Interpretacao de Exames Laboratoriais

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Interpretação de Exames Laboratoriais

Brasília-DF.
Elaboração

Karina de Souza Oliveira

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
EXAMES LABORATORIAIS......................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
BREVE HISTÓRIA E A FINALIDADE DOS EXAMES LABORATORIAIS................................................... 9

CAPÍTULO 2
LABORATÓRIO CLÍNICO: PADRONIZAÇÃO DOS PROCESSOS INTERNOS.................................... 12

UNIDADE II
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS............................................................................................ 31

CAPÍTULO 1
EXAMES LABORATORIAIS HEMATOLÓGICOS E DIAGNÓSTICO PARA DOENÇAS INFECCIOSAS.... 31

CAPÍTULO 2
PATOLOGIAS ENDÓCRINAS E RESPECTIVOS EXAMES LABORATORIAIS........................................ 64

UNIDADE III
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES............................................................................................. 106

CAPÍTULO 1
NEOPLASIAS.......................................................................................................................... 106

CAPÍTULO 2
DOENÇAS AUTOIMUNES ....................................................................................................... 115

REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 126
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como
pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia
da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da


pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar
conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa,
como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os
desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de


modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal
quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização


dos Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e
reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a


aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo
estudado.

6
Introdução

Estudo recente, liderado pelo SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e pela
Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), aponta que “sete em cada dez
brasileiros acreditam que gastos com beleza são uma necessidade e não um luxo”
evidencia-se, então, a perspectiva promissora e exponencialmente crescente do
setor da beleza (SPC Brasil, 2016). Desse modo, é imprescindível ter-se profissionais
altamente qualificados e legalmente habilitados para a execução segura de quaisquer
procedimentos estéticos, tendo em vista os grandes riscos à saúde do cliente.

A área da estética é uma das mais promissoras da atualidade. De acordo com a


Associação Brasileira de Franchising (2017), a área da saúde, beleza e bem-estar
está na segunda colocação quanto ao valor arrecadado entre 2016 e 2017, mais
de 27 bilhões de reais, sendo o setor com maior crescimento nos últimos 12 meses,
16%, frente a outros setores, como moda, alimentação e serviços educacionais que
obtiveram respectivamente 9%, 8% e 2% de arrecadação.

É fundamental que o profissional especializado em estética esteja de acordo com as


novas necessidades surgidas frente aos avanços tecnológicos e ao dever ético, moral e
legal de preservar a segurança de seus clientes.

Impreterivelmente, ao se iniciar um tratamento estético, o profissional habilitado


deve realizar uma triagem de avaliação estética, suportada por exames laboratoriais
e outras avaliações, para evitar a realização de procedimentos estéticos não indicados
à condição clínica do paciente. Bem como, possíveis intercorrências durante e após o
tratamento, trazendo maior segurança e credibilidade ao profissional. Pois, imagine
uma paciente com quadro acentuado de resistência à insulina, ser submetida a
várias sessões de procedimentos para redução de gordura localizada. Ou talvez um
paciente aparentemente saudável com distúrbios de coagulação e hemostasia, que
nem ele mesmo tem conhecimento, ser submetido à intradermoterapia ou técnica de
microagulhamento. Outra finalidade da solicitação de exames é pela própria eficácia
dos resultados. Se o quadro geral de saúde é bom, certamente os resultados tendem a
ser melhores.

Alguns tratamentos estéticos são contraindicados para pacientes grávidas, bem como
para diabéticos, hipercolesterolêmicos, com disfunções hepáticas, renais, hormonais,
reações inflamatórias, processos alérgicos, hipertensão, entre outras. Esses fatores
podem impedir a indicação do tratamento estético ao paciente.

7
Apresentar um profundo conhecimento dos procedimentos estéticos disponíveis e
suas consequências frente às condições clínicas do paciente é fundamentalmente
imprescindível para atender as expectativas e assegurar a saúde dos pacientes.

Objetivos
» Elucidar, compreender e interpretar os principais exames laboratoriais
que permeiam a área da estética e sua utilização na prática assistencial.

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EXAMES UNIDADE I
LABORATORIAIS

CAPÍTULO 1
Breve história e a finalidade dos exames
laboratoriais

A história da medicina, como um todo, se confunde com a evolução dos conhecimentos


de alquimia e, posteriormente, da química. O conceito de química clínica em termos
históricos é uma esfera de conhecimento relativamente nova, constituindo uma feliz
associação entre a química pura e a medicina. Um dos primeiros a chegar a essa
conclusão talvez tenha sido Henry Bence Jones, como pode ser observado na sua frase:
“O que quer que estabeleça a união entre a química e a medicina tende a promover não
só o bem da ciência, mas também o bem-estar da humanidade” (SBPC/ML, 2018).

A década de 1840 é, em geral, considerada a origem da disciplina de química clínica.


Nos seus primórdios, a disciplina foi chamada de química patológica ou patologia
química. Apenas após a aceitação pela Associação Americana de Química Clínica
(American Association for Clinical Chemistry – AACC) e pela Federação Internacional
de Química Clínica (International Federation for Clinical Chemistry – IFCC) é que
o nome ‘química clínica’ se consolidou. Inicialmente, a química clínica era baseada
em métodos analíticos clássicos, como calorimetria, absorção atômica, fotometria de
chama, gasometria, potenciometria, amperometria e eletroforese, sendo necessários
vários tipos de analisadores para atender às diferentes metodologias, trazendo enorme
complexidade ao laboratório clínico em termos de pessoal, instalações e manutenções
(SBPC/ML, 2018).

Tão importante quanto a automação laboratorial foi o desenvolvimento dos conjuntos


de diagnóstico, que consistem em reagentes pré-embalados e prontos para uso, em
geral, chamados de kits que foram desenvolvidos no final da década de 1950 pela
Sigma Chemical Company (SBPC/ML, 2018).

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UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

No final da década de 1940, os Estados Unidos viviam uma época em que o número
de solicitações de exames laboratoriais crescia com uma velocidade surpreendente
e para atender à demanda e às necessidades advindas do mercado, por diagnósticos
mais precisos e com tempo de realização mais rápido, inúmeras invenções e inovações
aconteceram e todas até os tempos atuais colaboraram para uma excelência e eficiência
na execução dos exames laboratoriais.

O bioquímico norte-americano Leonard T. Skeggs Jr., trabalhava em um hospital, em


Cleveland, e se preocupava com a necessidade de otimizar a rotina laboratorial, pois
ele considerava que seria muito difícil manter a qualidade técnica na realização de um
número tão grande de exames que só fazia crescer a cada dia. Por essa razão, começou
a testar equipamentos que pudessem automatizar pelo menos algumas das etapas do
procedimento analítico. Em 1951, ele construiu o protótipo de um equipamento que
revolucionaria a rotina laboratorial, o sistema denominado Auto Analyser, pelo qual
Skeggs é considerado o fundador das análises clínicas automatizadas. Na verdade, foi
a partir de um artigo seu, publicado em 1957, que surgiu uma disciplina denominada
Análises Clínicas Automatizadas ou Ciência Analítica.

Skeggs intuiu o conceito de análise por fluxo contínuo. O Auto Analyser, fabricado e
comercializado pela Technicon Corporation, foi o primeiro sistema completamente
automatizado para a medida de ureia, glicose e cálcio (SBPC/ML, 2018).

A ideia inovadora e revolucionária de Skeggs permitiu o surgimento de outras grandes


possibilidades que contribuíssem para automação laboratorial. Atualmente, temos
disponíveis no mercado inúmeras tecnologias altamente sofisticadas que atendem às
demandas e exigências de variados portes de laboratórios.

Se antes a preocupação era em como aperfeiçoar, hoje é em como mantermos a


qualidade analítica dos exames sem perder a eficiência. Pois uma vez que utilizamos
instrumentos de medição para avaliar a grandeza de uma medida, sabemos que ela
embute um erro que definimos como aleatório e outro que chamamos de sistemático,
atualmente referido como acurácia (precisão). O desafio é entender e gerenciar o
tamanho desse erro para mantê-lo sob controle, ou seja, para que as medições possam
alcançar os fins desejados, possibilitando que a decisão clínica tomada a partir dessa
medição resulte em melhora para o paciente ou permita uma ação suportada pelos
melhores critérios de qualidade. Assim, a especificação da qualidade analítica (EDQ)
continua sendo um desafio na prática laboratorial e pode ser definida e alcançada por
meio de diversas propostas com esse objetivo (SBPC/ML, 2018).

Em resumo, a finalidade mais importante dos exames laboratoriais é reduzir as


dúvidas que a história clínica do paciente, ou familiar, e o exame físico fazem surgir

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EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

no raciocínio médico. Imprescindivelmente, os resultados de exames laboratoriais


complementam e contribuem no direcionamento clínico. O laboratório clínico
contribui para esse propósito, uma vez que todas as fases do atendimento ao paciente
sejam desenvolvidas seguindo os mais elevados princípios de correção técnica,
considerando a existência e a importância de diversas variáveis que podem influenciar,
significativamente, a qualidade final do trabalho (SBPC/ML, 2014).

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CAPÍTULO 2
Laboratório clínico: padronização dos
processos internos

Segundo um dos grandes pensadores da Qualidade, Philip Crosby, ela é a satisfação


das necessidades dos usuários, isto é, “a conformidade com os requisitos exigidos pelos
clientes”. Toda organização deve ter como objetivo primário atender às necessidades
de seus clientes e demais partes interessadas. Essa é a razão da existência de qualquer
organização. O laboratório clínico não é diferente. Todos os processos devem ser
planejados e executados, visando ao atendimento dos requisitos exigidos pelos
clientes, em especial clientes usuários (pacientes) e médicos.

Os requisitos exigidos (ou esperados) por pacientes e médicos podem ter diferentes
dimensões. Entre elas, podemos destacar as dimensões “qualidade” e “tempo”.

A dimensão “tempo” está relacionada às questões de tempo de execução dos processos


por parte do laboratório, incluindo o tempo de atendimento (fase pré-analítica) e
o tempo para entrega do resultado laboratorial após coleta (fase-analítica e pós-
analítica). Os requisitos dos clientes com relação à dimensão tempo são, na maioria
das situações, específicos a cada laboratório, pois estão sujeitos a variações por
características geográficas, culturais e por particularidades relacionadas aos serviços
e/ou grupos de clientes atendidos por cada organização (OLIVEIRA, 2011).

A dimensão “qualidade” está relacionada à adequação do resultado laboratorial


frente ao valor verdadeiro do mensurando, isto é, um resultado que represente
adequadamente o estado clínico do paciente.

Somando-se a isso os avanços tecnológicos, a ampliação das opções de exames, a


complexidade cada vez maior dos processos laboratoriais, a competição mercadológica
e os desafios econômicos do setor de saúde, os laboratórios têm profissionalizado
sua gestão e buscado cada vez mais a eficácia dos seus processos e a eficiência do seu
negócio. Dentro desse contexto, as ferramentas de gestão vêm ganhando espaço e os
profissionais do setor cada vez mais buscam conhecimento para agregar valor ao seu
ambiente de trabalho.

Ferramentas antigas ganham uma nova visão e novas passam a integrar a lista de
ações para aperfeiçoar, melhorar e modernizar a rotina laboratorial. O objetivo final
é sempre o mesmo: prover laudos confiáveis de forma sustentável. Embora esse
propósito venha se perpetuando, os meios para se chegar a esse resultado têm se

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EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

renovado. O desafio que se coloca para os profissionais é o de atualizar-se e implantar


inovações a cada momento.

O treinamento e o desenvolvimento nas organizações adquiriram um papel


fundamental no aperfeiçoamento estratégico dos recursos humanos. Não devem ser
considerados como um custo para as organizações, principalmente as de prestação
de serviço, como os laboratórios clínicos, mas como um investimento para seu mais
relevante patrimônio: o capital humano. Como todo investimento, necessita ser
planejado, executado e avaliado periodicamente.

O treinamento, por definição, representa um processo sistemático para promover


a aquisição de habilidades, regras, conceitos e atitudes que buscam melhorar o
desempenho do profissional em sua atividade laboral.

O desenvolvimento, por sua vez, é um processo longo para aperfeiçoar a capacitação


dos colaboradores, mas que inclui elementos ligados à carreira, à educação formal
(graduação, pós-graduação, especialização) e ao crescimento pessoal. Focaliza, em
geral, nas novas habilidades e capacidades que serão requeridas para ocupação de
novos cargos na mesma organização ou em outra (OLIVEIRA, 2011).

Iniciativas que proporcionem aos colaboradores oportunidades de melhoria e


conquista de níveis mais elevados de qualidade e garantam maior confiabilidade aos
seus resultados.

Em resumo, todas as definições da qualidade podem ser interpretadas na área de


medicina laboratorial no sentido de estabelecer condições para que a qualidade de
todas as etapas e ensaios executados no laboratório clínico apoie os médicos nas boas
práticas da medicina. Assim, antes de controlar, praticar, garantir ou melhorar a
qualidade dos procedimentos laboratoriais, deve-se conhecer profundamente qual o
nível de qualidade necessário para assegurar decisões clínicas satisfatórias.

