Desenvolvimento Humano e Aprendizagem - Final
Desenvolvimento Humano e Aprendizagem - Final
Desenvolvimento Humano e Aprendizagem - Final
e Aprendizagem
Brasília-DF.
Elaboração
Produção
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 8
UNIDADE I
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA.............................................. 11
CAPÍTULO 1
ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO: A CIÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO......... 11
CAPÍTULO 2
DESENVOLVIMENTO HUMANO................................................................................................. 14
UNIDADE II
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO............. 21
CAPÍTULO 1
VYGOTSKY – A PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA DO DESENVOLVIMENTO................................... 22
CAPÍTULO 2
PIAGET – A PSICOGÊNESE DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO................................................ 28
CAPÍTULO 3
WALLON – A PSICOGÊNESE DA PESSOA.................................................................................. 37
CAPÍTULO 4
AUSUBEL – A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA............................................................................ 44
UNIDADE III
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO............................................. 47
CAPÍTULO 1
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO............................................................................................. 47
CAPÍTULO 2
PROCESSOS DE INTERAÇÕES: MEDIADORES DO CONHECIMENTO (FATORES INTRAPESSOAIS,
INTERPESSOAIS E SOCIOAMBIENTAIS NO PROCESSO EDUCATIVO)............................................. 50
CAPÍTULO 3
RELAÇÃO AFETO-COGNIÇÃO................................................................................................ 54
UNIDADE IV
O ALUNO ADOLESCENTE..................................................................................................................... 58
CAPÍTULO 1
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA ADOLESCÊNCIA............................................................... 61
CAPÍTULO 2
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E AFETIVO NA ADOLESCÊNCIA..................................................... 66
CAPÍTULO 3
O AMBIENTE ESCOLAR DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL TÉCNICO E A APRENDIZAGEM.... 69
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 79
Apresentação
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Praticando
Atenção
6
Saiba mais
Sintetizando
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).
Avaliação Final
7
Introdução
Gostaria de introduzir o nosso tema fazendo uma pergunta a você. Qual a importância de conhecer
sobre desenvolvimento humano quando trabalhamos com educação?
Esta pergunta é de fundamental importância para iniciarmos os nossos estudos! Você já parou para
pensar como procuramos explicar o desenvolvimento dos nossos alunos, principalmente daqueles
que apresentam alguma dificuldade para aprender? Estamos sempre buscando alguma explicação
para o comportamento por eles apresentados... Mas será que nossas explicações estão embasadas
em que tipo de conhecimento? Você já parou para pensar sobre isto? Você, de fato, já estudou sobre
as teorias do desenvolvimento humano de uma forma reflexiva?
Com esta intenção este módulo sobre “Desenvolvimento Humano e aprendizagem” foi elaborado.
Você estudará na Unidade I o percurso que o conhecimento sobre o desenvolvimento humano
percorreu ao longo dos anos para chegar ao que temos hoje. Estudará, também, sobre as correntes
de pensamento que influenciaram e que influenciam o pensamento psicológico sobre o tema
em questão.
Já na Unidade II você terá contato com os principais teóricos sobre o desenvolvimento humano.
Você estudará quatro autores – Vygotsky, Piaget, Wallon e Ausubel – que apresentam grande
influência nos atuais estudos na área e na prática docente.
A última unidade apresenta temas importantes tais como, “desenvolvimento cognitivo”, “processos
de interações: mediadores do conhecimento (fatores intrapessoais, interpessoais e socioambientais
no processo educativo)” e “relação afeto-cognição” que, pautados nas teorias estudadas na Unidade
II, têm como objetivo contribuir para a sua ação pedagógica.
Esperamos que você aproveite bem seus estudos e que eles possam contribuir, de fato, para o seu
sucesso enquanto educador!
Objetivos
»» Compreender a constituição do sujeito, abordando o seu desenvolvimento em suas
interações físicas, simbólicas, sociais, culturais e histórias, contextualizando-as no
amplo ambiente pedagógico em que as ações do educador e do educando convergem
para a construção do conhecimento.
8
»» Reconhecer as exigências necessárias ao ato de ensinar que ocorrem na
intermediação do educador, conteúdos e educandos que deverão apreendê-los com
significados concretos e mediatizados pelo mundo, como sujeitos histórico-sociais
envolvidos pelas dimensões do processo educativo.
9
A CONSTITUIÇÃO
DO SUJEITO: UNIDADE I
CONSIDERAÇÕES À
LUZ DA PSICOLOGIA
CAPÍTULO 1
Estudo do desenvolvimento humano: a
ciência do desenvolvimento humano
.
Vivemos, no século XX, um movimento de democratização da escola. Até então a escola era reservada
aos filhos da elite que, muitas vezes, concluíam seus estudos em escolas europeias. Com o crescimento
do setor industrial no Brasil, seguido de uma crescente urbanização, a sociedade civil e a burguesia em
ascensão iniciaram um movimento que defendia a escola para todos, no sentido de construção de uma
sociedade mais justa e igualitária, discurso esse que encontramos ainda na atualidade.
O grande aumento de escolas e o número crescente de alunos matriculados fizeram com que diferentes
camadas da população passassem a ter acesso à escola. A escola, por sua vez, estava preparada para
trabalhar com “os filhos dos ricos”, ou seja, o conteúdo curricular era todo voltado para as necessidades
e cultura de uma elite e em nada se preocupava com a realidade das camadas mais populares.
Uma escola democrática não deve se preocupar apenas com a quantidade de matrícula. Deve, sim,
trabalhar a partir das experiências de vida de nossos alunos e procurar conhecer as características
psicológicas e socioculturais deles, com o objetivo de adequar a proposta didático-pedagógica, para
que de fato, aprendam e possam fazer parte de uma sociedade mais justa e igualitária.
11
UNIDADE I │ A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA
Porém, o que se vivenciou foi uma escola que partia de uma visão da elite, pouco considerando as
reais necessidades de sua população. Ao se deparar com a diversidade, os problemas começaram
a aparecer. Ou seja, muitos alunos passaram a fracassar na escola, não conseguindo concluir os
seus estudos. Os educadores, na tentativa de solucionar o problema do fracasso escolar, passaram
a buscar na psicologia o conhecimento necessário para o sucesso dos alunos. Houve aí o encontro
entre a psicologia e a educação.
A psicologia, por sua vez, é uma ciência nova. A profissão do psicólogo foi regulamentada somente na
década de 1960. O que existia, anteriormente, era a psicologia apenas como área de conhecimento
que influenciava a medicina e a educação. Porém, os estudos psicológicos do final do século XIX e
início do século XX eram realizados em laboratórios e focavam, principalmente, o indivíduo, não
considerando aspectos socioculturais. A preocupação estava na quantificação da inteligência, por
meio de testes psicológicos.
A psicologia atendeu ao chamado das escolas para procurar resolver o problema do fracasso escolar,
porém, segundo Alecrim (2005, p. 11), “o conhecimento psicológico, durante a primeira metade do
século XX, entrou nas escolas, com o objetivo de avaliar o aluno que não conseguia adaptar-se a
esse espaço. Os testes psicológicos eram realizados e, a partir deles, tratamentos eram prescritos”.
Assim, a psicologia do desenvolvimento passou a ser difundida no meio educacional, propondo-se a
explicar o fenômeno do não aprender.
Porém, se pensarmos que a escola estava preparada para trabalhar com uma pequena elite e não
com a diversidade cultural, social e psicológica que a frequentava e que a psicologia realizava seus
estudos em laboratórios e, também não levava em consideração essa diversidade, a criança passou a
ser o foco e o alvo do fracasso escolar. Ou seja, o problema do não aprender passou a ser identificado
e rotulado como dificuldade de aprendizagem e, portanto, a criança que não aprendia era vista como
um problema que deveria ser diagnosticado e tratado. O fato de a escola não estar preparada para
lidar com a diversidade de seus alunos era desconsiderado. Assim, a população das classes sociais
desfavorecidas era vista como desviante, como desadaptada e problemática. O conhecimento sobre o
desenvolvimento humano chegou à escola para resolver um problema, porém, acabou influenciando
seja naturalização, ou seja, o fracasso escolar passou a ser entendido como um problema do aluno
que se desviava de um desenvolvimento normal.
Será que quando meu aluno não consegue aprender eu olho para ele como
apresentando um problema psicológico ou procuro conhecer sua história
contextualizando-o a partir de todo um contexto sociocultural e rever minha
prática pedagógica?
12
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA │ UNIDADE I
Essas perguntas são muito importantes pois, muitas vezes, na nossa vivência escolar, sem
refletirmos, acabamos rotulando nossos alunos. Esse conhecimento psicológico que rotula ainda faz
parte do nosso dia a dia. Ele influenciou e ainda influencia muito a nossa prática. Você, professor,
profissional da educação, deve estar sempre refletindo sobre o seu aluno. Deve tomar muito cuidado
com teorias psicológicas que procuram explicar o seu desenvolvimento sem um comprometimento
com sua vida, sem levar em consideração o seu contexto, sua cultura e sua história de vida pessoal.
Como vimos, ainda vivenciamos práticas escolares excludentes que são influenciadas, também, por
teorias do desenvolvimento humano descontextualizadas, pouco práticas e pouco efetivas. Porém, a
psicologia do desenvolvimento humano já se modificou e, aos poucos, esse novo conhecimento está
chegando aos espaços educacionais e influenciando de forma positiva a prática pedagógica.
No final da década de 1970 e início da década de 1980, iniciou-se um forte movimento de crítica ao
trabalho do psicólogo na educação. Essas críticas vieram de encontro ao que vimos anteriormente. A
psicologia do desenvolvimento passou a não focar apenas o sujeito que não aprende, mas procurou
buscar em outras ciências como antropologia, história, biologia, neurologia... os conhecimentos
necessários para compreender o ser humano.
Esse novo conhecimento parte do princípio de que o ser humano não se desenvolve sozinho, ele está
inserido em um meio social e, a partir da sua experiência, ao longo da vida, vai se constituindo. Isso
é diversidade. Ou seja, ninguém é igual a ninguém. Mesmo gêmeos univitelinos, que vivem juntos
toda sua vida, são diferentes em alguns aspectos. O que poderiamos dizer das pessoas que vivem
em lugares completamente diferentes um dos outros. O que podemos esperar? Não dá para pensar
que todos se desenvolvem da mesma forma. Cada pessoa é única e mesmo possuindo características
humanas biológicas comuns (pois todos somos da mesma espécie) vivencia, ao longo da sua vida,
experiências únicas que a faz diferente de todas as outras pessoas.
Sendo assim, a psicologia do desenvolvimento humano, ao entrar na escola para contribuir com o
sucesso escolar, passa a considerar não apenas o indivíduo, que aprende ou não aprende, mas toda
uma gama de relações, em que o aluno é visto como um ser social, cultural, biológico e psicológico.
13
CAPÍTULO 2
Desenvolvimento humano
Quando falamos em conhecimento devemos pensar que ele não nasce do nada, não brota da nossa
cabeça sem receber nenhuma influência. Todo conhecimento é construído ao longo do tempo e é
influenciado por diferentes ideias e concepções. Você é capaz de compreender o mundo em que
vive devido a toda uma construção anterior de conhecimentos. Imagine se pudéssemos trazer um
homem das cavernas para os dias de hoje. Com certeza ele viveria uma confusão! Levaria muito
tempo para conseguir compreender muitas coisas que, para nós, são muito simples.
Vamos pensar na explicação para a vida humana. Existem pessoas que, a partir da religião e de
acordo com ela, explicam a vida humana de forma diferente. Já um cientista a explicar a partir do
ponto de vista da ciência. Ou seja, diferentes concepções sobre a vida humana influenciam o nosso
pensamento e, portanto, a nossa compreensão de a vida.
Essas diferentes concepções que vão sendo construídas, ao longo da história da sociedade,
influenciam, também, o conhecimento científico. Esse não é neutro como muitos afirmam, mas
influenciado por diferentes concepções e pela compreensão atual do mundo. Se pensarmos na física
antes de Einstein podemos perceber que ela tinha uma compreensão diferente dos fenômenos. Não
que ela estivesse errada, mas faltava uma compreensão diferente para que alguns fenômenos físicos
pudessem ser explicados.
Assim acontece, também, com a psicologia. O seu conhecimento vem sendo construído e reelaborado.
Diferentes concepções sobre o homem e o seu desenvolvimento influenciaram e influenciam a
nossa compreensão.
Estudaremos, neste capítulo, três concepções diferentes sobre o desenvolvimento humano. As duas
primeiras, denominadas inatistas e ambientalistas, já foram superadas em termos de conhecimento,
porém ainda influenciam a nossa prática escolar. Já a terceira, denominada interacionista, influencia
as teorias sobre desenvolvimento humano que estudaremos nas próximas unidades.
Concepção Inatista
.
Inato adj. 1 que pertence ao ser desde o seu nascimento, inerente, natural, congênito
<talento i. >
14
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA │ UNIDADE I
3 por extensão de sentido na filosofia moderna, que tem sua origem em ou deriva
de ou é inerente à mente ou à constituição do intelecto, em lugar de ser adquirido
com a experiência.
Sinônimo de Próprio – [... ] 1 que pertence ao sujeito [... ] 3 que só existe em relação
a um sujeito, a uma maneira de ser intrínseca a este e que o caracteriza; inerente,
peculiar, típico <jeito p. agir> [... ]
Ao ler a definição da palavra “inato” como você imagina que a concepção inatista
influencia o conhecimento sobre o desenvolvimento humano?
