendo uma pergunta a você. Qual a importância de conhecer
sobre desenvolvimento humano quando trabalhamos com educação?

Esta pergunta é de fundamental importância para iniciarmos os nossos estudos! Você já parou para
pensar como procuramos explicar o desenvolvimento dos nossos alunos, principalmente daqueles
que apresentam alguma dificuldade para aprender? Estamos sempre buscando alguma explicação
para o comportamento por eles apresentados... Mas será que nossas explicações estão embasadas
em que tipo de conhecimento? Você já parou para pensar sobre isto? Você, de fato, já estudou sobre
as teorias do desenvolvimento humano de uma forma reflexiva?

O conhecimento acompanhado de reflexões críticas é de fundamental importância para a realização


de um bom trabalho pedagógico. As nossas escolas lidam com diferentes pessoas que aprendem
de diferentes maneiras. É importante que conheçamos sobre o desenvolvimento humano e a
aprendizagem para termos subsídios para refletir sobre cada um de nossos alunos e agir de forma
mais intencional e menos intuitiva.

Com esta intenção este módulo sobre “Desenvolvimento Humano e aprendizagem” foi elaborado.
Você estudará na Unidade I o percurso que o conhecimento sobre o desenvolvimento humano
percorreu ao longo dos anos para chegar ao que temos hoje. Estudará, também, sobre as correntes
de pensamento que influenciaram e que influenciam o pensamento psicológico sobre o tema
em questão.

Já na Unidade II você terá contato com os principais teóricos sobre o desenvolvimento humano.
Você estudará quatro autores – Vygotsky, Piaget, Wallon e Ausubel – que apresentam grande
influência nos atuais estudos na área e na prática docente.

A última unidade apresenta temas importantes tais como, “desenvolvimento cognitivo”, “processos
de interações: mediadores do conhecimento (fatores intrapessoais, interpessoais e socioambientais
no processo educativo)” e “relação afeto-cognição” que, pautados nas teorias estudadas na Unidade
II, têm como objetivo contribuir para a sua ação pedagógica.

Esperamos que você aproveite bem seus estudos e que eles possam contribuir, de fato, para o seu
sucesso enquanto educador!

Objetivos
»» Compreender a constituição do sujeito, abordando o seu desenvolvimento em suas
interações físicas, simbólicas, sociais, culturais e histórias, contextualizando-as no
amplo ambiente pedagógico em que as ações do educador e do educando convergem
para a construção do conhecimento.

8
»» Reconhecer as exigências necessárias ao ato de ensinar que ocorrem na
intermediação do educador, conteúdos e educandos que deverão apreendê-los com
significados concretos e mediatizados pelo mundo, como sujeitos histórico-sociais
envolvidos pelas dimensões do processo educativo.

»» Analisar de modo crítico e compreensivo as contribuições essenciais, as limitações


e as particularidades das diversas teorias da aprendizagem consideradas para a
compreensão do processo educativo, estabelecendo pontos básicos de concordância
e aplicabilidade.

»» Conhecer as principais tendências da Psicologia Educacional na atualidade, bem


como as suas contribuições para a Educação percebendo que é preciso reinventar
os espaços educativos como locais de trabalho ao ressignificar a si mesmo como
pessoas e profissionais da educação.

9
A CONSTITUIÇÃO
DO SUJEITO: UNIDADE I
CONSIDERAÇÕES À
LUZ DA PSICOLOGIA

CAPÍTULO 1
Estudo do desenvolvimento humano: a
ciência do desenvolvimento humano
.

Da identidade pessoal para a coletiva há um caminho que se deve percorrer. Quem


somos e como vivemos passam a ser questões essenciais a qualquer intervenção
que possa ter o sentido de transformação social. Trazendo para a psicologia este
debate, pode-se dizer que durante muito tempo o psicólogo procurou se envolver
com aspectos da identidade pessoal, entendendo que, ao lidar com os problemas
de uma criança na escola bastaria, para seu trabalho, que procurasse entender
elementos de sua constituição pessoal, no máximo familiar, sem incluir seu
entendimento sobre a realidade, a compreensão dos espaços sociais em que ela
se desenvolve (RAQUEL GUZZO, 2003).

Antes de iniciarmos os estudos sobre as teorias do desenvolvimento humano, iremos conhecer,


brevemente, o caminho que a psicologia do desenvolvimento percorreu e como foi o seu encontro
com a educação.

Vivemos, no século XX, um movimento de democratização da escola. Até então a escola era reservada
aos filhos da elite que, muitas vezes, concluíam seus estudos em escolas europeias. Com o crescimento
do setor industrial no Brasil, seguido de uma crescente urbanização, a sociedade civil e a burguesia em
ascensão iniciaram um movimento que defendia a escola para todos, no sentido de construção de uma
sociedade mais justa e igualitária, discurso esse que encontramos ainda na atualidade.

O grande aumento de escolas e o número crescente de alunos matriculados fizeram com que diferentes
camadas da população passassem a ter acesso à escola. A escola, por sua vez, estava preparada para
trabalhar com “os filhos dos ricos”, ou seja, o conteúdo curricular era todo voltado para as necessidades
e cultura de uma elite e em nada se preocupava com a realidade das camadas mais populares.

Uma escola democrática não deve se preocupar apenas com a quantidade de matrícula. Deve, sim,
trabalhar a partir das experiências de vida de nossos alunos e procurar conhecer as características
psicológicas e socioculturais deles, com o objetivo de adequar a proposta didático-pedagógica, para
que de fato, aprendam e possam fazer parte de uma sociedade mais justa e igualitária.

11
UNIDADE I │ A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA

Porém, o que se vivenciou foi uma escola que partia de uma visão da elite, pouco considerando as
reais necessidades de sua população. Ao se deparar com a diversidade, os problemas começaram
a aparecer. Ou seja, muitos alunos passaram a fracassar na escola, não conseguindo concluir os
seus estudos. Os educadores, na tentativa de solucionar o problema do fracasso escolar, passaram
a buscar na psicologia o conhecimento necessário para o sucesso dos alunos. Houve aí o encontro
entre a psicologia e a educação.

A psicologia, por sua vez, é uma ciência nova. A profissão do psicólogo foi regulamentada somente na
década de 1960. O que existia, anteriormente, era a psicologia apenas como área de conhecimento
que influenciava a medicina e a educação. Porém, os estudos psicológicos do final do século XIX e
início do século XX eram realizados em laboratórios e focavam, principalmente, o indivíduo, não
considerando aspectos socioculturais. A preocupação estava na quantificação da inteligência, por
meio de testes psicológicos.

A psicologia atendeu ao chamado das escolas para procurar resolver o problema do fracasso escolar,
porém, segundo Alecrim (2005, p. 11), “o conhecimento psicológico, durante a primeira metade do
século XX, entrou nas escolas, com o objetivo de avaliar o aluno que não conseguia adaptar-se a
esse espaço. Os testes psicológicos eram realizados e, a partir deles, tratamentos eram prescritos”.
Assim, a psicologia do desenvolvimento passou a ser difundida no meio educacional, propondo-se a
explicar o fenômeno do não aprender.

A ciência do desenvolvimento humano passou a ocupar-se em descrever um desenvolvimento


normal da infância, como se todas as crianças se desenvolvessem da mesma forma. Teorias sobre o
desenvolvimento humano que procurava classificar as fases da vida infantil sem se preocupar com
uma contextualização crítica social e cultural passaram a ser difundidas nas escolas. Assim, criança
que não aprendia passou a ser vista como criança que não seguia um desenvolvimento “normal”.

Porém, se pensarmos que a escola estava preparada para trabalhar com uma pequena elite e não
com a diversidade cultural, social e psicológica que a frequentava e que a psicologia realizava seus
estudos em laboratórios e, também não levava em consideração essa diversidade, a criança passou a
ser o foco e o alvo do fracasso escolar. Ou seja, o problema do não aprender passou a ser identificado
e rotulado como dificuldade de aprendizagem e, portanto, a criança que não aprendia era vista como
um problema que deveria ser diagnosticado e tratado. O fato de a escola não estar preparada para
lidar com a diversidade de seus alunos era desconsiderado. Assim, a população das classes sociais
desfavorecidas era vista como desviante, como desadaptada e problemática. O conhecimento sobre o
desenvolvimento humano chegou à escola para resolver um problema, porém, acabou influenciando
seja naturalização, ou seja, o fracasso escolar passou a ser entendido como um problema do aluno
que se desviava de um desenvolvimento normal.

Será que nossas escolas ainda funcionam desta forma?

Será que quando meu aluno não consegue aprender eu olho para ele como
apresentando um problema psicológico ou procuro conhecer sua história
contextualizando-o a partir de todo um contexto sociocultural e rever minha
prática pedagógica?

12
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA │ UNIDADE I

Essas perguntas são muito importantes pois, muitas vezes, na nossa vivência escolar, sem
refletirmos, acabamos rotulando nossos alunos. Esse conhecimento psicológico que rotula ainda faz
parte do nosso dia a dia. Ele influenciou e ainda influencia muito a nossa prática. Você, professor,
profissional da educação, deve estar sempre refletindo sobre o seu aluno. Deve tomar muito cuidado
com teorias psicológicas que procuram explicar o seu desenvolvimento sem um comprometimento
com sua vida, sem levar em consideração o seu contexto, sua cultura e sua história de vida pessoal.

Como vimos, ainda vivenciamos práticas escolares excludentes que são influenciadas, também, por
teorias do desenvolvimento humano descontextualizadas, pouco práticas e pouco efetivas. Porém, a
psicologia do desenvolvimento humano já se modificou e, aos poucos, esse novo conhecimento está
chegando aos espaços educacionais e influenciando de forma positiva a prática pedagógica.

No final da década de 1970 e início da década de 1980, iniciou-se um forte movimento de crítica ao
trabalho do psicólogo na educação. Essas críticas vieram de encontro ao que vimos anteriormente. A
psicologia do desenvolvimento passou a não focar apenas o sujeito que não aprende, mas procurou
buscar em outras ciências como antropologia, história, biologia, neurologia... os conhecimentos
necessários para compreender o ser humano.

Esse novo conhecimento parte do princípio de que o ser humano não se desenvolve sozinho, ele está
inserido em um meio social e, a partir da sua experiência, ao longo da vida, vai se constituindo. Isso
é diversidade. Ou seja, ninguém é igual a ninguém. Mesmo gêmeos univitelinos, que vivem juntos
toda sua vida, são diferentes em alguns aspectos. O que poderiamos dizer das pessoas que vivem
em lugares completamente diferentes um dos outros. O que podemos esperar? Não dá para pensar
que todos se desenvolvem da mesma forma. Cada pessoa é única e mesmo possuindo características
humanas biológicas comuns (pois todos somos da mesma espécie) vivencia, ao longo da sua vida,
experiências únicas que a faz diferente de todas as outras pessoas.

Sendo assim, a psicologia do desenvolvimento humano, ao entrar na escola para contribuir com o
sucesso escolar, passa a considerar não apenas o indivíduo, que aprende ou não aprende, mas toda
uma gama de relações, em que o aluno é visto como um ser social, cultural, biológico e psicológico.

13
CAPÍTULO 2
Desenvolvimento humano

Vimos, no capítulo anterior, que o conhecimento psicológico a respeito do desenvolvimento humano


vem se modificando. A visão de que o homem se desenvolve de forma ativa, ou seja, influenciando
e sendo influenciado pelo seu meio social e cultural é relativamente recente. Como vimos, nossa
prática pedagógica ainda se apresenta fortemente influenciada por conhecimentos psicológicos que
desconsideram o papel da interação entre fatores internos e externos nesse desenvolvimento.

Quando falamos em conhecimento devemos pensar que ele não nasce do nada, não brota da nossa
cabeça sem receber nenhuma influência. Todo conhecimento é construído ao longo do tempo e é
influenciado por diferentes ideias e concepções. Você é capaz de compreender o mundo em que
vive devido a toda uma construção anterior de conhecimentos. Imagine se pudéssemos trazer um
homem das cavernas para os dias de hoje. Com certeza ele viveria uma confusão! Levaria muito
tempo para conseguir compreender muitas coisas que, para nós, são muito simples.

Vamos pensar na explicação para a vida humana. Existem pessoas que, a partir da religião e de
acordo com ela, explicam a vida humana de forma diferente. Já um cientista a explicar a partir do
ponto de vista da ciência. Ou seja, diferentes concepções sobre a vida humana influenciam o nosso
pensamento e, portanto, a nossa compreensão de a vida.

Essas diferentes concepções que vão sendo construídas, ao longo da história da sociedade,
influenciam, também, o conhecimento científico. Esse não é neutro como muitos afirmam, mas
influenciado por diferentes concepções e pela compreensão atual do mundo. Se pensarmos na física
antes de Einstein podemos perceber que ela tinha uma compreensão diferente dos fenômenos. Não
que ela estivesse errada, mas faltava uma compreensão diferente para que alguns fenômenos físicos
pudessem ser explicados.

Assim acontece, também, com a psicologia. O seu conhecimento vem sendo construído e reelaborado.
Diferentes concepções sobre o homem e o seu desenvolvimento influenciaram e influenciam a
nossa compreensão.

Estudaremos, neste capítulo, três concepções diferentes sobre o desenvolvimento humano. As duas
primeiras, denominadas inatistas e ambientalistas, já foram superadas em termos de conhecimento,
porém ainda influenciam a nossa prática escolar. Já a terceira, denominada interacionista, influencia
as teorias sobre desenvolvimento humano que estudaremos nas próximas unidades.

Concepção Inatista
.

Conforme definição encontrada no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

Inato adj. 1 que pertence ao ser desde o seu nascimento, inerente, natural, congênito
<talento i. >

14
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA │ UNIDADE I

2 Filosofia: No cartesianismo, que se origina da mente, sem qualquer mescla com


a experiência sensível nem influência da imaginação criadora (diz-se da ideia) cf.
adventício e factício.

3 por extensão de sentido na filosofia moderna, que tem sua origem em ou deriva
de ou é inerente à mente ou à constituição do intelecto, em lugar de ser adquirido
com a experiência.

Sinônimo de Próprio – [... ] 1 que pertence ao sujeito [... ] 3 que só existe em relação
a um sujeito, a uma maneira de ser intrínseca a este e que o caracteriza; inerente,
peculiar, típico <jeito p. agir> [... ]

Ao ler a definição da palavra “inato” como você imagina que a concepção inatista
influencia o conhecimento sobre o desenvolvimento humano?

A concepção inatista do desenvolvimento apresenta-nos o homem que já nasce pronto, programado


a apresentar os comportamentos ao longo da sua vida. As experiências por ele vivenciadas pouco
influenciarão o seu desenvolvimento, pois o que move as suas aprendizagens são fatores internos.

A concepção inatista parte do pressuposto de que os eventos que ocorrem após


o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o desenvolvimento.
As qualidades e capacidades básicas de cada ser humano – sua personalidade,
seus valores, hábitos e crenças, sua forma de pensar, suas reações emocionais
e mesmo sua conduta social – já se encontrariam basicamente prontas e em
sua forma final por ocasião do nascimento, sofrendo pouca diferenciação
qualitativa e quase nenhuma transformação ao longo da existência. O papel do
ambiente (e, portanto, da educação e do ensino) é tentar interferir o mínimo
possível no processo do desenvolvimento espontâneo da pessoa.

(DAVIS; OLIVEIRA, 2008, p. 27)

Essa concepção sobre o desenvolvimento humano sofre influência da teologia e de uma


compreensão errônea sobre o conhecimento biológico. A influência da teologia diz respeito à
ideia de que Deus criou o homem em sua forma definitiva, havendo pouco a se fazer após o seu
nascimento. O destino dele já está selado antes mesmo do seu nascimento. Já a influência do
conhecimento biológico diz respeito a uma compreensão errônea de teorias como a evolucionista
de Darwin e a Genética.

A interpretação da teoria evolucionista fez com que a ideia de que “os mais fortes é que sobrevivem aos
impactos ambientais” desconsiderasse o ambiente como fator fundamental para o desenvolvimento.
A superficialidade da interpretação fez com que parecesse que o indivíduo por si só conseguiria
sobreviver ou não, ou seja, os fatores ambientais seriam incapazes de exercer um efeito direto tanto
na espécie quanto no organismo. Se pararmos para refletir sobre essa teoria, poderemos verificar
que os impactos ambientais foram decisivos sobre o ciclo de vida dos membros de cada espécie. O
meio externo, portanto, é fundamental para o desenvolvimento da espécie.

15
UNIDADE I │ A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA

A teoria genética é também uma influência para a concepção inatista. Mais uma vez, de forma
superficial, a teoria é interpretada como se os genes fossem responsáveis por todas as manifestações
de comportamentos do homem. Como se as experiências vivenciadas pouco alterassem o curso de
vida, já programado geneticamente.

Podemos verificar que não há base empírica para a concepção inatista, o que existem são
compreensões superficiais de teorias que procuram explicar o comportamento humano. Porém, a
concepção inatista exerce grande influência sobre a interpretação de teorias psicológicas e sobre a
nossa ação. Quantas vezes nos pegamos falando o seguinte: “filho de peixe, peixinho é!” Ou quantas
vezes acreditamos que uma criança que apresenta uma deficiência mental seja incapaz de aprender
a ler e a escrever. Ou quantas vezes acreditamos que o aluno hiperativo só ficará melhor quando
tomar algum tipo de medicação. Ou ainda que aquele “fulano de tal” é burro e que não adianta
fazermos nada por ele porque ele não consegue aprender.

Se pararmos para pensar no cotidiano escolar, veremos que muito pensamos a partir da visão
inatista. Procuramos explicar muitos comportamentos a partir dessa visão sem uma maior reflexão.
Tal fato nos leva a vivenciar um dia a dia escolar repleto de preconceitos que são muito prejudiciais
ao trabalho escolar.

Concepção Ambientalista
A concepção ambientalista apresenta-se como oposta à concepção inatista, ou seja, tudo é aprendido.
O organismo, a maturação biológica, aspectos genéticos não influenciam em nada o desenvolvimento
e o comportamento humano. A experiência sensorial é a fonte do conhecimento.

Na psicologia, o grande defensor dessa posição foi B. F. Skinner, que propôs a teoria comportamentalista
também conhecida como behaviorismo.

Na concepção do comportamento defendida por Skinner e seus seguidores, o papel


do ambiente é muito mais importante do que a maturação biológica. Na verdade,
são os estímulos presentes numa dada situação que levam ao aparecimento de um
determinado comportamento. Como isso ocorre?

Segundo os ambientalistas (ou comportamentalistas, também chamados de


behavioristas, do inglês behavior = comportamento), os indivíduos buscam
maximizar o prazer e minimizar a dor. Manipulando-se os elementos presentes no
ambiente – que, por esta razão, são chamados de estímulos – é possível controlar
o comportamento: fazer com que aumente u diminua a frequência com que ele
aparece; fazer com que ele desapareça ou só apareça em situações consideradas
adequadas; fazer com que o comportamento se refine e se aprimore etc. Daí o motivo
pelo qual se atribui à concepção ambientalista uma visão do indivíduo enquanto ser
extremamente reativo à ação do meio.

Mudanças no comportamento podem ser provocadas de diversas maneiras. Uma


delas requer uma análise das consequências ou resultados que o mesmo produz no

16
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA │ UNIDADE I

ambiente. As consequências positivas são chamadas de reforçamento e provocam


um aumento na frequência com que o comportamento aparece. Por exemplo, se
após arrumar os seus brinquedos (comportamento), a criança ouvir elogios de sua
mãe (consequência positiva), ela procurará deixar os brinquedos arrumados mais
vezes, porque estabeleceu uma associação entre esse comportamento e aquele da
sua mãe. Já as consequências negativas recebem o nome de punição e levam a uma
diminuição na frequência com que certos comportamentos ocorrem. Por exemplo,
se cada vez que João quebrar uma vidraça ao jogar bola (comportamento), ele for
obrigado a pagar pelo estrago (consequência negativa), ele passará a tomar cuidado
ao jogar, diminuindo os estragos em janelas.

[...]

Na visão ambientalista, a ênfase está em propiciar novas aprendizagens, por meio


da manipulação dos estímulos que antecedem e sucedem o comportamento.
Para tanto, é preciso uma análise rigorosa da forma como os indivíduos atuam
em seu ambiente, identificando os estímulos que provocam o aparecimento
do comportamento-alvo e as consequências que o mantém. A esta análise
dá-se o nome de análise funcional do comportamento. Nela defende-se o
planejamento das condições ambientais para a aprendizagem de determinados
comportamentos.

Fonte: Davis & Oliveira, ,2008, p. 31-33

A visão ambientalista foi importante para o fazer pedagógico, pois passou a chamar atenção para
o papel do professor, que estava minimizado devido à concepção inatista. A partir dessa visão, o
professor foi chamado a planejar suas atividades, propiciando situações para que a aprendizagem
ocorresse.

Porém, essa visão influenciou principalmente a técnica de ensino, focando-se mais a forma de
ensinar que o aluno em si. Tal fato fez com que o ensino passasse a ser muito tecnológico e pouco
pessoal. As atividades passaram a ser programadas como fórmulas-padrão.

A principal crítica a essa concepção está no fato de que o aluno assume um papel passivo frente ao
ambiente, ou seja, seus comportamentos podem ser controlados e manipulados por qualquer pessoa
que conheça os recursos tecnológicos necessários. O indivíduo que raciocina e que, em contato com
seus colegas do grupo, possam alcançar a aprendizagem de forma espontânea é desconsiderado por
essa visão de homem.