Fase pré-analítica
A fase pré-analítica se inicia na coleta de material, seja essa realizada pelo paciente
(urina, fezes, escarro etc.) ou no ambiente do laboratório.

A qualidade da amostra pressupõe estreito cumprimento dos protocolos para coleta


e transporte do material biológico com a finalidade de obter, identificar, transportar
e cadastrar as amostras biológicas, preservando sua qualidade e viabilidade para a
aquisição de resultados adequados na fase analítica do processo. A adequada gestão
desses processos pré-analíticos garante a precisão dos resultados da fase analítica.

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UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

Essa gestão exige que o processo seja monitorado por indicadores que permitam
avaliação de falhas, identificação das causas e ações corretivas, como o objetivo
de atender às expectativas do cliente e permitir que suas informações sirvam para
realimentar todo o processo de busca por melhorias contínuas.

Atualmente, como pontuado, vários estudos apontam que a fase pré-analítica é


responsável por cerca de 70% do total de erros ocorridos nos laboratórios clínicos
que possuem um sistema de controle da qualidade bem estabelecido. Esse dado
é amplamente divulgado e discutido. A despeito de todas as dificuldades para
a comprovação dessa afirmativa, a implantação, cada vez mais frequente, de
procedimentos automatizados e robotizados na fase analítica permite assumi-la como
verdadeira. Adicionalmente, algumas características dessa fase aumentam, em muito,
o grau de complexidade e, por consequência, a oportunidade de ocorrência de erros e
não conformidades.

A fase pré-analítica envolve a indicação do exame, compreensão da solicitação médica,


orientações eventuais de instruções de preparo ao paciente, avaliação do atendimento
às condições prévias, procedimentos de coleta, acondicionamento, preservação e
transporte da amostra biológica até o momento em que o exame seja efetivamente
realizado.

Portanto, a fase pré-analítica se desenvolve por uma sequência de ações de um grande


número de pessoas, com formações profissionais diversas, cuja compreensão e o
comprometimento são fundamentais para o andamento adequado do processo.

Os profissionais do laboratório, obrigatoriamente, devem orientar os pacientes


quanto a algumas informações, como horário, dieta, uso de medicamentos, possíveis
restrições quanto a exercícios físicos, uso de álcool, jejum etc. Essas são passadas para
o paciente e inseridas em seu cadastro no Sistema de Informações Laboratoriais (SIL).

É importante observar que o sistema de gestão da qualidade deve disponibilizar, por


meio da TI, um processo de cadastro que permita o registro de datas, horários, locais e
responsáveis, a fim de garantir a rastreabilidade da coleta, o recebimento das amostras
e a identificação do profissional que efetuou a coleta ou recebeu a amostra coletada,
conforme especifica a Norma PALC versão 2013 (SBPC/ML, 2014).

Variáveis pré-analíticas

As variáveis pré-analíticas têm grande impacto sobre a qualidade dos resultados de


exames do laboratório e estão agrupadas em três categorias: variáveis fisiológicas,

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EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

variáveis de coleta de espécimes e fatores de interferência, que podem provocar


interpretações errôneas dos resultados de exames.

Ao fazer a correlação clínico-laboratorial dos resultados, deve-se ter em mente possíveis


alterações ligadas às variáveis fisiológicas, tais como sexo, idade, raça, gravidez etc.
Ao interpretar, por exemplo, resultados de exames de laboratório durante a gravidez,
é necessário considerar a semana de gestação em que a amostra foi coletada. Existem
mecanismos que mudam a concentração das substâncias no plasma durante a gravidez,
decorrente de vários fatores como a hemodiluição (proteínas totais, albumina),
deficiências relativas em função do aumento de consumo (ferro, ferritina), aumento das
proteínas de fase aguda (velocidade de hemossedimentação) etc.

As variáveis de coleta de espécimes têm como agentes o tempo de garroteamento,


sangue colhido em locais de acesso venoso com infusão de líquidos, em pacientes
hospitalizados.

Os fatores de interferência, como dieta e uso de bebidas alcoólicas, são importantes por
influenciarem na determinação das substâncias na química clínica. A amplitude das
alterações dessas substâncias depende da composição da dieta e do tempo decorrido
entre a ingestão e a coleta da amostra. Alimentos ricos em gordura aumentam a
concentração de triglicérides no organismo. Dietas ricas em proteínas e nucleotídeos,
por sua vez, promovem níveis elevados de amônia, ureia e ácido úrico. Além disso,
há o efeito dos exercícios físicos, do fumo, do álcool, interferências ligadas à altitude,
dentre outros, nos resultados de exames.

Outras interferências, como ações de medicamentos, ocorrem in vivo, quando o


medicamento é capaz de provocar uma alteração que se expressa na modificação
do resultado – por exemplo, hiperglicemia, causada pelo uso de corticoides,
plaquetopenias induzidas por drogas etc. – ou interferências in vitro, quando o uso
de drogas é capaz de produzir alterações na amostra coletada, gerando resultados que
não correlacionam com a clínica do paciente. É o caso de plaquetopenias causadas pela
sensibilidade ao EDTA (anticoagulante utilizado em tubos de coleta) que amostras
de pacientes podem apresentar que induzem a uma aglutinação plaquetária e geram,
como consequência, uma pseudoplaquetopenia (SBPC/ML, 2014).

Algumas interferências são em virtude do não cumprimento do jejum. A maioria dos


exames exige condições simples de jejum de oito horas. Outros, no entanto, podem
requerer jejum mais prolongado, como, por exemplo, a realização do perfil lipídico;
a avaliação do ritmo do cortisol requer que o paciente faça coleta em horários
preestabelecidos, ou seja, às 8 horas da manhã e às 16 horas. A coleta da urina de 24
horas exige adequado acompanhamento do processo pelo paciente, para evitar perdas

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UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

das micções e garantir a conclusão da coleta de forma recomendada, ou seja, no


mesmo horário que foi iniciada (SBPC/ML, 2014).

Principais fatores pré-analíticos que podem


influenciar os resultados

Na fase pré-analítica, é importante que a amostra seja inspecionada previamente no


sentido de se destacar alterações que possam vir a interferir nos resultados. Da mesma
forma, no momento da liberação do resultado, é importante que haja compatibilidade
entre esse e as informações prestadas pelo paciente ou descritas no pedido médico.
Naturalmente, muitos exames exigem avaliações específicas. A seguir, serão
apresentados alguns dos interferentes mais comuns.

Medicamentos

A utilização de medicamentos pode causar variações nos resultados de exames


laboratoriais. No entanto, sua suspensão ou a alteração de esquema de dose deve ser
orientada apenas pelo médico responsável. Caso não haja suspensão do medicamento,
esse deve ser relatado no ato do atendimento.

A coleta de sangue, urina e fezes não deve ser realizada após a administração
endovenosa ou oral de meios de contraste. Recomenda-se coletar o material antes da
administração ou aguardar 72 horas para a realização dos exames.

As interferências causadas por medicamentos ou drogas são decorrentes dos efeitos


fisiológicos desses e de seus metabólitos. Essas interferências também podem ocorrer
em função de alguma propriedade física ou química do medicamento ou droga que
incida sobre o ensaio (PEDROSA, 2015).

Atividade física

A atividade física pode influenciar nos resultados de acordo com a intensidade com
que ela é praticada. As necessidades energéticas necessárias à execução da atividade,
a perda de líquidos e a mobilização desses pelos diversos compartimentos corporais,
além das alterações fisiológicas inerentes ao esforço físico excessivo, são os principais
responsáveis pelas alterações. Imediatamente após exercício intenso, ocorre elevações
de lactato, amônia, creatinoquinase, aldolase, TGO, TGP, fósforo, fosfatase ácida,
creatinina, ácido úrico, haptoglobina, transferrina, catecolaminas e contagem de
leucócitos. Um decréscimo pode ser observado na dosagem de albumina, ferro e sódio
(PEDROSA, 2015).

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EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

Jejum alimentar e dieta

Habitualmente, para a coleta de sangue, é recomendado um período de jejum. Os


estados pós-refeições, em grande maioria, são acompanhados de alguma turbidez
do soro, o que pode interferir em algumas metodologias. Os tempos de jejum
recomendados são estabelecidos e baseados a partir de estudos científicos, e esses
estabelecem períodos diferentes, de acordo com cada exame. Na população pediátrica
e de idosos, o tempo recomendado de jejum deve guardar a relação com os intervalos
de alimentação. Outro, as coletas de sangue devem ser evitadas após período muito
prolongado de restrição alimentar – superior a 16 horas. Já em outros casos, como os
exames de glicose e insulina, por exemplo, o jejum máximo permitido é de 14 horas. O
período de jejum habitual para a coleta de sangue de rotina é de 8 horas, podendo ser
realizado há 4 horas para a maioria dos exames, e, em situações especiais, referindo-se
a crianças de baixa idade, pode ser de a 1 ou 2 horas apenas. É importante conceituar
que jejum diz respeito ao tempo no qual o indivíduo não recebe nenhum aporte
calórico. Dessa forma, a ingestão de água não interrompe o período de jejum, mas
administração de nutrição, mesmo parenteral, deve ser considerada como possível
interferente (SBPC/ML, 2014).

O paciente deve seguir a dieta alimentar e hídrica habitual para coleta de exames de
sangue, fezes e urina, exceto quando para realização de algum exame é exigida dieta
específica, como é o caso da serotonina, catecolaminas, gordura fecal e pesquisa de
mioglobina urinária, por exemplo (PEDROSA, 2015).

Horário de coleta

A concentração de vários elementos varia em função do horário da coleta, havendo


a necessidade de atentar às orientações específicas de cada exame. Em geral, a
coleta deve ser realizada em estado basal, pela manhã, pois a maioria dos testes foi
padronizada para realização nessas condições.

As variações circadianas são importantes e podem ser principalmente diárias,


ocorrendo, por exemplo, nas concentrações dos exames ferro, cortisol, ACTH etc.

As alterações hormonais típicas do ciclo menstrual também podem ser acompanhadas


de variações em outras substâncias. Por exemplo, a concentração de aldosterona é mais
elevada na fase pré-ovulatória do que na fase folicular. O horário da administração de
medicamentos também deve ser considerado na determinação de níveis terapêuticos
para monitorização (PEDROSA, 2015).

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UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

Postura

A postura do paciente pode influenciar diretamente nos resultados, pois um


paciente na posição ereta em um determinado período possui um menor volume
intravascular em relação ao paciente deitado. A mudança de postura afeta as proteínas
e as moléculas a ela vinculadas, assim como a concentração de íons de baixo peso
molecular. Essas alterações acontecem pelo aumento do tônus muscular e da pressão
hidrostática. Ao retornar à postura original, o quadro se reverte. Pacientes acamados
podem ter elevação de 8% do cálcio ionizado sem que ocorra alteração do cálcio total.
O equilíbrio dos líquidos corporais após um período prolongado em determinada
posição pode levar de 10 a 30 minutos (PEDROSA, 2015).

Garroteamento

O garroteamento é utilizado para facilitar o acesso venoso. Ele deve ser afrouxado
assim que o auxiliar de coleta visualizar o sangue fluindo no primeiro tubo de coleta
ou seringa. Em condições especiais, em que o acesso venoso é difícil, o garrote pode
permanecer comprimindo o braço do paciente. Nesse caso, o tempo de garroteamento
prolongado pode impactar no resultado de exame, adiante discutiremos mais sobre
esse ponto (PEDROSA, 2015).

Tipos de coleta (punção venosa, arterial e capilar)

O sangue é o líquido corporal mais frequentemente usado nas dosagens analíticas.


Três procedimentos gerais são usados para se obter a amostra biológica: venopunção,
punção arterial e punção capilar. A escolha da técnica a ser empregada e o local de
coleta dependem do exame solicitado e, em situações especiais, da condição do
paciente.

A venopunção é mais empregada laboratorialmente pela facilidade do acesso ao


local de coleta. Os valores de referência para os exames são validados de acordo com
a técnica empregada. Por exemplo, os valores de referência dos exames de triagem
neonatal são padronizados para coleta capilar, não havendo correlação com amostras
de sangue de outra origem (PEDROSA, 2015).

Ordem de coleta

Para evitar a contaminação de amostra por metais ou anticoagulantes presentes nos


tubos, sugere-se a seguinte ordem de coleta:

» frasco de hemocultura/tubo para coleta de metais pesados;

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EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

» tubo de citrato;

» tubo de soro;

» tubo com heparina;

» tubo com EDTA;

» tubo com fluoreto de sódio.

Homogeneização das amostras

A homogeneização deve ocorrer imediatamente após a coleta, e é indicada para os


tubos com anticoagulante e ativador do coágulo. Essa deve ser realizada por inversão
lenta de 5 a 8 vezes. Após a homogeneização, manter os tubos coletados sempre na
posição vertical (PEDROSA, 2015).