A interpretação da teoria evolucionista fez com que a ideia de que “os mais fortes é que sobrevivem aos
impactos ambientais” desconsiderasse o ambiente como fator fundamental para o desenvolvimento.
A superficialidade da interpretação fez com que parecesse que o indivíduo por si só conseguiria
sobreviver ou não, ou seja, os fatores ambientais seriam incapazes de exercer um efeito direto tanto
na espécie quanto no organismo. Se pararmos para refletir sobre essa teoria, poderemos verificar
que os impactos ambientais foram decisivos sobre o ciclo de vida dos membros de cada espécie. O
meio externo, portanto, é fundamental para o desenvolvimento da espécie.
15
UNIDADE I │ A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA
A teoria genética é também uma influência para a concepção inatista. Mais uma vez, de forma
superficial, a teoria é interpretada como se os genes fossem responsáveis por todas as manifestações
de comportamentos do homem. Como se as experiências vivenciadas pouco alterassem o curso de
vida, já programado geneticamente.
Podemos verificar que não há base empírica para a concepção inatista, o que existem são
compreensões superficiais de teorias que procuram explicar o comportamento humano. Porém, a
concepção inatista exerce grande influência sobre a interpretação de teorias psicológicas e sobre a
nossa ação. Quantas vezes nos pegamos falando o seguinte: “filho de peixe, peixinho é!” Ou quantas
vezes acreditamos que uma criança que apresenta uma deficiência mental seja incapaz de aprender
a ler e a escrever. Ou quantas vezes acreditamos que o aluno hiperativo só ficará melhor quando
tomar algum tipo de medicação. Ou ainda que aquele “fulano de tal” é burro e que não adianta
fazermos nada por ele porque ele não consegue aprender.
Se pararmos para pensar no cotidiano escolar, veremos que muito pensamos a partir da visão
inatista. Procuramos explicar muitos comportamentos a partir dessa visão sem uma maior reflexão.
Tal fato nos leva a vivenciar um dia a dia escolar repleto de preconceitos que são muito prejudiciais
ao trabalho escolar.
Concepção Ambientalista
A concepção ambientalista apresenta-se como oposta à concepção inatista, ou seja, tudo é aprendido.
O organismo, a maturação biológica, aspectos genéticos não influenciam em nada o desenvolvimento
e o comportamento humano. A experiência sensorial é a fonte do conhecimento.
Na psicologia, o grande defensor dessa posição foi B. F. Skinner, que propôs a teoria comportamentalista
também conhecida como behaviorismo.
16
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA │ UNIDADE I
[...]
A visão ambientalista foi importante para o fazer pedagógico, pois passou a chamar atenção para
o papel do professor, que estava minimizado devido à concepção inatista. A partir dessa visão, o
professor foi chamado a planejar suas atividades, propiciando situações para que a aprendizagem
ocorresse.
Porém, essa visão influenciou principalmente a técnica de ensino, focando-se mais a forma de
ensinar que o aluno em si. Tal fato fez com que o ensino passasse a ser muito tecnológico e pouco
pessoal. As atividades passaram a ser programadas como fórmulas-padrão.
A principal crítica a essa concepção está no fato de que o aluno assume um papel passivo frente ao
ambiente, ou seja, seus comportamentos podem ser controlados e manipulados por qualquer pessoa
que conheça os recursos tecnológicos necessários. O indivíduo que raciocina e que, em contato com
seus colegas do grupo, possam alcançar a aprendizagem de forma espontânea é desconsiderado por
essa visão de homem.
Concepção Interacionista
Como o próprio nome já diz, essa concepção fala de interação. Mas interação de quê? Interação de
fatores inatos e de fatores ambientais. Se pensarmos nas duas concepções anteriormente estudadas,
veremos que as duas apresentam pontos importantes. O problema é a complexidade do ser humano
e tentar simplificá-lo acaba levando-nos a posições extremistas e, portanto, pouco válidas.
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UNIDADE I │ A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA
Para os interacionistas tanto o meio quanto o organismo exercem influência entre si. Nós, seres
humanos, pertencemos a uma espécie de características semelhantes. Também pertencemos a
um núcleo familiar que nos coloca em condições diferentes ou semelhantes a de outras pessoas.
Apresentamos uma característica genética que influencia o curso de nosso desenvolvimento. Tudo
isso se apresenta como fatores inatos que atuam, sim, no nosso desenvolvimento.
Porém, mesmo apresentando todos esses fatores internos que nos predispõem a determinados
comportamentos, estamos inseridos em uma rede social que nos faz vivenciar experiências comuns a
um determinado grupo e únicas em determinadas situações. Essas experiências somadas a toda uma
construção cultural, anterior até ao nosso nascimento, são, também, fatores de grande influência
para o nosso desenvolvimento. Ou seja, os fatores ambientais são importantes, sim, para o curso
de nossas vidas. Mas nós não somos seres passivos frente ao mundo que nos cerca. Pelo contrário,
a teoria interacionista defende o homem como ativo frente ao mundo. O homem é influenciado e
influencia o mundo em que vive.
A ação do homem no seu ambiente acarreta mudanças no meio e essas mudanças acarretam outras
no homem. Assim, vamos construindo nossa história pessoal e coletiva. Vamos nos transformando
e transformando o mundo reciprocamente construindo, dessa forma, a história da humanidade.
A teoria interacionista atribui um papel muito importante à relação entre as pessoas e dessas com
os objetos que a cercam. Desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características e sua visão
de mundo, a partir das relações que estabelece.
Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente
às pessoas que cuidaram dela e às outras com as quais conviveu.
18
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA │ UNIDADE I
A história apresentada é verídica e demonstra como a nossa condição de humano depende das
interações que vivenciamos. Se crescermos entre os lobos, desenvolveremos-nos como tais. Até o
nosso corpo físico vai se adaptando à vida dos lobos.
O convívio social é fator determinante para o nosso desenvolvimento e o curso de nossas vidas pode
ser modificado a partir das redes sociais a estabelecidas. É claro que as nossas vivências anteriores
não se apagam, mas elas não são fatores estanques que imobilizam o nosso desenvolvimento. É
importante a compreensão de que estamos constantemente em desenvolvimento e que esse se dá a
partir da interação entre o organismo e o meio em que se está inserido.
Nesse enfoque teórico, não há como se pensar em um homem individual, dono absoluto de sua vida,
pois ele se forma a partir de um movimento histórico e cultural. Nós pensamos o que pensamos e
somos quem somos em consequência de anos de história que construíram a sociedade, bem como
todo o seu conhecimento. A ideia de natureza humana deixa de existir, cedendo lugar à ideia de
condição humana, ou seja, como nos diz Bock (2000, p. 16), “conforme vamos mudando nossa vida
vamos mudando nossa forma de ser”.
O homem passa a ocupar um papel ativo na sociedade. Nenhum fenômeno psicológico existe e pode
ser explicado por si só, sem levar em consideração o momento histórico, cultural e social. A relação
indivíduo/sociedade é vista como uma relação dialética, na qual um constitui o outro. O homem se
constrói ao construir sua realidade.
Assim, não podemos mais conceber o homem individual, mas, sim, o homem social. Ninguém se
desenvolve sozinho; mesmo o autoditada precisa dos livros que foram escritos por alguém. E se
necessitamos dos outros para nos desenvolver, estamos falando em aprendizagens que vamos tendo
ao longo da nossa vida. Portanto, quando falamos em desenvolvimento humano, estamos falando
em aprendizagem.
Para que a apropriação das características humanas se dê, é preciso que ocorra
atividade por parte do sujeito: é necessário que sejam formadas ações e operações
motoras e mentais, como, por exemplo, empilhar, puxar, comparar, ordenar.
19
UNIDADE I │ A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA
Reflita sobre o seu próprio desenvolvimento. Escreva sobre o seu grupo sociocultural
e sobre características pessoais herdadas de seus antepassados. Verifique como,
pelas suas experiências, você foi se tornando quem é hoje e como foi ficando
diferente das pessoas que o cercam. Não precisa ser uma descrição extensa!
20
CONTRIBUIÇÕES DAS
PRINCIPAIS TEORIAS
PSICOLÓGICAS UNIDADE II
AO ESTUDO DO
DESENVOLVIMENTO
Vimos, na Unidade I, que nos desenvolvemos a partir das relações que estabelecemos ao longo de
nossa história e de todo um aparato orgânico. Mas, e a origem e a evolução dos nossos processos
psicológicos? Como vamos adquirindo conhecimentos cada vez mais complexos? Como processos
psicológicos elementares vão se especializando a ponto de podermos memorizar tantas coisas,
prestar atenção por horas em algo que nos interessa, pensar de forma abstrata, fazer generalizações,
criar, ter vontade própria, aprender?
Essas inquietações passaram pela cabeça de alguns teóricos que buscaram, com seus estudos,
respondê-las. Essa busca sobre as origens, sobre a gênese dos processos psíquicos é conhecida como
Psicologia Genética.
A palavra genética, nesse caso, não corresponde à biologia como estamos acostumados a vir mas,
sim, ao estudo da origem e evolução do desenvolvimento humano a partir de estudos sobre a gênese
dos processos psicológicos.
Então, iremos estudar, na Unidade II, autores que desenvolveram teorias psicogenéticas.
Estudaremos brevemente cada uma dessas teorias, pois não é objetivo do curso nos aprofundarmos
no assunto. Além do que, todas são bastante complexas e conhecê-las a fundo demandaria um curso
específico.
21
CAPÍTULO 1
Vygotsky – A perspectiva sócio-histórica
do desenvolvimento
.
(OLIVEIRA, 1997).
Vygotsky nasceu, em 1896, na extinta União Soviética e morreu em 1934. Foi professor e pesquisador
nas áreas de psicologia, pedagogia, filosofia, literatura, deficiência física e mental. Fazia parte de um
grupo de jovens intelectuais da Rússia pós-revolução, que trabalhava num clima de idealismo e
efervescência intelectual. Baseou-se no materialismo histórico e na dialética de Marx.
Vygotsky e o grupo de pesquisadores, do qual fazia parte, procuraram realizar uma síntese entre
duas tendências presentes na psicologia do início do século; a psicologia como ciência natural e
a psicologia como ciência mental. Síntese, para a dialética, significa algo além da soma entre dois
elementos. Portanto, Vygotsky e seus companheiros buscavam algo novo, algo que surge a partir
da interação entre os dois elementos iniciais. Dessa forma, “a abordagem que busca uma síntese
para a psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto
ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo
histórico. ” (OLIVEIRA, 1997).
Para Vygotsky, as funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade
cerebral, porém o cérebro não é um sistema de funções fixas, ou seja, suas funções se modificam a
partir das necessidades vivenciadas pelo homem. O nosso cérebro é dotado de plasticidade, podendo
ser moldado pela ação de elementos externos.
Dessa forma, o cérebro não é o único responsável pelo nosso funcionamento psicológico. A sua
estrutura é importante para esse funcionamento, mas dependemos, também, das relações sociais
que estabelecemos com o mundo exterior. E essas relações se desenvolvem num processo histórico,
ou seja, relacionamo-nos com o mundo de forma diferente de nossos antepassados. Assim, de acordo
com o desenvolvimento da cultura e das suas construções, vamos também nos desenvolvendo.
A teoria sócio-histórica dá grande ênfase à cultura fazendo parte essencial da nossa constituição
humana. Você se lembra da história das meninas criadas por lobos? Elas não se desenvolveram
fazendo parte da nossa cultura, suas funções psicológicas não se desenvolveram como as de uma
criança que é criada entre humanos. Esse é um caso extremo, mas se pararmos para pensar em
22
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
diferenças culturais entre pessoas criadas em diferentes países, como Japão e Brasil, por exemplo,
podemos constatar diferenças em seu desenvolvimento e na forma de aprendizagem. Encontramos
diferenças significativas entre crianças da zona rural e da zona urbana, o que faz com que nós,
professores, tenhamos que considerar, sempre, a cultura de nossos alunos, para que tenhamos
condições de compreender seus processos de aprendizagem.
Um conceito fundamental para a teoria que estamos estudando é o conceito de mediação. Como
vimos, nós nos desenvolvemos a partir das relações que estabelecemos com o mundo que nos cerca.
Porém, para Vygotsky, essas relações não se estabelecem de forma direta, mas a partir de uma relação
mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo.
A partir desses elementos intermediários vamos desenvolvendo nossas funções psicológicas superiores.
Oliveira (1997) nos apresenta um exemplo interessante que ilustra bem a diferença entre processos
elementares e processos superiores. Ela nos diz que é possível ensinarmos um animal a acender a
luz em um quarto escuro. Mas seria impossível que o animal, voluntariamente, deixasse de acender
a luz caso visse alguém dormindo no quarto. Esse seria um comportamento tipicamente humano.
Nós somos capazes de tomar uma decisão a partir de uma informação nova, sem a necessidade
de um adestramento. O comportamento intencional, voluntário, é um exemplo de comportamento
superior tipicamente humano.
Assim, vamos desenvolvendo nossos processos psicológicos superiores a partir de dois elementos
mediadores: os instrumentos e os signos.
Instrumentos: objetos que utilizamos no dia a dia para a realização de algo. Os instrumentos são
construídos ao longo da história da humanidade e carregam consigo a função para a qual foram
criados. O homem é capaz de construir instrumentos e guardá-los para uso futuro, preservando sua
função como conquista a ser transmitida a outras pessoas do seu grupo social, sendo perpassados
para gerações futuras. Esse uso de instrumentos é característica exclusiva do homem. Os animais
utilizam instrumentos apenas para transformar seu ambiente em um momento específico, mas não
são capazes de desenvolver sua relação com o meio num processo histórico-cultural, como o homem.