Concepção Interacionista
Como o próprio nome já diz, essa concepção fala de interação. Mas interação de quê? Interação de
fatores inatos e de fatores ambientais. Se pensarmos nas duas concepções anteriormente estudadas,
veremos que as duas apresentam pontos importantes. O problema é a complexidade do ser humano
e tentar simplificá-lo acaba levando-nos a posições extremistas e, portanto, pouco válidas.

17
UNIDADE I │ A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA

Para os interacionistas tanto o meio quanto o organismo exercem influência entre si. Nós, seres
humanos, pertencemos a uma espécie de características semelhantes. Também pertencemos a
um núcleo familiar que nos coloca em condições diferentes ou semelhantes a de outras pessoas.
Apresentamos uma característica genética que influencia o curso de nosso desenvolvimento. Tudo
isso se apresenta como fatores inatos que atuam, sim, no nosso desenvolvimento.

Porém, mesmo apresentando todos esses fatores internos que nos predispõem a determinados
comportamentos, estamos inseridos em uma rede social que nos faz vivenciar experiências comuns a
um determinado grupo e únicas em determinadas situações. Essas experiências somadas a toda uma
construção cultural, anterior até ao nosso nascimento, são, também, fatores de grande influência
para o nosso desenvolvimento. Ou seja, os fatores ambientais são importantes, sim, para o curso
de nossas vidas. Mas nós não somos seres passivos frente ao mundo que nos cerca. Pelo contrário,
a teoria interacionista defende o homem como ativo frente ao mundo. O homem é influenciado e
influencia o mundo em que vive.

A ação do homem no seu ambiente acarreta mudanças no meio e essas mudanças acarretam outras
no homem. Assim, vamos construindo nossa história pessoal e coletiva. Vamos nos transformando
e transformando o mundo reciprocamente construindo, dessa forma, a história da humanidade.

A teoria interacionista atribui um papel muito importante à relação entre as pessoas e dessas com
os objetos que a cercam. Desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características e sua visão
de mundo, a partir das relações que estabelece.

Leia o trecho a seguir.

Na Índia, onde os casos de meninos-lobos foram relativamente numerosos,


descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma
família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde.
Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano, e o seu
comportamento era exatamente semelhante àquele dos seus irmãos lobos.

Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os


pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos.

Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentava de carne crua ou poder,


comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo
os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas
e prostradas numa sombra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando
fugir e uivando como lobos. Nunca choravam ou riam. Kamala viveu oito anos na
instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela necessitou de seis anos
para aprender a andar e pouco antes de morrer só tinha um vocabulário de 50
palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos.

Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente
às pessoas que cuidaram dela e às outras com as quais conviveu.

18
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA │ UNIDADE I

A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos, inicialmente,


e depois por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar
ordens simples.

Fonte: Davis e Oliveira (2008, p.16)

A história apresentada é verídica e demonstra como a nossa condição de humano depende das
interações que vivenciamos. Se crescermos entre os lobos, desenvolveremos-nos como tais. Até o
nosso corpo físico vai se adaptando à vida dos lobos.

O convívio social é fator determinante para o nosso desenvolvimento e o curso de nossas vidas pode
ser modificado a partir das redes sociais a estabelecidas. É claro que as nossas vivências anteriores
não se apagam, mas elas não são fatores estanques que imobilizam o nosso desenvolvimento. É
importante a compreensão de que estamos constantemente em desenvolvimento e que esse se dá a
partir da interação entre o organismo e o meio em que se está inserido.

Nesse enfoque teórico, não há como se pensar em um homem individual, dono absoluto de sua vida,
pois ele se forma a partir de um movimento histórico e cultural. Nós pensamos o que pensamos e
somos quem somos em consequência de anos de história que construíram a sociedade, bem como
todo o seu conhecimento. A ideia de natureza humana deixa de existir, cedendo lugar à ideia de
condição humana, ou seja, como nos diz Bock (2000, p. 16), “conforme vamos mudando nossa vida
vamos mudando nossa forma de ser”.

O homem passa a ocupar um papel ativo na sociedade. Nenhum fenômeno psicológico existe e pode
ser explicado por si só, sem levar em consideração o momento histórico, cultural e social. A relação
indivíduo/sociedade é vista como uma relação dialética, na qual um constitui o outro. O homem se
constrói ao construir sua realidade.

Assim, não podemos mais conceber o homem individual, mas, sim, o homem social. Ninguém se
desenvolve sozinho; mesmo o autoditada precisa dos livros que foram escritos por alguém. E se
necessitamos dos outros para nos desenvolver, estamos falando em aprendizagens que vamos tendo
ao longo da nossa vida. Portanto, quando falamos em desenvolvimento humano, estamos falando
em aprendizagem.

Para que a apropriação das características humanas se dê, é preciso que ocorra
atividade por parte do sujeito: é necessário que sejam formadas ações e operações
motoras e mentais, como, por exemplo, empilhar, puxar, comparar, ordenar.

A formação dessas habilidades se dá ao longo da interação do indivíduo com


o mundo social. Ele deve dominar o uso de um número cada vez maior de
objetos e aprender a agir em situações cada vez mais complexas, buscando
identificar os significados desses objetos e situações.

A Psicologia do desenvolvimento pretende estudar como nascem e como se


desenvolvem as funções psicológicas que distinguem o homem de outras
espécies. Ela estuda a evolução da capacidade perceptual e motora, das
funções intelectuais, da sociabilidade e da afetividade do ser humano. Descreve

19
UNIDADE I │ A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA

como essas capacidades se modificam e busca explicar tais modificações. Por


intermédio da Psicologia do Desenvolvimento é possível constatar que as
manifestações complexas das atividades psíquicas no adulto são frutos de
uma longa caminhada. Daí a importância desta disciplina para a Pedagogia:
subsidiar a organização das condições para a aprendizagem infantil, de modo
que se possa ativar, na criança, processos internos de desenvolvimento, os
quais, por sua vez, serão transformados em aquisições individuais. (DAVIS;
OLIVEIRA, 2008, p. 19-20. )

Ao extrapolar o entendimento da ação do pedagogo a outros espaços, que não só o da a escola e o


do trabalho com crianças, continuamos a pensar da mesma forma. Como já foi dito anteriormente
estamos em constante desenvolvimento e, portanto, ao conhecermos sobre a psicologia do
desenvolvimento podemos subsidiar a organização das condições para a aprendizagem da criança,
do adulto e do idoso.

Estudaremos, nas próximas unidades, teorias sobre o desenvolvimento humano e sobre a


aprendizagem que partem da concepção interacionista para compreender o curso de nossas vidas.

Reflita sobre o seu próprio desenvolvimento. Escreva sobre o seu grupo sociocultural
e sobre características pessoais herdadas de seus antepassados. Verifique como,
pelas suas experiências, você foi se tornando quem é hoje e como foi ficando
diferente das pessoas que o cercam. Não precisa ser uma descrição extensa!

Encaminhe para o e-mail do tutor da disciplina.

20
CONTRIBUIÇÕES DAS
PRINCIPAIS TEORIAS
PSICOLÓGICAS UNIDADE II
AO ESTUDO DO
DESENVOLVIMENTO

Vimos, na Unidade I, que nos desenvolvemos a partir das relações que estabelecemos ao longo de
nossa história e de todo um aparato orgânico. Mas, e a origem e a evolução dos nossos processos
psicológicos? Como vamos adquirindo conhecimentos cada vez mais complexos? Como processos
psicológicos elementares vão se especializando a ponto de podermos memorizar tantas coisas,
prestar atenção por horas em algo que nos interessa, pensar de forma abstrata, fazer generalizações,
criar, ter vontade própria, aprender?

Essas inquietações passaram pela cabeça de alguns teóricos que buscaram, com seus estudos,
respondê-las. Essa busca sobre as origens, sobre a gênese dos processos psíquicos é conhecida como
Psicologia Genética.

A palavra genética, nesse caso, não corresponde à biologia como estamos acostumados a vir mas,
sim, ao estudo da origem e evolução do desenvolvimento humano a partir de estudos sobre a gênese
dos processos psicológicos.

Então, iremos estudar, na Unidade II, autores que desenvolveram teorias psicogenéticas.
Estudaremos brevemente cada uma dessas teorias, pois não é objetivo do curso nos aprofundarmos
no assunto. Além do que, todas são bastante complexas e conhecê-las a fundo demandaria um curso
específico.

O que pretendemos é que você compreenda os fatores que envolvem o processo de


desenvolvimento humano e, consequentemente, da aprendizagem, para que esse conhecimento
seja útil na sua prática pedagógica. Vamos começar?

21
CAPÍTULO 1
Vygotsky – A perspectiva sócio-histórica
do desenvolvimento
.

A postulação de que o cérebro, como órgão material, é a base biológica do


funcionamento psicológico toca um dos extremos da psicologia humana: o homem,
enquanto espécie biológica, possui uma existência material que define limites e
possibilidades para o seu desenvolvimento. O cérebro, no entanto, não é um sistema
de funções fixas e imutáveis, mas um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja
estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie
e do desenvolvimento individual.

(OLIVEIRA, 1997).

Vygotsky nasceu, em 1896, na extinta União Soviética e morreu em 1934. Foi professor e pesquisador
nas áreas de psicologia, pedagogia, filosofia, literatura, deficiência física e mental. Fazia parte de um
grupo de jovens intelectuais da Rússia pós-revolução, que trabalhava num clima de idealismo e
efervescência intelectual. Baseou-se no materialismo histórico e na dialética de Marx.

Vygotsky e o grupo de pesquisadores, do qual fazia parte, procuraram realizar uma síntese entre
duas tendências presentes na psicologia do início do século; a psicologia como ciência natural e
a psicologia como ciência mental. Síntese, para a dialética, significa algo além da soma entre dois
elementos. Portanto, Vygotsky e seus companheiros buscavam algo novo, algo que surge a partir
da interação entre os dois elementos iniciais. Dessa forma, “a abordagem que busca uma síntese
para a psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto
ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo
histórico. ” (OLIVEIRA, 1997).

Para Vygotsky, as funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade
cerebral, porém o cérebro não é um sistema de funções fixas, ou seja, suas funções se modificam a
partir das necessidades vivenciadas pelo homem. O nosso cérebro é dotado de plasticidade, podendo
ser moldado pela ação de elementos externos.

Dessa forma, o cérebro não é o único responsável pelo nosso funcionamento psicológico. A sua
estrutura é importante para esse funcionamento, mas dependemos, também, das relações sociais
que estabelecemos com o mundo exterior. E essas relações se desenvolvem num processo histórico,
ou seja, relacionamo-nos com o mundo de forma diferente de nossos antepassados. Assim, de acordo
com o desenvolvimento da cultura e das suas construções, vamos também nos desenvolvendo.

A teoria sócio-histórica dá grande ênfase à cultura fazendo parte essencial da nossa constituição
humana. Você se lembra da história das meninas criadas por lobos? Elas não se desenvolveram
fazendo parte da nossa cultura, suas funções psicológicas não se desenvolveram como as de uma
criança que é criada entre humanos. Esse é um caso extremo, mas se pararmos para pensar em

22
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

diferenças culturais entre pessoas criadas em diferentes países, como Japão e Brasil, por exemplo,
podemos constatar diferenças em seu desenvolvimento e na forma de aprendizagem. Encontramos
diferenças significativas entre crianças da zona rural e da zona urbana, o que faz com que nós,
professores, tenhamos que considerar, sempre, a cultura de nossos alunos, para que tenhamos
condições de compreender seus processos de aprendizagem.

Um conceito fundamental para a teoria que estamos estudando é o conceito de mediação. Como
vimos, nós nos desenvolvemos a partir das relações que estabelecemos com o mundo que nos cerca.
Porém, para Vygotsky, essas relações não se estabelecem de forma direta, mas a partir de uma relação
mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo.

A partir desses elementos intermediários vamos desenvolvendo nossas funções psicológicas superiores.

O ser humano tem a possibilidade de pensar em objetos ausentes, imaginar


eventos nunca vividos, planejar ações a serem realizadas em momentos
posteriores. Esse tipo de atividade psicológica é considerada ‘superior’ na
medida em que se diferencia de mecanismos mais elementares tais como
ações reflexas (a sucção do seio materno pelo bebê, por exemplo), reações
automatizadas (o movimento da cabeça na direção de um som forte repentino,
por exemplo) ou processos de associação simples entre eventos (o ato de evitar
o contato da mão com a chama da vela, por exemplo). (OLIVEIRA, 1997, p. 26)

Oliveira (1997) nos apresenta um exemplo interessante que ilustra bem a diferença entre processos
elementares e processos superiores. Ela nos diz que é possível ensinarmos um animal a acender a
luz em um quarto escuro. Mas seria impossível que o animal, voluntariamente, deixasse de acender
a luz caso visse alguém dormindo no quarto. Esse seria um comportamento tipicamente humano.
Nós somos capazes de tomar uma decisão a partir de uma informação nova, sem a necessidade
de um adestramento. O comportamento intencional, voluntário, é um exemplo de comportamento
superior tipicamente humano.

Assim, vamos desenvolvendo nossos processos psicológicos superiores a partir de dois elementos
mediadores: os instrumentos e os signos.

Instrumentos: objetos que utilizamos no dia a dia para a realização de algo. Os instrumentos são
construídos ao longo da história da humanidade e carregam consigo a função para a qual foram
criados. O homem é capaz de construir instrumentos e guardá-los para uso futuro, preservando sua
função como conquista a ser transmitida a outras pessoas do seu grupo social, sendo perpassados
para gerações futuras. Esse uso de instrumentos é característica exclusiva do homem. Os animais
utilizam instrumentos apenas para transformar seu ambiente em um momento específico, mas não
são capazes de desenvolver sua relação com o meio num processo histórico-cultural, como o homem.

Signos: elementos que representam ou expressam outros objetos, eventos, situações. As palavras
que dão nome aos objetos são signos, representativos de um determinado objeto. Uma placa de
trânsito do tipo é um signo que indica “proibido estacionar”.

Os signos agem como um instrumento da atividade psicológica e são chamados, por Vygotsky, de
“instrumentos psicológicos”. Constituem ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e
não nas ações concretas, como os instrumentos.

23
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

São inúmeras as formas de utilizar signos como instrumentos que auxiliam no


desempenho de atividades psicológicas. Fazer uma lista de compras por escrito,
utilizar um mapa para encontrar determinado local, fazer um diagrama para
orientar a construção de um objeto, dar um nó num lenço para não esquecer
um compromisso são apenas exemplos de como constantemente recorremos
à mediação de vários tipos de signos para melhorar nossas possibilidades de
armazenamento de informações e de controle da ação psicológica. (OLIVEIRA,
1997, p. 30)

A possibilidade de usarmos os signos vai se modificando ao longo do nosso desenvolvimento.


Isso se dá justamente pelo fato de eles constituírem funções psicológicas mais sofisticadas. Uma
criança de três anos dificilmente será capaz de utilizar um mapa para encontrar determinado local,
já uma criança maior é capaz de se orientar por meio de mapas mais simples, e a possibilidade de
orientação por meio de mapas mais complexos irá aumentar à medida que o indivíduo se desenvolve.
Esse exemplo pode ilustrar, também, como o meio social e a cultura são importantes para o nosso
desenvolvimento. Dificilmente, um índio que vive sem contato com a nossa civilização será capaz
de se orientar na floresta por meio de um mapa. Ele, com certeza, desenvolveu outros elementos
internos para se orientar e, caso um de nós fosse visitá-lo, na floresta, sem um mapa para se orientar,
com certeza iria ficar absolutamente perdido!

As funções psicológicas superiores tornam-se cada vez mais sofisticadas à medida que nos
desenvolvemos. Ao longo do processo de desenvolvimento, os signos externos vão sendo
internalizados e passam a ser substituídos por signos internos, que são representações mentais
de objetos do mundo real. Dessa forma, o homem torna-se capaz de operar mentalmente sobre o
mundo, fazendo relações, planejando, comparando, lembrando.

Pense em como um bebê se relaciona com o mundo. Ele lida com os objetos de forma direta e aos
poucos vai sendo capaz de internalizá-los e de lidar com sua ausência. Uma criança pequena chora
muito quando sua mãe sai para trabalhar, porque ela não consegue lidar com a sua ausência, ela
não tem internalizados os elementos necessários para compreender que sua mãe está saindo e que
mais tarde irá voltar. Já uma criança maior é capaz de suportar essa ausência com mais facilidade.

Os signos utilizados por uma determinada cultura são compartilhados pelo grupo social, eles não
são signos isolados utilizados de forma particular. Quando aprendemos o significado de “cadeira” e
internalizamos esse conceito, passamos a compartilhá-lo com outros usuários da língua portuguesa,
ou seja, eu não preciso que uma cadeira esteja presente para que outra pessoa entenda o que eu estou
querendo dizer. Você está entendendo o que eu digo, não está? Você está entendendo porque nós
dois, eu e você, temos internalizado todo um código de escrita que vem sendo construído ao longo da
história da humanidade. As palavras aqui contidas estão internalizadas por nós dois e permitem que
nos relacionemos. Você está sendo capaz de me entender por meio da mediação da linguagem escrita.

O grupo cultural em que o indivíduo se desenvolve é que dará os meios para ele perceber e organizar
o mundo real.

Uma consequência importante das colocações de Vygotsky [...], é que os grupos


culturais em que as crianças nascem e se desenvolvem funcionam no sentido

24
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

de produzir adultos que operam psicologicamente de uma maneira particular,


de acordo com os modos culturalmente construídos de ordenar o real. É
importante mencionar que a dimensão sociocultural do desenvolvimento
humano não se refere apenas a um amplo cenário, um pano de fundo onde
se desenrola a vida individual. Isto é, quando Vygotsky fala em cultura não
está se reportando apenas a fatores abrangentes como país onde o indivíduo
vive, seu nível socioeconômico, a profissão de seus pais. Está falando, isto sim,
do grupo cultural como fornecendo ao indivíduo um ambiente estruturado,
onde todos os elementos são carregados de significado. Toda a vida humana
está impregnada de significações e a influência do mundo se dá por meio de
processos que ocorrem em diversos níveis. Assim, se o bebê é colocado para
dormir num berço, numa rede ou numa esteira, se quem alimenta a criança é
a mãe ou outro adulto, do sexo masculino ou feminino, se o alimento sólido é
levado à boca com a mão, talheres ou com palitos, se existem ou não escolas
ou outras instituições onde as crianças são submetidas a conteúdos culturais
considerados importantes, estes são apenas exemplos da multiplicidade de
fatores que definem qual é o mundo em que o indivíduo vai se desenvolver.
(OLIVEIRA, 1997, p. 38)

Para Vygotsky, o desenvolvimento se dá de “fora para dentro”, ou seja, primeiramente nós


realizamos ações externas que são interpretadas pelas pessoas ao nosso redor, de acordo com os
significados culturalmente estabelecidos. A partir dessas interpretações que os outros nos dão, das
nossas ações no mundo e do próprio mundo que nos cerca, é que passamos a atribuir significado
próprio sobre o mundo e desenvolvemos os processos psicológicos internos necessários para a
vida em sociedade.

Assim, a origem das funções psicológicas superiores é social e, portanto, histórica. É a partir das
relações sociais estabelecidas entre o indivíduo e os outros homens que somos capazes de internalizar
instrumentos e signos carregados de significado cultural, constituindo-nos enquanto pessoa.

Desenvolvimento e Aprendizado
Vygotsky buscou compreender a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos, porém
não chegou a formular uma teoria estruturada sobre o desenvolvimento humano que falasse sobre
o processo de construção psicológica desde a infância até a idade adulta. O que ele nos apresenta são
reflexões e dados de pesquisa sobre vários aspectos do desenvolvimento humano.

Um dos temas relevantes em sua obra é a importância dos processos de aprendizado. Para ele,
aprendizado e desenvolvimento estão intrinsecamente relacionados. Como vimos anteriormente,
somos seres sociais que nos desenvolvemos a partir das relações que estabelecemos ao longo de
nossa vida, portanto “existe um percurso de desenvolvimento, em parte definido pelo processo
de maturação do organismo individual, pertencente à espécie humana, mas é o aprendizado que
possibilita o despertar de processos internos de desenvolvimento que, não fosse o contato do
indivíduo com certo ambiente cultural, não ocorreriam.” (OLIVEIRA, 1997, p. 56).

25
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

Como vimos no caso das irmãs que foram criadas pelos lobos, elas se desenvolveram a partir do que
aprenderam com os lobos, ou seja, aprenderam comportamentos que não são humanos e, portanto,
não se comportavam como nós. Porém, como existia uma estrutura biológica humana, elas foram
capazes de, em contato com outros seres humanos, aprenderem e se desenvolverem como tais.

O desenvolvimento só ocorre na presença de situações propícias ao aprendizado. Isso nos traz a uma
reflexão muito importante para qualquer ambiente educacional. Todos nós, independente de idade,
deficiência, nível socioeconômico, somos capazes de aprender e estamos em constante desenvolvimento.
Porém, precisamos estar em contato com outras pessoas ou instrumentos que permitam nossa
aprendizagem. Necessitamos, para nos desenvolver, de situações propícias ao aprendizado.

Será que, de fato, acreditamos no potencial de aprendizagem de todos que nos


cercam? Será que, em alguns momentos, ao nos deparamos com um indivíduo
que apresenta dificuldades no seu processo de aprendizagem, acreditamos que
não temos muito a fazer, pois a pessoa é que não consegue aprender? Será que em
algumas situações nós não nos eximimos do processo de ensino-aprendizagem de
nossos alunos, focando a aprendizagem apenas no outro, como se ele fosse o único
responsável pelo seu desenvolvimento?