Hemólise

A hemólise é um evento de fase pré-analítica que pode ocorrer com maior incidência
tanto na etapa de pré-coleta quanto de pós-coleta. A hemólise corresponde à ruptura de
eritrócitos, na qual várias substâncias intraeritrocitárias, como enzimas proteolíticas
e hemoglobina, são liberadas para o soro ou plasma coletado. Ela é geralmente
reconhecida pela aparência avermelhada do soro ou plasma, após a centrifugação ou
sedimentação. A cor avermelhada da amostra é proporcional ao volume de hemácias
rompidas.

Na maior parte das vezes, a hemólise é provocada pelo rompimento das hemácias
durante o procedimento de coleta, homogeneização vigorosa, contato de hemácias
com gelo, contato com álcool etc.; ou na fase que antecede à coleta, ocasionada por
um tempo prolongado do uso do garrote/torniquete (não se deve ultrapassar 1-2
minutos), calor e por “tapinhas” no braço do paciente antes da venopunção, por
exemplo (PEDROSA, 2015).

Uma hemólise discreta pode ter pouco efeito sobre a maioria dos exames, mas pode
ser incompatível com a execução de alguns outros, tais como potássio e ferritina.

Hemólise de grau moderado a acentuado pode provocar inúmeras alterações


relevantes em diversos exames. A hemólise significativa geralmente causa aumento na
atividade plasmática da aldolase, TGO, fosfatase alcalina, lactato desidrogenase lática
e nas dosagens de potássio, magnésio e fosfato.

19
UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

É importante mencionar que alguns exames são muito sensíveis à hemólise, de tal
forma que interferência pode ocorrer mesmo em níveis de hemólise não perceptíveis
visualmente, como é o caso da insulina. É reconhecidamente sensível à degradação
em decorrência da clivagem das moléculas de insulina por peptidases eritrocitárias,
levando a resultados falsamente baixos. Alguns estudos mostram que reduções nas
concentrações do analito podem ocorrer quando apenas 2% das células vermelhas
da amostra são hemolisadas. O exame de paratormônio (PTH) também apresenta
interferências, uma vez que a hemólise reduz as concentrações do analito.

Figura 1. Amostras com diferentes graus de hemólise.

Fonte: https://docplayer.com.br/docs-images/63/49494554/images/5-0.jpg.

Amostras ictéricas estão relacionadas com o aumento da bilirrubina na amostra


de soro, que pode ocorrer devido a uma anemia hemolítica, por destruição
intensa de hemácias (hemólise), como também por doenças hepáticas. O que
confere uma cor intensamente amarelada ao soro ou plasma.

Figura 2. Amostras de soro: normal, com hemólise, ictérico e lipêmico.

Fonte: http://www.tiraojaleco.com.br/2016/05/alteracoes-em-amostras-de-soro-sanguineo.html.

Lipemia

A lipemia é a dispersão de lipídeos na amostra, formada basicamente por quilomícrons


e cuja concentração torna a amostra proporcionalmente turva. A intensidade da
turbidez também é dependente do tipo de lipoproteína predominante. A interferência

20
EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

pode ser principalmente óptica, como no caso de equipamentos que utilizam a


transmissão ou absorção de luz como princípio.

No entanto, a heterogeneidade da amostra, que se acentua em proporção ao aumento


de lipídeos, pode interferir na dosagem de vários elementos, conforme se aspire maior
fração aquosa ou lipêmica. Pode ocorrer também uma concentração dos elementos na
fase aquosa em função de uma fase lipídica relevante (PEDROSA, 2015).

Figura 3. Amostras com diferentes graus de lipemia.

Fonte: http://www.lesjeudisdefleurus.org/uploads/files/compte_rendus/Mme_Le_Gof_-_Dr_Lognard.pdf.

Coágulo e fibrina

A presença de coágulo muitas vezes decorre da homogeneização inadequada de


amostras colhidas com anticoagulante, ou em função da quantidade insuficiente desse.
A presença de fibrina pode ter por consequência a desproporção sangue coleta/aditivo
ou ativador de coágulo, tempo de retração do coágulo insuficiente, cujo prazo ideal
varia de um mínimo de 30 minutos a um tempo máximo de 2 horas, homogeneização
incorreta da amostra, centrifugação da amostra inadequada (inferior ao tempo
indicado para o tipo de amostra). O tempo ideal para que haja a retração do coágulo
varia de acordo com a presença ou não de ativadores de coagulação e gel separador
(PEDROSA, 2015).

Critérios de pré-coleta para amostras de sangue

Alguns requisitos devem ser considerados na fase de pré-coleta para se evitar possíveis
erros. As recomendações adotadas a seguir se baseiam nas normas do Clinical and
Laboratory Standards Institute (CLSI) (SBPC/ML, 2014).

» Locais para venopunção: a punção representa uma parte


importantíssima no processo do diagnóstico. Há inúmeros locais que
podem ser escolhidos para a venopunção. Embora qualquer veia do
21
UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

membro superior possa ser puncionada, as veias basílicas mediana e


cefálica são as mais frequentemente utilizadas.

» Uso adequado do garrote: o garrote é empregado para aumentar a


pressão intravascular, o que facilita a palpação da veia e o preenchimento
dos tubos de coleta ou da seringa. Quando a sua aplicação excede um
minuto, pode propiciar estase venosa localizada, hemoconcentração
e infiltração de sangue para os tecidos, gerando valores falsamente
elevados para todos os analitos baseados em medidas de proteínas,
alteração do volume celular e de outros elementos celulares, como a
estimulação da glicólise, gerando redução de pH e elevação do cálcio
iônico. O uso inadequado pode ocasionar situação de erro diagnóstico
(como hemólise, que pode tanto elevar o nível de potássio como alterar
dosagens bioquímicas, como de cálcio etc.), bem como promove
complicações durante a coleta (hematomas, formigamento e, em casos
extremos, sinal de Trousseau). Sendo assim, a Sociedade Brasileira de
Patologia Clínica (SBPC) preconiza a aplicação do torniquete por um
intervalo de tempo inferior a 60 segundos. O torniquete não deve ser
utilizado para a seleção preliminar da veia, fazê-lo apenas por um breve
momento, não apertar intensamente o torniquete, pois o fluxo arterial
não deve ser interrompido. O pulso deve permanecer palpável e aplicá-
lo a cerca de 7,5 a 10,0 cm acima do local da punção (SBPC/ML, 2014).

» Coleta de sangue a vácuo: é a técnica de coleta de sangue venoso


atualmente recomendada pelo CLSI. Utilizada mundialmente e na
maioria dos laboratórios brasileiros, proporciona ao usuário inúmeras
vantagens, como: a facilidade no manuseio (o tubo para coleta de
sangue a vácuo tem, em seu interior, vácuo calibrado e em capacidade
proporcional ao volume de sangue informado em sua etiqueta externa,
o que significa que, quando o sangue parar de fluir para dentro do tubo,
o auxiliar de coleta terá a certeza de que o volume de sangue correto
foi coletado), a quantidade de anticoagulante/ativador de coágulo é
proporcional ao volume de sangue a ser coletado (promovendo, ao final
da coleta, uma amostra de qualidade para ser processada ou analisada)
e o conforto ao paciente (com uma única punção venosa pode-se,
rapidamente, coletar vários tubos, contemplando todos os exames
solicitados pelo médico). Os pacientes com acessos venosos difíceis,
como crianças, pacientes em terapia medicamentosa ou quimioterápicos
também são beneficiados, pois existem produtos que facilitam essas
coletas (scalp para coleta múltipla de sangue a vácuo em diversos

22
EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

calibres de agulha e tubos para coleta de sangue a vácuo com menores


volumes de aspiração), maior especificidade e sensibilidade (requer um
menor volume de amostra do paciente), segurança do profissional de
saúde e do paciente (é um sistema fechado de coleta de sangue) (SBPC/
ML, 2014).

Os tubos utilizados para esse tipo de coleta são:

» Tubo seco: indicado para análises hormonais e imunológicas.

» Tubo de EDTA (ácido etilenodiamino tetracético): é o anticoagulante


recomendado internacionalmente para análises hematológicas.

» Tubo de heparina: atua no processo de coagulação, utilizado em teste


de prova cruzada entre doador e receptor de transplante renal.

» Tubo de citrato de sódio: é o anticoagulante recomendado para


estudos de coagulação por preservar os fatores de coagulação.

» Tubo de fluoreto de sódio: inibe a enzima endolase na via glicolítica,


adequado para curvas glicêmicas.

» Tubo de ACD (ácido cítrico citrato de sódio e destrose).

Critérios de pós-coleta para amostras de sangue

Na fase de pós-coleta, alguns requisitos devem ser considerados para se evitar


possíveis erros, tais como:

» Homogeneização: procedimento indispensável pós-coleta, pois


garante a uniformidade e qualidade de toda a amostra coletada. A
homogeneização da amostra deve ser feita suavemente por inversão de 5
a 10 vezes, de acordo com as instruções do fabricante. Nunca chacoalhar
o tubo (SBPC/ML, 2014).

» Tempo mínimos de retração de coágulo: os tempos


recomendados baseiam-se nos processos normais de coagulação. Os
pacientes portadores de coagulopatias ou submetidos à terapia com
anticoagulantes necessitam um tempo maior para essa etapa da fase
pré-analítica. O intervalo necessário para retração do coágulo deve ser
respeitado antes da centrifugação, para evitar a potencial formação de
fibrina. A relação coagulação/tempo pode variar de um fornecedor para

23
UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

outro, por exemplo: alguns tubos com gel separador podem apresentar
acelerador de coágulo capaz de proporcionar tempos reduzidos,
aproximadamente 3 a 5 minutos, para total formação de coágulo,
aumentando a produtividade, a fim de otimizar a rotina laboratorial. O
tempo recomendado mínimo da centrifugação é de 15 minutos, sendo
ideais 30 minutos (SBPC/ML, 2014).

» Centrifugação: recomenda-se o cumprimento preciso dos requisitos


de qualidade na fase de centrifugação para minimizar problemas
que possam afetar as amostras biológicas (tais como, centrifugação
incompleta, afetando dosagens hormonais; erros propiciando aumento
de índices de hemólise; ou perdas de amostras, gerando recoleta). A
maior parte das análises laboratoriais em amostras de sangue, urina
ou líquidos cavitários, sejam elas bioquímicas, imunológicas ou de
coagulação, requer uma centrifugação prévia para separar o soro ou
plasma das células sanguíneas (SBPC/ML, 2014).

Uma centrifugação eficaz é dependente de algumas variáveis, como:

» tempo de centrifugação;

» força centrífuga relativa (RCF), também conhecida como força “g”,


gerada quando uma determinada massa é submetida a um movimento
circular;

» tamanho do tubo utilizado na coleta de sangue;

» temperatura;

» balanceamento dos tubos para minimizar o risco de quebra do


equipamento e tubos presentes.

Para tubos de coleta a vácuo, recomenda-se o uso de centrífugas balanceadas de


ângulo móvel (tipo swing-bucket). Utilizar sempre caçambas ou cubetas apropriadas
(SBPC/ML, 2014).

» Armazenamento: o material coletado deve ser devidamente


acondicionado sob refrigeração ou congelamento de acordo com sua
especificação recomendada para a realização do exame.

» Transporte: para o deslocamento correto de materiais biológicos, é


necessário que o transporte esteja devidamente habilitado, de acordo
com as exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),

24
EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

para garantir a qualidade da amostra biológica. Para isso, a amostra de


paciente deve ser transportada e preservada em recipiente isotérmico,
higienizável, impermeável, garantindo a sua estabilidade desde a
coleta até a realização do exame, identificado com simbologia de risco
biológico, com os dizeres “Espécimes para Diagnóstico” e com nome da
instituição responsável pelo envio (SBPC/ML, 2014).

Eventos das fases de pré-coleta e pós-coleta de


amostras de sangue

Inúmeros eventos podem ocorrer durante os processos de pré-coleta e pós-coleta, e


interferir na qualidade da fase analítica dos exames, sendo necessário adotar algumas
prevenções.

» Prevenções na fase de pré-coleta: preconiza-se evitar a utilização


de agulhas de menor calibre (utilizar esse tipo de material somente
quando a veia do paciente for fina, ou em casos especiais). Evitar coletas
de sangue em áreas com hematoma ou equimose. No momento da
coleta, realizá-la com bisel voltado para cima. Cuidados com os tubos
com volume insuficiente ou com excesso de sangue, pois esses alteram a
proporção correta de sangue/aditivo, podendo levar à hemólise (SBPC/
ML, 2014).

» Prevenções na fase de pós-coleta: na maioria das vezes, a hemólise


ocorre por homogeneização inadequada. Deve-se homogeneizar a
amostra suavemente por inversão de 5 a 10 vezes e não chacoalhar
o tubo. O material não deve ter contato direto com o gelo e nem ficar
exposto a temperaturas muito elevadas ou mesmo a exposição à
luz, para evitar hemólise e degradação. Além de não ser indicado o
armazenamento do sangue por muito tempo refrigerado, antes de
realizar o exame (SBPC/ML, 2014).