Signos: elementos que representam ou expressam outros objetos, eventos, situações. As palavras
que dão nome aos objetos são signos, representativos de um determinado objeto. Uma placa de
trânsito do tipo é um signo que indica “proibido estacionar”.
Os signos agem como um instrumento da atividade psicológica e são chamados, por Vygotsky, de
“instrumentos psicológicos”. Constituem ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e
não nas ações concretas, como os instrumentos.
23
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
As funções psicológicas superiores tornam-se cada vez mais sofisticadas à medida que nos
desenvolvemos. Ao longo do processo de desenvolvimento, os signos externos vão sendo
internalizados e passam a ser substituídos por signos internos, que são representações mentais
de objetos do mundo real. Dessa forma, o homem torna-se capaz de operar mentalmente sobre o
mundo, fazendo relações, planejando, comparando, lembrando.
Pense em como um bebê se relaciona com o mundo. Ele lida com os objetos de forma direta e aos
poucos vai sendo capaz de internalizá-los e de lidar com sua ausência. Uma criança pequena chora
muito quando sua mãe sai para trabalhar, porque ela não consegue lidar com a sua ausência, ela
não tem internalizados os elementos necessários para compreender que sua mãe está saindo e que
mais tarde irá voltar. Já uma criança maior é capaz de suportar essa ausência com mais facilidade.
Os signos utilizados por uma determinada cultura são compartilhados pelo grupo social, eles não
são signos isolados utilizados de forma particular. Quando aprendemos o significado de “cadeira” e
internalizamos esse conceito, passamos a compartilhá-lo com outros usuários da língua portuguesa,
ou seja, eu não preciso que uma cadeira esteja presente para que outra pessoa entenda o que eu estou
querendo dizer. Você está entendendo o que eu digo, não está? Você está entendendo porque nós
dois, eu e você, temos internalizado todo um código de escrita que vem sendo construído ao longo da
história da humanidade. As palavras aqui contidas estão internalizadas por nós dois e permitem que
nos relacionemos. Você está sendo capaz de me entender por meio da mediação da linguagem escrita.
O grupo cultural em que o indivíduo se desenvolve é que dará os meios para ele perceber e organizar
o mundo real.
24
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
Assim, a origem das funções psicológicas superiores é social e, portanto, histórica. É a partir das
relações sociais estabelecidas entre o indivíduo e os outros homens que somos capazes de internalizar
instrumentos e signos carregados de significado cultural, constituindo-nos enquanto pessoa.
Desenvolvimento e Aprendizado
Vygotsky buscou compreender a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos, porém
não chegou a formular uma teoria estruturada sobre o desenvolvimento humano que falasse sobre
o processo de construção psicológica desde a infância até a idade adulta. O que ele nos apresenta são
reflexões e dados de pesquisa sobre vários aspectos do desenvolvimento humano.
Um dos temas relevantes em sua obra é a importância dos processos de aprendizado. Para ele,
aprendizado e desenvolvimento estão intrinsecamente relacionados. Como vimos anteriormente,
somos seres sociais que nos desenvolvemos a partir das relações que estabelecemos ao longo de
nossa vida, portanto “existe um percurso de desenvolvimento, em parte definido pelo processo
de maturação do organismo individual, pertencente à espécie humana, mas é o aprendizado que
possibilita o despertar de processos internos de desenvolvimento que, não fosse o contato do
indivíduo com certo ambiente cultural, não ocorreriam.” (OLIVEIRA, 1997, p. 56).
25
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
Como vimos no caso das irmãs que foram criadas pelos lobos, elas se desenvolveram a partir do que
aprenderam com os lobos, ou seja, aprenderam comportamentos que não são humanos e, portanto,
não se comportavam como nós. Porém, como existia uma estrutura biológica humana, elas foram
capazes de, em contato com outros seres humanos, aprenderem e se desenvolverem como tais.
O desenvolvimento só ocorre na presença de situações propícias ao aprendizado. Isso nos traz a uma
reflexão muito importante para qualquer ambiente educacional. Todos nós, independente de idade,
deficiência, nível socioeconômico, somos capazes de aprender e estamos em constante desenvolvimento.
Porém, precisamos estar em contato com outras pessoas ou instrumentos que permitam nossa
aprendizagem. Necessitamos, para nos desenvolver, de situações propícias ao aprendizado.
Vygotsky nos fala de dois tipos de desenvolvimento: o real e o potencial. O desenvolvimento real
diz respeito a tudo o que já conseguimos realizar sozinhos. Ao observarmos um aluno, podemos
verificar o que ele já consegue fazer sem a nossa ajuda, sem a interferência de um parceiro “mais
capaz”1 Estamos falando, então, do seu nível de desenvolvimento real.
Porém, existem algumas tarefas que só conseguimos realizar com a ajuda de alguém. Já a
conseguimos desempenhar, mas não sozinhos. Você se lembra quando aprendeu a dar um laço?
Inicialmente não o conseguia fazer, mas, depois com a ajuda de alguém, conseguiu realizar a tarefa,
para então, realizá-la de forma independente. Quando precisamos da ajuda de alguém mais capaz
para realizarmos uma tarefa estamos falando do nível de desenvolvimento potencial.
Esses conceitos são importantes, pois, na tarefa de educadores, muitas vezes nos preocupamos
em observar apenas o nível de desenvolvimento real de nossos alunos e deixamos de lado o seu
desenvolvimento potencial. O educador deve atuar exatamente em relação ao desenvolvimento
potencial de seus alunos, com a intenção de transformá-lo em desenvolvimento real.
1 O termo “mais capaz” neste texto diz respeito à capacidade de realizar a tarefa em questão. Não quer dizer que existam indivíduos
mais capazes do que outros.
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CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
só vai conseguir andar com a ajuda de um adulto que a segure pelas mãos, a
partir de um determinado nível de desenvolvimento. Aos três meses de idade,
por exemplo, ela não é capaz de andar nem com ajuda. A ideia de nível de
desenvolvimento potencial capta, assim, um momento do desenvolvimento
que caracteriza não as etapas já alcançadas, já consolidadas, mas etapas
posteriores, nas quais a interferência de outras pessoas afeta significativamente
o resultado da ação individual. ( OLIVEIRA, 1997, p. 60)
Esses conceitos nos fazem pensar sobre a nossa atuação. Muitas vezes insistimos que o indivíduo
aprenda algo para o qual ele ainda não está pronto. Ou, outras vezes, está em processo, mas como
não nos colocamos ao seu lado, no sentido de ajudá-lo a resolver a tarefa, acabamos interpretando
que ele não consegue e não investimos naquela aprendizagem.
Sendo assim, o que o indivíduo é capaz de realizar hoje com a ajuda de alguém mais capaz, ele será
capaz de realizar sozinho futuramente, portanto, a zona de desenvolvimento proximal é um domínio
psicológico em constante transformação. O aprendizado desperta processos de desenvolvimento que
vão se tornando funções psicológicas consolidadas no sujeito. Ao atuarmos na zona de desenvolvimento
proximal de nossos alunos, contribuímos para movimentar os seus processos de desenvolvimento.
Portanto, as relações interpessoais são fundamentais para que o aprendizado ocorra. Em qualquer
ambiente, cujo foco é o ensino, devemos nos preocupar com o tipo de intervenção pedagógica.
Devemos interferir na zona de desenvolvimento proximal de nossos alunos, atuando lado a lado,
fornecendo dicas, instruções, assistência e possibilitando que haja uma rica interação entre os
colegas. Sempre haverá algum aluno mais capaz para realizar uma determinada tarefa e ele poderá
contribuir para o desenvolvimento de seus colegas.
Devemos ter cuidado para não interpretar superficialmente a teoria de Vygotsky como diretiva,
em que o foco seja apenas a intervenção do professor, fazendo com que o aluno seja visto como
um ser passivo. Pelo contrário, a teoria sócio-histórica do desenvolvimento se preocupa em definir
um sujeito absolutamente ativo, capaz de reconstruir e reelaborar os significados que lhe são
transmitidos pelo grupo cultural.
Responda às questões:
27
CAPÍTULO 2
Piaget – A psicogênese do
desenvolvimento cognitivo
Escreveu mais de 100 livros e 600 artigos, alguns dos quais contaram com a
colaboração de Barbel Inhelder. Entre eles, destacam-se: Seis Estudos de Psicologia,
A construção do Real na Criança, A Epistemologia Genética, O Desenvolvimento
da Noção de Tempo na Criança, Da Lógica da Criança à Lógica do Adolescente, A
Equilibração das Estruturas Cognitivas.
Como se aplicam?
Como você respondeu a essas questões? Em algum momento você já tinha parado para pensar sobre
como os conhecimentos se formam? Pois essas foram as inquietações de Piaget. Ele se baseou nessas
perguntas para desenvolver toda a sua teoria. Portanto, vamos estudar, neste capítulo, algumas
respostas que Piaget encontrou para essas perguntas.
Piaget também desenvolveu uma teoria interacionista que considera a importância da maturação
orgânica como suporte para o desenvolvimento, bem como dá importância fundamental à
estimulação proveniente do ambiente físico e social.
28
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
Para ele, desenvolvimento humano significa adaptação psicológica ao meio em uma constante busca
de equilíbrio. “O desenvolvimento, portanto, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua
de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior” (PIAGET, 1969, p. 11).
Como vimos anteriormente, estamos sempre em busca de um maior equilíbrio. Portanto, ao nos
depararmos com algo novo, nossa inteligência procura conhecer e explicar esse “algo novo”. Porém,
em vários momentos, não conseguimos explicar o fenômeno desconhecido, pois nossa inteligência
não possui ainda os recursos necessários para tanto. Tal fato gera um desequilíbrio em nosso
organismo, que nos move a buscar uma nova conduta para reestabelecer o equilíbrio. Pense em
você estudando algo novo, difícil, mas que lhe interessa muito. Normalmente, a primeira vez que
você lê sobre o novo conteúdo, terá dificuldades para compreender toda a teoria apresentada, pois
ela apresenta termos e conceitos que não conhece. Isso, provavelmente, vai gerar um incômodo, um
desequilíbrio. Então, você procura se familiarizar com os novos termos, pesquisa sobre os conceitos
apresentados e, aos poucos, passa a ter condições de compreender todo o conteúdo apresentado, e o
equilíbrio se reestabelece. Você utilizou recursos psicológicos e conhecimentos anteriores e somou
a eles outros novos.
Assim, Piaget procura explicar a evolução da nossa inteligência, que passa por diferentes estágios.
Cada estágio se caracteriza pela aparição de estruturas originais, cuja construção o distingue dos
estágios anteriores. Nossa inteligência vai sendo construída (aí o termo construtivismo) passo a passo,
tijolo a tijolo.
29
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
Piaget nos apresenta três conceitos que são fundamentais em sua teoria: esquemas, assimilação
e acomodação.
Esquema é uma estrutura mental que organiza a atividade humana, tanto para a ação quanto para a
atividade intelectual. Nós possuímos diferentes esquemas que estão em constante mudança. Imagine
um adulto que sabe andar de bicicleta. Ele vai à casa de um amigo e esse o convida para dar um passeio
de bicicleta. Esse objeto já é conhecido por ele, que já construiu anteriormente o esquema conceitual
sobre bicicleta, o que o faz identificar o objeto, mesmo que seja diferente do seu ou do primeiro que
conheceu. Ele possui também um esquema de ação que o permite subir na bicicleta e sair pedalando
sem cair. Esse passeio de bicicleta não trouxe nenhum desequilíbrio nem a necessidade de construção
ou adaptação de seus esquemas para que ele conseguisse desempenhar a tarefa.
Porém, imagine uma criança que nunca viu uma bicicleta. Ela terá que manipular o objeto, ir
aos poucos e, provavelmente, com a ajuda de alguém, compreendendo sua função e elementos.
Essa compreensão se dá, inicialmente, com a incorporação dos elementos novos apresentados
a esquemas já existentes, ou seja, a criança assimila o novo objeto. Porém, como ela não tem
ainda o esquema “bicicleta” formado, necessita construí-lo, ou seja precisa modificar estruturas
anteriormente construídas, acomodando a essas a novidade, possibiltando, assim, a construção
do novo conceito.
Neste momento, em que você está aprendendo uma nova teoria, está aplicando tudo o que vimos
até então. Está se deparando com vários termos e conceitos novos que lhe causam um desequilíbrio.
Mas você precisa aprender a teoria em questão, porém seus esquemas conceituais já constituídos
não são suficientes para que compreenda toda a teoria, então necessita modificá-los, reajustá-
los para que a teoria seja compreendida. Você precisa assimilar a teoria e acomodá-la em novos
esquemas conceituais.
Assim, quando você já conhece um determinado objeto, um cachorro, por exemplo, sempre que
você se deparar com esse tipo de animal você irá assimilá-lo ao esquema conceitual cachorro já
constituído. Não haverá, portanto, necessidade de acomodação. Porém, se você se deparar com algo
absolutamente novo, irá assimilar o objeto a algum esquema conceitual prévio, mas que precisa
ser modificado para “dar conta” de explicá-lo, ou seja, você precisará acomodar o pensamento, os
esquemas, ao novo objeto.