Vygotsky nos fala de dois tipos de desenvolvimento: o real e o potencial. O desenvolvimento real
diz respeito a tudo o que já conseguimos realizar sozinhos. Ao observarmos um aluno, podemos
verificar o que ele já consegue fazer sem a nossa ajuda, sem a interferência de um parceiro “mais
capaz”1 Estamos falando, então, do seu nível de desenvolvimento real.

Porém, existem algumas tarefas que só conseguimos realizar com a ajuda de alguém. Já a
conseguimos desempenhar, mas não sozinhos. Você se lembra quando aprendeu a dar um laço?
Inicialmente não o conseguia fazer, mas, depois com a ajuda de alguém, conseguiu realizar a tarefa,
para então, realizá-la de forma independente. Quando precisamos da ajuda de alguém mais capaz
para realizarmos uma tarefa estamos falando do nível de desenvolvimento potencial.

Esses conceitos são importantes, pois, na tarefa de educadores, muitas vezes nos preocupamos
em observar apenas o nível de desenvolvimento real de nossos alunos e deixamos de lado o seu
desenvolvimento potencial. O educador deve atuar exatamente em relação ao desenvolvimento
potencial de seus alunos, com a intenção de transformá-lo em desenvolvimento real.

Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela


interferência de outra é fundamental na teoria de Vygotsky. Em primeiro lugar
porque representa, de fato, um momento do desenvolvimento: não é qualquer
indivíduo que pode, a partir da ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. Isto é,
a capacidade de se beneficiar de uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer
num certo nível de desenvolvimento, mas não antes. Uma criança de cinco
anos, por exemplo, pode ser capaz de construir a torre de cubos sozinha; uma
de três anos não consegue construí-la sozinha, mas pode conseguir com a
assistência de alguém; uma criança de um ano não conseguiria realizar essa
tarefa nem mesmo com ajuda. Uma criança que ainda não sabe andar sozinha

1 O termo “mais capaz” neste texto diz respeito à capacidade de realizar a tarefa em questão. Não quer dizer que existam indivíduos
mais capazes do que outros.

26
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

só vai conseguir andar com a ajuda de um adulto que a segure pelas mãos, a
partir de um determinado nível de desenvolvimento. Aos três meses de idade,
por exemplo, ela não é capaz de andar nem com ajuda. A ideia de nível de
desenvolvimento potencial capta, assim, um momento do desenvolvimento
que caracteriza não as etapas já alcançadas, já consolidadas, mas etapas
posteriores, nas quais a interferência de outras pessoas afeta significativamente
o resultado da ação individual. ( OLIVEIRA, 1997, p. 60)

Esses conceitos nos fazem pensar sobre a nossa atuação. Muitas vezes insistimos que o indivíduo
aprenda algo para o qual ele ainda não está pronto. Ou, outras vezes, está em processo, mas como
não nos colocamos ao seu lado, no sentido de ajudá-lo a resolver a tarefa, acabamos interpretando
que ele não consegue e não investimos naquela aprendizagem.

A partir desses dois conceitos, Vygotsky desenvolveu um terceiro denominado zona de


desenvolvimento proximal, que significa “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que
se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em
colaboração com companheiros mais capazes”. (VYGOTSKY, 1998, p. 112)

Sendo assim, o que o indivíduo é capaz de realizar hoje com a ajuda de alguém mais capaz, ele será
capaz de realizar sozinho futuramente, portanto, a zona de desenvolvimento proximal é um domínio
psicológico em constante transformação. O aprendizado desperta processos de desenvolvimento que
vão se tornando funções psicológicas consolidadas no sujeito. Ao atuarmos na zona de desenvolvimento
proximal de nossos alunos, contribuímos para movimentar os seus processos de desenvolvimento.

Portanto, as relações interpessoais são fundamentais para que o aprendizado ocorra. Em qualquer
ambiente, cujo foco é o ensino, devemos nos preocupar com o tipo de intervenção pedagógica.
Devemos interferir na zona de desenvolvimento proximal de nossos alunos, atuando lado a lado,
fornecendo dicas, instruções, assistência e possibilitando que haja uma rica interação entre os
colegas. Sempre haverá algum aluno mais capaz para realizar uma determinada tarefa e ele poderá
contribuir para o desenvolvimento de seus colegas.

Devemos ter cuidado para não interpretar superficialmente a teoria de Vygotsky como diretiva,
em que o foco seja apenas a intervenção do professor, fazendo com que o aluno seja visto como
um ser passivo. Pelo contrário, a teoria sócio-histórica do desenvolvimento se preocupa em definir
um sujeito absolutamente ativo, capaz de reconstruir e reelaborar os significados que lhe são
transmitidos pelo grupo cultural.

Responda às questões:

1. O que são funções psicológicas superiores?

2. Como, segundo Vygotsky, desenvolvemos nossas funções psicológicas


superiores?

3. O que é “zona de desenvolvimento proximal”?

4. Qual a contribuição da teoria de Vygotsky à educação?

27
CAPÍTULO 2
Piaget – A psicogênese do
desenvolvimento cognitivo

Jean Piaget (Neuchâtel, 9 de Agosto de 1896 — Genebra, 16 de Setembro de 1980)


estudou inicialmente biologia, na Suíça, e posteriormente se dedicou à área de
Psicologia, Epistemologia e Educação. Foi professor de psicologia na Universidade
de Genebra de 1929 a 1954, e ficou conhecido principalmente por organizar o
desenvolvimento cognitivo em uma série de estágios.

Piaget foi biólogo, zoólogo, filósofo, epistemólogo e psicólogo. Esta experiência de


vida e uma vasta cultura científica impregnaram a sua obra com contribuições da
biologia, cibernética, matemática, filosofia e sociologia.

Escreveu mais de 100 livros e 600 artigos, alguns dos quais contaram com a
colaboração de Barbel Inhelder. Entre eles, destacam-se: Seis Estudos de Psicologia,
A construção do Real na Criança, A Epistemologia Genética, O Desenvolvimento
da Noção de Tempo na Criança, Da Lógica da Criança à Lógica do Adolescente, A
Equilibração das Estruturas Cognitivas.

Piaget desenvolveu estudos sobre os próprios processos metodológicos,


concretamente o método clínico e a observação naturalista. Estes métodos
correspondem a importantes avanços na investigação em psicologia.

Até morrer, Piaget estudou, escreveu, participou em congressos, polêmicas e


debates públicos. Foi um personagem destacado, pela forma empenhada, crítica,
interdisciplinar e criativa como orientou as suas investigações.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_piaget

Como os conhecimentos se formam?

Como se aplicam?

Como passam de um estado de menor conhecimento para um de maior


conhecimento?

Como você respondeu a essas questões? Em algum momento você já tinha parado para pensar sobre
como os conhecimentos se formam? Pois essas foram as inquietações de Piaget. Ele se baseou nessas
perguntas para desenvolver toda a sua teoria. Portanto, vamos estudar, neste capítulo, algumas
respostas que Piaget encontrou para essas perguntas.

Piaget também desenvolveu uma teoria interacionista que considera a importância da maturação
orgânica como suporte para o desenvolvimento, bem como dá importância fundamental à
estimulação proveniente do ambiente físico e social.

28
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

Para ele, desenvolvimento humano significa adaptação psicológica ao meio em uma constante busca
de equilíbrio. “O desenvolvimento, portanto, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua
de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior” (PIAGET, 1969, p. 11).

O ser humano, em qualquer estapa do seu desenvolvimento, procura compreender e explicar o


mundo em que vive. Porém, uma criança apresenta menos recursos cognitivos para desempenhar tal
tarefa, sua explicação, com certeza, será diferente da de um adulto. Mas, o seu interesse em conhecer
e explicar algo novo é o mesmo que move o adulto. Piaget nos diz que existem funções constantes
e comuns a todas as idades, que são chamadas de “invariantes do desenvolvimento”. Essas
invariantes constituem a função do interesse, da explicação. Já os interesses, bem como as formas
particulares de explicar os fenômenos, variam de acordo com as etapas de nosso desenvolvimento.
Uma criança de três anos, por exemplo, dificilmente conseguirá explicar a teoria da relatividade,
mesmo que tente. Já um adulto terá maiores recursos intelectuais para isso. Os interesses que nos
movem também são variáveis. Veja como uma criança pequena se encanta ao se deparar com um
brinquedo que solta bolinhas de sabão ou com o controle remoto da televisão ou com o telefone
celular. Para ela, tudo é novidade e o que a move no mundo é a descoberta. O adulto já teve muitos
anos de exploração do mundo à sua volta e pôde, à medida que suas funções psicológicas superiores
foram se constituindo, se interessar por fenômenos mais abstratos. O interesse em conhecer o
mundo é o mesmo na criança e no adulto, porém os interesses de cada um são variáveis.

Como vimos anteriormente, estamos sempre em busca de um maior equilíbrio. Portanto, ao nos
depararmos com algo novo, nossa inteligência procura conhecer e explicar esse “algo novo”. Porém,
em vários momentos, não conseguimos explicar o fenômeno desconhecido, pois nossa inteligência
não possui ainda os recursos necessários para tanto. Tal fato gera um desequilíbrio em nosso
organismo, que nos move a buscar uma nova conduta para reestabelecer o equilíbrio. Pense em
você estudando algo novo, difícil, mas que lhe interessa muito. Normalmente, a primeira vez que
você lê sobre o novo conteúdo, terá dificuldades para compreender toda a teoria apresentada, pois
ela apresenta termos e conceitos que não conhece. Isso, provavelmente, vai gerar um incômodo, um
desequilíbrio. Então, você procura se familiarizar com os novos termos, pesquisa sobre os conceitos
apresentados e, aos poucos, passa a ter condições de compreender todo o conteúdo apresentado, e o
equilíbrio se reestabelece. Você utilizou recursos psicológicos e conhecimentos anteriores e somou
a eles outros novos.

Assim, Piaget procura explicar a evolução da nossa inteligência, que passa por diferentes estágios.
Cada estágio se caracteriza pela aparição de estruturas originais, cuja construção o distingue dos
estágios anteriores. Nossa inteligência vai sendo construída (aí o termo construtivismo) passo a passo,
tijolo a tijolo.

O essencial dessas construções sucessivas permanece no decorrer dos


estágios ulteriores, como subestruturas, sobre as quais se edeficam as novas
características. Segue-se que, no adulto, cada um dos estágios passados
corresponde a um nível mais ou menos elementar ou elevado da hierarquia
das condutas. Mas a cada estágio correspondem também características
momentâneas e secundárias, que são modificadas pelo desenvolvimento
ulterior, em função da necessidade de melhor organização. Cada estágio

29
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

constitui então, pelas estruturas que o definem, uma forma particular de


equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentido de uma equilibração
sempre mais completa. (PIAGET, 1969, p. 14).

Piaget nos apresenta três conceitos que são fundamentais em sua teoria: esquemas, assimilação
e acomodação.

Esquema é uma estrutura mental que organiza a atividade humana, tanto para a ação quanto para a
atividade intelectual. Nós possuímos diferentes esquemas que estão em constante mudança. Imagine
um adulto que sabe andar de bicicleta. Ele vai à casa de um amigo e esse o convida para dar um passeio
de bicicleta. Esse objeto já é conhecido por ele, que já construiu anteriormente o esquema conceitual
sobre bicicleta, o que o faz identificar o objeto, mesmo que seja diferente do seu ou do primeiro que
conheceu. Ele possui também um esquema de ação que o permite subir na bicicleta e sair pedalando
sem cair. Esse passeio de bicicleta não trouxe nenhum desequilíbrio nem a necessidade de construção
ou adaptação de seus esquemas para que ele conseguisse desempenhar a tarefa.

Porém, imagine uma criança que nunca viu uma bicicleta. Ela terá que manipular o objeto, ir
aos poucos e, provavelmente, com a ajuda de alguém, compreendendo sua função e elementos.
Essa compreensão se dá, inicialmente, com a incorporação dos elementos novos apresentados
a esquemas já existentes, ou seja, a criança assimila o novo objeto. Porém, como ela não tem
ainda o esquema “bicicleta” formado, necessita construí-lo, ou seja precisa modificar estruturas
anteriormente construídas, acomodando a essas a novidade, possibiltando, assim, a construção
do novo conceito.

Portanto, a assimilação procura assinalar o mundo exterior às estruturas já constituídas. Já a


acomodação procura reajustar os esquemas em função das transformações ocorridas.

Neste momento, em que você está aprendendo uma nova teoria, está aplicando tudo o que vimos
até então. Está se deparando com vários termos e conceitos novos que lhe causam um desequilíbrio.
Mas você precisa aprender a teoria em questão, porém seus esquemas conceituais já constituídos
não são suficientes para que compreenda toda a teoria, então necessita modificá-los, reajustá-
los para que a teoria seja compreendida. Você precisa assimilar a teoria e acomodá-la em novos
esquemas conceituais.

Assim, quando você já conhece um determinado objeto, um cachorro, por exemplo, sempre que
você se deparar com esse tipo de animal você irá assimilá-lo ao esquema conceitual cachorro já
constituído. Não haverá, portanto, necessidade de acomodação. Porém, se você se deparar com algo
absolutamente novo, irá assimilar o objeto a algum esquema conceitual prévio, mas que precisa
ser modificado para “dar conta” de explicá-lo, ou seja, você precisará acomodar o pensamento, os
esquemas, ao novo objeto.

Portanto, a construção do conhecimento se dá da seguinte forma:

Equilibração
Assimilação Novos
ou
Acomodação ESQUEMAS
Adaptação

30
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

Esses conceitos estudados são fundamenatis para compreendermos a teoria de Piaget. Nós iremos
estudar os estágios de desenvolvimento apresentados na teoria. Porém, é importante ressaltar que
Piaget não fixou o desenvolvimento humano em fases e etapas, como muitos costumam dizer. Ele
categorizou fases para mostrar a evolução da inteligência humana, o que não significa que todos levem
o mesmo tempo para mudar de fase ou que devemos ficar preocupados em separar as crianças por
idade para que possamos trabalhar com elas. Essa ideia parte de uma leitura superficial da teoria, pois
ela apresenta o desenvolvimento de forma dinâmica e sempre em processo de construção. Porém,
como todos somos seres humanos e possuímos uma estrutura biológica semelhante e vivemos em
grupos culturais que nos faz semelhantes em vários aspectos, nós seguimos um caminhar psicológico
que pode ser estudado e descrito. O que não podemos é utilizar a teoria para igualar as pessoas e
achar que existe um desenvolvimento padrão, no qual uma criança que apresenta desenvolvimento
em ritmo diferente passa a ser encarada como desviante e, portanto, excluída de vários processos
educacionais e sociais.

Fase Sensório-Motora (0-2 anos)


Esta fase dura do nascimento até a aquisição da linguagem e é marcada por um extraordinário
desenvolvimento mental. Como o próprio nome já diz, é a fase em que a criança se utiliza de uma
inteligência prática, sensório-motora, para explorar e conhecer o ambiente a sua volta.

Quando o bebê nasce, ele apresenta apenas comportamentos reflexos e não se diferencia do mundo
que o cerca. Isso significa dizer que ele percebe tudo, inclusive ele mesmo, como uma coisa só. O
comportamento reflexo, ao ser repetido diversas vezes, vai se epecializando e se tornando mais
complexos, passando a constituir o ponto de partida para novas condutas adquiridas com a ajuda
da experiência. Assim, as pessoas e os objetos começam a existir para o bebê, mas ele ainda não está
totalmente diferenciado, ainda não se reconhece como um pessoa independente do meio.

Nessa fase, o bebê começa a apresentar uma capacidade de manipulação do espaço físico e, portanto,
começa a construir “esquemas senso-motores”. Para Piaget, essa construção é o início da inteligência
e ele a chama de “inteligência prática”. Para o autor,

a inteligência aparece, com efeito, bem antes da linguagem, isto é, bem


antes do pensamento interior que supõe o emprego de signos verbais (da
linguagem interiorizada). Mas é uma inteligência totalmente prática, que
se refere à manipulação dos objetos e que só utiliza, em lugar de palavras
e conceito, percepções e movimentos, organizados em esquemas de ação.
(PIAGET, 1969, p. 18)

Quando o bebê se utiliza de uma vareta para pegar uma bola embaixo do sofá, ele apresenta um ato
inteligente, pois precisou compreender antecipadamente a relação entre a vareta e a bola e planejar
a ação.

Ao final dessa fase, a criança apresenta uma inteligência prática, portanto, pouco reflexiva. Ela será
capaz de organizar o mundo em categorias do objeto e do espaço, da causalidade e do tempo, porém
todas a título de categorias práticas ou de ação. Ainda não estamos falando de pensamento.

31
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

Fase Pré-Operacional (2-7 anos)


Esta fase é marcada pelo aparecimento da linguagem que modifica consideravelmente a conduta
da criança, pois ela passa a ser capaz de reconstruir suas ações passadas sob forma de narrativas e
antecipar suas ações futuras por meio de representação mental. Essa evolução traz três importantes
consequências:

»» maior interação da criança com outras pessoas, ou seja, há o início da socialização


da ação. Repare em uma criança antes de completar dois anos de idade. Ela pode
até estar entre outras crianças, mas se socializa muito pouco e brinca sozinha. Ela
se detém mais nos objetos do que nas pessoas. Depois da aquisição da linguagem,
ela passa a interagir mais com outras crianças.

»» aparição do pensamento propriamente dito, ou seja, a interiorização da palavra. A


criança passa a apresentar uma linguagem interior. Não é assim que organizamos
nosso pensamento? Por meio de uma linguagem interior?

»» interiorização da ação, que deixa de ser absolutamente prática e passa a existir no


campo mental. A criança passa a ser capaz de planejar suas ações.

Nessa fase, a criança, portanto, começa a formar o seu pensamento e procura explicar, por meio
dele, o mundo que a cerca. Porém, ela ainda apresenta o que Piaget chama de egocentrismo. A
criança percebe o mundo a partir do seu ponto de vista e assim o explica, sem um preocupação
lógica com a organização do mundo real. Assim, você pode facilmente ouvir a seguinte resposta de
uma criança de cinco anos ao ser perguntada sobre o porquê da chuva: – Chove porque está muito
quente e a mamãe falou que já estava passando da hora de chover!

Para a criança, é impossível que algo aconteça sem que haja uma vinculação com ela ou com as
pessoas que a cercam. Para ela, compreender sobre a lógica da chuva, nesta idade, é muito difícil. A
criança, apresenta uma assimilação deformada da realidade à própria atividade.

O pensamento da criança apresenta-se de forma intuitiva, ou seja, ele se forma a partir da percepção
que a criança tem do fenômeno e, como ela se apresenta em um estado ainda egocêntrico, importa-
se pouco com a análise das relações existentes. Piaget relata vários experimentos com crianças para
comprovar sua teoria. Iremos relatar um que demonstra como se dá o pensamento intuitivo da criança.

Apresentam-se aos sujeitos seis a oito fichas azuis enfileiradas com pequenos
intervalos, e pede-se-lhes para pegar outras fichas vermelhas que poderão
tirar de um monte à disposição. Por volta de quatro a cinco anos em média, as
crianças construirão uma fileira de fichas vermelhas de mesmo tamanho que
as das azuis, mas sem se preocuparem com o número de elementos nem com a
correspondência termo a termo de cada ficha vermelha com a azul. Há, aí, uma
forma primitiva de intuição, que consiste em avaliar a quantidade somente pelo
espaço ocupado, isto é, pelas qualidades perceptivas globais da coleção focalizada,
sem se importar com a análise das relações. Por volta dos cinco a seis anos, por
outro lado, observa-se uma reação muito interessante: a criança coloca uma

32
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

ficha vermelha em frente a cada ficha azul, concluindo, desta correspondência


termo a termo, uma igualdade das duas coleções. No entanto, se afastarmos um
pouco as fichas extremas da fileira das vermelhas, de modo a que não fiquem
exatamente debaixo das azuis, um pouco ao lado, a criança que viu que não se
tirou nem acrescentou nada, avalia que as duas coleções não são iguais e afirma
que a fileira mais longa contém “mais fichas”. Colocando-se, simplesmente, uma
das fileiras em um pacote sem tocar na outra, a equivalência das duas coleções
perde mais ainda. Em suma, há equivalência enquanto existe correspondência
visual ou ótica. A igualdade não se conserva por correspondência lógica, não
havendo, portanto, uma operação racional, mas sim uma simples intuição. Esta
é a articulada e não mais global, permanecendo ainda intuitiva, isto é, submetida
ao primado da percepção. (PIAGET, 1969, p. 35)

O pensamento intuitivo apresenta-se de forma rígida e irreversível. Para Piaget, o conceito de


reversibilidade é importantíssimo. Reversibilidade é a capacidade de antecipação das consequências
e reconstituição dos estados anteriores. A criança, nessa fase, enquanto apresenta o pensamento de
forma intuitiva, é incapaz de reverter o estado das coisas, ou seja, o que ela percebe é o estado final,
o que aparece à sua frente. Ela é incapaz de rever todo o processo e inverter o pensamento de trás
para a frente.

Podemos exemplicar a questão da reversibilidade da seguinte forma.

Imagine dois copos de água, sendo um comprido e fino (A) e outro curto e largo (B)

A B

Você pega uma quantidade de água e enche os dois copos com a mesma quantidade.

Limite de
água

A B

Qual copo tem mais água?