Critérios de pré-coleta para amostras de urina

O exame de urina é considerado o marco inicial da medicina laboratorial. Embora não


dispusessem de procedimentos analíticos além dos órgãos dos sentidos, os médicos eram
capazes de obter informações diagnósticas a partir da observação da cor, da turbidez, do
odor, do volume, da viscosidade e até do sabor da urina. Há referências históricas sobre
a constatação de que a urina de alguns pacientes atraía insetos, permitindo a inferência
de que tinham sabor adocicado. A maioria dessas características ainda é relatada,
atualmente, pelos laboratórios clínicos (SBPC/ML, 2014).

25
UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

A invenção do microscópio, no século XVII, permitiu a incorporação do exame do


sedimento urinário e, em 1926, Thomas Addis aprimorou o método de análise,
introduzindo a quantificação do exame microscópico do sedimento urinário.

O exame de urina atual inclui, além do exame físico, as análises químicas e


microscópicas. As análises químicas foram simplificadas com a utilização da química
seca nas tiras reagentes, e as análises microscópicas têm incorporado os benefícios da
automação e da informatização, empregando metodologias de citometria de fluxo e de
análise digital de imagens.

O desenvolvimento de técnicas analíticas mais práticas e eficientes permitiu que o


exame de urina de rotina se mantivesse como um dos testes mais frequentemente
solicitados, seja para pacientes com diferentes queixas clínicas, seja para
indivíduos saudáveis que se submetem à avaliação periódica, mesmo sem nenhuma
sintomatologia.

Preparo do paciente

Não há necessidade de nenhum preparo especial do paciente para a coleta de urina


para exame de rotina, mas deve-se ter em mente que algumas características da urina
se modificam ao longo do dia, dependendo do tempo de jejum, da composição da
dieta, da atividade física e do uso de determinados medicamentos. Algumas dessas
modificações podem ter significado e devem ser consideradas quando da interpretação
dos resultados. De forma ideal, a urina deve ser coletada, no mínimo, duas horas após
a última micção, sem que o indivíduo tenha realizado atividade física intensa nas seis
horas precedentes (SBPC/ML, 2014).

Tipos de amostras de urina

Para que o exame de urina forneça resultados representativos e, portanto, clinicamente


significativos, é importante que a amostra seja coletada seguindo um protocolo bem
estabelecido, que deve ser claramente explicado ao paciente e controlado pela equipe
do laboratório.

Os tipos de amostras mais frequentemente utilizados para o exame de urina de rotina


são: amostra aleatória, primeira urina da manhã e segunda urina da manhã. Quando a
concentração de determinada substância a ser medida na urina se altera em razão das
atividades diárias, da alimentação e do metabolismo corporal, a coleta de urina por 24
horas se faz necessária (SBPC/ML, 2014).

26
EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

Instruções aos pacientes

Na coleta de urina para exames de rotina, é desejável que seja feita assepsia da região
urogenital. Para tanto, os pacientes devem ser orientados a lavar as mãos antes
de iniciar a coleta e a estar munido de material de higiene adequado, um recipiente
identificado com o nome e a data da coleta e instruções para higienização e coleta da
urina.

Para a coleta de amostra de 24 horas, o paciente deve ser orientado a começar e


terminar o período da coleta com a bexiga vazia, uma vez, que a quantidade de uma
substância eliminada na urina será calculada a partir do volume urinário produzido
durante esse tempo determinado. O laboratório deve fornecer ao paciente instruções
escritas que detalhem o procedimento de coleta e os frascos de coleta adequados
(SBPC/ML, 2014).

Frascos de coleta

A urina deve ser coletada em frasco de material inerte, limpo, seco e à prova de
vazamento. Orienta-se o uso de recipientes descartáveis, porque eliminam a
possibilidade de contaminação.

Os recipientes de coleta para o exame de urina de rotina devem ser transparentes, de


boca larga e não há necessidade de serem estéreis.

Recipientes esterilizados e embalados individualmente, em geral, são reservados para


as amostras destinadas a exames microbiológicos, mas têm indicação.

Para a coleta de amostras de 24 horas, são utilizados frascos transparentes, com boca
larga de volume médio de 2,5 a 3 litros.

Coleta de amostras

A urina é um material biológico potencialmente contaminante e exige a observação


de cuidados específicos de coleta, a fim de se preservar a integridade da amostra e a
segurança dos profissionais que a manuseiam. As amostras devem ser etiquetadas
com o nome do paciente e o número de identificação, data e hora da coleta e o tipo
de material coletado, bem como informações adicionais, se assim for exigido pelo
protocolo do laboratório. As amostras devem ser armazenadas sob refrigeração
(SBPC/ML, 2014).

27
UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

Fase analítica

A rotina de um laboratório clínico é complexa pela multiplicidade de processos


distintos e inter-relacionados a serem controlados e pela variedade de matrizes
analisadas (sangue, urina, fezes, liquor, líquidos cavitários etc.). Há uma fase pré-
analítica envolvendo a qualificação de amostras que dependem do preparo do paciente,
da coleta realizada, do acondicionamento das amostras e do transporte. Logo depois
a etapa analítica, responsável pelos produtos, materiais e serviços qualificados, pelo
controle e processamento do material biológico, pela equipe competente, realizando
exames em equipamentos em ótimas condições de operação, empregando-se uma
tecnologia da informação moderna. Na fase pós-analítica há a relevante correlação
clínico laboratorial e a exata interpretação clínica dos resultados (OLIVEIRA, 2010).

Não é surpresa encontrarem-se tantas publicações sobre erros laboratoriais, que


mesmo diante de um grande desenvolvimento dos processos analíticos, incluindo-se
a evolução metodológica e automação, ainda apontam como 14% de chance de erros
acontecerem dentro da fase analítica.

As inúmeras variáveis analíticas na realização de um exame laboratorial devem ser


muito bem controladas para assegurar e garantir que os resultados sejam precisos
e exatos. Os métodos analíticos, antes de serem instaurados na rotina laboratorial,
devem ser analisados em relação aos seguintes critérios de confiabilidade (exatidão,
precisão, sensibilidade, especificidade e linearidade) e praticidade (volume e tipo de
amostra, duração do ensaio, complexidade metodológica, estabilidade dos reagentes,
necessidades de equipamentos e custo de segurança).

Um sistema analítico compreende, segundo o International Vocabulary of Basic and


General Terms in Metrology, o conjunto de procedimentos de trabalho, equipamentos,
reagentes ou suprimentos necessários para a realização do exame laboratorial e a
geração do seu resultado.

O exame laboratorial contribui para a assistência médica de forma decisiva. Algumas


das múltiplas funções que os exames laboratoriais podem desempenhar são:

» Diagnosticar doenças potenciais, não suspeitadas, propiciando sua


prevenção adequada.

» Estabelecer precocemente, o diagnóstico de doenças suspeitas,


possibilitando o tratamento eficiente.

» Promover o diagnóstico diferencial entre possíveis doenças, dando


oportunidade de tratamento específico.

28
EXAMES LABORATORIAIS │ UNIDADE I

» Estabelecer o estadiamento de doença já instalada, contribuindo para a


escolha da melhor conduta terapêutica.

» Fornecer prognóstico em um paciente com uma doença conhecida.

» Estimar a atividade e/ou recorrência de doença preexistente.

» Acompanhar a eficiência de um tratamento instituído.

» Possibilitar o aconselhamento genético.

» Elucidar questões ligadas ao exame e conceder dados que possam


indicar se no futuro poderá surgir a doença, isto é, estabelecer risco para
o desenvolvimento de uma doença.

Contudo, o exame laboratorial é um importante instrumento de auxílio no raciocínio


clínico e na conduta terapêutica, constituindo-se em um indicador sensível e objetivo
do estado da saúde do paciente.

Assim, o resultado consiste em uma informação adicional que auxilia na definição do


diagnóstico e tratamento, complementando a anamnese e o exame físico. Grande parte
das condutas clínicas é tomada a partir de pequenas alterações nos dados laboratoriais.

O elevado grau de confiabilidade dos resultados de exames de laboratório pode


ser creditado, em parte, ao processo de evolução dos métodos laboratoriais e pela
incorporação de novas tecnologias, como, por exemplo, os analisadores totalmente
automatizados. Esses possibilitaram a obtenção de resultados com rapidez, elevado
grau de exatidão e reprodutibilidade. Novos parâmetros foram desenvolvidos
e incorporados à rotina laboratorial, permitindo um melhor entendimento da
fisiopatologia das doenças, otimizando o diagnóstico clínico e a terapêutica. São
exemplos: a dosagem da microalbuminúria pelo método da nefelometria no
diagnóstico da nefropatia incipiente, e, recentemente, como marcador de risco
cardiovascular, e a quantificação da concentração da creatinaquinase fração MB (CK-
MB massa) por quimioluminescência, em substituição ao método imunoquímico, o
qual sofria interferência da macro-CK, resultando valores inapropriadamente elevados
de CK-MB (OLIVEIRA, 2011).

No passado, os exames laboratoriais eram realizados de modo artesanal, com a


utilização de técnicas manuais, as quais tinham um componente maior de variação.
Além disso, os métodos laboratoriais eram desprovidos de uma padronização capaz
de garantir a sua exatidão, dificultando a comparação dos resultados observados
em diferentes laboratórios. O desenvolvimento da robótica e da informática trouxe

29
UNIDADE I │ EXAMES LABORATORIAIS

uma evolução ao laboratório clínico sem precedentes. O processo de automação dos


laboratórios clínicos permitiu um ganho substancial na qualidade dos resultados,
aumento de produtividade, queda significativa dos custos operacionais, diminuição
substancial do tempo de atendimento total ou Turn Around Time (TAT) na língua
inglesa, que corresponde ao intervalo de tempo que vai desde a coleta, passando pela
fase de processamento da amostra, até a liberação do resultado (OLIVEIRA, 2011).

O exame laboratorial é, de fato, uma ferramenta que permite ao médico reduzir as


incertezas e estabelecer um diagnóstico com exatidão. Um exame bem indicado
contribui para a preservação e/ou restauração da saúde, agregando elevado valor
à assistência médica, otimizando a qualidade do serviço prestado. Um dos grandes
desafios do laboratório clínico é minimizar o efeito das inúmeras variáveis que
podem interferir no resultado final. Novas tecnologias laboratoriais são lançadas
continuamente no mercado para acompanhar as inovações técnicas ocorridas no
campo da pesquisa em Medicina Laboratorial. Manter o serviço atualizado é uma
das condições de sobrevivência no negócio, atualmente. O pioneirismo nessa área
agrega valor ao laboratório e ao cliente, trazendo vantagem competitiva ao negócio
(OLIVEIRA, 2011).

Fase pós-analítica

Os processos pós-analíticos consistem nas etapas executadas após a realização do


exame, incluindo: cálculos dos resultados; análise de consistência dos resultados;
liberação dos laudos; armazenamento de material ou amostra do paciente; transmissão
e arquivamento de resultados e consultorias clínicas.

O laboratório deve contemplar a formulação de políticas e de instruções escritas para


emissão de laudos (inclusive disponibilização por meio da internet ou outras mídias),
que contemplem as situações de rotina, os plantões e as urgências.

O laudo deve ser apresentado de forma legível, sem rasuras ou erros de transcrição,
escrito na língua nacional, com os valores de referência para cada analito, liberado e
assinado por profissional de nível superior legalmente habilitado (OLIVEIRA, 2011).

30
EXAMES
LABORATORIAIS UNIDADE II
IMUNOLÓGICOS

CAPÍTULO 1
Exames laboratoriais hematológicos e
diagnóstico para doenças infecciosas

Os profissionais da área da estética devem estar atentos quanto às necessidades de


exames laboratoriais para iniciar os tratamentos estéticos. A falta de conhecimento e
capacitação pode conduzir a erros desnecessários. Conhecer os exames, compreender
quais devem fundamentalmente ser solicitados e interpretá-los corretamente, algo
imprescindível a todo o profissional.

Alguns tratamentos estéticos apresentam contraindicações como: diabetes, gravidez,


hipercolesterolemia, disfunções hepáticas, renais, hormonais, reações inflamatórias,
processos alérgicos, hipertensão, entre outras. Esses fatores podem impedir a
indicação do tratamento estético ao paciente.

Para todo procedimento estético, é fundamental uma avaliação estética bem executada
e adequada, suportada por exames laboratoriais e exames rápidos que colaborem
na triagem do paciente, impedindo a realização de procedimentos estéticos não
indicados a ele, bem como as possíveis intercorrências durante e após o tratamento,
trazendo maior segurança e credibilidade ao profissional. Além de proporcionar um
direcionamento adequado para o tratamento estético mais indicado para a patologia
que o paciente apresenta.

Em um primeiro momento, uma avaliação estética inicia-se com uma entrevista,


em que são armazenados dados pessoais do paciente. Em um segundo momento, o
paciente é questionado se apresenta algum problema de saúde, alguma patologia, se
faz exames regularmente. Caso o paciente relate alguma alteração em seus exames,
pedimos uma liberação médica para ser realizado o procedimento estético. Atualmente,
os únicos profissionais legalmente habilitados para solicitar exames laboratoriais são
os médicos e nutricionistas. É interessante que as clínicas de estética trabalhem em
parceria com esses profissionais para que seja feita a avaliação dos pacientes.