Equilibração
Assimilação Novos
ou
Acomodação ESQUEMAS
Adaptação
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CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
Esses conceitos estudados são fundamenatis para compreendermos a teoria de Piaget. Nós iremos
estudar os estágios de desenvolvimento apresentados na teoria. Porém, é importante ressaltar que
Piaget não fixou o desenvolvimento humano em fases e etapas, como muitos costumam dizer. Ele
categorizou fases para mostrar a evolução da inteligência humana, o que não significa que todos levem
o mesmo tempo para mudar de fase ou que devemos ficar preocupados em separar as crianças por
idade para que possamos trabalhar com elas. Essa ideia parte de uma leitura superficial da teoria, pois
ela apresenta o desenvolvimento de forma dinâmica e sempre em processo de construção. Porém,
como todos somos seres humanos e possuímos uma estrutura biológica semelhante e vivemos em
grupos culturais que nos faz semelhantes em vários aspectos, nós seguimos um caminhar psicológico
que pode ser estudado e descrito. O que não podemos é utilizar a teoria para igualar as pessoas e
achar que existe um desenvolvimento padrão, no qual uma criança que apresenta desenvolvimento
em ritmo diferente passa a ser encarada como desviante e, portanto, excluída de vários processos
educacionais e sociais.
Quando o bebê nasce, ele apresenta apenas comportamentos reflexos e não se diferencia do mundo
que o cerca. Isso significa dizer que ele percebe tudo, inclusive ele mesmo, como uma coisa só. O
comportamento reflexo, ao ser repetido diversas vezes, vai se epecializando e se tornando mais
complexos, passando a constituir o ponto de partida para novas condutas adquiridas com a ajuda
da experiência. Assim, as pessoas e os objetos começam a existir para o bebê, mas ele ainda não está
totalmente diferenciado, ainda não se reconhece como um pessoa independente do meio.
Nessa fase, o bebê começa a apresentar uma capacidade de manipulação do espaço físico e, portanto,
começa a construir “esquemas senso-motores”. Para Piaget, essa construção é o início da inteligência
e ele a chama de “inteligência prática”. Para o autor,
Quando o bebê se utiliza de uma vareta para pegar uma bola embaixo do sofá, ele apresenta um ato
inteligente, pois precisou compreender antecipadamente a relação entre a vareta e a bola e planejar
a ação.
Ao final dessa fase, a criança apresenta uma inteligência prática, portanto, pouco reflexiva. Ela será
capaz de organizar o mundo em categorias do objeto e do espaço, da causalidade e do tempo, porém
todas a título de categorias práticas ou de ação. Ainda não estamos falando de pensamento.
31
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
Nessa fase, a criança, portanto, começa a formar o seu pensamento e procura explicar, por meio
dele, o mundo que a cerca. Porém, ela ainda apresenta o que Piaget chama de egocentrismo. A
criança percebe o mundo a partir do seu ponto de vista e assim o explica, sem um preocupação
lógica com a organização do mundo real. Assim, você pode facilmente ouvir a seguinte resposta de
uma criança de cinco anos ao ser perguntada sobre o porquê da chuva: – Chove porque está muito
quente e a mamãe falou que já estava passando da hora de chover!
Para a criança, é impossível que algo aconteça sem que haja uma vinculação com ela ou com as
pessoas que a cercam. Para ela, compreender sobre a lógica da chuva, nesta idade, é muito difícil. A
criança, apresenta uma assimilação deformada da realidade à própria atividade.
O pensamento da criança apresenta-se de forma intuitiva, ou seja, ele se forma a partir da percepção
que a criança tem do fenômeno e, como ela se apresenta em um estado ainda egocêntrico, importa-
se pouco com a análise das relações existentes. Piaget relata vários experimentos com crianças para
comprovar sua teoria. Iremos relatar um que demonstra como se dá o pensamento intuitivo da criança.
Apresentam-se aos sujeitos seis a oito fichas azuis enfileiradas com pequenos
intervalos, e pede-se-lhes para pegar outras fichas vermelhas que poderão
tirar de um monte à disposição. Por volta de quatro a cinco anos em média, as
crianças construirão uma fileira de fichas vermelhas de mesmo tamanho que
as das azuis, mas sem se preocuparem com o número de elementos nem com a
correspondência termo a termo de cada ficha vermelha com a azul. Há, aí, uma
forma primitiva de intuição, que consiste em avaliar a quantidade somente pelo
espaço ocupado, isto é, pelas qualidades perceptivas globais da coleção focalizada,
sem se importar com a análise das relações. Por volta dos cinco a seis anos, por
outro lado, observa-se uma reação muito interessante: a criança coloca uma
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CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
Imagine dois copos de água, sendo um comprido e fino (A) e outro curto e largo (B)
A B
Você pega uma quantidade de água e enche os dois copos com a mesma quantidade.
Limite de
água
A B
Para você, essa parece uma pergunta muito óbvia! É claro que os dois copos têm a mesma quantidade
de água. Você é capaz de responder a esta pergunta corretamente porque o seu pensamento é
reversível, ou seja, mesmo vendo que em um dos copos a água está mais alta, você recorda que
anteriormente foi colocada a mesma quantidade de água em ambos os copos. O seu pensamento
é capaz de refazer todo o caminho percorrido e voltar ao início para chegar à conclusão adequada.
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UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
Porém, uma criança que ainda apresenta o pensamento intuitivo, responderá que há mais água
no copo comprido e fino. Ela dará essa resposta porque seu pensamento ainda é irreversível e ela
percebe apenas o que está concretamente à sua frente, sendo incapaz de reverter todo o pensamento,
transformando-o em uma operação.
Essa fase marca o início da construção lógica do mundo que cerca a criança. A realidade passa a ser
estruturada pela própria razão da criança e, não mais, pela sua percepção. Ela passa a pensar antes
de agir, dando início à capacidade de reflexão. Para Piaget, essa mudança na forma do pensamento
é constituída pelas operações no campo da inteligência e, pela vontade, no campo da afetividade. A
criança passa a ser capaz de realizar operações mentais e a ter vontade sobre as coisas.
As ações interiorizadas tornam-se cada vez mais reversíveis e, portanto, móveis e flexíveis. O
pensamento não é mais egocêntrico e a criança passa a ser capaz de construir um conhecimento
mais próximo do mundo que a cerca.
Você se lembra do conceito de reversibildade que estudamos na fase pré-operatória? É por causa
da possibilidade de reversibilidade do pensamento, adquirida nessa fase, que podemos falar em
pensamento operatório.
A criança, na fase operatória-concreta, é capaz de compreender que o todo é formado por partes e que
essa composição supõe operações reais de segmentação ou de divisão e, inversamente, de reunião
ou adição. Isso leva a uma noção fundamental para a inteligência: o princípio da conservação. Você
se lembra do experimento dos copos com água? Nessa fase, a criança é capaz de responder que
a quantidade de água é a mesma nos dois copos, pois, por meio da conservação, ela é capaz de
compreender todo o processo, não ficando presa apenas ao resultado final.
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CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
diferenciar dos objetos e das pessoas; de construir uma explicação lógica para os acontecimentos,
mas ainda não é capaz de pensar totalmente no campo da abstração. Ela pensa concretamente sobre
cada problema à medida que a realidade o propõe.
Por isso que, quando trabalhamos com crianças nessa etapa do desenvolvimento, precisamos
utilizar o tão famoso “material concreto”. Ela ainda não consegue realizar operações mentais apenas
no campo da abstração e precisa, ainda, ver as coisas acontecendo para compreendê-las.
Nessa etapa do desenvolvimento, o pensamento deixa de ser concreto, passando a ser “formal”, ou
seja, “hipotético-dedutivo”.
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UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
É importante compreendermos que toda essa evolução do pensamento humano se dá devido à nossa
maturação biológica e a toda uma vivência rica em experiências. Atingimos o nível do pensamento
formal pois vamos sendo estimulados e, pouco a pouco, caminhamos e seguimos o percurso que nos
leva da inteligência prática para uma inteligência mais voltada à nossa percepção (intuitiva), para
uma inteligência concreta, e, só então, chegamos ao nível “hipotético-dedutivo”. Isso não significa
dizer que vamos completar todas as etapas dentro das idades propostas na teoria, mas que, para
chegarmos ao nível formal devemos passar por todos os outros. O tempo de cada pessoa diverge
mas a construção se dá da mesma forma para todos!
Podemos encontrar adultos que ainda operam em um nível concreto, apresentando grandes dificuldades
em lidar com abstrações. Essa relidade é comum, por exemplo, em uma classe de alfabetização de
adultos. Por isso, é importante conhecermos o desenvolvimento – para sermos capazes de apoiá-lo na
construção do pensamento. Não estamos dizendo que todo adulto analfabeto é incapaz de abstrações!
Vamos ter cuidado com as simplificações, pois muitos, mesmo não sabendo ler e escrever, vivenciam
situações cotidianas que podem propiciar o desenvolvimento do raciocínio formal.
Nós, educadores, devemos estar atentos à forma como nossos alunos pensam. Temos que ter muito
cuidado para não ficarmos presos apenas aos resultados por eles apresentados. Temos que nos
preocupar e atuar no processo de construção do conhecimento, no caminho que o aluno percorre
para atingir, satisfatoriamente, o resultado esperado. Isso é construtivismo!
Responda às questões:
36
CAPÍTULO 3
Wallon – A psicogênese da pessoa
Wallon nasceu na França, em 1879, e morreu em 1962. Antes de chegar à psicologia passou pela
medicina e pela filosofia. Viveu entre as duas grandes guerras, presenciando o avanço do fascismo,
a revolução socialista, as guerras para libertação das colônias africanas. Alinhava-se à política de
esquerda, fazendo parte da “resistência francesa”. Participou ativamente do debate educacional de
sua época.
Sua teoria, também interacionista, parte do princípio de que “o homem é determinado fisiológica
e socialmente, sujeito, portanto, a uma dupla história, a de suas disposições internas e a das
situações exteriores que encontra ao longo de sua existência” (GALVÃO, 1995, p. 29). Ou seja, há
um organismo, um corpo fisiológico que existe como condição primeira do pensamento, porém a
ação mental provém do exterior, do meio em que vivemos. Mais uma vez estamos falando em um
processo de desenvolvimento que parte de uma determinação recíproca entre o organismo e o meio
que o cerca.
A cultura e a linguagem assumem um papel fundamental na teoria de Wallon, pois para ele,
assim como para Vygotsky, as condutas psicológicas superiores dependem das interações que
estabelecemos ao longo da vida. Pensando assim, não há como definirmos um limite para o nosso
desenvolvimento. Nós nunca paramos de especializar e sofisticar as nossas funções psíquicas,
mesmo que já tenhamos atingido a maturação orgânica completa.
A psicogenética walloniana não apresenta o desenvolvimento de forma linear, no qual estágios vão
sendo sucedidos por outros como resultado do amadurecimento. Para o autor, o amadurecimento
humano é marcado por conflitos e, ao se passar de um estágio para outro, ocorre uma grande
reformulação que gera momentos de crise, podendo afetar visivelmente a conduta do indivíduo.
Para Wallon, o nosso desenvolvimento acontece com a sucessão de fases que se alternam entre a
predominância afetiva e cognitiva. Possuímos recursos internos que se modificam ao longo de nossa
existência e nos possibilitam interagir de diferentes formas com o meio cultural. Assim, nas fases em
que a criança apresenta uma maior predominância afetiva, ela está mais voltada para si, percebendo-
37
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
se e diferenciando-se do meio em que vive. Já no momento de maior predominância cognitiva, ela está
mais aberta ao seu meio social, às relações, ocorrendo, assim, uma elaboração do real conhecimento
do mundo físico.
Se pensarmos no seu próprio desenvolvimento, seremos capaz de identificar essas fases. Existem
momentos em que estamos mais voltados à aprendizagem, às relações com as pessoas e, outros
momentos em que estamos mais introspectivos, parecendo que precisamos de um tempo para
compreender o mundo à nossa volta.
Pois é assim que Wallon identifica as fases do desenvolvimento e descreve cinco estágios para
o desenvolvimento infantil. Não vamos nos deter nesses estágios, pois não são o foco da teoria.
Apresentaremos um trecho do texto de Izabel Galvão (1995), que descreve bem resumidamente os
cinco estágios, para que você compreenda essa alternância entre fases afetivas e cognitivas.
No estágio do personalismo, que cobre a faixa dos três aos seis anos, a tarefa central
é o processo de formação da personalidade. A construção da consciência de si, que
se dá por meio das interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas
definindo o retorno da predominância das relações afetivas.
Por volta dos seis anos, inicia-se o estágio categorial, que graças à consolidação da
função simbólica e à diferenciação da personalidade realizadas no estágio anterior,
traz importantes avanços no plano da inteligência. Os progressos intelectuais
dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista
do mundo exterior, imprimindo às suas relações com o meio preponderância do
aspecto cognitivo.
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CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
A partir dessa leitura, podemos perceber a alternância entre momentos afetivos (subjetivos) e
cognitivos (objetivos). Wallon chama essa alternância de predominância funcional. Essa
alternância não significa que as funções mais evoluídas suprimem as mais arcaicas, pelo contrário,
elas incorporam as funções mais elementares e passam a exercer o controle. Esse fenômeno é
chamado de integração funcional, ou seja, ao aprendermos algo novo, não deixamos para trás o
que já havíamos apreendido anteriormente, nós reelaboramos, integramos a capacidade anterior à
nova aprendida.
Porém, para Wallon, o desenvolvimento humano não é linear, como já foi dito anteriormente, ele
é marcado por conflitos e retrocessos. Portanto, enquanto não há uma integração entre a conduta
mais antiga e a mais recente, as funções anteriores ficam sujeitas a aparições intermitentes.
Campos Funcionais
Para Wallon, o ser humano é um todo que integra três campos funcionais: a afetividade, o ato
motor e a inteligência. No início, esses três campos aparecem bem indiferenciados e, ao longo do
desenvolvimento, adquirem independência.