Para você, essa parece uma pergunta muito óbvia! É claro que os dois copos têm a mesma quantidade
de água. Você é capaz de responder a esta pergunta corretamente porque o seu pensamento é
reversível, ou seja, mesmo vendo que em um dos copos a água está mais alta, você recorda que
anteriormente foi colocada a mesma quantidade de água em ambos os copos. O seu pensamento
é capaz de refazer todo o caminho percorrido e voltar ao início para chegar à conclusão adequada.

33
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

Porém, uma criança que ainda apresenta o pensamento intuitivo, responderá que há mais água
no copo comprido e fino. Ela dará essa resposta porque seu pensamento ainda é irreversível e ela
percebe apenas o que está concretamente à sua frente, sendo incapaz de reverter todo o pensamento,
transformando-o em uma operação.

Fase Operatória-Concreta (7-12 anos)


Iniciaremos a explanação sobre essa fase com as próprias palavras de Piaget.

Do ponto de vista das relações interindividuais, a criança, depois dos sete


anos, torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio
ponto de vista com o dos outros, dissociando-se mesmo para coordená-los.
Isto é visível na linguagem entre crianças. As discussões tornam-se possíveis,
porque comportam compreensão a respeito dos pontos de vista do adversário
e procura de justificações ou provas para a afirmação própria. As explicações
mútuas entre crianças se desenvolvem no plano do pensamento e não somente
no da ação material. A linguagem “egocêntrica” desaparece quase totalmente
e os propósitos espontâneos da criança testemunham, pela própria estrutura
gramatical, a necessidade de conexão entre as ideias e de justificação lógica.
(PIAGET, 1969, p. 43)

Essa fase marca o início da construção lógica do mundo que cerca a criança. A realidade passa a ser
estruturada pela própria razão da criança e, não mais, pela sua percepção. Ela passa a pensar antes
de agir, dando início à capacidade de reflexão. Para Piaget, essa mudança na forma do pensamento
é constituída pelas operações no campo da inteligência e, pela vontade, no campo da afetividade. A
criança passa a ser capaz de realizar operações mentais e a ter vontade sobre as coisas.

As ações interiorizadas tornam-se cada vez mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O
pensamento não é mais egocêntrico e a criança passa a ser capaz de construir um conhecimento
mais próximo do mundo que a cerca.

Você se lembra do conceito de reversibildade que estudamos na fase pré-operatória? É por causa
da possibilidade de reversibilidade do pensamento, adquirida nessa fase, que podemos falar em
pensamento operatório.

A criança, na fase operatória-concreta, é capaz de compreender que o todo é formado por partes e que
essa composição supõe operações reais de segmentação ou de divisão e, inversamente, de reunião
ou adição. Isso leva a uma noção fundamental para a inteligência: o princípio da conservação. Você
se lembra do experimento dos copos com água? Nessa fase, a criança é capaz de responder que
a quantidade de água é a mesma nos dois copos, pois, por meio da conservação, ela é capaz de
compreender todo o processo, não ficando presa apenas ao resultado final.

Nessa etapa do desenvolvimento, a criança consolida as noções de tempo, causalidade e conservação


como esquemas gerais de pensamento. Porém, essa construção do pensamento lógico vai ocorrendo
passo a passo e a criança ainda necessita do mundo concreto para organizá-lo. Ela já é capaz de se

34
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

diferenciar dos objetos e das pessoas; de construir uma explicação lógica para os acontecimentos,
mas ainda não é capaz de pensar totalmente no campo da abstração. Ela pensa concretamente sobre
cada problema à medida que a realidade o propõe.

Por isso que, quando trabalhamos com crianças nessa etapa do desenvolvimento, precisamos
utilizar o tão famoso “material concreto”. Ela ainda não consegue realizar operações mentais apenas
no campo da abstração e precisa, ainda, ver as coisas acontecendo para compreendê-las.

Fase Operatória-Formal (Adolescência)


Essa fase é caracterizada pela possibilidade de o indivíduo construir sistemas e “teorias”. O
adolescente se interessa por problemas inatuais, sem relação com as realidades vividas no dia a dia.
Ele apresenta uma grande facilidade para elaborar teorias abstratas que, normalmente, pretendem
mudar o mundo.

Nessa etapa do desenvolvimento, o pensamento deixa de ser concreto, passando a ser “formal”, ou
seja, “hipotético-dedutivo”.

Até esta idade, as operações da inteligência infantil são, unicamente,


concretas, isto é, só se referem à própria realidade e em particular aos objetos
tangíveis, suscetíveis de serem manipulados e submetidos a experiências
efetivas. (...). Por exemplo, todas as crianças de nove a dez anos sabem
seriar as cores melhor ainda que os tamanhos, mas fracassam totalmente
em resolver uma pergunta, feita por escrito, como esta: ‘Edith tem os cabelos
mais escuros que Lili. Edith é mais clara que Suzana. Qual das três tem os
cabelos mais escuros?’ Respondem, em geral que Edith e Lili sendo morenas,
Edith e Suzana sendo claras, Lili é a mais morena, Suzana, a mais clara e
Edith meio clara, meio morena. Só alcançam portanto, no plano verbal, uma
seriação por pares não coordenados, do mesmo modo que os de cinco ou seis
anos nas seriações concretas. (...)

Ora, após os 11 ou 12 anos, o pensamento formal torna-se possível, isto é,


as operações lógicas começam a ser transpostas do plano da manipulação
concreta para o das ideias, expressas em linguagem qualquer (a linguagem das
palavras ou dos símbolos matemáticos etc. ), mas sem o apoio da percepção, da
experiência, nem mesmo da crença. Quando se diz, no exemplo citado acima,
‘Edith tem cabelos mais claros que os de Suzana etc. ’, coloca-se na verdade, no
abstrato, três personagens fictícios, que para o pensamento são apenas simples
hipóteses. É sobre estas que se pede para raciocinarem. O pensamento formal é,
portanto, ‘hipotético-dedutivo’, isto é, capaz de deduzir as conclusões de puras
hipóteses e não somente através de uma observação real. Suas conclusões são
válidas, mesmo que independente da realidade de fato, sendo por isto que esta
forma de pensamento envolve uma dificuldade e um trabalho mental muito
maiores que o pensamento concreto. (PIAGET, 1969, p. 63)

35
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

É importante compreendermos que toda essa evolução do pensamento humano se dá devido à nossa
maturação biológica e a toda uma vivência rica em experiências. Atingimos o nível do pensamento
formal pois vamos sendo estimulados e, pouco a pouco, caminhamos e seguimos o percurso que nos
leva da inteligência prática para uma inteligência mais voltada à nossa percepção (intuitiva), para
uma inteligência concreta, e, só então, chegamos ao nível “hipotético-dedutivo”. Isso não significa
dizer que vamos completar todas as etapas dentro das idades propostas na teoria, mas que, para
chegarmos ao nível formal devemos passar por todos os outros. O tempo de cada pessoa diverge
mas a construção se dá da mesma forma para todos!

Podemos encontrar adultos que ainda operam em um nível concreto, apresentando grandes dificuldades
em lidar com abstrações. Essa relidade é comum, por exemplo, em uma classe de alfabetização de
adultos. Por isso, é importante conhecermos o desenvolvimento – para sermos capazes de apoiá-lo na
construção do pensamento. Não estamos dizendo que todo adulto analfabeto é incapaz de abstrações!
Vamos ter cuidado com as simplificações, pois muitos, mesmo não sabendo ler e escrever, vivenciam
situações cotidianas que podem propiciar o desenvolvimento do raciocínio formal.

Nós, educadores, devemos estar atentos à forma como nossos alunos pensam. Temos que ter muito
cuidado para não ficarmos presos apenas aos resultados por eles apresentados. Temos que nos
preocupar e atuar no processo de construção do conhecimento, no caminho que o aluno percorre
para atingir, satisfatoriamente, o resultado esperado. Isso é construtivismo!

Responda às questões:

1. O que significa para Piaget o conceito de Equilibração?

2. Como sedá a construção do conhecimento, para Piaget? Defina cada um


dos termos.

3. O que marca o início de cada uma das fases de desenvolvimento descritas


por Piaget?

4. Qual a contribuição da teoria de Piaget à educação?

36
CAPÍTULO 3
Wallon – A psicogênese da pessoa

Wallon nasceu na França, em 1879, e morreu em 1962. Antes de chegar à psicologia passou pela
medicina e pela filosofia. Viveu entre as duas grandes guerras, presenciando o avanço do fascismo,
a revolução socialista, as guerras para libertação das colônias africanas. Alinhava-se à política de
esquerda, fazendo parte da “resistência francesa”. Participou ativamente do debate educacional de
sua época.

Sua teoria, também interacionista, parte do princípio de que “o homem é determinado fisiológica
e socialmente, sujeito, portanto, a uma dupla história, a de suas disposições internas e a das
situações exteriores que encontra ao longo de sua existência” (GALVÃO, 1995, p. 29). Ou seja, há
um organismo, um corpo fisiológico que existe como condição primeira do pensamento, porém a
ação mental provém do exterior, do meio em que vivemos. Mais uma vez estamos falando em um
processo de desenvolvimento que parte de uma determinação recíproca entre o organismo e o meio
que o cerca.

Wallon se preocupa em estudar a criança contextualizada, observando, de acordo com cada


idade, que ela estabelece um tipo de relação diferente com o seu ambiente. Inicialmente, o nosso
desenvolvimento é mais marcado por fatores orgânicos e, progressivamente, à medida que nos
desenvolvemos, o biológico vai cedendo espaço para o social.

Observe um bebê recém-nascido: ele é praticamente só reflexos e pouco existe da influência do


meio em seu comportamento. À medida que ele vai interagindo com as pessoas, com o espaço e com
os objetos, vai se modificando. Existe um processo de maturação biológica que permite à criança
engatar e depois andar, possibilitando, assim, que ela aumente sua capacidade de interação com o
meio ambiente. Sem a maturação biológica adequada, a relação com o mundo fica mais restrita e,
consequentemente, o desenvolvimento é afetado.

A cultura e a linguagem assumem um papel fundamental na teoria de Wallon, pois para ele,
assim como para Vygotsky, as condutas psicológicas superiores dependem das interações que
estabelecemos ao longo da vida. Pensando assim, não há como definirmos um limite para o nosso
desenvolvimento. Nós nunca paramos de especializar e sofisticar as nossas funções psíquicas,
mesmo que já tenhamos atingido a maturação orgânica completa.

A psicogenética walloniana não apresenta o desenvolvimento de forma linear, no qual estágios vão
sendo sucedidos por outros como resultado do amadurecimento. Para o autor, o amadurecimento
humano é marcado por conflitos e, ao se passar de um estágio para outro, ocorre uma grande
reformulação que gera momentos de crise, podendo afetar visivelmente a conduta do indivíduo.

Para Wallon, o nosso desenvolvimento acontece com a sucessão de fases que se alternam entre a
predominância afetiva e cognitiva. Possuímos recursos internos que se modificam ao longo de nossa
existência e nos possibilitam interagir de diferentes formas com o meio cultural. Assim, nas fases em
que a criança apresenta uma maior predominância afetiva, ela está mais voltada para si, percebendo-

37
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

se e diferenciando-se do meio em que vive. Já no momento de maior predominância cognitiva, ela está
mais aberta ao seu meio social, às relações, ocorrendo, assim, uma elaboração do real conhecimento
do mundo físico.

Se pensarmos no seu próprio desenvolvimento, seremos capaz de identificar essas fases. Existem
momentos em que estamos mais voltados à aprendizagem, às relações com as pessoas e, outros
momentos em que estamos mais introspectivos, parecendo que precisamos de um tempo para
compreender o mundo à nossa volta.

Pois é assim que Wallon identifica as fases do desenvolvimento e descreve cinco estágios para
o desenvolvimento infantil. Não vamos nos deter nesses estágios, pois não são o foco da teoria.
Apresentaremos um trecho do texto de Izabel Galvão (1995), que descreve bem resumidamente os
cinco estágios, para que você compreenda essa alternância entre fases afetivas e cognitivas.

No estágio impulsivo-emocional, que abrange o primeiro ano de vida, o colorido


peculiar é dado pela emoção, instrumento privilegiado de interação da criança
com o meio. Resposta ao seu estado de imperícia, a predominância da afetividade
orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, as quais intermediam sua relação
com o mundo físico; a exuberância de suas manifestações afetivas é diretamente
proporcional a sua inaptidão para agir diretamente sobre a realidade exterior.

No estágio sensório-motor e projetivo, que vai até o terceiro ano, o interesse da


criança se volta para a exploração sensório-motora do mundo físico. A aquisição
da marcha e da preensão possibilitam-lhe maior autonomia na manipulação de
objetos e na exploração de espaços. Outro marco fundamental deste estágio
é o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo “projetivo”
empregado para nomear o estágio deve-se à característica do funcionamento
mental neste período: ainda nascente, o pensamento precisa do auxílio dos gestos
para se exteriorizar, o ato mental “projeta-se” em atos motores. Ao contrário do
estágio anterior, neste predominam as relações cognitivas com o meio (inteligência
prática e simbólica).

No estágio do personalismo, que cobre a faixa dos três aos seis anos, a tarefa central
é o processo de formação da personalidade. A construção da consciência de si, que
se dá por meio das interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas
definindo o retorno da predominância das relações afetivas.

Por volta dos seis anos, inicia-se o estágio categorial, que graças à consolidação da
função simbólica e à diferenciação da personalidade realizadas no estágio anterior,
traz importantes avanços no plano da inteligência. Os progressos intelectuais
dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista
do mundo exterior, imprimindo às suas relações com o meio preponderância do
aspecto cognitivo.

No estágio da adolescência, a crise pubertária rompe a “tranquilidade” afetiva que


caracterizou o estágio categorial e impõe a necessidade de uma nova definição dos

38
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

contornos da personalidade, desestruturados devido às modificações corporais


resultantes da ação hormonal. Este processo traz à tona questões pessoais, morais e
existenciais, numa retomada da predominância afetiva.

A partir dessa leitura, podemos perceber a alternância entre momentos afetivos (subjetivos) e
cognitivos (objetivos). Wallon chama essa alternância de predominância funcional. Essa
alternância não significa que as funções mais evoluídas suprimem as mais arcaicas, pelo contrário,
elas incorporam as funções mais elementares e passam a exercer o controle. Esse fenômeno é
chamado de integração funcional, ou seja, ao aprendermos algo novo, não deixamos para trás o
que já havíamos apreendido anteriormente, nós reelaboramos, integramos a capacidade anterior à
nova aprendida.

Porém, para Wallon, o desenvolvimento humano não é linear, como já foi dito anteriormente, ele
é marcado por conflitos e retrocessos. Portanto, enquanto não há uma integração entre a conduta
mais antiga e a mais recente, as funções anteriores ficam sujeitas a aparições intermitentes.

O ritmo descontínuo que Wallon assinala ao processo de desenvolvimento


infantil assemelha-se ao movimento de um pêndulo que, oscilando entre polos
opostos, imprime características próprias a cada etapa do desenvolvimento.
Aliás, se pensamos na vida adulta, vemos que esse movimento pendular
continua presente. Faz-se visível no permanente pulsar a que está sujeito cada
um de nós: ora mais voltados para a realidade exterior, ora voltados para si
próprios; alternando fases de acúmulo de energia, a fases mais propícias para
o dispêndio. (GALVÃO, 1995, p. 47)

Campos Funcionais
Para Wallon, o ser humano é um todo que integra três campos funcionais: a afetividade, o ato
motor e a inteligência. No início, esses três campos aparecem bem indiferenciados e, ao longo do
desenvolvimento, adquirem independência.

O conceito de diferenciação é muito importante para Wallon. Se pensarmos em um recém-nascido,


ele ainda não tem consciência de si, não sabe quem é, o que é o mundo ou o que são as pessoas.
Para ele, tudo é uma coisa só. À medida que vamos amadurecendo e nos relacionando, passamos
a nos perceber como pessoas diferentes das demais, passamos a tomar consciência do nosso “eu”,
passamos a nos diferenciar.

Se pensarmos que o “eu” é constituído por afetividade, ato motor e inteligência deixamos de
valorizar apenas o desenvolvimento da inteligência nos espaços educativos. Ao contrário do que
propõe a tradição intelectualista do ensino, uma pedagogia inspirada na psicogenética walloniana
não considera o desenvolvimento intelectual como a meta máxima e exclusiva da educação.
Considera-a, ao contrário, meio para a meta maior do desenvolvimento da pessoa, afinal, a
inteligência tem status de parte, no todo constituído pela pessoa. Portanto, iremos estudar cada
um dos campos funcionais, pois o ato pedagógico deve enfatizar a pessoa como um todo e não
apenas um aspecto.

39
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

Afetividade
Imagine um bebê nos seus primeiros meses de vida. Como ele consegue se expressar? Ele ainda não
fala nem consegue compreender o mundo à sua volta. Apenas apresenta reflexos que vão sendo aos
poucos interpretados pelo adulto. O choro, por exemplo, é um reflexo de algo que o incomoda. E o
choro mobiliza o adulto a agir de forma a melhorar o estado de incômodo da criança.

Assim, no início de nossas vidas, estabelecemos uma comunicação afetiva com o mundo que nos
cerca, um diálogo baseado em componentes corporais e expressivos.

Portanto, a emoção, para Wallon, representa a nossa primeira expressão, a origem da consciência,
operando a passagem do mundo orgânico para o social, do plano fisiológico para o psíquico. À medida
que nossas expressões afetivas vão sendo significadas pelos adultos, passamos a nos diferenciar e
apresentar atos mais intencionais. Ou seja, passamos a nos perceber como pessoas e a conhecer o
mundo e as pessoas que nos cercam.

Faz-se necessário distinguir afetividade e emoção. A vida afetiva é um conceito mais abrangente
que engloba as emoções, os sentimentos e o desejo. A emoção, portanto, compõe a afetividade. Para
Wallon (apud GALVÃO, 1995, p. 61).

as emoções possuem características específicas que as distinguem de outras


manifestações da afetividade. São sempre acompanhadas de alterações
orgânicas, como aceleração dos batimentos cardíacos, mudanças no ritmo da
respiração, dificuldades na digestão, secura na boca. Além dessas variações no
funcionamento neurovegetativo, perceptíveis para quem as vive, as emoções
provocam alterações na mímica facial, na postura, na forma como são
executados os gestos. Acompanham-se de modificações visíveis do exterior,
expressivas, que são responsáveis por seu caráter altamente contagioso e por
seu poder mobilizador do meio humano.

No bebê, a afetividade se confunde com as emoções, pois toda expressão afetiva do bebê é
acompanhada de alterações orgânicas (reflexos). Com a aquisição da linguagem, passamos a ser
capazes de compreender essas alterações e até as controlar em vários momentos. Assim, a emoção
vai dando espaço ao sentimento e a afetividade vai ficando independente dos fatores corporais.

Portanto, à proporção que vamos construindo nossos recursos intelectuais a emoção vai diminuindo.
Passamos a ser capazes de controlá-la e, também, de nos expressar por outros meios. Assim, a
atividade intelectual mantém uma relação de antagonismo com as emoções.

Na vida cotidiana é possível constatar que a elevação da temperatura emocional


tende a baixar o desempenho intelectual e impedir a reflexão objetiva. O poder
subjetivador das emoções (que volta a atividade do sujeito para suas disposições
íntimas, orgânicas) incompatibiliza-se com a necessária objetividade das
operações intelectuais; é como se a emoção embaçasse a percepção do real,
impregnando-lhe de subjetividade e portanto dificultando reações intelectuais
coerentes e bem adaptadas. (GALVÃO, 1995, p. 66).

40
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

Um outro fator importante sobre a emoção é o seu forte poder de contágio. Imagine-se em um
estádio de futebol ou em um show do seu ídolo. Como você se comporta? Provavelmente se deixará
contagiar pela “energia” do momento. Vai dançar, pular, gritar, podendo até, chorar! Isso é o poder
contagiante da emoção. Galvão (1995, p. 65) nos diz que devido ao seu poder de contágio, as emoções
propiciam relações interindividuais nas quais se diluem os contornos da personalidade de cada um.

Como aprendemos que a intelectualidade diminui o poder da emoção, fica claro que quando uma
pessoa apresenta uma “crise emocional”, essa pode melhorar à medida que a pessoa define suas
causas. Assim, em uma situação de sala de aula, onde os alunos estão eufóricos, falando alto, onde
parece que perdemos o controle, temos que ter cuidado para não nos contagiarmos com esse ambiente
e acabar contribuindo pouco para a solução necessária. É importante que tenhamos consciência sobre
esses processos psicológicos, que mantenhamos a calma para que, aos poucos, possamos normalizar
a turma. Usamos, assim, os nossos recursos intelectuais e os dos alunos para voltarmos à calma
necessária ao andamento das atividades.

O que você entende pela frase escrita por Dantas (1990): “a razão nasce da emoção
e vive da sua morte”?

Ato Motor
Wallon dá grande ênfase ao ato motor. Para ele, a motricidade não se resume apenas ao movimento,
engloba, também, a atividade muscular, que pode ocorrer sem que o corpo se desloque no espaço. A
esse fenômeno, dá-se o nome de função postural ou tônica.

Essa função está intimamente ligada à atividade intelectual. Repare em seus movimentos e
expressões faciais enquanto lê esse material. Se você se depara com algo que não entende muito
bem, provavelmente, fará uma expressão diferente ou se movimentará na cadeira.

Em muitos momentos, é a função postural que dá sustentação à atividade intelectual. Às vezes,


quando nos deparamos com algum problema intelectual de difícil solução ou quando estamos
estudando há muito tempo, não nós faz bem levantarmos e darmos uma boa “espreguiçada”?
Parece que o movimento (a variação tônica) desobstrui o fluxo mental.