31
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Por último, uma avaliação corporal ou facial é realizada no paciente, para que esse
possa relatar o que mais o incomoda em seu corpo e qual disfunção estética pretende
tratar. É criado, juntamente com o paciente, um pacote de tratamento individualizado
que irá atender suas queixas da melhor forma possível, por meio de uma gama de
procedimentos estéticos disponíveis no mercado.

A seguir, serão abordados alguns exames indispensáveis a serem discutidos e


analisados em uma avaliação estética.

Hemograma
O hemograma corresponde a um conjunto de testes laboratoriais que estabelece os
aspectos quantitativos e qualitativos dos eritrócitos (eritrograma), dos leucócitos
(leucograma) e das plaquetas (plaquetograma) no sangue.

» Eritrograma: inclui os testes laboratoriais que determinam o perfil


hematológico da série vermelha no sangue periférico. É constituído por:
contagem de eritrócitos (E), dosagem de hemoglobina (Hb), hematócrito
(Ht), índices hematimétricos (VCM, HCM, CHCM, RDW, HDW etc.) e
avaliação da morfologia eritrocitária.

» Leucograma: engloba os testes laboratoriais que determinam o perfil


hematológico da série branca (leucócitos) no sangue periférico. É
constituído da contagem global e da contagem diferencial de leucócitos,
incluindo a análise das respectivas alterações morfológicas no sangue. É
expresso no resultado pela fórmula leucocitária (com valores relativos e
absolutos) de cada subtipo leucocitário.

» Plaquetograma: envolve a contagem de plaquetas, a avaliação da


sua morfologia feita por microscopia e as determinações do volume
plaquetário médio (VPM) e da variação entre os seus volumes (PDW).

Tanto o eritrograma quanto o leucograma e o plaquetograma podem ser determinados


por técnicas manuais ou automatizadas. Para interpretá-los, é necessário conhecer
alguns princípios da ontogenia, além da morfologia das células do sangue.

32
ERITROGRAMA LEUCOGRAMA

IDADE E Hb Ht VCM HCM CHCM RDW Leuc. Mielo Meta Bastão Segment. Neutróf. Linfo. Mono. Eosi. Baso.

M/mm3 g/dL % fL pg g/dL % mm3 % mm3 % mm3 % mm3 % mm3 % mm3 % mm3 % mm3 % mm3 % mm3

Adulto
Masculino
4,3 6,0 13,5 17,8 41 54 80 100 27 33 32 36 11,0 14,5 3.600 11.000 0 0 00 00 00 0 5 0 390 40 78 1700 7800 40 78 1700 7800 20 50 1000 4500 2 10 100 1000 1 5 20 500 0 2 0 200

Adulto
Feminino
3,9 5,3 12,0 16,0 36 48 80 100 27 33 32 36 11,0 14,5 3.600 11.000 0 0 00 00 00 0 8 0 410 40 78 1700 8200 40 78 1700 8200 20 50 1000 4500 2 10 100 1000 1 5 20 500 0 2 0 200

Fonte: Oliveira, 2007.


PLAQUETOGRAMA: Plaquetas até 6 meses 140.000 a 380.000/mm3; acima de 6 meses 140.000 a 400.000/mm3
Tabela 1. Valores de referência do hemograma.
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │
UNIDADE II

33
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Fundamentos práticos da hematopoiese

Ao processo de formação das células sanguíneas dá-se o nome de hematopoiese.


Sua principal função é manter os níveis fisiológicos das células maduras circulantes.
Quando necessário, o sistema hematopoiético tenta adaptar-se às necessidades
patológicas. As células presentes no sangue têm como características principais
a incapacidade de se dividir, as funções definidas e o tempo de vida média
preestabelecido. Os eritrócitos (glóbulos vermelhos) vivem na circulação por cerca
de 110 a 120 dias; as plaquetas, em média, por oito dias; os granulócitos (neutrófilos,
eosinófilos e basófilos), por 8 a 10 horas; os monócitos, por cerca de 16 a 18 horas; e
os linfócitos, dependendo do subtipo e da função, podem circular por dias, meses ou
anos.

Todas as células do sangue são formadas das células-tronco pluripotentes (stem cell –
células mãe), que podem seguir a linhagem mieloide ou linfoide. Por meio dos fatores
de crescimento (as citocinas), tais células se diferençam em unidades progenitoras
formadoras de colônias multipotenciais: a CFU-GEMM, para linhagem mieloide, e
CFU-Li, para linhagem linfoide. Elas, por sua vez, dão origem às unidades bipotenciais
ou unipotenciais, que originam as células precursoras que têm morfologia própria e
que são (ou estão) comprometidas com uma sublinhagem específica, a fim de formar
eritrócitos, granulócitos, monócitos, plaquetas ou linfócitos. Uma vez comprometidas,
essas células irão amadurecer (maturação) e adquirir propriedades funcionais
específicas para serem lançadas na circulação sanguínea. As principais características
das células hematopoiéticas durante a diferenciação e maturação celular estão
descritas a seguir (OLIVEIRA, 2007).

As células tronco pluripotentes, além da capacidade para se diferenciarem em


quaisquer das linhagens, mieloides ou linfoides, fazem uma prévia autorrenovação
(duplicação). As células progenitoras são aquelas já diferenciadas em mieloides ou
linfoides, especificamente, e com alta capacidade de proliferação (mitose). Elas podem
ser denominadas unidades multipotentes mieloides (CFU-GEMM), com capacidade
para gerar, respectivamente, granulócitos, eritrócitos, monócitos e megacariócitos,
ou como unidades multipotentes linfoides (CFU-Li), com capacidade de originar
linfócitos T, B ou NK. As unidades bipotentes são as BFU E- Meg, do inglês busrt
forming unit (BFU), ou seja, unidades formadoras de explosão de eritrócitos (E) e de
megacariócitos (Meg), e as CFU-GM, do inglês colony forming unit (CFU), ou seja,
unidades formadoras de colônia de granulócitos (G) e monócitos (M). As unidades
unipotentes são as CFU-E (unidades formadoras de eritrócitos), CFU-Meg (unidade
formadora de megacariócito) e as CFU-G (unidade formadora de granulócitos)

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EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

e a CFU-M (unidade formadora de monócitos). Todas elas derivadas da unidade


multipotente mieloide (CFU-GEMM) (OLIVEIRA, 2007).

Recentemente, foram descritas as prováveis unidades tripotentes, as CFU-GMEo


(unidade formadora de colônias de granulócitos/ monócitos/ eosinófilos) (OLIVEIRA,
2007).

As células precursoras são aquelas já comprometidas com uma sublinhagem específica,


ainda com certo poder de mitose, mas já reconhecíveis morfologicamente na medula
sob a luz da microscopia óptica comum. São os proeritroblastos para eritroide;
megacarioblastos para linhagem plaquetária; mieloblasto para linhagem granulocítica;
monoblasto pra linhagem monocítica e linfoblasto para linhagem linfocítica. As
células maduras possuem morfologia típica e atividade funcional diferenciada. Não
possuem nenhuma potencialidade ou capacidade de divisão. São os eritrócitos, as
plaquetas, os segmentados neutrófilos, eosinófilos ou basófilos, os monócitos ou os
linfócitos encontrados normalmente no sangue. A sequência maturativa completa das
respectivas linhagens celulares está descrita na quadro 1.

Quadro1. Resumo da linhagem mieloide e linfoide.

LINHAGEM MIELOIDE
Série eritroide:
Maturação eritroide: proeritroblasto → eritroblasto basófilo → eritroblasto policromático → eritroblasto ortocromático →
reticulócito → eritrócito maduro.
Série granulocítica:
Maturação neutrófila: mieloblasto → promielócito → mielócito neutrófilo → metamielócito neutrófilo → bastão neutrófilo →
segmentado neutrófilo.
Maturação eosinofila: mieloblasto → promielócito → mielócito eosinófilo → metamielócito eosinófilo → bastão eosinófilo →
segmentado eosinófilo.
Maturação basófila: mieloblasto → promielócito → mielócito basófilo → metamielócito basófilo → bastão basófilo →
segmentado basófilo.
Série monocítica:
Maturação monocítica: monoblasto → promonócito → monócito.
Série plaquetária:
Maturação plaquetária: megacarioblasto → megacariócito → plaquetas.
LINHAGEM LINFOIDE
Série Linfoide B ou T:
Maturação linfóide B ou T: linfoblasto → prolinfócito → linfócito.
Observação: os plasmócitos são originados dos linfócitos B que sofreram diferenciação para plasmoblastos →
proplasmócitos → plasmócitos.
Fonte: Oliveira, 2007.

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UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Figura 4. Esquematização da hematopoiese.


Célula-tronco
Célula Autorrenovação
pluripotente
Célula linfoide
mieloide SCF
SCF multipotente CFU-LI
multipotente
IL-3 (B, T, NK)
CFU-GEMM
GM-CFS IL-3

IL-3
BFU-EMeg CFU-GMEo SCF Maturação-NK?
IL-7 SCF

Cél. Pró-T Cél. Pró-B


BFU-E BFU-Meg CFU-GM CFU-Eo CFU-baso (progenitor T) (progenitor B)
EPO IL-3 GM-CSF
TPO IL-3 IL-2 IL-6, IL-
GM-CSF GM-CSF
IL-3 IL-6 7, IL-3
IL-3

IL-3 IL-3

CFU-E CFU-Meg CFU-G CFU-M Cél. pré-tímica Cél. pré-pré-B


IL-7, IL-2,
EPO TPO G-CSF M-CSF Intratímica TNFα Cél. pré-B
IL- 5 CD4/CD8

Pó-timo IL-3, IL-4, IL-5,


IL- 6 CD8
IL-6 MATURE B
CD4

IL- 11

IL-2, IL-4

Órgãos linfoides secundários

Eritrócitos Plaquetas Neutrófilos Monócito Eosinófilos Basófilos


s Linfócitos T helper Linfócito B
sup./citot.

Macrófagos
Plasmócitos

Fonte: Oliveira, 2007.

Doenças hematológicas

Anemia

Anemia é um estado caracterizado pela diminuição dos níveis de hemoglobina no


sangue, com ou sem diminuição do número de eritrócitos, de acordo com idade, sexo e
altitude, para indivíduos normovolêmicos.

Pacientes hipovolêmicos, como os de casos de perdas imediatas de quantidades


importantes de sangue, ou de desidratação excessiva, podem de fato estar anêmicos
(real diminuição dos níveis de hemoglobina), embora mantenham relação plasma:
eritrócito normal e demonstrem valores normais para dosagem de hemoglobina,
contagem de eritrócito e hematócrito.

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EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

Pacientes hipervolêmicos, como os de casos de uso de soro intravenoso, ou hiper-


hidratação, podem (em casos extremos), de modo inverso, ter massa eritroide ainda
normal, embora apresentem níveis de hemoglobina de anêmicos, devido ao excesso de
plasma em relação à sua massa eritroide.

Classificações e diagnóstico das anemias

Ao se classificar as anemias, procura-se estabelecer critérios que colaborem para


desvendar sua causa. Para isso, parte-se de dados clínicos e morfológico-laboratoriais,
confrontando-os com sua provável etiologia.

Está consagrada na hematologia a classificação das anemias sob dois critérios: com
base nas causas (classificação fisiopatológica ou etiológica) ou nos efeitos (tamanho
e cor-hemoglobinização; classificação morfológica ou laboratorial) sofridos pelos
eritrócitos.

O laboratório detecta as alterações morfológicas sofridas pelos eritrócitos, a clínica


médica, de posse deles e de outros dados clínicos, racionaliza a necessidade ou não de
outros testes, fazendo, assim, o diagnóstico (determinado à causa) da anemia.

Figura 5. Classificações e correlações.

Diminuição de produção
Causas
Aumento de destruição
ANEMIA
Perda sanguínea
Efeitos
Anemias normocíticas normocrômicas
Laboratoriais
(morfológicos) Anemias microcíticas hipocrômicas

Anemias macrocíticas
Sintomas
(clínica) Palidez cutâneo-mucosa

Fraqueza

Cansaço

Palpitações e esforços

Icterícia, hemoglobinúria etc.

Rápida e repentina (agudas)


Velocidade de
instalação De longa duração (crônicas)

Fonte: Oliveira, 2007.

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UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Anemias por falta de produção

Vislumbrar as anemias por falta de produção é compreender uma eritropese excelente.


Para que a eritropoiese ocorra de modo eficiente, há de se pensar nos fatores essenciais
para a estimulação (a EPO e outras citocinas), para a proliferação ou mitose (vitamina
B12 e folato), maturação ou hemoglobinização (ferro, piridoxina etc.), e em uma
medula óssea sadia. A falta de algum dos fatores essenciais para que uma eritropoiese
excelente ocorra leva às anemias por falta de produção.

As anemias por diminuição de produção são consequências de algum problema no


órgão formador de sangue, a medula óssea, ou quando a medula é sadia, pela não
disponibilidade de elementos nutrientes para uma eritropoiese excelente (anemias
carenciais) ou por defeitos genéticos ou adquiridos que impeçam a formação de heme,
ou pela falta de eritropoietina, hormônio estimulador da formação dos eritrócitos.
As doenças medulares que levam a anemias ocorrem ou por invasão da medula por
células leucêmicas, linfomatosas, metastáticas ou fibrose.