Se pensarmos que o “eu” é constituído por afetividade, ato motor e inteligência deixamos de
valorizar apenas o desenvolvimento da inteligência nos espaços educativos. Ao contrário do que
propõe a tradição intelectualista do ensino, uma pedagogia inspirada na psicogenética walloniana
não considera o desenvolvimento intelectual como a meta máxima e exclusiva da educação.
Considera-a, ao contrário, meio para a meta maior do desenvolvimento da pessoa, afinal, a
inteligência tem status de parte, no todo constituído pela pessoa. Portanto, iremos estudar cada
um dos campos funcionais, pois o ato pedagógico deve enfatizar a pessoa como um todo e não
apenas um aspecto.
39
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
Afetividade
Imagine um bebê nos seus primeiros meses de vida. Como ele consegue se expressar? Ele ainda não
fala nem consegue compreender o mundo à sua volta. Apenas apresenta reflexos que vão sendo aos
poucos interpretados pelo adulto. O choro, por exemplo, é um reflexo de algo que o incomoda. E o
choro mobiliza o adulto a agir de forma a melhorar o estado de incômodo da criança.
Assim, no início de nossas vidas, estabelecemos uma comunicação afetiva com o mundo que nos
cerca, um diálogo baseado em componentes corporais e expressivos.
Portanto, a emoção, para Wallon, representa a nossa primeira expressão, a origem da consciência,
operando a passagem do mundo orgânico para o social, do plano fisiológico para o psíquico. À medida
que nossas expressões afetivas vão sendo significadas pelos adultos, passamos a nos diferenciar e
apresentar atos mais intencionais. Ou seja, passamos a nos perceber como pessoas e a conhecer o
mundo e as pessoas que nos cercam.
Faz-se necessário distinguir afetividade e emoção. A vida afetiva é um conceito mais abrangente
que engloba as emoções, os sentimentos e o desejo. A emoção, portanto, compõe a afetividade. Para
Wallon (apud GALVÃO, 1995, p. 61).
No bebê, a afetividade se confunde com as emoções, pois toda expressão afetiva do bebê é
acompanhada de alterações orgânicas (reflexos). Com a aquisição da linguagem, passamos a ser
capazes de compreender essas alterações e até as controlar em vários momentos. Assim, a emoção
vai dando espaço ao sentimento e a afetividade vai ficando independente dos fatores corporais.
Portanto, à proporção que vamos construindo nossos recursos intelectuais a emoção vai diminuindo.
Passamos a ser capazes de controlá-la e, também, de nos expressar por outros meios. Assim, a
atividade intelectual mantém uma relação de antagonismo com as emoções.
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CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
Um outro fator importante sobre a emoção é o seu forte poder de contágio. Imagine-se em um
estádio de futebol ou em um show do seu ídolo. Como você se comporta? Provavelmente se deixará
contagiar pela “energia” do momento. Vai dançar, pular, gritar, podendo até, chorar! Isso é o poder
contagiante da emoção. Galvão (1995, p. 65) nos diz que devido ao seu poder de contágio, as emoções
propiciam relações interindividuais nas quais se diluem os contornos da personalidade de cada um.
Como aprendemos que a intelectualidade diminui o poder da emoção, fica claro que quando uma
pessoa apresenta uma “crise emocional”, essa pode melhorar à medida que a pessoa define suas
causas. Assim, em uma situação de sala de aula, onde os alunos estão eufóricos, falando alto, onde
parece que perdemos o controle, temos que ter cuidado para não nos contagiarmos com esse ambiente
e acabar contribuindo pouco para a solução necessária. É importante que tenhamos consciência sobre
esses processos psicológicos, que mantenhamos a calma para que, aos poucos, possamos normalizar
a turma. Usamos, assim, os nossos recursos intelectuais e os dos alunos para voltarmos à calma
necessária ao andamento das atividades.
O que você entende pela frase escrita por Dantas (1990): “a razão nasce da emoção
e vive da sua morte”?
Ato Motor
Wallon dá grande ênfase ao ato motor. Para ele, a motricidade não se resume apenas ao movimento,
engloba, também, a atividade muscular, que pode ocorrer sem que o corpo se desloque no espaço. A
esse fenômeno, dá-se o nome de função postural ou tônica.
Essa função está intimamente ligada à atividade intelectual. Repare em seus movimentos e
expressões faciais enquanto lê esse material. Se você se depara com algo que não entende muito
bem, provavelmente, fará uma expressão diferente ou se movimentará na cadeira.
Se observarmos o nosso desenvolvimento, podemos constatar, que a criança reage corporalmente aos
estímulos externos. Ela precisa, ainda, do corpo para se expressar. Pense em uma criança descrevendo
algo grande. Ela costuma falar, por exemplo, que a bola é desse tamanho, e gesticula mostrando o
tamanho grande.
À medida que vamos desenvolvendo nossas funções intelectuais, vamos tendo menos necessidade de
nos expressar por meio de gestos. Os progressos da atividade cognitiva fazem com que o movimento
se integre à inteligência.
Um outro ponto importante em relação ao ato motor, aceito por Wallon, é que toda a nossa
motricidade vai se especializando de acordo com a nossa cultura.
41
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
Para ficar mais clara esta ideia, tomemos o exemplo de duas culturas bem
distintas – a italiana e a japonesa – e vejamos o uso que fazem da gestualidade
expressiva. Sobre os italianos diz-se que “falam com as mãos”. De fato, gesticulam
muito enquanto falam e até podemos dizer que gesticulam para falar, de tal
forma o fluxo das ideias parece depender do movimento das mãos e do corpo. Já
os japoneses pouco recorrem à gestualidade expressiva enquanto falam, quase
não mexem as mãos ou o corpo, sua expressão verbal parece mais independente
do movimento. Cada cultura possui especificidades distintas no processo de
objetivação e internalização do movimento. (GALVÃO, 1995, p. 75)
Com a aquisição da linguagem, a criança passa a não reagir apenas ao mundo concreto, ou seja,
sua atividade passa a comportar adiamentos, reservas para o futuro, projetos. Observe uma criança
pequena quando seus pais saem para trabalhar. Ela chora muito, pois resulta difícil compreender
que ficará um espaço de tempo sem eles. Uma criança maior, que já organiza seu pensamento por
meio da linguagem, se convence com o argumento dos pais de que ao final da tarde estarão de volta.
Essa compreensão do mundo por meio de palavras faz com que a criança seja capaz de projetar-se
em um tempo futuro e, assim, acalmar seu desespero.
42
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
Esse exemplo ilustra bem o pensamento sincrético. Esse tipo de pensamento, com o passar do
tempo, vai se diferenciando e atingindo uma representação mais objetiva da realidade até chegar
ao pensamento categorial que busca separar qualidade e coisa, permitindo a análise e a síntese, a
generalização e a comparação.
A teoria de Wallon tem como objeto a psicogênese da pessoa completa que suscita uma prática
pedagógica ao atendimento das necessidades das crianças e dos adultos nos planos afetivo, cognitivo
e motor, promovendo o desenvolvimento em todos esses níveis.
Responda às questões:
43
CAPÍTULO 4
Ausubel – A aprendizagem significativa
44
CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO │ UNIDADE II
Ausubel apresenta outras contribuições importantes para a vida escolar. Ele distingue dois eixos ou
dimensões para a aprendizagem: a significativa e a memorística.
Para este autor, a aprendizagem significativa refere-se à maneira como o aluno trabalha as
informações que deve apreender. Ele as recebe como algo não acabado e, antes de incorporá-las,
procura relacioná-las à sua estrutura cognitiva, ou seja, ao seu esquema mental e assim descobre uma
nova aprendizagem e, de forma ativa, assimila os sinais e, assim, constrói um novo conhecimento
significativo, isso é, realiza uma aprendizagem significativa.
A aprendizagem memorística ocorre de outra forma, com outro tipo de intervenção no processo
de aprendizagem. Ela se dá quando o aluno não possui subsunçor capaz de assimilar a nova
informação e, assim, ele é levado a uma aprendizagem mecânica que pressupõe a memorização
arbitrária do novo conteúdo. É como se o aluno abrisse novo compartimento cognitivo em seu
processo psicológico de aprendizagem.
Quando vamos aprender algo, fazemos uma avaliação (algumas vezes de forma inconsciente) do
significado que o conteúdo a ser aprendido tem ou poderá ter para nós. Assim considerando, todo
conteúdo escolar deve ser potencialmente significativo para o aluno. Nessa perspectiva, para que
se possa garantir o aspecto significativo, o conteúdo a ser ensinado pode ter uma organização lógica
ou psicológica. A título de exemplo, destacamos: normalmente, quando vamos ensinar Estudos
Sociais ou Ciências para uma criança, começamos por elementos próximos, familiares para ela.
Quando ensinamos Matemática, procuramos concretizar o conteúdo com aspectos próximos à
criança. Em Estudos Sociais, começamos estudando conceitos sociais, espaciais e temporais a
partir da família, da escola, da vizinhança, do Município (ou Região administrativa), do Estado
(ou do Distrito Federal) do Brasil, do Mundo. Em Ciência, começamos também pelo ambiente
mais próximo até chegar a aspectos remotos. Esse é um tipo de organização psicológica e refere-
se ao compromisso com a aprendizagem significativa, ou seja, facilitamos condições para que a
criança possa utilizar seus subsunçores e ir, gradativamente, aumentando seus conhecimentos,
assimilando novas aprendizagens.
Em uma perspectiva lógica, os conteúdos seriam organizados a partir dos primórdios da vida, até
a atualidade, do ambiente temporal e espacial remoto até o mais próximo. Para a criança, para um
adulto ou adolescente, que não dispõem de subsunçores correlatos ao tema estudado, a organização
lógica, normalmente, dificulta a aprendizagem.
Ausubel propõe que os conhecimentos prévios sejam sempre valorizados. A aprendizagem é muito
mais significativa quando o novo conteúdo é incorporado às estruturas de conhecimento do aluno.
Ela tem mais significado, a partir de conhecimento prévio. Quando isso não ocorre, a aprendizagem
se torna mecânica, repetitiva, memorística, porque o conteúdo em vez de ser incorporado, passa a ser
armazenado por meio de outras associações, sujeita ao esquecimento, caso não seja constantemente
requerido, utilizado, até ser, de fato, assimilado pelo processo cognitivo.
45
UNIDADE II │ CONTRIBUIÇÕES DAS PRINCIPAIS TEORIAS PSICOLÓGICAS AO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO
Responda às questões:
46
O DESENVOLVIMENTO
PSICOLÓGICO UNIDADE III
NO CONTEXTO
SOCIOEDUCATIVO
CAPÍTULO 1
Desenvolvimento cognitivo
Nós estudamos que nos desenvolvemos a partir de uma interação entre o nosso aparato orgânico
e as nossas experiências de vida. Vimos, também, que essas experiências não são neutras, mas
absolutamente imersas em um contexto histórico-cultural. Portanto, nós pensamos o que pensamos
e somos quem somos, pois vivemos em um determinado país, cidade, família e frequentamos
determinados espaços sociais.
Como vimos, o desenvolvimento cognitivo não depende somente do aparato biológico, mas sobretudo
do que ocorre no contexto. Os aspectos histórico-culturais são fundamentais na constituição
do cognitivo.
A escola, bem como outros espaços educacionais, são muito importantes para o nosso
desenvolvimento cognitivo. São inúmeros os processos psicológicos que se desenvolvem a partir
das práticas educacionais.
A forma como aprendemos no nosso dia a dia difere da forma como aprendemos na escola. Os
conteúdos trabalhados nos espaços educacionais nos são apresentados de forma sistematizada e
envolvem processos psicológicos, tais como abstração, imaginação, raciocínio lógico, memória,
atenção, generalização, análise, criatividade, fantasia, emoção.
A partir da premissa de que a natureza humana não é dada ao homem, não é natural, mas sim,
produzida historicamente em um movimento dialético, em que o homem constrói a sociedade e
essa o constrói reciprocamente, Saviani (1996, p. 17) apresenta o trabalho educativo como um “ato
de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo conjunto de homens”.
47
UNIDADE III │ O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO
O autor chama a atenção para o fato de a educação não se restringir à escola, já que os indivíduos
têm contato com aspectos culturais em vários espaços, porém, a escola tem um papel educacional
específico, que diz respeito ao saber sistematizado e não ao saber espontâneo. “É a exigência de
apropriação do conhecimento sistematizado por parte das novas gerações que torna necessária a
existência da escola. ” (SAVIANI, 1996, p. 19)
Dessa forma, os espaços educacionais devem ocupar-se em desenvolver conteúdos que se diferenciam
do saber cotidiano. Eles devem partir dos saberes cotidianos e os extrapolar.
Devemos estar atentos ao momento em que nossos alunos se encontram. Estudamos alguns autores
que nos dão subsídio para esse trabalho. Devemos atuar na zona de desenvolvimento proximal,
no sentido de construção do pensamento, respeitando a etapa de desenvolvimento cognitivo de
nossos alunos. Devemos nos preocupar em perceber o aluno como um todo, um ser completo,
compreendendo que o desenvolvimento de sua inteligência caminha junto com sua afetividade e seu
lugar no mundo. As aprendizagens devem ser significativas, devem fazer sentido para o indivíduo,
pois só assim ele será capaz de se desenvolver em toda sua possibilidade.
Durante todo o nosso estudo, temos falado sobre a importância das experiências individuais e
sociais para o desenvolvimento dos processos psicológicos, portanto, os cognitivos também. São
essas experiências que nos fazem tão diferentes uns dos outros. Mesmo que você observe crianças
da mesma idade, elas podem apresentar níveis de desenvolvimento cognitivo bem diferente. Assim
sendo, devemos ter o cuidado de não trabalhar da mesma forma, esperando o mesmo desempenho
de uma mesma turma.