Se observarmos o nosso desenvolvimento, podemos constatar, que a criança reage corporalmente aos
estímulos externos. Ela precisa, ainda, do corpo para se expressar. Pense em uma criança descrevendo
algo grande. Ela costuma falar, por exemplo, que a bola é desse tamanho, e gesticula mostrando o
tamanho grande.

À medida que vamos desenvolvendo nossas funções intelectuais, vamos tendo menos necessidade de
nos expressar por meio de gestos. Os progressos da atividade cognitiva fazem com que o movimento
se integre à inteligência.

Um outro ponto importante em relação ao ato motor, aceito por Wallon, é que toda a nossa
motricidade vai se especializando de acordo com a nossa cultura.

41
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

A gestualidade expressiva que resiste ao processo de objetivação crescente por


que passa o movimento depende do ambiente cultural. Do amplo repertório
gestual da criança, tendem a desaparecer gestos que não correspondem a uma
prática social, ou seja, aqueles habitualmente não utilizados pelos adultos.

Para ficar mais clara esta ideia, tomemos o exemplo de duas culturas bem
distintas – a italiana e a japonesa – e vejamos o uso que fazem da gestualidade
expressiva. Sobre os italianos diz-se que “falam com as mãos”. De fato, gesticulam
muito enquanto falam e até podemos dizer que gesticulam para falar, de tal
forma o fluxo das ideias parece depender do movimento das mãos e do corpo. Já
os japoneses pouco recorrem à gestualidade expressiva enquanto falam, quase
não mexem as mãos ou o corpo, sua expressão verbal parece mais independente
do movimento. Cada cultura possui especificidades distintas no processo de
objetivação e internalização do movimento. (GALVÃO, 1995, p. 75)

A nossa possibilidade de controle voluntário sobre o ato motor é progressiva


e está vinculada ao amadurecimento dos centros de inibição e discriminação
situados no córtex cerebral e a aspectos culturais. Aí está a dificuldade da
criança em permanecer na mesma posição ou fixar a atenção sobre um foco.

As dificuldades da criança em permanecer parada e concentrada como a escola


exige testemunham que a consolidação das disciplinas mentais é um processo
lento e gradual, que depende não só de condições neurológicas, mas também
está estreitamente ligada a fatores de origem social, como desenvolvimento da
linguagem e aquisição de conhecimento. Assim, a escola tem um importante
papel na consolidação das disciplinas mentais. (GALVÃO, 1995, p. 76)

Como você percebe que os espaços educativos trabalham com a questão da


motricidade? Ela é levada em consideração?

A inteligência (Pensamento, Linguagem


e Conhecimento)
Para Wallon, a linguagem é o instrumento e o suporte fundamental para os progressos do
pensamento. A linguagem exprime e estrutura o pensamento. A partir dessa visão, o autor optou
por estudar a inteligência por meio do pensamento discursivo (verbal).

Com a aquisição da linguagem, a criança passa a não reagir apenas ao mundo concreto, ou seja,
sua atividade passa a comportar adiamentos, reservas para o futuro, projetos. Observe uma criança
pequena quando seus pais saem para trabalhar. Ela chora muito, pois resulta difícil compreender
que ficará um espaço de tempo sem eles. Uma criança maior, que já organiza seu pensamento por
meio da linguagem, se convence com o argumento dos pais de que ao final da tarde estarão de volta.
Essa compreensão do mundo por meio de palavras faz com que a criança seja capaz de projetar-se
em um tempo futuro e, assim, acalmar seu desespero.

42
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

O pensamento da criança, inicialmente, apresenta-se de forma sincrética e evolui para o pensamento


categorial. “O adjetivo sincrético costuma designar o caráter confuso e global do pensamento e percepção
infantil” (GALVÃO, 1995, p. 81). O pensamento sincrético é indiferenciado, ou seja, a criança, ao procurar
explicar algum fenômeno, mistura-se com seus elementos e mistura os elementos entre si. Não existe uma
organização lógica dos elementos que compõem o fenômeno. Galvão (1995, p. 83) nos apresenta um
exemplo do pensamento sincrético.
Conversávamos com Rosa, sete anos, sobre seu universo cotidiano. Contou-
nos que morava longe da escola e que sua mãe trabalhava como empregada
doméstica numa casa próxima à escola. Percebendo que gostava de falar sobre
sua mãe e seu trabalho, exploramos mais o assunto:

“O que é trabalho? –Trabalho? –Trabalho é uma pessoa que é empregada e


tem bagunça. E o que ela faz? – O que ela faz? Tem dois cachorros, a cachorra...
a cachorra é mulher, e ganhou dois nenês, dois filhotinhos, que chamava Tetê
e a outra Nina, aí depois, ainda tá com o mesmo nome. Ainda tá latindo, já tá
mordendo. – Todo trabalho é igual o trabalho da sua mãe? – É. – Todo mundo
que trabalha arruma bagunça? – Arruma bagunça.

Esse exemplo ilustra bem o pensamento sincrético. Esse tipo de pensamento, com o passar do
tempo, vai se diferenciando e atingindo uma representação mais objetiva da realidade até chegar
ao pensamento categorial que busca separar qualidade e coisa, permitindo a análise e a síntese, a
generalização e a comparação.

A teoria de Wallon tem como objeto a psicogênese da pessoa completa que suscita uma prática
pedagógica ao atendimento das necessidades das crianças e dos adultos nos planos afetivo, cognitivo
e motor, promovendo o desenvolvimento em todos esses níveis.

Da psicogenética walloniana não resulta, todavia, uma pedagogia meramente


conteudista, limitada a propiciar a passiva incorporação de elementos da cultura
pelo sujeito. Resulta, ao contrário, uma prática em que a dimensão estética da
realidade é valorizada e a expressividade do sujeito ocupa lugar de destaque.
Afinal, o processo de construção da personalidade que, em diferentes graus
percorre toda a psicogênese, traz como necessidade fundamental a expressão
do eu. Expressar-se significa exteriorizar-se, colocar-se em confronto com o
outro, organizar-se. Na escola, este movimento de exteriorização do eu pode ser
propiciado por atividades no campo da arte, campo que favorece a expressão
de estados e vivências subjetivas. (GALVÃO, 1995, p. 100)

Responda às questões:

1. Explique o que significa fases com predominância afetiva e cognitiva.

2. O que é emoção para Wallon? Qual a sua importância para o desenvolvimento


humano?

3. Qual a importância do ato motor para o desenvolvimento humano?

4. Qual a contribuição da teoria de Wallon para a educação?

43
CAPÍTULO 4
Ausubel – A aprendizagem significativa

David Paul Ausubel, um grande psicólogo da educação nasceu nos Estados


Unidos na cidade de Nova York, exatamente, em 1918, numa época em que
a população judia sofria uma série de preconceitos e de conflitos religiosos.
Filho de família judia e pobre, imigrantes da Europa Central, cresceu insatisfeito
com a educação que recebera. Revoltado contra os castigos e humilhações
pelos quais passara na escola, afirma que a educação é violenta e reacionária,
relatando um dos episódios que o marcou profundamente nesse período:
“Escandalizou-se com um palavrão que eu, patife de seis anos, empreguei certo
dia. Com sabão de lixívia lavou-me a boca. Submeti-me. Fiquei de pé num canto
o dia inteiro, para servir de escarmento a uma classe de cinquenta meninos
assustados (...)” (AUSUBEL, p-31). Para ele, “A escola é um cárcere para meninos.
O crime de todos é a pouca idade e por isso os carcereiros lhes dão castigos”
(AUSUBEL, p-31).

Após sua formação acadêmica, em território canadense resolve dedicar-se à


educação no intuito de buscar as melhorias necessárias ao verdadeiro aprendizado.
Totalmente contra a aprendizagem puramente mecânica, torna-se um representante
do cognitivismo, e propõe uma aprendizagem que tenha uma estrutura cognitivista,
de modo a intensificar a aprendizagem como um processo de armazenamento de
informações que, ao agrupar-se no âmbito mental do indivíduo, seja manipulada
e utilizada adequadamente no futuro, através da organização e integração dos
conteúdos apreendidos significativamente.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Ausubel

Ausubel é contemporâneo de Piaget. Como esse, realizou pesquisas referentes ao processo de


aprendizagem e ambos chegaram a conclusões bem parecidas. Possivelmente, a maior diferença
existente entre eles esteja nos objetos de pesquisa. Ausubel se concentrou no cotidiano escolar, e
Piaget pesquisou fora desse ambiente. Além disso, Ausubel apresenta propostas concretas para a vida
acadêmica e Piaget não se dedicou a esses aspectos.

Como pontos convergentes entre esses pesquisadores, destacam-se:

»» a admissão e a valorização da aprendizagem por descoberta e da aprendizagem


significativa;

»» a pressuposição da existência de estruturas individuais específicas que interagem


com novas informações e são por essas acrescidas, reestruturadas. Piaget conceitua
essa estrutura como “Esquema de Ação” e Ausubel, como “Subsunçor” (em Inglês,
“subsumer”);

44
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II

»» a importância da “Motivação” na aprendizagem, Ausubel fala de disposição para


aprender como condição para a aprendizagem significativa; Piaget fala das condições
externas que colaboram de forma indissociável e subjetivamente confundidas com
as internas, apoiando-se sempre nas ações e nos esquemas de ação.

Ausubel apresenta outras contribuições importantes para a vida escolar. Ele distingue dois eixos ou
dimensões para a aprendizagem: a significativa e a memorística.

Para este autor, a aprendizagem significativa refere-se à maneira como o aluno trabalha as
informações que deve apreender. Ele as recebe como algo não acabado e, antes de incorporá-las,
procura relacioná-las à sua estrutura cognitiva, ou seja, ao seu esquema mental e assim descobre uma
nova aprendizagem e, de forma ativa, assimila os sinais e, assim, constrói um novo conhecimento
significativo, isso é, realiza uma aprendizagem significativa.

A aprendizagem memorística ocorre de outra forma, com outro tipo de intervenção no processo
de aprendizagem. Ela se dá quando o aluno não possui subsunçor capaz de assimilar a nova
informação e, assim, ele é levado a uma aprendizagem mecânica que pressupõe a memorização
arbitrária do novo conteúdo. É como se o aluno abrisse novo compartimento cognitivo em seu
processo psicológico de aprendizagem.

Quando vamos aprender algo, fazemos uma avaliação (algumas vezes de forma inconsciente) do
significado que o conteúdo a ser aprendido tem ou poderá ter para nós. Assim considerando, todo
conteúdo escolar deve ser potencialmente significativo para o aluno. Nessa perspectiva, para que
se possa garantir o aspecto significativo, o conteúdo a ser ensinado pode ter uma organização lógica
ou psicológica. A título de exemplo, destacamos: normalmente, quando vamos ensinar Estudos
Sociais ou Ciências para uma criança, começamos por elementos próximos, familiares para ela.
Quando ensinamos Matemática, procuramos concretizar o conteúdo com aspectos próximos à
criança. Em Estudos Sociais, começamos estudando conceitos sociais, espaciais e temporais a
partir da família, da escola, da vizinhança, do Município (ou Região administrativa), do Estado
(ou do Distrito Federal) do Brasil, do Mundo. Em Ciência, começamos também pelo ambiente
mais próximo até chegar a aspectos remotos. Esse é um tipo de organização psicológica e refere-
se ao compromisso com a aprendizagem significativa, ou seja, facilitamos condições para que a
criança possa utilizar seus subsunçores e ir, gradativamente, aumentando seus conhecimentos,
assimilando novas aprendizagens.

Em uma perspectiva lógica, os conteúdos seriam organizados a partir dos primórdios da vida, até
a atualidade, do ambiente temporal e espacial remoto até o mais próximo. Para a criança, para um
adulto ou adolescente, que não dispõem de subsunçores correlatos ao tema estudado, a organização
lógica, normalmente, dificulta a aprendizagem.

Ausubel propõe que os conhecimentos prévios sejam sempre valorizados. A aprendizagem é muito
mais significativa quando o novo conteúdo é incorporado às estruturas de conhecimento do aluno.
Ela tem mais significado, a partir de conhecimento prévio. Quando isso não ocorre, a aprendizagem
se torna mecânica, repetitiva, memorística, porque o conteúdo em vez de ser incorporado, passa a ser
armazenado por meio de outras associações, sujeita ao esquecimento, caso não seja constantemente
requerido, utilizado, até ser, de fato, assimilado pelo processo cognitivo.

45
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO

Responda às questões:

1. que são subsunçores?

2. Defina aprendizagem significativa e memorística? Qual é a mais adequada


para o processo de aprendizagem?

3. O que significa trabalhar os conteúdos acadêmico a partir de uma


organização lógica e psicológica?

4. Qual a contribuição da teoria de Ausubel para a educação?

Você respondeu, ao final do estudo de cada autor, sobre a contribuição de cada


um à educação. Agora, pense na área de atuação pedagógica que você escolheu
estudar neste curso. Escreva, baseando-se em cada autor, como as teorias estudadas
podem contribuir para a área de atuação em questão.

Encaminhe para o e-mail do tutor da disciplina.

46
O DESENVOLVIMENTO
PSICOLÓGICO UNIDADE III
NO CONTEXTO
SOCIOEDUCATIVO

CAPÍTULO 1
Desenvolvimento cognitivo

Nós estudamos que nos desenvolvemos a partir de uma interação entre o nosso aparato orgânico
e as nossas experiências de vida. Vimos, também, que essas experiências não são neutras, mas
absolutamente imersas em um contexto histórico-cultural. Portanto, nós pensamos o que pensamos
e somos quem somos, pois vivemos em um determinado país, cidade, família e frequentamos
determinados espaços sociais.

Como vimos, o desenvolvimento cognitivo não depende somente do aparato biológico, mas sobretudo
do que ocorre no contexto. Os aspectos histórico-culturais são fundamentais na constituição
do cognitivo.

A escola, bem como outros espaços educacionais, são muito importantes para o nosso
desenvolvimento cognitivo. São inúmeros os processos psicológicos que se desenvolvem a partir
das práticas educacionais.

A forma como aprendemos no nosso dia a dia difere da forma como aprendemos na escola. Os
conteúdos trabalhados nos espaços educacionais nos são apresentados de forma sistematizada e
envolvem processos psicológicos, tais como abstração, imaginação, raciocínio lógico, memória,
atenção, generalização, análise, criatividade, fantasia, emoção.

Na escola transformamos os conceitos cotidianos em conceitos científicos. Toda a criança chega à


escola sabendo que quando colocamos água no congelador ela irá se transformar em gelo. E que,
quando fervemos a água ela vira “fumacinha” e “vai embora”. Porém, é na escola que a criança
aprenderá o conceito de água em estado líquido, sólido e gasoso, as causas dessas transformações
e em que condições ocorrem. É na escola que ela irá adquirir conhecimentos mais estruturados
cientificamente que irão contribuir sobremaneira para o seu desenvolvimento cognitivo.

A partir da premissa de que a natureza humana não é dada ao homem, não é natural, mas sim,
produzida historicamente em um movimento dialético, em que o homem constrói a sociedade e
essa o constrói reciprocamente, Saviani (1996, p. 17) apresenta o trabalho educativo como um “ato
de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo conjunto de homens”.

47
UNIDADE III │ O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO

O autor chama a atenção para o fato de a educação não se restringir à escola, já que os indivíduos
têm contato com aspectos culturais em vários espaços, porém, a escola tem um papel educacional
específico, que diz respeito ao saber sistematizado e não ao saber espontâneo. “É a exigência de
apropriação do conhecimento sistematizado por parte das novas gerações que torna necessária a
existência da escola. ” (SAVIANI, 1996, p. 19)

Dessa forma, os espaços educacionais devem ocupar-se em desenvolver conteúdos que se diferenciam
do saber cotidiano. Eles devem partir dos saberes cotidianos e os extrapolar.

O educador deve ter em mente que, ao trabalhar o conhecimento sistematizado, estará


contribuindo para o desenvolvimento de novos processos psicológicos. Assim, quando a criança
aprende conceitos aritméticos, por exemplo, desenvolve processos cognitivos, tais como abstração,
raciocínio lógico, memória.

Devemos estar atentos ao momento em que nossos alunos se encontram. Estudamos alguns autores
que nos dão subsídio para esse trabalho. Devemos atuar na zona de desenvolvimento proximal,
no sentido de construção do pensamento, respeitando a etapa de desenvolvimento cognitivo de
nossos alunos. Devemos nos preocupar em perceber o aluno como um todo, um ser completo,
compreendendo que o desenvolvimento de sua inteligência caminha junto com sua afetividade e seu
lugar no mundo. As aprendizagens devem ser significativas, devem fazer sentido para o indivíduo,
pois só assim ele será capaz de se desenvolver em toda sua possibilidade.

Durante todo o nosso estudo, temos falado sobre a importância das experiências individuais e
sociais para o desenvolvimento dos processos psicológicos, portanto, os cognitivos também. São
essas experiências que nos fazem tão diferentes uns dos outros. Mesmo que você observe crianças
da mesma idade, elas podem apresentar níveis de desenvolvimento cognitivo bem diferente. Assim
sendo, devemos ter o cuidado de não trabalhar da mesma forma, esperando o mesmo desempenho
de uma mesma turma.

É comum que as escolas se organizem a partir das idades de seus alunos e espere que todos se
desenvolvam e aprendam ao mesmo tempo e da mesma forma. Porém, trabalhar dessa forma é
totalmente inadequado!

O desenvolvimento cognitivo não ocorre da mesma maneira para todos. As pessoas utilizam dinâmicas
diferentes entre si. Além disso, essas dinâmicas apresentam variações contextuais e diferentes
possibilidades de constituição da subjetividade e de compreensão do mundo. Por exemplo: dois
colegas de uma mesma turma e muito amigos, podem, também, fora da escola, utilizar processos
psicológicos diferentes entre si para aprender a mesma coisa. Essa diferença ocorre quando suas
decisões, suas estruturas mentais, suas peculiaridades familiares, suas vivências e experiências são
distintas, gerando, assim, processos de aprendizagens também distintos.

Na escola, nós interagirmos com muitas pessoas, com tecnologias de informação e comunicação,
com variedade de conhecimentos. Nesse espaço de vida social, histórico e cultural, aprendemos e
a partir dessas aprendizagens realizamos transformações importantes em nossas ideias, em nosso
meio. Aquilo que aprendemos nos modifica, e com essas mudança podemos modificar a nossa
realidade e a de outras pessoas do nosso meio, especialmente daquelas com as quais interagimos.

48
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III

É comum encontramos professores exigindo comportamentos idênticos para um grupo de crianças


e/ou adolescentes, e até mesmo de adultos.

Não é adequado, pois, estabelecer normas ou padrões de desenvolvimento cognitivo para um grupo
de crianças. Não existe o “amadurecimento” biológico igual para as crianças de um grupo, mesmo
que elas estejam na mesma faixa etária, em um mesmo momento de desenvolvimento cognitivo.

É preciso que a escola considere essa diversidade de desempenho no desenvolvimento cognitivo


infantil. É comum encontrarmos metodologias de ensino, como o denominado “período
preparatório”, que privilegiam processos fragmentados de aprendizagem, em que a criança tem
que mobilizar habilidades, fazer escolhas e decidir sobre como se expressar, enfatizando apenas
treinos ortográficos e habilidades motoras para a aquisição da escrita, como se o mais adequado
fosse treinar esses pré-requisitos para escrita.

A capacidade de aprendizagem sistemática da criança é estabelecida além desse amadurecimento


biológico pretendido com esses “treinos”. Ela depende de condições que antecedem a vida escolar e
continuam ao longo de toda a escolarização.

Portanto, devemos ter clareza que ao trabalharmos com educação, trabalhamos com diversidade.
Sempre! Ninguém é igual a ninguém! Devemos conhecer os aspectos que envolvem o desenvolvimento
de nossos alunos e nos organizar de forma a atendê-los em suas especificidades.

Como nos desenvolvemos por meio das relações que estabelecemos ao longo de nossa vida, devemos ter
clareza que “o processo de construção de conceitos, que mobiliza o desenvolvimento cognitivo, processa-
se nas e pelas interações sociais, por meio das quais as funções cognitivas são estruturadas, reelaboradas
e transformadas, possibilitando a constituição do indivíduo e, principalmente, a construção de seus
conhecimento” (MARINHO, 2001). Dessa forma, a escola assume um papel muito importante para o
nosso desenvolvimento cognitivo.

Sendo a escola um espaço permanente de socialização e de aprendizagens,


torna-se necessário que o professor promova um ambiente contextualizado
e significativo, onde ocorra a troca de conhecimentos e experiências. É
importante que você, professor, evidencie a transformação da realidade e a
ressignificação de conceitos, criando condições para que os alunos possam agir
e pensar sobre o mundo.

Nesse sentido, a escola influencia o desenvolvimento cognitivo quando


proporciona transformações nos conceitos cotidianos, mediando e
ressignificando conceitos escolarizados, científicos e sistematizados.

Você deve considerar, professor, no seu planejamento pedagógico, uma


constante articulação entre os conceitos cotidianos, construídos a partir das
práticas sociais do contexto cultural da criança, e os conceitos escolarizados,
sistematizados e desenvolvidos em função dos processos de aprendizagem
escolar. (MARINHO, 2001, p. 10)

49
CAPÍTULO 2
Processos de interações: mediadores
do conhecimento (fatores intrapessoais,
interpessoais e socioambientais no
processo educativo)

A Importância da Interação no
Processo Educativo
As interações sociais são muito importantes na origem do nosso desenvolvimento psíquico. Por
meio delas, desde muito cedo, vamos aprendendo o significado dos signos e dos símbolos culturais
existentes em nosso meio. Com esses signos e símbolos construímos os nossos esquemas de ação e
constituímos nossa individualidade, sempre a partir do que culturalmente nos é transmitido.