As anemias carenciais fazem parte desse grupo de entidades caracterizadas por


menor produção. São elas: por falta de ferro, de ácido fólico (folato), de vitamina B12,
de vitamina B6, de proteínas etc., cada qual gerando tipos morfológicos distintos. A
seguir, alguns exemplos de anemias por falta de produção:

» Anemias ferroprivas: são anemias caracterizadas pela ausência de


ferro para síntese de hemoglobina nos eritroblastos medulares. Como o
ciclo do ferro é fechado, regulado pela absorção de ferro apenas quando
quantidades acima do normal são perdidas ou requeridas. Assim, as
maiores causas de anemia ferropriva, por ordem de prevalência, estão
associadas a:
› sangramentos crônicos, quando há perda do ferro junto com os
eritrócitos e aumento da necessidade de absorção. Por exemplo:
verminoses, espoliativas, mulheres com menstruação abundante,
varizes esofageanas, úlceras etc.;
› necessidades aumentadas de ferro em crianças em fase de
crescimento, em mulheres grávidas, nas anemias hemolíticas crônicas
com hemólise intravascular e perda de ferro;
› defeitos de absorção, geralmente por ressecção de parte do estômago
ou do duodeno;
› exclusivamente por falta de ferro na ingestão alimentar, sem
sangramentos ou necessidades aumentadas de ferro.

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EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

» Anemias de doenças crônicas: são anemias associadas a uma


variedade de condições inflamatórias de longa duração que incluem
infecções crônicas, doenças reumatológicas e câncer, caracterizada pela
alteração cinética do ferro, na produção da eritropoietina e na resposta
eritropoiética da medula óssea a esse hormônio.

» Anemia do doente renal crônico: ocorre em pacientes com


insuficiência renal crônica (IRC), em decorrência de falta ou diminuição
da produção de EPO pelo parênquima renal, o que impede ou dificulta a
eritropoiese.

» Anemias sideroblásticas: são as anemias caracterizadas pela


presença excessiva de sideroblastos na medula, causada pela inadequada
formação do grupo heme e acúmulo excessivo de ferro na mitocôndria
dos eritroblastos. Os sideroblastos são eritroblastos com precipitados de
ferro mitocondrial (OLIVEIRA, 2007).

Anemias por excesso de destruição (hemolítica)

Compreender as anemias por excesso de destruição é relembrar a estrutura do glóbulo


vermelho maduro normal com seu tempo de vida médio na circulação (em torno de
120 dias). Um eritrócito estruturalmente normal é constituído de uma membrana
(eminentemente lipoproteica), da hemoglobina e de enzimas para manutenção de seu
metabolismo e do estado funcional da hemoglobina (além de água e alguns eletrólitos).
Defeitos em um desses constituintes estruturais encurtam o tempo médio de vida
do eritrócito. Mesmo a com estrutura normal, causas externas (extracorpusculares)
também podem encurtar o tempo de vida do eritrócito na circulação. Independente
da causa, a diminuição da vida média do eritrócito caracteriza as anemias hemolíticas,
nas quais, ao menos que haja aumento da produção, ele não será suficiente para
vencer o grau de destruição. Por isso, uma das principais características laboratoriais
das anemias hemolíticas é o aumento na contagem de reticulócitos. As anemias por
aumento de destruição (hemolíticas) são divididas em dois grupos:

» Hemólise causada por mecanismos hereditários: em que as


alterações gênicas, por mutações ou deleções, levam à produção de
proteínas defeituosas ou em excesso, ou mesmo à não produção de
determinadas proteínas, gerando, assim, algum defeito intrínseco no
eritrócito (seja na membrana, na molécula de hemoglobina ou em suas
enzimas).

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UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

» Hemólise causada por mecanismo adquirido: a diminuição


do tempo de sobrevida do eritrócito na circulação se deve, em geral,
a problemas extracorpusculares (extraeritrócito), como nas doenças
autoimunes, incompatibilidade materno-fetal, transfusões de sangue,
tóxicas, como as desencadeadas por micro-organismos (plasmódio,
clostrídio etc.), bactérias ou vírus. Apesar de em geral serem
normocíticas ou normocrômicas, do mesmo modo que as por diminuição
de produção, também essas podem se enquadrar em tipos morfológicos
distintos (OLIVEIRA, 2007).

A seguir, alguns exemplos de anemias hemolíticas hereditárias.

» Anemias por defeito das proteínas de membrana: são anemias


hemolíticas hereditárias causadas por defeitos genéticos que acarretam
alterações nas proteínas da membrana eritrocitária. As mais comuns e
de importância clínica são a esferocitose e a eliptocitose hereditárias.

» Hemoglobinopatias qualitativas e quantitativas: são anemias


hemolíticas hereditárias causadas por defeitos genéticos que
acarretam alterações estruturais (qualitativas), ou seja, na sequência
de aminoácidos, em um grupo subtipo específico de cadeia globínica
do tetrâmero de hemoglobina (HB). As mais comuns e de importância
clínica são HbS, a HbC e a HbD. Já a HbE, é de persistência hereditária
de hemoglobina fetal.

A seguir, mais alguns exemplos de anemias hemolíticas por hemoglobinopatias:

» Anemia falciforme: anemia hemolítica crônica grave decorrente do


encurtamento da vida do eritrócito, cujas moléculas de hemoglobina
polimerizam-se em seu interior, transformam-no da forma bicôncava
em células falciformes (forma de foice, os drepanócitos), que são
prontamente destruídas pelo sistema monocítico macrofágico
(OLIVEIRA, 2007).

» Talassemias - hemoglobinopatias quantitativas: são anemias


hereditárias causadas por defeitos genéticos que acarretam alterações
quantitativas na produção de cadeias globínicas. Correspondem a
um grupo heterogêneo de anemias hereditárias caracterizadas por
diminuição (total ou parcial) na síntese de uma ou mais subunidades
das cadeias globínicas do tetrâmero de hemoglobina (OLIVEIRA, 2007).

40
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

» Eritroenzimopatias: são anemias hemolíticas hereditárias causadas


por defeitos genéticos que acarretam alterações nas enzimas do ciclo
metabólico do eritrócito.

A seguir, algumas anemias hemolíticas adquiridas.

» Anemias hemolítica autoimune: anemia hemolítica autoimune


(AHAI) é causada por autoanticorpos que revestem o eritrócito
e promovem sua remoção precoce pelos macrófagos. Podem ser
idiopáticas, sem causas definidas ou secundárias a algumas infecções,
mediadas por certas drogas, como penicilina e alfa metildopa e as
linfoproliferações crônicas (leucemia linfoide crônica, alguns linfomas,
as colagenoses do lúpus eritematoso sistêmico e da artrite reumatoide
etc.) (OLIVEIRA, 2007).

Linfocitose e leucopenia

O número global de leucócitos deve sempre ser avaliado em conjunto com os valores
absolutos de cada subtipo leucocitário (neutrófilo/mm3, linfócitos/mm3, monócitos/
mm3, eosinófilos/mm3 e basófilos/mm3), obtidos por regra de três simples com base
na contagem diferencial (%) de leucócitos em 100 células contadas e com as possíveis
alterações morfológicas. Em boa parte dos casos, a identificação da patogênese de uma
alteração quantitativa de leucócitos, além da avaliação simultânea do eritrograma
e plaquetas e de alguns dados clínicos complementares, requer testes diferenciais
específicos como cultura de bactérias, sorologias, alguns exames eletivos, ou mesmo
dos resultados do mielograma ou biopsia de medula óssea.

Neutrofilia, eosinofilia, basófila, linfocitose ou monocitose correspondem ao aumento


dessas células por mm3, independente dos valores relativos (percentuais - %). O valor
relativo de determinado subtipo de leucócito em um leucograma indica apenas sua
proporção com os demais subtipos.

Em muitas infecções agudas, há leucocitose, com aumento do número de neutrófilos


no sangue e diminuição de linfócitos e eosinófilos. Entretanto, mesmo sem leucocitose,
pode haver aumentos numéricos significativos em eosinófilos monócitos ou mesmo
em basófilos. Isso pode ocorrer uma vez que cada linhagem celular tenha suas próprias
funções e mecanismos distintos (específicos) de controle. Desse modo, na prática, é
mais importante avaliar os valores numéricos absolutos de cada tipo celular específico.
Assim, valorizam-se neutrofilias, eosinofilias, monocitoses etc., em vez da leucometria
global ou diferencial, isoladamente.

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UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Em geral, a etiopatologia de uma leucocitose ou leucopenia, reacional ou primária,


ocorre à custa de uma linhagem específica (ou mieloide ou linfoide). Dentro de
cada linhagem específica, as leucocitoses ou leucopenias, por sua vez, em geral,
ocorrem à custa de um tipo de leucócito específico (neutrófilos, eosinófilos ou
monócitos para a linhagem mieloide e linfócitos para a linhagem linfoide), mas
não de todos simultaneamente. Entretanto, nas mieloproliferações (neoplasias
mieloides proliferativas crônicas), por exemplo, apesar de haver aumento específico
de leucócitos apenas da linhagem mieloide, vários subtipos dentro dessa linhagem
estão geralmente elevados (há neutrofilia, eosinofilia, basofilia simultâneas). Na
leucemia mielocromática crônica (uma mielodisplasia com caracteres proliferativos),
há monocitose e neutrofilias características. Portanto, diante de uma leucocitose ou
leucopenia, deve-se verificar qual tipo celular está alterado para mais ou para menos e
avaliar as possíveis causas (OLIVEIRA, 2007).

Interferências pré-analíticas nos resultados e na


interpretação do hemograma

Relacionadas ao paciente:

» Gênero: além das diferenças hormonais específicas e características


de cada sexo, muitos parâmetros hematológicos apresentam valores
distintos entre homens e mulheres em decorrência das diferenças
metabólicas e da massa muscular, entre outros fatores. Em geral, os
intervalos de referência para esses parâmetros são específicos para cada
gênero (SBPC/ML, 2014).

» Idade: os parâmetros hematológicos possuem variações importantes


nos valores de referência, dependendo da idade do indivíduo. Isso
é observado, principalmente, em crianças e adolescentes. Essa
dependência é resultante de diversos fatores, como maturidade
funcional dos órgãos e sistemas, conteúdo hídrico e massa corporal. Nos
adultos, há maior estabilidade dos parâmetros hematológicos entre as
idades. Em situações específicas, até os intervalos de referência devem
considerar essas diferenças. É importante lembrar que as mesmas
causas de variações pré-analíticas que afetam os resultados laboratoriais
em indivíduos jovens, interferem nos resultados dos exames realizados
em indivíduos idosos, mas a intensidade da variação tende a ser maior
nesse grupo etário (SBPC/ML, 2014).

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EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

» Jejum: em geral, não se preconiza o jejum para a coleta de


hemograma após dieta leve. Como a coleta de hemograma, com
frequência, acompanha a coleta de outros exames (p.ex., bioquímica),
o paciente normalmente já vem em jejum de mais de quatro horas.
Alguns laboratórios orientam um jejum de 2 a 4 horas após refeições
abundantes e ricas em gordura. A ingestão de alimentos gordurosos
pode provocar lipemia que, se moderada a intensa, pode interferir na
contagem de leucócitos, plaquetas, eritrócitos e elevar muito a dosagem
de hemoglobina. Caso seja necessária a realização do hemograma
em amostra fortemente lipêmica e não for rotina do laboratório a
troca de plasma lipêmico por solução fisiológica 0,9%, não se deve
considerar o resultado da hemoglobina. O motivo deve ser relatado
no laudo do hemograma e deve-se solicitar a coleta de nova amostra
após jejum de 2 a 4 horas. A hiperlipemia decorrente do distúrbio do
metabolismo (dislipidemia) ou de nutrição parenteral pode gerar
contagens falsamente elevadas de plaquetas nos analisadores que
utilizam o método óptico por causa da formação de gotículas com alto
índice refratário. A ingestão de pequena quantidade de água antes da
coleta não quebra o jejum e não altera os parâmetros do hemograma. A
ingestão de café e o uso do fumo não são recomendados antes da coleta
para o hemograma. A cafeína pode estimular a liberação de epinefrina
(adrenalina) e atuar na liberação do pool marginal de neutrófilos para a
circulação. O fumo pode elevar a concentração de adrenalina e cortisol
com elevação dos eritrócitos, hemoglobina, hematócrito e número de
leucócitos (neutrófilos, monócitos, eosinófilos e basófilos) na circulação.
Medicamentos de uso contínuo, quando não suspensos pelo médico,
são permitidos antes da coleta da amostra para hemograma (SBPC/ML,
2014).

» Dieta: a dieta a que o indivíduo está submetido, mesmo respeitado o


período regulamentar de jejum, pode interferir na concentração de
alguns componentes do sangue, na dependência das características
orgânicas do próprio paciente. Leucocitose e trombocitose discretas
podem ser vistas na sequência de uma refeição normal. Alterações
bruscas na dieta, como ocorrem, em geral, nos primeiros dias de
uma internação hospitalar e no pós-cirúrgico de certas cirurgias
gastrointestinais, exigem certo tempo para que alguns parâmetros
hematológicos retornem aos níveis basais (SBPC/ML, 2014).