É comum que as escolas se organizem a partir das idades de seus alunos e espere que todos se
desenvolvam e aprendam ao mesmo tempo e da mesma forma. Porém, trabalhar dessa forma é
totalmente inadequado!
O desenvolvimento cognitivo não ocorre da mesma maneira para todos. As pessoas utilizam dinâmicas
diferentes entre si. Além disso, essas dinâmicas apresentam variações contextuais e diferentes
possibilidades de constituição da subjetividade e de compreensão do mundo. Por exemplo: dois
colegas de uma mesma turma e muito amigos, podem, também, fora da escola, utilizar processos
psicológicos diferentes entre si para aprender a mesma coisa. Essa diferença ocorre quando suas
decisões, suas estruturas mentais, suas peculiaridades familiares, suas vivências e experiências são
distintas, gerando, assim, processos de aprendizagens também distintos.
Na escola, nós interagirmos com muitas pessoas, com tecnologias de informação e comunicação,
com variedade de conhecimentos. Nesse espaço de vida social, histórico e cultural, aprendemos e
a partir dessas aprendizagens realizamos transformações importantes em nossas ideias, em nosso
meio. Aquilo que aprendemos nos modifica, e com essas mudança podemos modificar a nossa
realidade e a de outras pessoas do nosso meio, especialmente daquelas com as quais interagimos.
48
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III
Não é adequado, pois, estabelecer normas ou padrões de desenvolvimento cognitivo para um grupo
de crianças. Não existe o “amadurecimento” biológico igual para as crianças de um grupo, mesmo
que elas estejam na mesma faixa etária, em um mesmo momento de desenvolvimento cognitivo.
Portanto, devemos ter clareza que ao trabalharmos com educação, trabalhamos com diversidade.
Sempre! Ninguém é igual a ninguém! Devemos conhecer os aspectos que envolvem o desenvolvimento
de nossos alunos e nos organizar de forma a atendê-los em suas especificidades.
Como nos desenvolvemos por meio das relações que estabelecemos ao longo de nossa vida, devemos ter
clareza que “o processo de construção de conceitos, que mobiliza o desenvolvimento cognitivo, processa-
se nas e pelas interações sociais, por meio das quais as funções cognitivas são estruturadas, reelaboradas
e transformadas, possibilitando a constituição do indivíduo e, principalmente, a construção de seus
conhecimento” (MARINHO, 2001). Dessa forma, a escola assume um papel muito importante para o
nosso desenvolvimento cognitivo.
49
CAPÍTULO 2
Processos de interações: mediadores
do conhecimento (fatores intrapessoais,
interpessoais e socioambientais no
processo educativo)
A Importância da Interação no
Processo Educativo
As interações sociais são muito importantes na origem do nosso desenvolvimento psíquico. Por
meio delas, desde muito cedo, vamos aprendendo o significado dos signos e dos símbolos culturais
existentes em nosso meio. Com esses signos e símbolos construímos os nossos esquemas de ação e
constituímos nossa individualidade, sempre a partir do que culturalmente nos é transmitido.
Nós aprendemos com o outro, por imitação consciente ou não e, quase sempre, como fruto de um
processo de ensino.
Pense um pouco em coisas que você sabe fazer como escrever, ler, digitar, cantar e relembre com
quais pessoas você aprendeu a realizá-las. Você verá que tudo que você sabe fazer resulta das suas
relações com outras pessoas – com seu pais, professores, amigos, colegas.
Nessas relações entre o organismo e o meio verificam-se sempre oposições e composições que
variam segundo os nossos níveis e esquemas de ação. Toda construção de aprendizagem supõe um
tempo de assimilação e de maturação. Como acontece com o crescimento físico, os crescimentos
intelectual, social, afetivo também apresentam caminhos e ritmos de desenvolvimento particulares.
No terreno mental, onde as influências sociais se acrescentam aos fatores de experiência física,
nós vamos agregando novos valores às nossas ações, definindo vontades, pensamentos, emoções,
modificando comportamentos e, assim, construindo valores – sociais e culturais.
50
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III
próprias coisas. O conhecimento não parte do sujeito, nem do objeto, mas da interação entre o
sujeito e o objeto; com as interações provocadas pelas atividades espontâneas do organismo e os
estímulos externos. Portanto, o conhecimento orienta-se em duas direções – fatores internos e
fatores externos – que colaboram de maneira indissociável, imperceptível, apoiados em ações e
em esquemas operatórios, fora dos quais não tem poder sobre a realidade externa, nem sobre as
condições internas.
A primeira dessas direções – o fator interno – é essencial às condições de adaptação ao meio, por
ser a da conquista do objeto (pelos sentidos) a que conduz à objetividade da compreensão real. A
segunda, relacionada à inteligência, é a tomada de consciência das condições internas e conduz às
novas construções.
Muitas coisas que aprendemos e que provocaram modificações em nosso seu meio não resultam
de acumulações contínuas e constantes. Muitas até têm origem em outras aprendizagens que
foram desconstruídas. Por exemplo: Hoje, eu não jogo mais óleo no ralo da pia porque aprendi,
via internet, que isso não é bom para o meio ambiente. Com isso, desconstrui um hábito que tinha
origem na ideia de que era correto esse comportamento.
As relações sociais funcionam como canal de socialização e cultura. É na interação social que
conseguimos reorganizar o conhecimento e suas funções psicológicas.
51
UNIDADE III │ O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO
Essas mediações podem ocorrer sob diferentes tipos de relações sociais: profissionais estritas,
amistosas, suplementares, íntimas, de dominação e subordinação, de conflito e outras.
Quando ocorrem interações do tipo “relações de poder”, no contexto escolar, pode haver um
desequílibrio na situação. Se o professor usa o seu “poder” para controlar ou direcionar a relação
de forma inadequada pode, assim, interferir e comprometer a aprendizagem. É importante que o
professor esteja sempre atento para a ocorrência desse tipo de relação e para suas consequências,
modificando o que for necessário e promovendo novas condições de aprendizagem.
Existem muitas oportunidades que o professor pode aproveitar para promover uma relação
de confiança:
Das características das interações sociais que se verificam no processo educativo depende o sucesso
ou o fracasso escolar. As relações entre professor e aluno são as bases para a organização do trabalho
em sala de aula.
52
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III
Relações sociais bem-sucedidas são uma utopia que se constrói coletivamente, em atividades
de grupo, de projetos comunitários, de avaliações formadoras e formativas que incentivem a
reelaboração de variados aspectos e a discussão de ideias diferentes.
O professor, como mediador do processo educativo, deve ter consciência da importância do papel
que desempenha e estar preparado para organizar e integrar o ensino que desenvolve, coordenando
e orientando atividades e situações que promovam a aprendizagem, com interações e relações na
construção do saber.
53
CAPÍTULO 3
Relação afeto-cognição
A subjetividade é constituída por processos psicológicos que nos permitem pensar, sentir,
comunicar, compreender, agir, criar e transformar a nós mesmos e o mundo circundante. É
uma característica psicológica humana construída na interdependência do mundo interno e
externo ao indivíduo. Cada pessoa tem uma forma de sentir, de expressar-se, de agir devido
à sua subjetividade. Podemos depreender, assim, que a subjetividade resulta de processos
psicológicos, responsáveis pelas diferenças individuais entre as pessoas, pelas formas como as
pessoas vivem e se relacionam na vida.
O afeto no ato de ensinar e de aprender é muito importante. Ele deve estar presente, desde o
nascimento, em todas as atividades de desenvolvimento humano. O afeto deve manifestar-se por
meio das expressões emocionais de quem ensina e de quem aprende. A emoção acompanha o
desenvolvimento das ações motoras, das construções cognitivas na formação afetiva, funcionando
como um elemento mediador da aprendizagem.
54
O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III
A partir do que ocorre nessas relações, de como o interlocutor interpreta nossas emoções e a elas
reage, vamos compreendendo o mundo, as pessoas e a nós mesmos; o nosso pensamento vai se
tornando mais complexo, à medida que desenvolvemos e expressamos nossa afetividade.
Os vínculos afetivos entre o aluno e o professor são muito importantes. Eles auxiliam a constituição
da subjetividade na medida em que interferem na forma como a pessoa internaliza suas experiências.
Na sala de aula, podemos mediar os significados de determinadas emoções dos alunos, interpretando
e estabelecendo conexões entre suas expressões afetivas e o mundo. É muito importante que a
escola propicie a afetividade – a expressão de emoções e afetos que são motores de desenvolvimento
orgânico e cognitivo dos alunos.
Como os demais processos psicológicos, a afetividade tem origem orgânica e se completa nas
interações sociais. Nas relações com os outros, a afetividade se transforma em um processo
psicológico básico para o desenvolvimento mental e social do indivíduo.
Nossas ações motoras também se manifestam impregnadas de emoções: rimos; ficamos eufóricos;
choramos; gritamos; corremos; empurramos; provocamos o outro e somos por ele provocados;
jogamos; tensos ou tranquilos; nos tocamos; conversamos. Enquanto nos manifestamos fisicamente,
operamos processos mentais e, assim, pensamos, decidimos, escolhemos alternativas, (re)fazemos
planos, aprendemos novas habilidades e formamos outras atitudes e valores.
Seria muito bom se pudéssemos lidar somente com as emoções positivas, com palavras amenas, com
atitudes cordiais, amistosas. Mas sabemos que nem sempre é assim. Na sala de aula, convivemos
com manifestações desse tipo e com outras muito diferentes. Precisamos parar e refletir para corrigir
ou, pelo menos, minimizar as consequências negativas advindas dos tipos variados de afetividade.
O professor precisa saber lidar com as situações em que a afetividade se torna fator impulsionador
ou restritivo da aprendizagem, dos avanços cognitivos e afetivos. Para isso, ele deve entender o
que é afeto e o que é inteligência, percebendo que essas não são demonstrações distintas de
desenvolvimento e de aprendizagem, ou seja, demonstrações inadequadas de afetividade não
representam, necessariamente, uma “diminuição” da inteligência do aluno. A expressão da
afetividade deve ser transformada em ganhos cognitivos.
Na sala de aula, o professor pode desenvolver situações pedagógicas cotidianas que exercitem o ato
motor a partir de atividades interativas, afetivas, lúdicas e prazerosas, e que tenham, também, a
intenção de transmitir conteúdos em uma dimensão mais contextualizada.
A linguagem tem uma função muito importante no desenvolvimento dos processos psicológicos da
aprendizagem humana. Ela é mediadora e reguladora das práticas sociais e dos nossos processos
psíquicos.
55
UNIDADE III │ O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO
A partir da linguagem e por meio dela, em um mundo repleto de signos, instrumentos e símbolos
culturais, damos novos significados aos conceitos, estruturando o próprio pensamento e atuando
mais efetivamente em um processo interativo e complexo.
Além da função comunicativa, a linguagem tem uma função cognitiva. O professor deve promover
situações para aproveitar essas funções, para criar um contexto em que aconteçam as trocas verbais
entre os protagonistas da ação educativa. Ele deve aplicar tarefas e atividades na quais a comunicação
e as interações favoreçam o aparecimento das diversas formas de linguagem, em um processo de
comunicação rico e significativo.
Nas interações e nas comunicações, o professor deve estar preparado para aproveitar todas as
oportunidades que se abrem ao desenvolvimento dos processos psicológicos, inclusive para evitar e/
ou minimizar a ocorrência de problemas advindos de comunicações, como mal-entendidos e conflitos,
transformando cada situação em momentos acolhedores e de muita confiança, onde todos possam
argumentar, rever, negociar interesses, expressando de forma mais objetivo o seu pensamento.
Nesse sentido, deve evitar monólogos, silêncios solenes durante atividades em grupo, atos
individualistas e de isolamento.
A nossa sala de aula deve ser organizada como espaço apropriado para que os alunos possam
expressar suas observações, críticas e vivências.
Pense, novamente, sobre a área de atuação pedagógica que você escolheu estudar
neste curso. Escreva, sobre o desenvolvimento cognitivo, as relações interpessoais
e o afeto baseando-se nos capítulos estudados. Imagine como você pode trabalhar
com seu aluno a partir destes temas.
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O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO │ UNIDADE III
57
O ALUNO UNIDADE IV
ADOLESCENTE
Metamorfose Ambulante
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo.
[…]
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor.
[…]
(Raul Seixas. Metamorfose Ambulante)
E quem são os nossos alunos da Educação Profissional de Nível Técnico? Crianças crescidas que já
atingiram o seu máximo em termos de desenvolvimento dos processos psicológicos e mentais?
Acredito que você tenha respondido muitos “nãos” para as questões enumeradas acima, pois nós
NUNCA paramos de nos desenvolver. As nossas funções psicológicas superiores vão se especializando
cada vez mais e, assim, vamos construindo etapas e mais etapas na aquisição do conhecimento.
Porém, após a infância, quando já somos capazes de operar não apenas no concreto, quando somos
capazes de ir além do aqui e agora em termos de pensamento, nós nos encontramos também cercados
de conflitos internos que faz com que possamos demarcar uma nova fase em nosso desenvolvimento
– a ADOLESCÊNCIA.
Será que conhecemos sobre essa fase do desenvolvimento? Será que estamos prontos para lidar
com esses alunos tão interessantes e curiosos? Será que a escola está preparada para acompanhar e
atender às necessidades do adolescente?
Para iniciarmos a discussão precisamos situar a fase da adolescência. Quando ela se inicia e quando
termina.