Nós aprendemos com o outro, por imitação consciente ou não e, quase sempre, como fruto de um
processo de ensino.

Pense um pouco em coisas que você sabe fazer como escrever, ler, digitar, cantar e relembre com
quais pessoas você aprendeu a realizá-las. Você verá que tudo que você sabe fazer resulta das suas
relações com outras pessoas – com seu pais, professores, amigos, colegas.

A primeira condição para a aprendizagem é o organismo. Os nossos conhecimentos, as nossas


atitudes e habilidades pressupõem um equipamento orgânico – os nossos sentidos, o sistema
nervoso, os hormônios etc. Mas o objeto da aprendizagem vem do exterior, vem do ambiente
em que se insere. A fronteira entre o orgânico e o meio é muito tênue.

Nessas relações entre o organismo e o meio verificam-se sempre oposições e composições que
variam segundo os nossos níveis e esquemas de ação. Toda construção de aprendizagem supõe um
tempo de assimilação e de maturação. Como acontece com o crescimento físico, os crescimentos
intelectual, social, afetivo também apresentam caminhos e ritmos de desenvolvimento particulares.

No terreno mental, onde as influências sociais se acrescentam aos fatores de experiência física,
nós vamos agregando novos valores às nossas ações, definindo vontades, pensamentos, emoções,
modificando comportamentos e, assim, construindo valores – sociais e culturais.

Fatores Intra e Interpessoais


Segundo Piaget (1969, p. 38), “A vida é, essencialmente, autorregulação”. Os processos de
desenvolvimento e de aprendizagem são resultantes e reflexos das autorregulações orgânicas que
as determinam no terreno das trocas com o meio. Assim, conhecimento não é cópia do meio,
mas um sistema de interações reais que refletem a organização autorreguladora da vida e das

50
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III

próprias coisas. O conhecimento não parte do sujeito, nem do objeto, mas da interação entre o
sujeito e o objeto; com as interações provocadas pelas atividades espontâneas do organismo e os
estímulos externos. Portanto, o conhecimento orienta-se em duas direções – fatores internos e
fatores externos – que colaboram de maneira indissociável, imperceptível, apoiados em ações e
em esquemas operatórios, fora dos quais não tem poder sobre a realidade externa, nem sobre as
condições internas.

A primeira dessas direções – o fator interno – é essencial às condições de adaptação ao meio, por
ser a da conquista do objeto (pelos sentidos) a que conduz à objetividade da compreensão real. A
segunda, relacionada à inteligência, é a tomada de consciência das condições internas e conduz às
novas construções.

Com os nossos aprendizados, transformamos as nossas relações, o nosso meio. Ao processo


psicológico de transformação de significados e de ações dá-se o nome de internalização.

A internalização, portanto, tem origem nas interações e nas relações que


partilhamos com nosso grupo cultural. Nos seus grupos (na família, com
amigos, na escola), as pessoas vão transformando os significados que partilham,
para compreender e organizar a realidade e vão construindo um jeito próprio,
particular e diferente de entender esses significados. Com isso, o sujeito vai-se
transformando, mas ele também vai influenciando as mudanças que ocorrem
nas outras pessoas com as quais convive. (MARINHO, 2001)

Ao adquirir novos hábitos, novos condicionamentos, assimilamos sinais e organizamos esquemas


de ação que se impõem e ao mesmo tempo se acomodam ao meio. Nós aprendemos à medida que
passamos a construir novos significados internos no nosso mundo psicológico e a transformar o
que vamos construindo nas interações com o grupo social. Isso é um caminho contínuo e de mão
dupla: pelas ações do ambiente nós nos modificamos e por ficarmos diferentes modificamos o
nosso meio.

Pense um pouco e identifique (pequenas e/ou grandes) modificações ocorridas em


você e que influências elas tiveram e/ou têm no seu meio, no seu grupo.

Muitas coisas que aprendemos e que provocaram modificações em nosso seu meio não resultam
de acumulações contínuas e constantes. Muitas até têm origem em outras aprendizagens que
foram desconstruídas. Por exemplo: Hoje, eu não jogo mais óleo no ralo da pia porque aprendi,
via internet, que isso não é bom para o meio ambiente. Com isso, desconstrui um hábito que tinha
origem na ideia de que era correto esse comportamento.

Quando vamos orientar o processo de ensino-aprendizagem, precisamos conhecer e estudar as


interações sociais, que se processam no meio, para melhor compreender as trocas e as partilhas dos
significados existentes no seu ambiente social e na sua cultura.

As relações sociais funcionam como canal de socialização e cultura. É na interação social que
conseguimos reorganizar o conhecimento e suas funções psicológicas.

51
UNIDADE III │ O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO

Mediadores das Interações no Contexto Escolar


No contexto de escolarização existem muitas formas de interações sociais. Essas relações são
mediadas por professores, alunos, direção, pais ou responsáveis, funcionários. É muito importante
que se compreenda como esses indivíduos se conhecem, comunicam, trocam experiências e se
desenvolvem. Enfim, como se processam as mediações realizadas por eles.

Essas mediações podem ocorrer sob diferentes tipos de relações sociais: profissionais estritas,
amistosas, suplementares, íntimas, de dominação e subordinação, de conflito e outras.

Quando ocorrem interações do tipo “relações de poder”, no contexto escolar, pode haver um
desequílibrio na situação. Se o professor usa o seu “poder” para controlar ou direcionar a relação
de forma inadequada pode, assim, interferir e comprometer a aprendizagem. É importante que o
professor esteja sempre atento para a ocorrência desse tipo de relação e para suas consequências,
modificando o que for necessário e promovendo novas condições de aprendizagem.

Uma característica muito importante no processo interativo é a existência de uma “relação de


confiança”. Essa deve ser entendida como um relacionamento construído entre pessoas, na busca de
objetivo comum. Esse tipo de relação favorece o sucesso do processo de ensino e de aprendizagem.

Existem muitas oportunidades que o professor pode aproveitar para promover uma relação
de confiança:

»» atender o aluno em suas dificuldades, de forma cordial, demonstrando interesse


por ele;

»» valorizar iniciativas e comportamentos do aluno, reconhecendo e validando seu


esforço;

»» acompanhar todo o processo de aprendizagem, reforçando aspectos positivos e


oferecendo oportunidades de recuperação de deficiências, estimulando o aluno a
continuar, valorizando seus avanços;

»» mostrar-se disponível para acolher inquietações do aluno;

»» evitar distinção entre os alunos;

»» mostrar o caminho mais adequado às possibilidades do aluno.

Das características das interações sociais que se verificam no processo educativo depende o sucesso
ou o fracasso escolar. As relações entre professor e aluno são as bases para a organização do trabalho
em sala de aula.

O professor consciente de seu papel de mediador da aprendizagem e, portanto, da sua


responsabilidade nas relações que se estabelecem no processo educativo, pode garantir a qualidade
dessas relações e promover uma cultura de sucesso no seu trabalho.

A participação ativa de todos os protagonistas, no processo de interações que ocorrem na escola,


permite que cada um desempenhe suas funções e ações, promovendo construção de conhecimentos,
atitudes e habilidades de forma compartilhada e coletiva.

52
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III

Relações sociais bem-sucedidas são uma utopia que se constrói coletivamente, em atividades
de grupo, de projetos comunitários, de avaliações formadoras e formativas que incentivem a
reelaboração de variados aspectos e a discussão de ideias diferentes.

O professor, como mediador do processo educativo, deve ter consciência da importância do papel
que desempenha e estar preparado para organizar e integrar o ensino que desenvolve, coordenando
e orientando atividades e situações que promovam a aprendizagem, com interações e relações na
construção do saber.

53
CAPÍTULO 3
Relação afeto-cognição

A afetividade é um processo psicológico e, como tal, influencia e modifica o desenvolvimento como


um todo e é por esse influenciado, numa relação de reciprocidade. Essas influências ocorrem em
interações e relações sociais do contexto social e cultural em que vivemos e promovem a construção
de aprendizagens. A relação de interdependência entre a aprendizagem e a afetividade modifica a
nossa subjetividade.

A subjetividade é constituída por processos psicológicos que nos permitem pensar, sentir,
comunicar, compreender, agir, criar e transformar a nós mesmos e o mundo circundante. É
uma característica psicológica humana construída na interdependência do mundo interno e
externo ao indivíduo. Cada pessoa tem uma forma de sentir, de expressar-se, de agir devido
à sua subjetividade. Podemos depreender, assim, que a subjetividade resulta de processos
psicológicos, responsáveis pelas diferenças individuais entre as pessoas, pelas formas como as
pessoas vivem e se relacionam na vida.

Se os processos psicológicos são distintos, se a subjetividade é distinta, também as aprendizagens


entre as pessoas são distintas e é importante que estejamos atentos à necessidade de trabalhar
considerando essas diferenças. Precisamos, também, observar “o quanto” influenciamos, porque, como
mediadores na aprendizagem dos nossos alunos, somos também responsáveis pelas transformações
que poderão ocorrer.

A ação pedagógica do professor influencia o aprendizado dos alunos e, consequentemente,


as transformações na sua subjetividade e nos seus processos psicológicos. Conscientes dessa
responsabilidade, podemos utilizar o espaço de ensino para um valioso tempo de interlocução, no
desenvolvimento desses processos psicológicos.

O afeto no ato de ensinar e de aprender é muito importante. Ele deve estar presente, desde o
nascimento, em todas as atividades de desenvolvimento humano. O afeto deve manifestar-se por
meio das expressões emocionais de quem ensina e de quem aprende. A emoção acompanha o
desenvolvimento das ações motoras, das construções cognitivas na formação afetiva, funcionando
como um elemento mediador da aprendizagem.

No contexto escolar, como devemos expressar ou deixar que se manifeste o


afeto? Como deve ser esse afeto? O que o caracteriza? Como se constitui a função
mediadora da afetividade no desenvolvimento do nosso pensamento?

Quando internalizamos o significado de uma ação e expressamos a emoção correspondente (aprovação,


rejeição, indiferença) manifestamos um ato motor (facial/corporal) e um ato mental, provocando uma
reação no outro, buscando alcançar o que pretendemos, desejando uma comunicação clara.

As emoções promovem a nossa mediação/interação com o mundo. Utilizando e manifestando


emoções, comunicamos as intenções, os desejos, as dúvidas, as certezas e provocamos reações nas
pessoas com as quais interagimos.

54
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III

A partir do que ocorre nessas relações, de como o interlocutor interpreta nossas emoções e a elas
reage, vamos compreendendo o mundo, as pessoas e a nós mesmos; o nosso pensamento vai se
tornando mais complexo, à medida que desenvolvemos e expressamos nossa afetividade.

Os vínculos afetivos entre o aluno e o professor são muito importantes. Eles auxiliam a constituição
da subjetividade na medida em que interferem na forma como a pessoa internaliza suas experiências.

Na sala de aula, podemos mediar os significados de determinadas emoções dos alunos, interpretando
e estabelecendo conexões entre suas expressões afetivas e o mundo. É muito importante que a
escola propicie a afetividade – a expressão de emoções e afetos que são motores de desenvolvimento
orgânico e cognitivo dos alunos.

Como os demais processos psicológicos, a afetividade tem origem orgânica e se completa nas
interações sociais. Nas relações com os outros, a afetividade se transforma em um processo
psicológico básico para o desenvolvimento mental e social do indivíduo.

Nossas ações motoras também se manifestam impregnadas de emoções: rimos; ficamos eufóricos;
choramos; gritamos; corremos; empurramos; provocamos o outro e somos por ele provocados;
jogamos; tensos ou tranquilos; nos tocamos; conversamos. Enquanto nos manifestamos fisicamente,
operamos processos mentais e, assim, pensamos, decidimos, escolhemos alternativas, (re)fazemos
planos, aprendemos novas habilidades e formamos outras atitudes e valores.

O desenvolvimento cognitivo se constitui dinamicamente articulado com a afetividade e com a


ação motora.

Seria muito bom se pudéssemos lidar somente com as emoções positivas, com palavras amenas, com
atitudes cordiais, amistosas. Mas sabemos que nem sempre é assim. Na sala de aula, convivemos
com manifestações desse tipo e com outras muito diferentes. Precisamos parar e refletir para corrigir
ou, pelo menos, minimizar as consequências negativas advindas dos tipos variados de afetividade.

O professor precisa saber lidar com as situações em que a afetividade se torna fator impulsionador
ou restritivo da aprendizagem, dos avanços cognitivos e afetivos. Para isso, ele deve entender o
que é afeto e o que é inteligência, percebendo que essas não são demonstrações distintas de
desenvolvimento e de aprendizagem, ou seja, demonstrações inadequadas de afetividade não
representam, necessariamente, uma “diminuição” da inteligência do aluno. A expressão da
afetividade deve ser transformada em ganhos cognitivos.

Na sala de aula, o professor pode desenvolver situações pedagógicas cotidianas que exercitem o ato
motor a partir de atividades interativas, afetivas, lúdicas e prazerosas, e que tenham, também, a
intenção de transmitir conteúdos em uma dimensão mais contextualizada.

Ensinar, aprender, avaliar um conteúdo escolar deve significar momentos carregados de


afetividade, de emoções, integrando toda a estrutura orgânica, psíquica, emocional e sociocultural
do aluno. Isso só é possível em um espaço favorável às inúmeras expressões psíquicas e afetivas
de cada sujeito escolar.

A linguagem tem uma função muito importante no desenvolvimento dos processos psicológicos da
aprendizagem humana. Ela é mediadora e reguladora das práticas sociais e dos nossos processos
psíquicos.

55
UNIDADE III │ O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO

A partir da linguagem e por meio dela, em um mundo repleto de signos, instrumentos e símbolos
culturais, damos novos significados aos conceitos, estruturando o próprio pensamento e atuando
mais efetivamente em um processo interativo e complexo.

Além da função comunicativa, a linguagem tem uma função cognitiva. O professor deve promover
situações para aproveitar essas funções, para criar um contexto em que aconteçam as trocas verbais
entre os protagonistas da ação educativa. Ele deve aplicar tarefas e atividades na quais a comunicação
e as interações favoreçam o aparecimento das diversas formas de linguagem, em um processo de
comunicação rico e significativo.

Nas interações e nas comunicações, o professor deve estar preparado para aproveitar todas as
oportunidades que se abrem ao desenvolvimento dos processos psicológicos, inclusive para evitar e/
ou minimizar a ocorrência de problemas advindos de comunicações, como mal-entendidos e conflitos,
transformando cada situação em momentos acolhedores e de muita confiança, onde todos possam
argumentar, rever, negociar interesses, expressando de forma mais objetivo o seu pensamento.

Nesse sentido, deve evitar monólogos, silêncios solenes durante atividades em grupo, atos
individualistas e de isolamento.

A nossa sala de aula deve ser organizada como espaço apropriado para que os alunos possam
expressar suas observações, críticas e vivências.

Pense, novamente, sobre a área de atuação pedagógica que você escolheu estudar
neste curso. Escreva, sobre o desenvolvimento cognitivo, as relações interpessoais
e o afeto baseando-se nos capítulos estudados. Imagine como você pode trabalhar
com seu aluno a partir destes temas.

Encaminhe para o e-mail do tutor da disciplina.

Para um maior aprofundamento de seus estudos, leia as seguintes obras.

ALECRIM, C. G. M. O papel da Psicologia Escolar na Educação Inclusiva, a partir


dos sentidos construídos por professores sobre o conceito de inclusão escolar.
Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília,
2005.

ALVES, R. Por uma educação romântica. Campinas: Papirus. 2002.

CARRARA, K. (Org. ). Introdução à Psicologia da Educação: seis abordagens. São


Paulo: Avercamp, 2004.

CHIAROTTINO, Z. R. Psicologia e Epistemologia Genética de Jean Piaget. Temas


básicos de Psicologia. V. 19. São Paulo: EPU, 1988.

COLL, C. (Org. ). Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FÁVERO, M. H. Psicologia e conhecimento. Brasília: UNB, 2005.

56
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III

LA TAILLE, YVES de. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão.


Yves de Taile, Marta Khol de Oliveira, Heloysa Dantas. São Paulo: Summus, 1992.

PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão


e rebeldia. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.

57
O ALUNO UNIDADE IV
ADOLESCENTE

Metamorfose Ambulante
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo.
[…]
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor.
[…]
(Raul Seixas. Metamorfose Ambulante)

Estudamos, até o momento, teorias do desenvolvimento humano e aprendizagem, que descrevem


como vamos nos constituindo psicologicamente até a fase da adolescência. Mas será que paramos
de nos desenvolver neste ponto? Será que nossa inteligência atinge seu ápice após a infância e para
por aí?

E quem são os nossos alunos da Educação Profissional de Nível Técnico? Crianças crescidas que já
atingiram o seu máximo em termos de desenvolvimento dos processos psicológicos e mentais?

Acredito que você tenha respondido muitos “nãos” para as questões enumeradas acima, pois nós
NUNCA paramos de nos desenvolver. As nossas funções psicológicas superiores vão se especializando
cada vez mais e, assim, vamos construindo etapas e mais etapas na aquisição do conhecimento.

Porém, após a infância, quando já somos capazes de operar não apenas no concreto, quando somos
capazes de ir além do aqui e agora em termos de pensamento, nós nos encontramos também cercados
de conflitos internos que faz com que possamos demarcar uma nova fase em nosso desenvolvimento
– a ADOLESCÊNCIA.

Será que conhecemos sobre essa fase do desenvolvimento? Será que estamos prontos para lidar
com esses alunos tão interessantes e curiosos? Será que a escola está preparada para acompanhar e
atender às necessidades do adolescente?

Para iniciarmos a discussão precisamos situar a fase da adolescência. Quando ela se inicia e quando
termina.

58
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV

A adolescência, como a conhecemos, é um produto do século XX. Até o final do século XIX, as
crianças eram introduzidas no mundo adulto entre os sete anos e o começo da puberdade. Não
existia uma cultura adolescente, nem a adolescência era percebida como um estágio específico do
desenvolvimento humano. No final do século XIX, com a industrialização, os estudos passaram
a ter uma importância fundamental na vida das pessoas das classes favorecidas. O conceito da
importância da formação passou a fazer parte de nossas vidas e a entrada do indivíduo na vida
adulta sofreu um atraso importante. Em consequência desse atraso, um novo grupo se formou, um
grupo que estava entre a infância e a vida adulta.

Vale ressaltar que estamos descrevendo uma mudança social ocorrida na nossa sociedade ocidental. E
que, mesmo em nosso país, encontramos grupos sociais em que crianças são obrigadas a incorporarem
o status de adulto muito cedo, em que são introduzidas no mundo do trabalho, e até constituindo
famílias no início da puberdade. Isso comprova, mais uma vez, que a adolescência é uma construção
cultural e que os comportamentos apresentados por nossos adolescentes fazem parte dessa construção.

Mas o que diferencia a puberdade da adolescência?

Puberdade (de puber, pelos) é um processo biológico que inicia, em nosso


meio, entre 9 e 14 anos aproximadamente e se caracteriza pelo surgimento
de uma atividade hormonal que desencadeia os chamados “caracteres sexuais
secundários”. [...] A adolescência é basicamente um fenômeno psicológico e
social. Esta maneira de compreendê-la nos traz importantes elementos de
reflexão, pois, sendo um processo psicossocial, a adolescência gera diferentes
peculiaridades conforme o ambiente social, econômico e cultural em que o
adolescente se desenvolve.
(Outeiral, 2003, p. 3)

Assim sendo, por sermos humanos, todos vamos passar pela puberdade, independente de cultura
ou situação social. Porém, a adolescência se apresenta de forma diversa. O que estudaremos
nos próximos capítulos é a fase da adolescência que pode ser descrita no mundo ocidental e
industrializado. São os alunos que encontraremos em nossas escolas. São os jovens que estão se
preparando para o mundo do trabalho, ou seja, se preparando para entrarem na vida adulta.

Existe um senso comum que descreve a adolescência como uma fase difícil, de muita rebeldia e de
relacionamentos conflituosos, principalmente no ambiente familiar. A psicologia, em muitos de seus
estudos, contribuiu para esta visão negativa em relação ao adolescente. Porém, estudos modernos
nos mostram que muitas teorias sobre a adolescência escritas por psiquiatras e psicólogas, foram
construídas a partir de dados procedentes de suas consultas e que partiam, por consequência, de
uma população mais problemática do que a média. Ou seja, a maioria de nossos adolescentes é
bastante saudável emocionalmente e interessante, mesmo com os conflitos que vivenciam.

Maurício Knobel (1974) descreve as características da adolescência normal que é marcada por
conflitos sim, mas que pode ser vivenciada de uma forma muito saudável e produtiva. Para esse
autor, existe uma série de manifestações de conduta que podem ser listadas da seguinte forma:

»» busca de si mesmo e da identidade;

59
UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE

»» tendência grupal;

»» necessidade de intelectualizar e fantasiar;

»» crises religiosas;

»» deslocalização temporal;

»» evolução sexual manifesta;

»» atitude social reivindicatória;

»» contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta;

»» separação progressiva dos pais;

»» constantes flutuações de humor e do estado de ânimo.