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UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

» Atividade física prolongada anterior à coleta: após exercício


prolongado, há elevação no valor dos eritrócitos (0,5 x 106),
hemoglobina (1,5 g/dL) e leucócitos (até 30 x 103/mm3) por causa da
saída de plasma vascular durante o exercício e da entrada de leucócitos
neutrófilos do pool marginal. Para pacientes que chegam ao laboratório
com respiração ofegante, após rápida caminhada ou subida de rampas
ou escadas, realiza-se a coleta após 30 minutos de repouso. A coleta de
sangue venoso em indivíduos não hospitalizados não é procedimento
impeditivo ou limitante para a prática de exercício físico ou para o
trabalho. A decisão final fica a critério do próprio paciente ou a critério e
orientação médica (SBPC/ML, 2014).

» Estado emocional do paciente, estresse, choro: maior secreção


de adrenalina com consequente elevação do número de neutrófilos pela
liberação do pool marginal para o pool circulatório.

» Tabagismo: o tabagismo pode influenciar diretamente vários


elementos. Afeta amplamente a eritropoese, com o aumento na
concentração de hemoglobina, aumento no número de eritrócitos
e do volume corpuscular médio (VCM), aumento do hematócrito,
aumento nas contagens leucocitárias (neutrofílicas e monocíticas),
além de aumentar a agregabilidade e reduzir a sobrevida das plaquetas.
Identifica-se também a elevação do cortisol sérico e do antígeno
carcinogênico (CEA). Essas alterações podem persistir no hemograma
por meses após a suspensão do vício (SBPC/ML, 2014).

» Uso prévio de fármacos e drogas de abuso: deve ser questionado


durante o cadastro, pois pode provocar alterações no hemograma.
Medicamentos como a penicilina e outros antibióticos, metildopa,
carbonato de lítio, alguns anti-inflamatórios e glicorticoides podem
induzir a formação de anticorpos que agirão contra as hemácias.
Medicações aplicadas via endovenosa, se não diluídas corretamente,
podem causar hemólise. O álcool tem um efeito tóxico sobre a
hematopoese e um efeito hepatotóxico direto, causando esteatose,
hepatite e cirrose. Do conjunto, origina-se a anemia do alcoolismo.
Variação cronobiológica corresponde às alterações cíclicas na
concentração de um determinado parâmetro em função do tempo. No
hemograma, percebem-se essas alterações fisiológicas por meio do
ciclo circadiano dos glicocorticoides, que afeta os valores de eosinófilos,
basófilos e leucócitos. Para melhorar a interpretação dos resultados
quanto às variações circadianas, a data e a hora da coleta devem ser
informadas no laudo (SBPC/ML, 2014).

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EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

Exames de urina – de rotina e de 24 horas

Exame de urina de rotina

O exame de urina de rotina deve ser entendido como um teste de triagem, capaz de
fornecer informações úteis que possibilitam o diagnóstico de eventuais problemas
nos rins e nas vias urinárias, como processos irritativos, inflamatórios ou infecciosos,
além de alguns distúrbios metabólicos, como diabete melito e insípida, e distúrbios
do equilíbrio ácido-básico. Uma vez que diferentes substâncias são rotineiramente
pesquisadas, é possível, também, a detecção de algumas condições mórbidas não
diretamente relacionadas com os rins ou vias urinárias, como hemólise intravascular,
algumas doenças hepáticas, de vias biliares etc.

Exame de urina tipo I, sumário de urina, exame simples de urina, urinálise, uroanálise,
3A+S (albumina, açúcar e acetona mais sedimento) e urina, EAS (elementos anormais
e sedimento) são alguns dos sinônimos utilizados para denominar esse exame.
Comumente, opta-se por utilizar exame de urina de rotina, por entender que essa
nomenclatura expressa melhor o procedimento realizado. O Clinical and Laboratory
Standards Institute (CLSI) define exame de urina de rotina como “o teste de urina com
procedimentos normalmente realizados de forma rápida, confiável, precisa, segura e
custo-efetiva”. As razões identificadas para a realização do exame de urina pelo CLSI
incluem auxílio no diagnóstico da doença, triagem de populações assintomáticas para
a detecção de doenças e acompanhamento da progressão da doença e da eficácia do
tratamento (SBPC/ML, 2014).

Tabela 2. Exame de urina tipo I.

Analito Valores de referência


Cor Amarelo citrino
Aspecto Claro
Odor Ausente
pH 5,0 a 8,0
Densidade 1.005 a 1.025
Proteína Negativo
Glicose Negativo
Corpos cetônicos Negativo
Pigmentos biliares Negativo
Urobilinogênio Até 1,0 mg/dL
Nitrito Negativo
Hemoglobina Negativo

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UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Eritrócitos
Masculino: Inferior a 10.000 /mL
Feminino: Inferior a 15.000 /mL
Leucócitos
Masculino: Inferior a 10.000 /mL
Feminino: Inferior a 15.000 /mL
Cilindros Ausentes
Cristais Ausentes
Células epiteliais Ausentes
Muco Ausente
Fonte: Birch, 2001.

Tabela 3. Interpretação clínica do exame de urina tipo I.

Analito Interpretação clínica


As colorações mais anormais da urina são: vermelho, variando de rosado ao escurecido pela presença de sangue,
Cor
hemoglobina ou mioglobina, e o amarelo-escuro ou âmbar pela presença anormal de bilirrubina.
A turvação na urina, geralmente, é resultado da presença de leucócitos, hemácias, células epiteliais, bactérias e
Aspecto
cristais amorfos. E, em uma frequência menor, da presença de lipídios, muco, linfa, cristais, leveduras e matéria fecal.
Odor O odor encontra-se presente quando há multiplicação bacteriana ou metabolização da ureia para amônia.
Aumenta em dietas ricas em frutas e vegetais, alcalose metabólica sem perda de potássio, vômitos prolongados,
alcalose respiratória, infecção do trato urinário por microrganismos que utilizam a ureia, como Proteus spp e
Pseudomonas spp, após refeições, acidose tubular renal, acidose tubular renal e terapia alcalina.
pH
Diminui em dietas ricas em proteínas, acidose metabólica, como ocorre na acidose diabética, alcalose metabólica
por perda de potássio, acidose respiratória, infecções do trato urinário por Escherichia coli, dietas hipocalóricas e
diarreias severas.
É definida pelo número e tamanho das partículas presentes. Os principais responsáveis são a ureia, os cloretos e os
Densidade
fosfatos. Glicose e contraste radiológicos elevam de forma importante a densidade urinária.
A proteinúria, em muitos casos, atua como o primeiro indicador de doença renal. Condições não renais também
podem elevar a excreção de proteínas, sendo de causa pré-renal, glomerular, tubular e pós-renal. As principais
Proteína causas de proteinúria: são lesão da membrana glomerular, diminuição da reabsorção tubular, mieloma múltiplo,
proteinúria ortostática, pré-eclâmpsia e nefropatia diabética. Frequentemente, está associada à hemoglobinúria e ao
achado de número significativo de cilindros, hemácias e leucócitos no exame microscópico.
A glicose está presente na urina geralmente quando se encontra superior a 180 mg/dL no sangue. As causas de
glicosúria são diabetes mellitus, doenças que afetam a reabsorção tubular, como síndrome de Fanconi e doença
Glicose renal avançada, e outras causas de hiperglicemia transitória. A pesquisa por fita reagente tem sensibilidade a partir
de 50 mg/dL. Mesmo em concentrações elevadas, a influência do ácido ascórbico é consideravelmente eliminada
nesse método, já que, quando a glicose se apresenta a partir de 100 mg/dL, não é provável haver falso-negativos.
Compreendem ácido acetoacético, a cetona e o ácido beta-hidroxibutírico. Pode-se detectá-las quando há um
comprometimento na utilização de carboidratos como principal fonte energética e as reservas de gordura precisam
Corpos cetônicos ser metabolizadas para gerar energia. A cetose pode ser encontrada em condições associadas à diminuição da
ingesta de carboidratos, redução da utilização de carboidratos (diabetes mellitus), distúrbios digestivos, eclampsia,
dietas desbalanceadas, vômitos e diarreia.
Elevadas quando a bilirrubina conjugada aumenta no soro. Está presente nas icterícias obstrutiva e parenquimatosa,
Pigmentos biliares e ausente nas icterícias hemolíticas. A sensibilidade é a partir de 0,5 mg/dL. Medicamentos que corem a urina
podem interferir na reação.
Menos de 1,0 mg/dL na urina é normal. Pode estar elevado nas hepatopatias, distúrbios hemolíticos e porfinúrias. A
ausência de urobilinogênio na urina e nas fezes significa obstrução do ducto biliar, que impede a passagem normal
Urobilinogênio
de bilirrubina para o intestino. A sensibilidade do método é a partir de 0,4 mg/dL. Medicamentos que corem a urina
podem interferir na reação.

46
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

Analito Interpretação clínica


Presente em virtude da lise de hemácias produzida no trato urinário ou como resultado de hemólise intravascular e a
consequente filtração glomerular de hemoglobina. A verdadeira hemoglobinúria, ou seja, hemoglobina livre passando
diretamente pelo glomérulo para ultrafiltrado, é pouco comum. A lise de hemácias na urina geralmente apresenta
Hemoglobina
uma mistura de hemoglobinúria e hematúria, mas nos casos de hemólise intravascular não serão encontradas
hemácias. Inúmeras doenças renais e do trato urinário podem resultar em hematúria com hemoglobinúria, como as
glomerulonefrites, pielonefrites, cistite, cálculos e tumores.
Nitrito Presença aumentada mediante multiplicação de bactérias redutoras de nitrato.
Quando se encontram elevados, significa rompimento da integridade da barreira vascular por injúria ou doença
membranosa glomerular ou no trato geniturinário. As condições que resultam em hematúria incluem várias doenças
renais, como glomerulonefrites, pielonefrites, cistites, cálculos, tumores e traumas. Qualquer condição que resulte em
Eritrócitos inflamação ou comprometa a integridade do sistema vascular pode também resultar em hematúria. Em amostras
coletadas de mulheres, a possibilidade de contaminação menstrual deve ser considerada. A presença de hemácias
e cilindros na urina, que igualmente pode ocorrer após exercícios intensos, tem importante valor preditivo positivo no
diagnóstico de patologias renais, quando em quantidade significativa.
A piúria (presença de leucócitos na urina) pode resultar de infecções bacterianas ou de outras doenças renais e
do trato urinário, que podem ser acompanhadas de bactérias ou não, como no caso da infecção por Chlamydia.
Leucócitos
Também está presente em patologias não infecciosas, como a glomerulonefrite, lúpus eritematosos sistêmicos e
tumores.
São exclusivamente renais e formam-se especialmente na luz do túbulo contornado distal e ducto coletor. O seu
principal componente é a proteína de Tamm-Horsfall, mucoproteína secretada somente pelas células tubulares
renais, cujo aparecimento na urina é influenciado pelos materiais presentes no filtrado no momento de sua
formação, pelo período em que permanecem no túbulo, pela presença de íons e pH. O tamanho dos cilindros
pode variar em função do diâmetro do túbulo no qual foram formados. Cilindros largos, por exemplo, indicam
a formação em túbulos renais dilatados ou em túbulos coletores. O achado de muitos cilindros céreos indica
Cilindros prognóstico desfavorável. Assim, cada um dos tipos encontrados no sedimento representa diferentes condições
clínicas. Seguem alguns exemplos de condições nos quais podem estar aumentados: - Hialinos: glomerulonefrite,
pielonefrite, doença renal crônica, insuficiência cardíaca congestiva, exercício físico. Normal: de 0 a 2 por campo; -
Hemáticos: glomerulonefrite, exercício físico intenso, nefrite lúpica, hipertensão maligna; - Leucocitários - pielonefrite;
- Células epiteliais - lesões tubulares renais; - Granulosos: estase do fluxo urinário, exercício físico, infecção urinária;
- Céreos: - estase do fluxo urinário; - Graxos: síndrome nefrótica, nefropatia diabética, doença renal crônica,
glomerulonefrite; - Largos: estase significativa do fluxo urinário, insuficiência renal.
Raramente apresentam significado clínico e são encontrados com frequência na urina. Formados pela precipitação
dos sais da urina submetidos a alterações no pH, na temperatura e na concentração, o que afeta sua solubilidade.
Cristais A sua identificação pode sugerir doenças hepáticas, erros inatos do metabolismo ou lesão renal causada pela
cristalização tubular de metabólitos de drogas. Os cristais anormais mais importantes são cistina, colesterol, leucina,
tirosina, sulfonamidas, corantes radiográficos e ampicilina.
Algumas células epiteliais resultam da descamação normal de células velhas; outras representam lesão epitelial
por processos inflamatórios ou doenças renais. Costumam ser encontrados três tipos: escamosas - são as mais
frequentes e com menor significado clínico, originadas do revestimento vaginal, uretra feminina e das porções
Células epiteliais
inferiores da uretra masculina; - transicionais ou caudadas - originadas do cálice e pelve renais, ureter e bexiga.
Se a descamação é normal, encontram-se em pequena quantidade na urina, mas aumentam após cateterização e
outros procedimentos de instrumentação do trato urinário. Podem também ocorrer no carcinoma renal.
Proteína fibrilar produzida pelo epitélio tubular renal e pelo epitélio vaginal. Não é clinicamente significativo, mas o
Muco
aumento costuma ser associado à contaminação vaginal.
Fonte: Birch, 2001.