58
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV
A adolescência, como a conhecemos, é um produto do século XX. Até o final do século XIX, as
crianças eram introduzidas no mundo adulto entre os sete anos e o começo da puberdade. Não
existia uma cultura adolescente, nem a adolescência era percebida como um estágio específico do
desenvolvimento humano. No final do século XIX, com a industrialização, os estudos passaram
a ter uma importância fundamental na vida das pessoas das classes favorecidas. O conceito da
importância da formação passou a fazer parte de nossas vidas e a entrada do indivíduo na vida
adulta sofreu um atraso importante. Em consequência desse atraso, um novo grupo se formou, um
grupo que estava entre a infância e a vida adulta.
Vale ressaltar que estamos descrevendo uma mudança social ocorrida na nossa sociedade ocidental. E
que, mesmo em nosso país, encontramos grupos sociais em que crianças são obrigadas a incorporarem
o status de adulto muito cedo, em que são introduzidas no mundo do trabalho, e até constituindo
famílias no início da puberdade. Isso comprova, mais uma vez, que a adolescência é uma construção
cultural e que os comportamentos apresentados por nossos adolescentes fazem parte dessa construção.
Assim sendo, por sermos humanos, todos vamos passar pela puberdade, independente de cultura
ou situação social. Porém, a adolescência se apresenta de forma diversa. O que estudaremos
nos próximos capítulos é a fase da adolescência que pode ser descrita no mundo ocidental e
industrializado. São os alunos que encontraremos em nossas escolas. São os jovens que estão se
preparando para o mundo do trabalho, ou seja, se preparando para entrarem na vida adulta.
Existe um senso comum que descreve a adolescência como uma fase difícil, de muita rebeldia e de
relacionamentos conflituosos, principalmente no ambiente familiar. A psicologia, em muitos de seus
estudos, contribuiu para esta visão negativa em relação ao adolescente. Porém, estudos modernos
nos mostram que muitas teorias sobre a adolescência escritas por psiquiatras e psicólogas, foram
construídas a partir de dados procedentes de suas consultas e que partiam, por consequência, de
uma população mais problemática do que a média. Ou seja, a maioria de nossos adolescentes é
bastante saudável emocionalmente e interessante, mesmo com os conflitos que vivenciam.
Maurício Knobel (1974) descreve as características da adolescência normal que é marcada por
conflitos sim, mas que pode ser vivenciada de uma forma muito saudável e produtiva. Para esse
autor, existe uma série de manifestações de conduta que podem ser listadas da seguinte forma:
59
UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE
»» tendência grupal;
»» crises religiosas;
»» deslocalização temporal;
E quando a adolescência termina? Ronald Pagnoncelli de Souza (1987) definiu alguns critérios para
caracterizar o “final” da adolescência:
Agora que estamos mais situados em relação ao nosso aluno de Educação Profissional de nível
técnico, proponho nos aprofundarmos um pouco mais em relação ao seu desenvolvimento cognitivo,
social, afetivo e o seu ambiente escolar. Vamos lá?
60
CAPÍTULO 1
Desenvolvimento cognitivo na
adolescência
Encontramos no raciocínio dos adolescentes e adultos uma estratégia cognitiva que os diferencia
qualitativamente das crianças que é a realidade sendo concebida como um subconjunto possível
(Carretero e León, 2004). O adolescente não lida mais, apenas, com o concreto, com os dados reais
presentes, mas, também, é capaz de prever todas as situações e reações causais possíveis entre seus
elementos. Ele é capaz de analisar de maneira lógica todas as possibilidades hipotéticas e, só depois,
contrastá-las com a realidade.
Dessa forma, ao se deparar com um problema a ser resolvido, o adolescente é capaz de pensar sobre
todas as situações possíveis para a solução desse problema. Segundo Carretero e Léon (2004),
61
UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE
Isso quer dizer que o aluno, nessa fase, é capaz de utilizar proposições verbais independentemente
da realidade concreta. Ele é capaz de raciocinar sobre x e y no lugar dos conteúdos concretos.
Dessa forma, o adolescente é capaz de trabalhar não apenas com objetos reais, mas também com
representações proposicionais dos objetos.
Porém, existe uma questão importante de ser analisada. Já discutimos em capítulos anteriores
que o meio em que vivemos exerce uma influência fundamental para a forma que vamos nos
desenvolvendo. Então, nem todos se desenvolvem da mesma maneira, ou seja, o pensamento formal
não aparece assim tão facilmente em todos os adolescentes. Existem adultos que, sem a estimulação
necessária, ainda operam em um nível concreto, como já citado no capítulo 4 na nossa apostila.
Essa informação é importante para nós educadores que trabalhamos com o adolescente, pois apesar
dele ter a capacidade de operar formalmente sobre os conteúdos estudados, não podemos abrir mão
totalmente do objeto concreto.
Piaget, em estudos posteriores, e outros autores mais modernos sugerem que se o conteúdo (situação
experimental) estudado não corresponde às aptidões ou interesses do sujeito, é possível que este se
utilize de raciocínio característico de um estágio anterior. Ou seja, os conteúdos estudados devem
apresentar-se de forma significativa para o aluno, como já estudamos na teoria de Ausubel, no
capítulo 4.
É fato que adolescentes e adultos possuem uma maior capacidade lógica para o raciocínio complexo
e abstrato, ou seja, para assimilar o conteúdo científico. Porém, é preciso mais que meras exposições
de um conteúdo mais abstrato. Tanto a informação de base como o modelo de relações devem ter
sentido e significado para aquele que aprende. O que só acontece quando o conteúdo é apresentado
ao aluno a partir de atividades guiadas de construção de conhecimento, em que as concepções
prévias dos alunos são postas em relação com os novos significados, em que este pode descobrir as
vantagens no novo modelo explicativo apresentado.
Dessa forma fica claro que “decorebas” de fórmulas, termos científicos e definições não são suficientes
para que a aprendizagem ocorra de fato. É necessário entender, dotar de significado, relacionar,
62
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV
conectar com outros conhecimentos de uma forma não apenas verbal e expositiva, mas a partir de
um conhecimento construído e elaborado em conjunto.
Alguns alunos possuem ótimas notas em seu boletim sem terem, de fato, apresentado uma
transformação profunda que consiste em mudança conceitual, pois muitos apresentam boa
capacidade de memorização.
O que está claro para nós é que o nosso conhecimento não segue um roteiro prévio para ser
construído. Especializamos à medida que vamos sendo expostos ao mundo, mas a forma que cada
um aprende é única. Como somos seres sócio-histórico-culturais, possuímos características que nos
une e nos iguala em algumas situações. Assim sendo, a escola pode buscar elementos que a torne
mais interessantes e que vá ao encontro das necessidades de nossos jovens.
63
UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE
64
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV
Refrão
Encarem as crianças com mais seriedade
Pois na escola é onde formamos nossa personalidade
Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância, a exploração, e a
indiferença são sócios
Quem devia lucrar só é prejudicado
Assim vocês vão criar uma geração de revoltados
Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio
Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio...
Juquinha você tá falando demais assim eu vou ter que lhe deixar sem recreio!
Mas é só a verdade professora!
Eu sei, mas colabora se não eu perco o meu emprego.
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CAPÍTULO 2
Desenvolvimento social e afetivo
na adolescência
(Outeiral, 2003)
Construção da Identidade
Estudamos na introdução desta unidade que existem algumas características que são semelhantes
em relação aos nossos adolescentes. Um aspecto muito importante desta fase de desenvolvimento é
a estruturação da identidade que se organiza por identificações.
Estudamos em capítulos anteriores que o meio em que vivemos é fundamental para o nosso
desenvolvimento. Somos quem somos devido a diferentes tipos de relações que vão se estabelecendo
ao longo de nossas vidas. Inicialmente, nos relacionamos com nossa mãe, depois com o pai, depois
com outros elementos da família e, mais à frente, com professores, amigos, ídolos e pessoas da
sociedade em geral.
Todas essas relações vão nos constituindo, porém esse não é um processo rápido. Quando crianças,
idolatramos nossos pais, criamos fantasias a respeito deles e não os enxergamos e nem ao mundo
como eles realmente são. À medida que outras pessoas vão entrando em nossas vidas, começamos a
lidar com certas frustrações, inclusive a de percebermos que nossos pais não são tão perfeitos como
pareciam ser. Esse movimento é importante para que o indivíduo consiga se tornar independente,
porém ele vem carregado de frustrações e cobranças. Segundo Outeiral (2003), o adolescente na
fase inicial estrutura sua identidade como uma “colcha de retalhos”, na qual cada retalho é um
pedaço de alguém. Mais à frente, esses “pedaços” se juntam e a identidade do adulto se constitui.
Assim, as amizades, os grupos de adolescentes passam a ser um dos espaços mais importantes nessa
fase. Os tipos de relações estabelecidas nos grupos, as lideranças, os hábitos, são indicadores de
como o adolescente está lidando com suas dificuldades. A vivência em grupos com amigos é muito
importante para o adolescente, pois oferece situações variadas e múltiplas.
Outro elemento importante de identificação são os ídolos de grupos musicais, atletas, astros de
cinema. Muitas vezes essas identificações são tão maciças que o adolescente passa a se vestir, a falar
e a se comportar como seu ídolo.
Os professores também são muito importantes nesse momento de identificação. Você consegue se
lembrar de algum professor ou professora que você gostava muito e que te marcou? Pois é, essas
66
O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV
marcas são importantes para a construção de nossa identidade. E mais uma vez fica claro para nós
o papel fundamental que o professor ocupa na constituição de nossa personalidade.
Para nos tornarmos o adulto que somos, hoje, passamos por momentos turbulentos e conflituosos
durante a nossa adolescência. É claro que a intensidade desses conflitos é diferente para cada um,
mas eles sempre existem.
Como a identidade vai se formando a partir das identificações ao longo de nossa vida, principalmente
na adolescência é comum que haja uma identificação projetiva por parte dos adultos que convivem
com o adolescente.
Assim, a forma que os pais conseguirão lidar com os conflitos vivenciados pelo filho ou filha
adolescente é muito importante para o desenvolvimento e formação do jovem. Os principais modelos
para a construção da identidade são os pais e quanto mais positiva forem, mais apto o jovem estará
para enfrentar a vida com suas dificuldades.
Família
Como vimos, a relação do jovem com sua família é muito importante para um desenvolvimento
saudável. Uma relação que combine afeto com condutas que estimulem a autonomia, a troca de
pontos de vista e a adoção de opiniões próprias por parte do filho é muito importante para a formação
de um adulto que seja capaz de enfrentar a vida de forma positiva. Outro aspecto importante na
condução dos pais é o controle e a supervisão por partes destes da conduta do adolescente.
Diferentes estilos educativos produzem diferentes características nos filhos adolescentes, que podem
ser positivas ou negativas. Não podemos dizer que existe uma relação absoluta e infalível. É sabido
que, em alguns casos, estilos educativos bem positivos podem gerar um adolescente “problemático”
e vice- -versa. Mas, em regra, e baseados em estudos, podemos fazer algumas relações entre o
modelo educativo oferecido e as características do adolescente.
67
UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE
»» Problemas escolares
»» Problemas de ajuste psicológico
Indiferença
»» Muitos problemas de conduta e abuso
no uso de drogas
Uma das grandes queixas da escola é a falta de participação e interesse das famílias. Realmente,
lidamos, em muitos momentos, com famílias que adotam um modelo “indiferente” na criação de seus
filhos e, por consequência, a característica de nossos alunos são as apresentadas no quadro acima.
Costumo dizer que é difícil lidar com um aluno que apresenta uma família indiferente, ou uma
família que usa da agressão para estabelecer seu autoritarismo, porém, devemos aproveitar o
momento que o aluno está na escola e fazer deste um momento de saúde. Ou seja, construir com o
meu aluno uma relação democrática e de confiança.
O professor também é um modelo importante de identificação para o jovem. O problema é que nos
deparamos com tantos conflitos sociais, com tantos problemas que envolvem a carreira do professor,
que acabamos nos esquecendo do aluno. Esquecemos que, por trás daquele jovem “problemático”,
existe um país injusto, omisso, e que ele, bem como sua família, são vítimas do mundo em que vivemos.
Assim, quando escolhemos a profissão de professor, no Brasil, devemos ter consciência prévia das
condições das escolas, dos jovens e das famílias que encontraremos. Essa é a nossa realidade. E, se
estamos carentes de modelos positivos para que nossos jovens possam se identificar, que possamos
nós, professores, seguir este modelo!
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CAPÍTULO 3
O ambiente escolar da Educação
Profissional de nível técnico e
a aprendizagem
Nos últimos anos, a expansão da oferta do ensino médio tem sido um desafio para os educadores. Ela
representa decisões importantes porque significa a presença de jovens que nunca tiveram acesso a
esse nível de ensino, que sempre estiveram fora do sistema e a necessidade de se garantir sucesso a
eles e, principalmente, aos que, embora tenham conseguido matrícula, não desenvolvem um percurso
bem-sucedido.
A heterogeneidade do corpo discente é uma realidade e diversas demandas se fazem presentes, porque:
»» Para uma parcela, a função propedêutica para a educação superior sempre foi/é
uma expectativa real. A escola de cunho escolástico liberal – a tradicional (clássica)
cumpre bem essa função.
»» Para outra parcela, constituída por alunos que antes não aspiravam ao ensino
superior, mas, que tendo conseguido chegar à etapa final da educação básica, estão
dispostos a avançar em outro nível educacional para realizarem conquistas sociais e
econômicas próprias dessa condição.