E quando a adolescência termina? Ronald Pagnoncelli de Souza (1987) definiu alguns critérios para
caracterizar o “final” da adolescência:

»» estabelecer uma identidade estável;

»» aceitar sua sexualidade e se ajustar gradativamente ao papel sexual adulto;

»» tornar-se independente dos pais; e

»» fazer a escolha de uma carreira ou encontrar uma vocação.

Agora que estamos mais situados em relação ao nosso aluno de Educação Profissional de nível
técnico, proponho nos aprofundarmos um pouco mais em relação ao seu desenvolvimento cognitivo,
social, afetivo e o seu ambiente escolar. Vamos lá?

60
CAPÍTULO 1
Desenvolvimento cognitivo na
adolescência

Que os jovens modifiquem a sociedade e ensinem os adultos a ver o mundo em


forma renovada: mas aonde existe o desafio de um jovem em crescimento que haja
um adulto para encará-lo. E não é obrigado que isto seja agradável.

(D. Winnicott, 1971)

A adolescência é marcada não apenas por mudanças profundas em relação à autoimagem do


indivíduo e em novas formas de interação com o mundo, mas, também, por novas formas de
pensamento. Este passa a ser mais complexo, caracterizado por uma maior autonomia e rigor.
Piaget denomina essa nova etapa de pensamento formal e representa o estágio como o das
operações formais.

Encontramos no raciocínio dos adolescentes e adultos uma estratégia cognitiva que os diferencia
qualitativamente das crianças que é a realidade sendo concebida como um subconjunto possível
(Carretero e León, 2004). O adolescente não lida mais, apenas, com o concreto, com os dados reais
presentes, mas, também, é capaz de prever todas as situações e reações causais possíveis entre seus
elementos. Ele é capaz de analisar de maneira lógica todas as possibilidades hipotéticas e, só depois,
contrastá-las com a realidade.

Dessa forma, ao se deparar com um problema a ser resolvido, o adolescente é capaz de pensar sobre
todas as situações possíveis para a solução desse problema. Segundo Carretero e Léon (2004),

É fácil imaginar a importância que essa característica do pensamento exerce


sobre situações da vida acadêmica ou cotidiana: assim, por exemplo, diante de
uma tarefa escolar ou de uma situação da vida diária na qual um determinado
fato (por exemplo, a compreensão do êxito das invasões muçulmanas nos
séculos X a XII, ou a impossibilidade de pôr para funcionar o motor do
nosso carro) possa ter ocorrido por um conjunto de causas ou fatores [...], o
adolescente e, por fim, o adulto, graças a essas características do pensamento e
ao domínio da combinatória, será capaz, não somente de relacionar cada causa
isoladamente com o efeito, mas também, de considerar todas as combinações
possíveis entre as diferentes causas que determinam o fato em questão.
(Coll, Marchesi, Palacios & Cols, 2004, p. 325)

Em consequência dessa nova estratégia cognitiva, o adolescente apresenta a capacidade de


pensamento de caráter hipotético-dedutivo. Isso quer dizer que o nosso aluno pode construir
hipóteses como uma estratégia para formular explicações possíveis para um dado problema. Para
que o adolescente possa comprovar com êxito suas hipóteses, ele passa a ser capaz de aplicar um
raciocínio dedutivo e de caráter proposicional.

61
UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE

Isso quer dizer que o aluno, nessa fase, é capaz de utilizar proposições verbais independentemente
da realidade concreta. Ele é capaz de raciocinar sobre x e y no lugar dos conteúdos concretos.
Dessa forma, o adolescente é capaz de trabalhar não apenas com objetos reais, mas também com
representações proposicionais dos objetos.

Porém, existe uma questão importante de ser analisada. Já discutimos em capítulos anteriores
que o meio em que vivemos exerce uma influência fundamental para a forma que vamos nos
desenvolvendo. Então, nem todos se desenvolvem da mesma maneira, ou seja, o pensamento formal
não aparece assim tão facilmente em todos os adolescentes. Existem adultos que, sem a estimulação
necessária, ainda operam em um nível concreto, como já citado no capítulo 4 na nossa apostila.

Essa informação é importante para nós educadores que trabalhamos com o adolescente, pois apesar
dele ter a capacidade de operar formalmente sobre os conteúdos estudados, não podemos abrir mão
totalmente do objeto concreto.

Piaget, em estudos posteriores, e outros autores mais modernos sugerem que se o conteúdo (situação
experimental) estudado não corresponde às aptidões ou interesses do sujeito, é possível que este se
utilize de raciocínio característico de um estágio anterior. Ou seja, os conteúdos estudados devem
apresentar-se de forma significativa para o aluno, como já estudamos na teoria de Ausubel, no
capítulo 4.

Piaget afirmou que o economista, vamos utilizá-lo como exemplo, utilizaria o


pensamento formal com maior rendimento em assuntos de economia, o aluno
de ciências, nas matérias afins, e a dona de casa, no terreno doméstico; em
suma, cada pessoa alcança o nível de funcionamento formal no domínio no
qual se especializou e que melhor conhece.
(Coll, Marchesi, Palacios & Cols, 2004, p. 330)

Estudos modernos sobre desenvolvimento cognitivo do adolescente e do adulto procuram responder


a uma pergunta fundamental que é se esses sujeitos comparados com outros de menor idade são
capazes de realizar um processo de mudança conceitual quando suas teorias se deparam com
diferentes conflitos. Muitos estudos atuais nos mostram que nós, humanos, tendemos a manter
nossas hipóteses e ideias prévias, mesmo a realidade nos mostrando o contrário. Isso significa que,
muitas vezes, o conhecimento científico apresentado pela escola não é devidamente assimilado pelo
jovem, pois ele já chega na escola com concepções intuitivas sobre diferentes assuntos.

É fato que adolescentes e adultos possuem uma maior capacidade lógica para o raciocínio complexo
e abstrato, ou seja, para assimilar o conteúdo científico. Porém, é preciso mais que meras exposições
de um conteúdo mais abstrato. Tanto a informação de base como o modelo de relações devem ter
sentido e significado para aquele que aprende. O que só acontece quando o conteúdo é apresentado
ao aluno a partir de atividades guiadas de construção de conhecimento, em que as concepções
prévias dos alunos são postas em relação com os novos significados, em que este pode descobrir as
vantagens no novo modelo explicativo apresentado.

Dessa forma fica claro que “decorebas” de fórmulas, termos científicos e definições não são suficientes
para que a aprendizagem ocorra de fato. É necessário entender, dotar de significado, relacionar,

62
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV

conectar com outros conhecimentos de uma forma não apenas verbal e expositiva, mas a partir de
um conhecimento construído e elaborado em conjunto.

Alguns alunos possuem ótimas notas em seu boletim sem terem, de fato, apresentado uma
transformação profunda que consiste em mudança conceitual, pois muitos apresentam boa
capacidade de memorização.

O que está claro para nós é que o nosso conhecimento não segue um roteiro prévio para ser
construído. Especializamos à medida que vamos sendo expostos ao mundo, mas a forma que cada
um aprende é única. Como somos seres sócio-histórico-culturais, possuímos características que nos
une e nos iguala em algumas situações. Assim sendo, a escola pode buscar elementos que a torne
mais interessantes e que vá ao encontro das necessidades de nossos jovens.

Aprendemos que os adolescentes possuem a condição de raciocínio necessária para que os


conteúdos formais sejam assimilados. Porém, isso apenas não basta. Além da possibilidade do
desenvolvimento deve existir a relação. E essa relação que ocorre de forma muito importante entre
o professor e o aluno deve ser capaz de confrontar os conhecimentos prévios trazidos pelo aluno de
forma interessante, prazerosa e estimulante. Não é assim que vamos adquirindo conhecimento?
Quando você possui um pensamento constituído sobre algo ele é facilmente modificado? Acredito
que não!

Eu tô aqui pra quê?


Será que é pra aprender?
Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer?
Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater
Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever
A professora já tá de marcação porque sempre me pega
Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas
E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo
E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo
Eu quero jogar botão, videogame, bola de gude
Mas meus pais só querem que eu “vá pra aula!” e “estude!”
Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi
Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde
Ou quem sabe aumentar minha mesada
Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?)
Não. De mulher pelada
A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada
E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!)
A rua é perigosa então eu vejo televisão
(Tá lá mais um corpo estendido no chão)
Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação
– Ué não te ensinaram?
– Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil
Em vão, pouco interessantes, eu fico pu.

63
UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE

Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio


(Vai pro colégio!!)
Então eu fui relendo tudo até a prova começar
Voltei louco pra contar:
Manhê! Tirei um dez na prova
Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova
Decorei toda lição
Não errei nenhuma questão
Não aprendi nada de bom
Mas tirei dez (boa filhão!)
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Decoreba: esse é o método de ensino
Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino
Não aprendo as causas e consequências só decoro os fatos
Desse jeito até história fica chato
Mas os velhos me disseram que o “porque” é o segredo
Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo
Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente
Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente
E sei que o estudo é uma coisa boa
O problema é que sem motivação a gente enjoa
O sistema bota um monte de abobrinha no programa
Mas pra aprender a ser um ingonorante [...]
Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir)
Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre
Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste
– O que é corrupção? Pra que serve um deputado?
Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso!
Ou que a minhoca é hermafrodita
Ou sobre a tênia solitária.
Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! [...]
Vamos fugir dessa jaula!
“Hoje eu tô feliz” (matou o presidente?)
Não. A aula
Matei a aula porque num dava
Eu não aguentava mais
E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais
Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam
(Esse num é o valor que um aluno merecia!)
Íííh... Sujô (Hein?)
O inspetor!

64
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV

(Acabou a farra, já pra sala do coordenador!)


Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar
E me disseram que a escola era meu segundo lar
E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente
Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre!
Então eu vou passar de ano
Não tenho outra saída
Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida
Discutindo e ensinando os problemas atuais
E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais
Com matérias das quais eles não lembram mais nada
E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada

Refrão
Encarem as crianças com mais seriedade
Pois na escola é onde formamos nossa personalidade
Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância, a exploração, e a
indiferença são sócios
Quem devia lucrar só é prejudicado
Assim vocês vão criar uma geração de revoltados
Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio
Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio...
Juquinha você tá falando demais assim eu vou ter que lhe deixar sem recreio!
Mas é só a verdade professora!
Eu sei, mas colabora se não eu perco o meu emprego.

(Gabriel O Pensador. Estudo Errado)

65
CAPÍTULO 2
Desenvolvimento social e afetivo
na adolescência

Uma das tarefas essenciais da adolescência é a estruturação da identidade. Embora


comece a ser “construída” desde o início da vida do indivíduo, é na adolescência que
ela se define, se encaminha para um perfil mais definitivo, tornando esta experiência
um dos elementos principais do processo adolescente.

(Outeiral, 2003)

Construção da Identidade
Estudamos na introdução desta unidade que existem algumas características que são semelhantes
em relação aos nossos adolescentes. Um aspecto muito importante desta fase de desenvolvimento é
a estruturação da identidade que se organiza por identificações.

Estudamos em capítulos anteriores que o meio em que vivemos é fundamental para o nosso
desenvolvimento. Somos quem somos devido a diferentes tipos de relações que vão se estabelecendo
ao longo de nossas vidas. Inicialmente, nos relacionamos com nossa mãe, depois com o pai, depois
com outros elementos da família e, mais à frente, com professores, amigos, ídolos e pessoas da
sociedade em geral.

Todas essas relações vão nos constituindo, porém esse não é um processo rápido. Quando crianças,
idolatramos nossos pais, criamos fantasias a respeito deles e não os enxergamos e nem ao mundo
como eles realmente são. À medida que outras pessoas vão entrando em nossas vidas, começamos a
lidar com certas frustrações, inclusive a de percebermos que nossos pais não são tão perfeitos como
pareciam ser. Esse movimento é importante para que o indivíduo consiga se tornar independente,
porém ele vem carregado de frustrações e cobranças. Segundo Outeiral (2003), o adolescente na
fase inicial estrutura sua identidade como uma “colcha de retalhos”, na qual cada retalho é um
pedaço de alguém. Mais à frente, esses “pedaços” se juntam e a identidade do adulto se constitui.

Assim, as amizades, os grupos de adolescentes passam a ser um dos espaços mais importantes nessa
fase. Os tipos de relações estabelecidas nos grupos, as lideranças, os hábitos, são indicadores de
como o adolescente está lidando com suas dificuldades. A vivência em grupos com amigos é muito
importante para o adolescente, pois oferece situações variadas e múltiplas.

Outro elemento importante de identificação são os ídolos de grupos musicais, atletas, astros de
cinema. Muitas vezes essas identificações são tão maciças que o adolescente passa a se vestir, a falar
e a se comportar como seu ídolo.

Os professores também são muito importantes nesse momento de identificação. Você consegue se
lembrar de algum professor ou professora que você gostava muito e que te marcou? Pois é, essas

66
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV

marcas são importantes para a construção de nossa identidade. E mais uma vez fica claro para nós
o papel fundamental que o professor ocupa na constituição de nossa personalidade.

Outro aspecto importante para analisarmos em relação à construção da identidade na adolescência é


a construção da autoimagem relacionada às mudanças físicas vivenciadas. No início da adolescência,
muitos dos conflitos são relacionados às suas características corporais. Segundo Oliva (2004), as
preocupações com os aspectos corporais vão diminuindo com o tempo e vão cedendo espaço para
outras relacionadas ao seu sistema de crenças, sua filosofia de vida e suas expectativas para o futuro.

Para nos tornarmos o adulto que somos, hoje, passamos por momentos turbulentos e conflituosos
durante a nossa adolescência. É claro que a intensidade desses conflitos é diferente para cada um,
mas eles sempre existem.

Como a identidade vai se formando a partir das identificações ao longo de nossa vida, principalmente
na adolescência é comum que haja uma identificação projetiva por parte dos adultos que convivem
com o adolescente.

A organização da identidade é um processo que, como os demais acontecimentos


da adolescência, se dá com “turbulências”, com “idas-e-vindas”, provocando
perplexidade e confusão em adultos. Estar com um adolescente significa
muitas vezes ser “inoculado” pela confusão que o adolescente experimenta em
sua mente, pela qual – em linguagem especializada – se chama identificação
projetiva. A “confusão do adolescente é “altamente contagiosa” e seria ingênuo
supor que só o adolescente se identifica com o adulto: este também se identifica
com o adolescente.
(Outeiral, 2003, p. 65)

Assim, a forma que os pais conseguirão lidar com os conflitos vivenciados pelo filho ou filha
adolescente é muito importante para o desenvolvimento e formação do jovem. Os principais modelos
para a construção da identidade são os pais e quanto mais positiva forem, mais apto o jovem estará
para enfrentar a vida com suas dificuldades.

Família
Como vimos, a relação do jovem com sua família é muito importante para um desenvolvimento
saudável. Uma relação que combine afeto com condutas que estimulem a autonomia, a troca de
pontos de vista e a adoção de opiniões próprias por parte do filho é muito importante para a formação
de um adulto que seja capaz de enfrentar a vida de forma positiva. Outro aspecto importante na
condução dos pais é o controle e a supervisão por partes destes da conduta do adolescente.

Diferentes estilos educativos produzem diferentes características nos filhos adolescentes, que podem
ser positivas ou negativas. Não podemos dizer que existe uma relação absoluta e infalível. É sabido
que, em alguns casos, estilos educativos bem positivos podem gerar um adolescente “problemático”
e vice- -versa. Mas, em regra, e baseados em estudos, podemos fazer algumas relações entre o
modelo educativo oferecido e as características do adolescente.

67
UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE

Oliva (2004) apresenta um quadro que resume essas relações e influências.

Relação entre os estilos educativos paternos e as características de seus filhos adolescentes

País Filhos e Filhas

»» Confiança neles mesmos


»» Boa atitude e bom rendimento escolar
Democráticos
»» Boa saúde metnal
»» Poucos problemas de conduta

»» Confiança neles mesmos


»» Poucos problemas psicológicos
Permissivos
»» Problemas de conduta e abuso no
consumo de drogas

»» Obedientes e voltados para o trabalho


»» Às vezes, hostis e rebeldes
Autoritários
»» Pouca confiança neles mesmos
»» Problemas depressivos

»» Problemas escolares
»» Problemas de ajuste psicológico
Indiferença
»» Muitos problemas de conduta e abuso
no uso de drogas

Uma das grandes queixas da escola é a falta de participação e interesse das famílias. Realmente,
lidamos, em muitos momentos, com famílias que adotam um modelo “indiferente” na criação de seus
filhos e, por consequência, a característica de nossos alunos são as apresentadas no quadro acima.

Costumo dizer que é difícil lidar com um aluno que apresenta uma família indiferente, ou uma
família que usa da agressão para estabelecer seu autoritarismo, porém, devemos aproveitar o
momento que o aluno está na escola e fazer deste um momento de saúde. Ou seja, construir com o
meu aluno uma relação democrática e de confiança.

O professor também é um modelo importante de identificação para o jovem. O problema é que nos
deparamos com tantos conflitos sociais, com tantos problemas que envolvem a carreira do professor,
que acabamos nos esquecendo do aluno. Esquecemos que, por trás daquele jovem “problemático”,
existe um país injusto, omisso, e que ele, bem como sua família, são vítimas do mundo em que vivemos.

Assim, quando escolhemos a profissão de professor, no Brasil, devemos ter consciência prévia das
condições das escolas, dos jovens e das famílias que encontraremos. Essa é a nossa realidade. E, se
estamos carentes de modelos positivos para que nossos jovens possam se identificar, que possamos
nós, professores, seguir este modelo!

68
CAPÍTULO 3
O ambiente escolar da Educação
Profissional de nível técnico e
a aprendizagem

Neste capítulo, vamos analisar a importância de se considerar as características psicológicas, sociais


e culturais de nossos alunos.

Nos últimos anos, a expansão da oferta do ensino médio tem sido um desafio para os educadores. Ela
representa decisões importantes porque significa a presença de jovens que nunca tiveram acesso a
esse nível de ensino, que sempre estiveram fora do sistema e a necessidade de se garantir sucesso a
eles e, principalmente, aos que, embora tenham conseguido matrícula, não desenvolvem um percurso
bem-sucedido.

A heterogeneidade do corpo discente é uma realidade e diversas demandas se fazem presentes, porque:

»» Para uma parcela, a função propedêutica para a educação superior sempre foi/é
uma expectativa real. A escola de cunho escolástico liberal – a tradicional (clássica)
cumpre bem essa função.

»» Para outra parcela, constituída por alunos que antes não aspiravam ao ensino
superior, mas, que tendo conseguido chegar à etapa final da educação básica, estão
dispostos a avançar em outro nível educacional para realizarem conquistas sociais e
econômicas próprias dessa condição.

»» Parte dessas parcelas, além da possibilidade anterior, aspira à formação profissional


que permita ingresso imediato no mundo produtivo. Essa parcela reclama o
acesso à educação profissional sem precisar de um vultoso esforço simultâneo ou
subsequente ao ensino médio.

»» Outra parte aspira a uma educação profissional de nível técnico para que possa
ingressar no mercado de trabalho com mais condições profissionais. Não pensa,
ainda, em cursar uma faculdade.

Em síntese, em distintos pontos de vista, pode-se pensar que a educação secundária enfrenta
problemas de diferentes naturezas. Ocupa-se da adolescência, considerada a etapa mais conflitiva
da vida humana; dirige-se a pessoas jovens, a quem ultimamente se atribui toda classe de culpas e
não se sabe ao certo qual sua verdadeira identidade; supõe-se que prepara para a universidade, mas
por diversos motivos, nem todos os egressos têm acesso a ela; imagina-se que deveria favorecer a
incorporação ao mercado de trabalho, mas esse não satisfaz as aspirações dos jovens. Ao mesmo
tempo, os empregadores e os professores do ensino superior se mostram descontentes com a
preparação dos egressos. Os alunos secundaristas se queixam do tédio que lhes provoca o estudo
e seus professores da desmotivação deles para estudar. (CARIOLA, 2000, apud ABRAMOVAY e
CASTRO, 2003)

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UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE

Os estudantes, ao chegarem à escola, trazem uma bagagem individual de expectativas, de


necessidades, de condições de vida que os caracterizam e essas precisam ser conhecidas e analisadas
para que se possa realizar um trabalho de qualidade. Nesse sentido, a gestão de recursos humanos,
no que se refere aos alunos, é fundamental.

É preciso que se inicie pelo aluno qualquer trabalho a ser desenvolvido. Esse deve ser colocado no
centro de qualquer proposta desenvolvida na escola. Primeiro ele, depois o que resta. O aluno deve
ser colocado no centro de todos os planejamentos, de todas as decisões, não podemos perdê-lo de
vista. Muitas vezes, participando de uma reunião de planejamento que trata de educação, podemos
constatar que o aluno não é o centro do que ali se discute. A análise do que diz respeito ao aluno é
imprescindível em qualquer planejamento. Essa análise deve ser exclusiva de cada escola.

Tão somente, a título de exemplo, vamos destacar algumas conclusões obtidas com a pesquisa
“Ensino Médio: múltiplas vozes”, de Míriam Abramovay e Mary Garcia Castro, publicada pela
Unesco, MEC, em 2003. A pesquisa foi realizada em 13 capitais brasileiras com a finalidade de fazer
um mapeamento das características e das percepções dos sujeitos do processo educativo – alunos e
professores. Foram abordadas com os estudantes questões relativas a:

»» características do aluno, de seus pais ou responsáveis e composição familiar;

»» percepções sobre a infraestrutura da escola;

»» percepções sobre o corpo técnico-pedagógico da escola;

»» percepções sobre a qualidade da aprendizagem;

»» percepções sobre sentidos do ensino médio;

»» percepções sobre atividades de aprofundamento;

»» percepções sobre interações e formas de lidar com identidades na escola;

»» expectativas sobre o futuro.