»» Outra parte aspira a uma educação profissional de nível técnico para que possa
ingressar no mercado de trabalho com mais condições profissionais. Não pensa,
ainda, em cursar uma faculdade.
Em síntese, em distintos pontos de vista, pode-se pensar que a educação secundária enfrenta
problemas de diferentes naturezas. Ocupa-se da adolescência, considerada a etapa mais conflitiva
da vida humana; dirige-se a pessoas jovens, a quem ultimamente se atribui toda classe de culpas e
não se sabe ao certo qual sua verdadeira identidade; supõe-se que prepara para a universidade, mas
por diversos motivos, nem todos os egressos têm acesso a ela; imagina-se que deveria favorecer a
incorporação ao mercado de trabalho, mas esse não satisfaz as aspirações dos jovens. Ao mesmo
tempo, os empregadores e os professores do ensino superior se mostram descontentes com a
preparação dos egressos. Os alunos secundaristas se queixam do tédio que lhes provoca o estudo
e seus professores da desmotivação deles para estudar. (CARIOLA, 2000, apud ABRAMOVAY e
CASTRO, 2003)
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UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE
É preciso que se inicie pelo aluno qualquer trabalho a ser desenvolvido. Esse deve ser colocado no
centro de qualquer proposta desenvolvida na escola. Primeiro ele, depois o que resta. O aluno deve
ser colocado no centro de todos os planejamentos, de todas as decisões, não podemos perdê-lo de
vista. Muitas vezes, participando de uma reunião de planejamento que trata de educação, podemos
constatar que o aluno não é o centro do que ali se discute. A análise do que diz respeito ao aluno é
imprescindível em qualquer planejamento. Essa análise deve ser exclusiva de cada escola.
Tão somente, a título de exemplo, vamos destacar algumas conclusões obtidas com a pesquisa
“Ensino Médio: múltiplas vozes”, de Míriam Abramovay e Mary Garcia Castro, publicada pela
Unesco, MEC, em 2003. A pesquisa foi realizada em 13 capitais brasileiras com a finalidade de fazer
um mapeamento das características e das percepções dos sujeitos do processo educativo – alunos e
professores. Foram abordadas com os estudantes questões relativas a:
Vale reiterar que os resultados a que chegaram são exemplos e podem não corresponder aos existentes
na escola ou região em que você trabalha ou vai trabalhar. Caso você tenha informações relativas ao
seu trabalho, faça uma comparação; caso não as tenha, pense em como poderá sistematizá-lo.
Sociodemográficas
»» Sexo – verificou-se uma pequena predominância feminina.
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O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV
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UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE
Qual é o perfil da sua escola, da sua turma? Esse conhecimento é o que, realmente,
importa?
(Mannhein)
Uma escola deve ser pensada em função da faixa etária dos alunos que a frequentam,
mas no ensino de nível médio essa exigência é pouco considerada. Esse nível de
ensino, legalmente, destina-se aos alunos da faixa de 15 a 18/19 anos, ou seja, ao
adolescente, mas nem sempre se organiza considerando as suas características.
Como exemplo, vou destacar alguns aspectos e você poderá identificar outros. Veja:
o aluno nessa faixa etária está em processo de crescimento – suas pernas e braços
estão se alongando – e em nossas escolas passa a maior parte do tempo trancafiado
em uma carteira incômoda; ele busca novas experiências, gosta de contestar e é
submetido a um programa, muitas vezes rígido e desagradável. Pense em outros
exemplos, você os tem.
Para falar do adolescente, utilizarei um texto da professora Maria Celeste Muraro, constante de
um documento elaborado e utilizado em um projeto desenvolvido pelo MEC e a Unesco para a
implantação da educação profissional integrada ao ensino médio. Eis o texto.
Essa etapa da vida se caracteriza pela busca da identidade, por atitudes reivindicatórias,
questionadoras, pela necessidade de novas experiências, de contestar, de competir,
de filosofar, de intelectualizar, de deslocalizações, por angústias imediatistas, por
tendências gregárias, associativas.
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O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV
Por isso, são importantes nessa época, mais do que em outras, as atividades lúdicas,
criadoras, desportivas, recreativas, artísticas, de caráter político. Também é muito
importante o espaço físico e temporal para as reivindicações e protestos. Eles são
necessários e inevitáveis. A ausência deles significa um ambiente pobre e impróprio
para uma formação integral do adolescente.
Mas como deve ser a escola? Essa é uma pergunta que deve sempre ser feita por pais
e educadores. As escolas são instituições com culturas diferentes e têm significados
diferentes para diferentes alunos. A escola – a sala de aula – é um lugar ‘imaginário’,
diferente do espaço real das cadeiras, classes e salas. Ela é o que o aluno percebe a
partir de sua história, seus desejos, seus medos. (OUTEIRAL, 2003)
Mas o que seria uma escola feita para os jovens, que características deveriam possuir,
qual seria a escola adequada para as suas condições de vida?
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UNIDADE IV │ O ALUNO ADOLESCENTE
O aluno do ensino médio precisa de uma escola que lhe permita expressar seus
pensamentos, suas angústias, suas propostas de forma criativa e autônoma, que lhe
ofereça uma relação mais flexível com o mundo do conhecimento.
A escola de hoje, com a estruturação curricular atual, não permite que os professores
possam desenvolver uma proposta pedagógica interdisciplinar que facilite a
formação do “sujeito” em sua inteireza. Ela não consegue incentivar e, até, sufoca
valores potenciais dos seus alunos.
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O ALUNO ADOLESCENTE │ UNIDADE IV
A pessoa, sendo e existindo, age; e agindo se faz mais, num contínuo ir vir entre ser
e agir Só pela ação consciente, livre, deliberada e responsável, a pessoa se realiza
plenamente. Se essa pessoa é objeto de busca do processo educativo, esse precisa
ser repensado e modificado. Modificado com visão prospectiva e na perspectiva de
uma escola onde a reflexão seja uma constante e signifique um método de trabalho.
“Como deve ser uma escola feita para os jovens? Que características devem
apresentar?”, responda a essas questões baseando-se no desenvolvimento cognitivo,
social e afetivo do adolescente.
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PARA (NÃO) FINALIZAR
Hesse era apaixonado pela educação. Declarou que, de todos os assuntos culturais, era o único que
lhe interessava. Mas o curioso é que, ao mesmo tempo, ele sentia um horror pelas escolas – lugar
onde as crianças eram deformadas. Nós dois poderíamos ter sido amigos. Sentimos igual. A educação
é a paixão que queima dentro de mim. E, no entanto, olho para as escolas com desconfiança...
Estremeço quando me dizem que há entrevistadores de televisão e de jornais à minha espera. Sei, de
antemão, a primeira pergunta que vão me fazer. “O que é que o senhor acha da educação no Brasil?”
A pergunta é banal porque eles já esperam uma resposta estereotipada. Querem que eu denuncie a
falta de verbas, a condição de indigência dos professores, o mau aproveitamento dos alunos etc. Mas
isso, todo mundo já sabe. É um equívoco pensar que com mais verbas a educação ficará melhor, que
os alunos aprenderão mais, que os professores ficarão mais felizes. Como é um equívoco pensar que,
com panelas novas e caras, o mau cozinheiro fará comida boa. Educação não se faz com dinheiro. Se
faz com inteligência. E aí, frustrando as expectativas dos entrevistadores, eu falo sobre coisas lindas
que estão acontecendo por esse Brasil afora, no campo da educação. Porque o fato é que, a despeito
de todas as coisas ruins e andando na direção contrária, há professores que amam os seus alunos e
sentem prazer em ensinar.
Não há nada que tenha ocupado tanto o meu pensamento quanto a educação. Não acredito que
exista coisa mais importante para a vida dos indivíduos e do país que a educação. A democracia
só é possível se o povo for educado. Mas ser educado não significa ter diploma superior. Significa
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PARA NÃO FINALIZAR
ter a capacidade de pensar. Diplomas somente atestam que aqueles que os têm são portadores de
um certo tipo de conhecimento. Mas ser portador de um certo tipo de conhecimento não é saber
pensar. É ter arquivos cheios de informações. Nossas universidades são avaliadas pelo número de
artigos científicos que seus cientistas publicam em revistas internacionais em línguas estrangeiras.
Gostaria que houvesse critérios que avaliassem nossas universidades por sua capacidade de fazer o
povo pensar. Para a vida do país, um povo que pensa é infinitamente mais importante que artigos
publicados para o restrito clube internacional de cientistas.
É muito fácil continuar a repetir as rotinas, fazer as coisas como têm sido feitas, como todo mundo
faz. As rotinas e repetições têm um curioso efeito sobre o pensamento: elas o paralisam. A nossa
estupidez e preguiça nos levam a acreditar que aquilo que sempre foi feito de um certo jeito deve ser o
jeito certo de fazer. Mas os gregos sabiam diferente: sabiam que o conhecimento só se inicia quando
o familiar deixa de ser familiar; quando nos espantamos diante dele; quando ele se transforma num
enigma. “O que é conhecido com familiaridade”, diz Hegel, “não é conhecido pelo simples fato de
ser familiar”.
Dediquei grande parte da minha vida ao ensino universitário e tive muitas experiências boas.
Mas a sensação que tenho é que, nas universidades, já é tarde demais. Os costumes e as rotinas já
estão por demais sacralizados. Aqui o processo de deformação a que se referiu Hesse já atingiu um
ponto irreversível. Sinto o mesmo que sentiu Joseph Knecht, no final de sua vida. Quero voltar às
origens. Quero me encontrar com o pensamento no momento mesmo em que ele nasce.
Gostaria que vocês lessem de novo aquilo que escrevi no meu último artigo “Animais de corpo
mole”. Comecei, como Piaget, dos moluscos, animais de corpo mole que têm de fazer conchas para
sobreviver. Usei os moluscos como metáforas do que acontece conosco, animais de corpo mole que,
à semelhança dos moluscos, temos também de fazer casas para sobreviver. Toda a atividade humana
é um esforço para construir casas. Casas são o espaço conhecido e protegido onde a vida tem maiores
condições de sobreviver. Espaço familiar. Piaget sugeriu que o corpo deseja transformar o espaço que
o rodeia numa extensão de si mesmo. Esse espaço, extensão do corpo, é a nossa casa. Da necessidade
de construir uma casa surge a ciência dos materiais, a física mecânica, a hidráulica, o conhecimento
e o domínio do fogo. Da necessidade de comer surgem as ciências das hortas e da agricultura. Da
necessidade estética de beleza surge a ciência da jardinagem. Da necessidade de viajar para caçar e
comerciar surge a ciência dos mapas, a geografia. Da necessidade de navegar surge a astronomia. E
assim vai o corpo, expandindo-se cada vez mais, para que o espaço desconhecido e inimigo ao seu
redor se transforme em espaço conhecido e amigo. Até mesmo o universo... Se os homens olharam
para os céus e pensaram astronomia e astrologia é porque viram a abóbada celeste e as estrelas
como o grande telhado do mundo. O universo é uma casa. Karl Popper, no prefácio ao seu livro “A
Lógica da Investigação Científica”, diz da inspiração original da ciência (por oposição àqueles que
a pensam como a produção quantitativa de artigos a serem publicados em revistas internacionais)
que ela procurava compreender o universo onde vivemos. Era preciso conhecer essa casa enorme
onde moramos para nos sentirmos em casa. Um universo que se conhece é um universo que faz
sentido. “Quanto a mim”, ele diz, “estou interessado em ciência e em filosofia somente porque eu
desejo saber algo sobre o enigma do mundo no qual vivemos e o enigma do conhecimento que o
homem tem deste mundo. E eu creio que somente um reavivamento no interesse desses enigmas
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PARA NÃO FINALIZAR
pode salvar as ciências e a filosofia das estreitas especializações e de uma fé obscurantista nas
habilidades especiais dos especialistas e no seu conhecimento e autoridade pessoais. ”
“O enigma do conhecimento que o homem tem deste mundo”: é nesse ponto que a filosofia da
educação tem o seu início. Onde nasce o nosso desejo de conhecer? Para que conhecemos? Como
conhecemos? Essas são as questões que me preocupam. E é por isso que estou interessado no
conhecimento, no momento exato do seu nascimento. Quero vê-lo nascendo, como uma criança sai
do corpo da mulher. O conhecimento dos moluscos e de outros animais sobre a arte de construir
casas nasce com eles. Mas não nasce conosco. Nascemos ignorantes. Que forças nos arrancaram da
ignorância? Que poder penetrou no corpo mole do homem e o engravidou, transformando-o num
pensador? Que poder foi esse que transformou o cérebro em útero? E que forças o ajudam a nascer?
Para se ter resposta a essas perguntas basta, observar esse milagre acontecendo na vida de uma criança.
Primeira lição para os educadores: A questão não é ensinar as crianças. A questão é aprender delas.
Na vida de uma criança a gente vê o pensamento nascendo – antes que a gente faça qualquer coisa...
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REFERÊNCIAS
ALECRIM, C. G. M. (2005). O papel da Psicologia Escolar na Educação Inclusiva, a
partir dos sentidos construídos por professores sobre o conceito de inclusão escolar.
Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília.
ALVES, R. A Escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus, 2001.
LA TAILLE, YVES de. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. Yves de
Taile, Marta Khol de Oliveira, Heloysa Dantas. São Paulo, Summus, 1992.
LIMA, E. O conhecimento psicológico e suas relações com a educação. Em Aberto, 9 (48), 3-24,
1990.
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REFERÊNCIAS
OUTEIRAL, J. Adolescer – Estudos Revisados sobre Adolescência. Rio de Janeiro: Revinter, 2003.
SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre
educação e política. São Paulo: Cortez Editora, 1986.
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