Vale reiterar que os resultados a que chegaram são exemplos e podem não corresponder aos existentes
na escola ou região em que você trabalha ou vai trabalhar. Caso você tenha informações relativas ao
seu trabalho, faça uma comparação; caso não as tenha, pense em como poderá sistematizá-lo.

Síntese relativa a características dos alunos,


identificadas no relatório da pesquisa

Sociodemográficas
»» Sexo – verificou-se uma pequena predominância feminina.

»» Idade – a faixa adequada é a de 15 a 18 ou 19 anos (quando o curso técnico é


oferecido em mais de 3 anos). Na pesquisa, constatou-se a presença, em pequena

70
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV

participação, de estudantes com 14 anos e com mais de 19 anos. Nos cursos


noturnos, a idade média é de 19 anos, devido ao atraso escolar dos alunos, causado
por diferentes fatores que precisam ser, também, pesquisados.

»» Estado Civil – 90% solteiros; 2% separados, divorciados, viúvos; deduz-se que 8%


sejam casados.

»» Autoidentificação de cor/raça – foi solicitado aos entrevistados que definissem


sua raça nas categorias – branco, negro, indígena, asiático, oriental, mestiço e
outra. Os resultados variaram muito entre as regiões brasileiras, verificando-se
maiores percentuais de brancos nos estados do Sul do País e maior concentração
de negros em Salvador, mas em todas houve predominância dos que se identificam
como brancos e mestiços. É interessante destacar que a proporção dos estudantes
que se identificam como brancos é maior do que a proporção de professores que
identificam seus alunos como tal.

»» Estrutura familiar (família de origem e família constituída) – a maioria vive


com os pais e irmãos. O número de estudantes que vive com a mãe é maior do que
o dos que vive com o pai. Entre os estudantes que vivem com outras pessoas, em
média, 5%, revelam que vivem com filhos, com grande variação entre as cidades,
sendo as maiores taxas (10,3%) em Macapá e menores (1,1%) em São Paulo e
(2,5%) em Belo Horizonte.

»» Grau de escolaridade dos pais – os pais dos alunos de escolas particulares


apresentam nível de escolaridade mais elevado do que os pais de escolas públicas.
Isso nos leva a pressupor que esses últimos chegam à escola com requisitos menores
em relação aos conteúdos, geralmente desenvolvidos pela escola, mas não significa
que sua bagagem cultural seja menor, ela é apenas diferente da cultura letrada e
muito valorizada no nosso meio. A escola pode e deve minimizar essa diferença
com programas específicos e aproveitar/valorar a bagagem trazida pelo aluno. Essa
medida é um importante desafio que se coloca para os gestores escolares.

»» Filiação religiosa – a maioria se declara católica, seguida da evangélica e depois


sem religião. Em Porto Alegre, o número de alunos sem religião (16,3%) supera os
evangélicos, que ocupam o segundo lugar.

»» Exposição a atividades de formação extraescolar – foram focalizadas


atividades de diversão de cunho cultural – cinema, teatro, shows, museus e
frequência a cursos. Cinema e shows são as mais populares e foi baixa a proporção
dos que declaram a visita a museus. São Paulo se destaca como a cidade onde a
menor proporção de alunos declara ter ido a museu de forma mais frequente (6
vezes ou mais). Quanto aos cursos e atividades desportivas, é possível perceber
diferença acentuada entre alunos de escolas particulares sobre os de escolas
públicas; em relação aos cursos de língua estrangeira e desportos as diferenças são,
ainda, maiores. Curso de informática é a única atividade extraescolar com maior
percentual de participantes de alunos da escola pública, possivelmente por não
dispor de computador em sua residência e/ou na sua escola. Esse é o bem que mais

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UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE

diferencia situações regionais, além de ser o menos acessível em casa. A TV é o bem


mais disponível entre todos os alunos.

Qual é o perfil da sua escola, da sua turma? Esse conhecimento é o que, realmente,
importa?

A juventude não é progressista nem conservadora por índole; porém, é uma


potencialidade pronta para qualquer nova oportunidade.

(Mannhein)

Uma escola deve ser pensada em função da faixa etária dos alunos que a frequentam,
mas no ensino de nível médio essa exigência é pouco considerada. Esse nível de
ensino, legalmente, destina-se aos alunos da faixa de 15 a 18/19 anos, ou seja, ao
adolescente, mas nem sempre se organiza considerando as suas características.
Como exemplo, vou destacar alguns aspectos e você poderá identificar outros. Veja:
o aluno nessa faixa etária está em processo de crescimento – suas pernas e braços
estão se alongando – e em nossas escolas passa a maior parte do tempo trancafiado
em uma carteira incômoda; ele busca novas experiências, gosta de contestar e é
submetido a um programa, muitas vezes rígido e desagradável. Pense em outros
exemplos, você os tem.

Para falar do adolescente, utilizarei um texto da professora Maria Celeste Muraro, constante de
um documento elaborado e utilizado em um projeto desenvolvido pelo MEC e a Unesco para a
implantação da educação profissional integrada ao ensino médio. Eis o texto.

A palavra adolescente tem origem latina adolescentia, ae – mocidade, a idade do


mancebo. Essa é uma fase do desenvolvimento humano caracterizada pela passagem
à juventude. (Houaiss, 2001). Condição ou processo de crescimento – indivíduo
apto a crescer. A adolescência é um período de transformações – corpórea, de
pensamento, de simbolizações da vida, de formas de relacionamentos e de encarar
o mundo. Esse período de transformações requer ambientes – familiar, escolar,
grupal – adequados para a vivência plena de suas tensões, angústias e propostas.

Para a Organização Mundial de Saúde – OMS, a adolescência é constituída por


duas fases: 10 aos 16 anos e 16 aos 20 anos. Essa última correspondente ao aluno
do ensino médio. Essa fase tem como elemento central questões relacionadas à
sexualidade, ao estabelecimento de novos vínculos, do ‘novo’ corpo e dos processos
psíquicos do ‘mundo adulto’ (OUTEIRAL, 2003).

Essa etapa da vida se caracteriza pela busca da identidade, por atitudes reivindicatórias,
questionadoras, pela necessidade de novas experiências, de contestar, de competir,
de filosofar, de intelectualizar, de deslocalizações, por angústias imediatistas, por
tendências gregárias, associativas.

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O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV

Por isso, são importantes nessa época, mais do que em outras, as atividades lúdicas,
criadoras, desportivas, recreativas, artísticas, de caráter político. Também é muito
importante o espaço físico e temporal para as reivindicações e protestos. Eles são
necessários e inevitáveis. A ausência deles significa um ambiente pobre e impróprio
para uma formação integral do adolescente.

Segundo Outeiral (2003),

A ocupação do espaço doméstico ou público, pelos adolescentes é


uma das formas que eles utilizam para lidar com as transformações
físicas, psicológicas e sociais e as fantasias e ansiedades que esse
processo acarreta. Sabemos que a identidade se articula em três
pontos – espacial, temporal e social – e a relação dessas mudanças,
especialmente as corporais, com a ocupação dos espaços é bem
evidente. [...] A ocupação do espaço público é muito significativa.
Eles precisam ‘migrar’ de um espaço para outro a cada intervalo
de tempo [...]. A escola tem um significado primordial para o
adolescente. Conforme o ambiente que ele vivencia, teremos um
aprendizado prazeroso e propício, ou distúrbio de conduta e/ou de
aprendizagem.

Mas como deve ser a escola? Essa é uma pergunta que deve sempre ser feita por pais
e educadores. As escolas são instituições com culturas diferentes e têm significados
diferentes para diferentes alunos. A escola – a sala de aula – é um lugar ‘imaginário’,
diferente do espaço real das cadeiras, classes e salas. Ela é o que o aluno percebe a
partir de sua história, seus desejos, seus medos. (OUTEIRAL, 2003)

Fanfani (apud ABRAMOVAY, 2003) pergunta e formula respostas importantes


relativas à escola para o jovem, tais como:

Mas o que seria uma escola feita para os jovens, que características deveriam possuir,
qual seria a escola adequada para as suas condições de vida?

»» Uma instituição aberta, que valoriza os interesses, os conhecimentos e as


expectativas dos jovens.

»» Uma escola que favoreça o desenvolvimento de liderança entre os jovens


e onde os seus direitos sejam respeitados na prática e não somente nos
enunciados, em programas e conteúdos.

»» Uma instituição que se proponha a motivar, mobilizar e desenvolver


conhecimentos que partam da vida dos jovens.

»» Uma instituição que demonstre interesse pelos jovens como pessoas e


não somente como objetos de aprendizagem.

»» Uma instituição flexível, com novos modelos de avaliação, sistemas de


convivência e que leve em conta a diversidade da condição de ser jovem.

73
UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE

»» Uma instituição que forme pessoas e cidadãos.

»» Uma instituição que atenda às dimensões do desenvolvimento humano


e, na qual, jovens possam aprender sobre felicidade, ética e identidade.

»» Uma instituição que acompanha e facilita um projeto de vida.

»» Uma instituição que desenvolva o sentido de pertencer e que os jovens


se sintam identificados.

O aluno do ensino médio precisa de uma escola que lhe permita expressar seus
pensamentos, suas angústias, suas propostas de forma criativa e autônoma, que lhe
ofereça uma relação mais flexível com o mundo do conhecimento.

A escola de que o aluno necessita, com certeza, não permite o desenvolvimento de


todo o conteúdo que hoje lhe é atribuído, no tempo destinado e com a qualidade
pretendida. Não foram os alunos que pioraram. São as instituições de ensino superior
que se locupletam de um direito que não têm, definindo programas impróprios para
os exames vestibulares e são os educadores que se rendem a essas exigências e,
acomodados, pincelam as mentes dos alunos com conteúdos inúteis e inadequados
para o tempo de vida em que eles se encontram.

A educação só se realiza plenamente em uma perspectiva de valores. O educando


precisa reconhecer-se e se sentir sujeito de seus valores e objetivos no processo
educativo. Educar-se porque quer se educar, educar-se para ter condições de,
superando suas próprias limitações, poder ir adiante, ser mais.

O educando e a sua comunidade em si já são valores, mas nem sempre o educando


tem consciência disso. Quanto mais ele se tornar consciente de si mesmo e da sua
realidade social, quanto mais ele se fizer capaz de pensar, de criar, de deliberar sobre
si mesmo e sobre o seu meio, de se construir, tanto mais ele se tornará um valor,
tanto mais alto será o seu valor, e ele se projetará além da sua limitação, além da sua
imanência, além do aqui e do agora.

A escola de hoje, com a estruturação curricular atual, não permite que os professores
possam desenvolver uma proposta pedagógica interdisciplinar que facilite a
formação do “sujeito” em sua inteireza. Ela não consegue incentivar e, até, sufoca
valores potenciais dos seus alunos.

As famílias das classes média e alta compensam essas limitações encaminhando


seus filhos para academias especializadas de artes, línguas, esportes, para programas
culturais. Mas, a maioria dos jovens que frequentam a escola pública é burlada em
seus direitos de acesso a esses bens.

A escola precisa ser plural e oferecer oportunidades de educação integral a todos


os alunos.

74
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV

Alguns jovens, de todas as classes sociais, frustrados na expectativa de realização


de projetos próprios e significativos, terminam compondo grupos considerados
marginais porque aí conseguem expressar a sua capacidade de liderança, iniciativa
e criatividade.

Estimular a capacidade empreendedora do aluno constitui-se numa proposta/


resposta congruente com a realidade brasileira, no que se refere a aspectos de
sobrevivência vital e, sobretudo, de alcance social para a nossa juventude.

A pessoa que se pretende educar é um ser racional, livre e responsável. Sua


liberdade deve elevá-lo acima do mero agir e existir instintivos. Sua ação pode e
deve ser consciente e refletida. Sendo livre e responsável, tem condições de viver
em sociedade, com vantagens para essa e para o seu autodesenvolvimento. Como
ser pensante, é capaz de refletir sobre si mesma e sobre sua realidade social e ser
capaz de buscar meios para interferir, provocando modificações necessárias. Como
ser pensante, possui sentimentos, aspirações, desejos, necessidade de empreender
e de colaborar. Observe que falo no presente, o aluno deve ser ajudado a viver
plenamente o aqui e o agora.

A pessoa, sendo e existindo, age; e agindo se faz mais, num contínuo ir vir entre ser
e agir Só pela ação consciente, livre, deliberada e responsável, a pessoa se realiza
plenamente. Se essa pessoa é objeto de busca do processo educativo, esse precisa
ser repensado e modificado. Modificado com visão prospectiva e na perspectiva de
uma escola onde a reflexão seja uma constante e signifique um método de trabalho.

Esse tipo de escola pressupõe ações de preparação de professores e gestores da


educação – formação e aperfeiçoamento – redirecionada no sentido de que eles se
tornem capazes de interpretar a realidade em que vivem e se acostumem a tomar
suas decisões a partir das e para as necessidades e possibilidades reais das pessoas
que eles têm por função formar – o ALUNO.

Assim, ao se definir e desenvolver o projeto da escola nós precisamos colocar o


ALUNO como centro do trabalho. Tudo que se vai propor e desenvolver deve ser
feito em função dele. Essa deve ser a primeira preocupação na escola. Todos e tudo
ali existem por causa dele.

Esse é um grande desafio que se coloca para a gestão educacional.

“Como deve ser uma escola feita para os jovens? Que características devem
apresentar?”, responda a essas questões baseando-se no desenvolvimento cognitivo,
social e afetivo do adolescente.

75
PARA (NÃO) FINALIZAR

Primeira Lição para os Educadores


Rubem Alves

Por uma educação romântica


Tenho uma grande ressonância espiritual com Herman Hesse. Comove-me, de maneira especial,
a figura de Joseph Knecht, que é o personagem central do seu livro “O jogo das contas de vidro”.
Joseph Knecht era o líder espiritual, o “magister ludi” de uma ordem monástica que se dedicava
ao cultivo da beleza. Ele, mestre supremo, era um músico, intérprete de Bach. Havia atingido o
ponto máximo que um homem pode atingir. Não havia altura maior que ele pudesse galgar. No
entanto, com a velhice, aconteceu uma mudança no seu coração – igual à mudança que acontecera
no coração de Zaratustra, depois de dez anos de solidão no alto de uma montanha. Começou a sentir
uma dolorosa nostalgia por uma coisa muito simples, muito humilde. Começou a desejar que os
últimos anos de sua vida fossem gastos não nas alturas onde ele se encontrava, mas nas planícies
onde os homens comuns viviam. Veio-lhe o desejo de descer (tal como aconteceu com Zaratustra,
depois de dez anos nas alturas das montanhas... ) para educar uma criança, uma única criança, que
ainda não tivesse sido deformada pela escola.

Hesse era apaixonado pela educação. Declarou que, de todos os assuntos culturais, era o único que
lhe interessava. Mas o curioso é que, ao mesmo tempo, ele sentia um horror pelas escolas – lugar
onde as crianças eram deformadas. Nós dois poderíamos ter sido amigos. Sentimos igual. A educação
é a paixão que queima dentro de mim. E, no entanto, olho para as escolas com desconfiança...

Estremeço quando me dizem que há entrevistadores de televisão e de jornais à minha espera. Sei, de
antemão, a primeira pergunta que vão me fazer. “O que é que o senhor acha da educação no Brasil?”
A pergunta é banal porque eles já esperam uma resposta estereotipada. Querem que eu denuncie a
falta de verbas, a condição de indigência dos professores, o mau aproveitamento dos alunos etc. Mas
isso, todo mundo já sabe. É um equívoco pensar que com mais verbas a educação ficará melhor, que
os alunos aprenderão mais, que os professores ficarão mais felizes. Como é um equívoco pensar que,
com panelas novas e caras, o mau cozinheiro fará comida boa. Educação não se faz com dinheiro. Se
faz com inteligência. E aí, frustrando as expectativas dos entrevistadores, eu falo sobre coisas lindas
que estão acontecendo por esse Brasil afora, no campo da educação. Porque o fato é que, a despeito
de todas as coisas ruins e andando na direção contrária, há professores que amam os seus alunos e
sentem prazer em ensinar.

Não há nada que tenha ocupado tanto o meu pensamento quanto a educação. Não acredito que
exista coisa mais importante para a vida dos indivíduos e do país que a educação. A democracia
só é possível se o povo for educado. Mas ser educado não significa ter diploma superior. Significa

76
PARA NÃO FINALIZAR

ter a capacidade de pensar. Diplomas somente atestam que aqueles que os têm são portadores de
um certo tipo de conhecimento. Mas ser portador de um certo tipo de conhecimento não é saber
pensar. É ter arquivos cheios de informações. Nossas universidades são avaliadas pelo número de
artigos científicos que seus cientistas publicam em revistas internacionais em línguas estrangeiras.
Gostaria que houvesse critérios que avaliassem nossas universidades por sua capacidade de fazer o
povo pensar. Para a vida do país, um povo que pensa é infinitamente mais importante que artigos
publicados para o restrito clube internacional de cientistas.

É muito fácil continuar a repetir as rotinas, fazer as coisas como têm sido feitas, como todo mundo
faz. As rotinas e repetições têm um curioso efeito sobre o pensamento: elas o paralisam. A nossa
estupidez e preguiça nos levam a acreditar que aquilo que sempre foi feito de um certo jeito deve ser o
jeito certo de fazer. Mas os gregos sabiam diferente: sabiam que o conhecimento só se inicia quando
o familiar deixa de ser familiar; quando nos espantamos diante dele; quando ele se transforma num
enigma. “O que é conhecido com familiaridade”, diz Hegel, “não é conhecido pelo simples fato de
ser familiar”.

Dediquei grande parte da minha vida ao ensino universitário e tive muitas experiências boas.
Mas a sensação que tenho é que, nas universidades, já é tarde demais. Os costumes e as rotinas já
estão por demais sacralizados. Aqui o processo de deformação a que se referiu Hesse já atingiu um
ponto irreversível. Sinto o mesmo que sentiu Joseph Knecht, no final de sua vida. Quero voltar às
origens. Quero me encontrar com o pensamento no momento mesmo em que ele nasce.

Gostaria que vocês lessem de novo aquilo que escrevi no meu último artigo “Animais de corpo
mole”. Comecei, como Piaget, dos moluscos, animais de corpo mole que têm de fazer conchas para
sobreviver. Usei os moluscos como metáforas do que acontece conosco, animais de corpo mole que,
à semelhança dos moluscos, temos também de fazer casas para sobreviver. Toda a atividade humana
é um esforço para construir casas. Casas são o espaço conhecido e protegido onde a vida tem maiores
condições de sobreviver. Espaço familiar. Piaget sugeriu que o corpo deseja transformar o espaço que
o rodeia numa extensão de si mesmo. Esse espaço, extensão do corpo, é a nossa casa. Da necessidade
de construir uma casa surge a ciência dos materiais, a física mecânica, a hidráulica, o conhecimento
e o domínio do fogo. Da necessidade de comer surgem as ciências das hortas e da agricultura. Da
necessidade estética de beleza surge a ciência da jardinagem. Da necessidade de viajar para caçar e
comerciar surge a ciência dos mapas, a geografia. Da necessidade de navegar surge a astronomia. E
assim vai o corpo, expandindo-se cada vez mais, para que o espaço desconhecido e inimigo ao seu
redor se transforme em espaço conhecido e amigo. Até mesmo o universo... Se os homens olharam
para os céus e pensaram astronomia e astrologia é porque viram a abóbada celeste e as estrelas
como o grande telhado do mundo. O universo é uma casa. Karl Popper, no prefácio ao seu livro “A
Lógica da Investigação Científica”, diz da inspiração original da ciência (por oposição àqueles que
a pensam como a produção quantitativa de artigos a serem publicados em revistas internacionais)
que ela procurava compreender o universo onde vivemos. Era preciso conhecer essa casa enorme
onde moramos para nos sentirmos em casa. Um universo que se conhece é um universo que faz
sentido. “Quanto a mim”, ele diz, “estou interessado em ciência e em filosofia somente porque eu
desejo saber algo sobre o enigma do mundo no qual vivemos e o enigma do conhecimento que o
homem tem deste mundo. E eu creio que somente um reavivamento no interesse desses enigmas

77
PARA NÃO FINALIZAR

pode salvar as ciências e a filosofia das estreitas especializações e de uma fé obscurantista nas
habilidades especiais dos especialistas e no seu conhecimento e autoridade pessoais. ”

“O enigma do conhecimento que o homem tem deste mundo”: é nesse ponto que a filosofia da
educação tem o seu início. Onde nasce o nosso desejo de conhecer? Para que conhecemos? Como
conhecemos? Essas são as questões que me preocupam. E é por isso que estou interessado no
conhecimento, no momento exato do seu nascimento. Quero vê-lo nascendo, como uma criança sai
do corpo da mulher. O conhecimento dos moluscos e de outros animais sobre a arte de construir
casas nasce com eles. Mas não nasce conosco. Nascemos ignorantes. Que forças nos arrancaram da
ignorância? Que poder penetrou no corpo mole do homem e o engravidou, transformando-o num
pensador? Que poder foi esse que transformou o cérebro em útero? E que forças o ajudam a nascer?

Para se ter resposta a essas perguntas basta, observar esse milagre acontecendo na vida de uma criança.

Primeira lição para os educadores: A questão não é ensinar as crianças. A questão é aprender delas.
Na vida de uma criança a gente vê o pensamento nascendo – antes que a gente faça qualquer coisa...

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REFERÊNCIAS
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