Exame de urina de 24 horas

Quando o sangue passa pelos capilares glomerulares, ocorre o processo de filtração,


gerando, em condições normais, cerca de 170 L de ultrafiltrado a cada 24 horas. À
medida que esse ultrafiltrado flui pelos túbulos renais, sua composição vai se alterando
graças à adição e à reabsorção de substâncias. Como resultado final, é produzido
cerca de 1,2 a 1,5 L de urina a cada 24 horas. Ainda que a filtração e a função tubular
sejam contínuas ao longo do tempo, a composição da urina final pode variar de um

47
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

momento a outro, na dependência das necessidades de adaptação do organismo em


relação ao metabolismo, atividade física e condições ambientais. Algumas substâncias
apresentam variações diurnas regulares, como as catecolaminas, os 17-hidroxi-
esteroides e os eletrólitos, cuja concentração é mais baixa no início da manhã e maior
à tarde, caracterizando o que se denomina ritmo circadiano. Além disso, em condições
habituais, os rins excretam de 2 a 3 vezes mais volume de urina durante o dia do que
durante a noite.

Quando a concentração de determinada substância a ser medida na urina se altera


em razão das atividades diárias, da alimentação e do metabolismo corporal, a coleta
de urina por 24 horas se faz necessária. Contudo, se a concentração da substância
se mantém relativamente constante, a amostra de urina pode ser coletada por um
período mais curto, e o resultado extrapolado para 24 horas (SBPC/ML, 2014).

Exames de sorologia e doenças infecciosas

Vírus da imunodeficiência humana (HIV)

O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um retrovírus que infecta as células


do sistema imunológico e pode destruir ou danificar sua função. Com a evolução
da doença, o sistema imunológico torna-se mais frágil, deixando o indivíduo mais
suscetível a infecções. O estágio mais avançado da infecção pelo HIV é a AIDS. É
comum que um indivíduo infectado pelo HIV leve anos para desenvolver AIDS. Drogas
antirretrovirais podem retardar, e vacinas específicas estão em fase de pesquisa/
validação (SBPC, 2014).

A maioria das infecções pelo HIV-1 ocorre através das mucosas do trato genital ou
retal durante a relação sexual. Nas primeiras horas após a infecção pela via sexual, o
HIV e células infectadas atravessam a barreira da mucosa, permitindo que o vírus se
estabeleça no local de entrada e continue infectando linfócitos T CD4+ (T CD4+), além
de macrófagos e células dendríticas (células de defesa).

Após a transmissão do vírus, há um período de aproximadamente 10 dias,


denominado de fase eclipse G (do inglês, eclipse phase), antes que o RNA viral seja
detectável no plasma. Estudos que utilizaram técnicas avançadas de sequenciamento
genético das primeiras partículas virais detectadas no plasma permitiram demonstrar
que aproximadamente 80% das infecções sexuais pelo HIV-1 dos subtipos B e C são
iniciadas por um único vírus. A homogeneidade do vírus, dito fundador, indica que
o estabelecimento da infecção é resultado de um único foco de linfócitos T CD4+
infectados da mucosa. A replicação viral nesse local é auxiliada, em parte, pela resposta

48
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

imunológica inata que encaminha uma quantidade adicional de células T suscetíveis


ao foco da infecção (WERSOM, 2013).

A partir dessa pequena população de células infectadas, o vírus é disseminado


inicialmente para os linfonodos locais e depois sistemicamente e em número
suficiente para estabelecer e manter a produção de vírus nos tecidos linfoides, além
de estabelecer um reservatório viral latente, principalmente em linfócitos T CD4+ de
memória. A replicação viral ativa e a livre circulação do vírus na corrente sanguínea
causam a formação de um pico de viremia por volta de 21 a 28 dias após a exposição
ao HIV. Essa viremia está associada a um declínio acentuado no número de linfócitos
T CD4+ (WERSOM, 2013).

Na fase de expansão e disseminação sistêmica, há a indução da resposta imunológica,


mas essa é tardia e insuficiente em magnitude para erradicar a infecção. A ativação
imune, por outro lado, produz uma quantidade adicional de linfócitos T CD4+
ativados que servem de alvo para novas infecções. Ao mesmo tempo, o número
crescente de linfócitos T CD8+ (T CD8+) exerce um controle parcial da infecção, mas
não o suficiente para impedir, em ausência de terapia, a lenta e progressiva depleção
de linfócitos T CD4+ e a eventual progressão para AIDS.

A ativação de linfócitos T citotóxicos CD8+ específicos (TC CD8+) contra o HIV ocorre
normalmente antes da soroconversão. O aparecimento de uma resposta imune celular
HIV-específica e a subsequente síntese de anticorpos anti-HIV levam a uma queda da
carga viral plasmática (viremia) – até um nível (set point) que é específico de cada
indivíduo – e à cronicidade da infecção pelo HIV (WERSOM, 2013).

A resposta imune mediada por células é mais importante do que a resposta imune
humoral no controle da replicação viral durante a infecção aguda, mas os anticorpos
têm um papel relevante na redução da disseminação do HIV na fase crônica da
infecção. A resposta imunológica humoral contra vários antígenos virais é vigorosa. A
maioria das proteínas do HIV é imunogênica, mas uma resposta de anticorpos precoce
e preferencial é induzida contra glicoproteínas do envelope, gp120 e gp41, e contra a
proteína do core/capsídeo viral, a p24 (WERSOM, 2013).

Como em qualquer outra infecção viral, a primeira classe de anticorpo produzida


durante uma resposta primária é a imunoglobulina M (IgM). Devido à persistência do
HIV, nosso organismo é continuamente exposto aos mesmos antígenos e a produção
inicial de IgM é substituída pela produção de imunoglobulina G (IgG). Entretanto, ao
contrário de outras doenças infecciosas, a presença da IgM não permite diferenciar
uma infecção recente de uma infecção crônica, tendo em vista que a IgM pode
reaparecer em outros momentos durante o curso da infecção. A IgG anti-HIV atinge

49
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

níveis séricos elevados e persiste por anos, enquanto os níveis séricos de IgM tendem a
desaparecer com o tempo ou apresentar padrão de intermitência.

É observado um aumento da afinidade do anticorpo pelo antígeno, ou seja, os


anticorpos de baixa afinidade que são produzidos no início da resposta humoral são
pouco a pouco substituídos por anticorpos de alta afinidade. Esse é um fenômeno que
acontece devido à ocorrência de mutações somáticas em determinadas regiões (hot
spots) dos genes que codificam a imunoglobulina (Ig). Essas mutações ocorrem ao
acaso e o aparecimento de clones de linfócitos B com maior especificidade antigênica
é o resultado de um processo de seleção positiva decorrente dessas mutações. Essa
característica de aumento de afinidade (ou avidez), juntamente com o aumento
da concentração sérica de anticorpos específicos anti-HIV durante a fase inicial
da resposta imune humoral, é a base racional para o desenvolvimento de testes
laboratoriais que classificam a infecção em recente ou crônica (WERSOM, 2013).

Figura 6. Estrutura do vírus HIV.

Proteínas de
envelope gp120 Cápsula proteica p24
gp160
Proteínas
Proteínas de
matriz p17
envelope gp41

Transcriptase reversa

RNA
Membrana lipídica

Fonte: https://www.science20.com/erin039s_spin/hiv_halted_plants.

As estratégias de testagem em laboratório têm o objetivo de melhorar a qualidade


do diagnóstico da infecção recente pelo HIV e, ao mesmo tempo, fornecer uma base
racional para assegurar que o diagnóstico seja seguro e concluído em tempo hábil.

Para construir a base lógica desses fluxogramas, empregamos como referência a


classificação de Fiebig, ou seja, um sistema de estagiamento laboratorial da infecção
recente pelo HIV. Os ensaios de terceira geração permitiram a detecção de IgM e IgG e
representaram um avanço no diagnóstico da infecção recente pelo HIV, porém, novas
tecnologias foram desenvolvidas, como, por exemplo, os testes de quarta geração que

50
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

possibilitam a detecção combinada de antígeno e anticorpo, permitindo diminuir


ainda mais o período de janela diagnóstica do HIV.

Os testes de 3ª e 4ª gerações são mais sensíveis do que os testes confirmatórios


convencionais (Western blot - WB, Imunoblot - IB, ou Imunoblot Rápido - IBR),
tornando fluxogramas com essa composição de ensaios inadequados para a detecção
de infecções recentes e de baixo custo-efetividade. Por essa razão, testes moleculares
empregados como testes confirmatórios são mais adequados para o diagnóstico de
infecções agudas e/ou recentes.

Por outro lado, existem indivíduos, chamados de controladores de elite, que mantêm a
viremia em um nível que pode ser indetectável em testes moleculares. Nesses casos, o
diagnóstico só pode ser realizado mediante a utilização dos testes confirmatórios WB,
IB e IBR citados.

A estimativa do número de indivíduos considerados controladores de elite G depende


de dois parâmetros: o valor da carga viral e o tempo em que o indivíduo permanece
com a carga viral abaixo (ou igual) a esse valor. Estudos recentes em indivíduos
infectados e em doadores de sangue sugerem que a ocorrência de controladores de
elite não é superior a 1% dos indivíduos diagnosticados.

É importante observar que, em fluxogramas que utilizam testes moleculares para


confirmação, indivíduos controladores de elite e indivíduos não infectados, porém,
com resultado falso-positivo no teste de triagem, terão resultado igualmente negativo
no teste molecular. A distinção entre essas duas situações se dará por meio da
realização de testes como o WB ou IB ou IBR.

Diante dessa diversidade de cenários, não é possível a utilização de apenas um


fluxograma para cobrir todas as situações que se apresentam para o diagnóstico da
infecção pelo HIV. Assim, casos de infecção recente são melhor identificados com a
utilização de um teste de 4ª geração, como teste de triagem, e um teste molecular,
como teste confirmatório, enquanto os controladores de elite são facilmente
identificados com IE de 3ª ou 4ª geração e um WB como teste confirmatório.

Indivíduos na fase crônica da infecção são identificados com sucesso com qualquer
combinação de testes de triagem (3ª ou 4ª geração), seguido por um teste
confirmatório (WB ou teste molecular). Na realidade, esses indivíduos constituem a
maioria (> 95%) dos casos diagnosticados (WERSOM, 2013).

51
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Figura 7. Marcadores da infecção pelo HIV na corrente sanguínea, de acordo com o período que surgem após a

infecção, seu desaparecimento ou manutenção ao longo do tempo.

marcadores no plasma
Concentração dos

Semanas de infecção

Fonte: Buttò; Suligoi; Fanales-Belasio, 2010.

A estimativa dos casos de infecçãoSemanas


recente de
ou infecção
aguda que se apresentam para o
diagnóstico depende da incidência da infecção. Por exemplo, em populações em
que a incidência é baixa, o número de casos com infecção recente ou aguda é muito
pequeno. O inverso ocorre em populações de risco acrescido, em que a incidência é
alta e a probabilidade de casos com infecção recente ou aguda é significativa. Portanto,
a escolha do fluxograma deve levar em consideração a população-alvo da testagem, a
fim de maximizar as chances de diagnosticar infecções recentes e/ou agudas. Os testes
para detecção da infecção pelo HIV são principalmente empregados em três situações:

» para triagem sorológica do sangue doado e garantia da segurança do


sangue, hemoderivados e órgãos para transplante;

» para os estudos de vigilância epidemiológica;

» para realizar o diagnóstico da infecção pelo HIV.

Logo após a descoberta do HIV, foram desenvolvidos imunoensaios (IE) para


o diagnóstico da infecção. Nas últimas décadas, quatro gerações de IE foram
desenvolvidas. Essas gerações foram definidas de acordo com a evolução das
metodologias empregadas, a partir do primeiro ensaio disponível comercialmente, no
ano de 1985.

Os testes rápidos (TR) são imunoensaios (IE) simples, que podem ser realizados em
até 30 minutos. Por essas características, serão tratados aqui pela denominação de
“testes rápidos”. Como consequência do desenvolvimento e da disponibilidade de
testes rápidos, o diagnóstico do HIV atualmente pode ser realizado em ambientes
laboratoriais e não laboratoriais, permitindo ampliar o acesso ao diagnóstico. Existem

52
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

vários formatos de TR, e os mais frequentemente utilizados são: dispositivos (ou tiras)
de imunocromatografia (ou fluxo lateral), imunocromatografia de dupla migração
(DPP), dispositivos de imunoconcentração e fase sólida (WERSOM, 2013).

Hepatites virais

Hepatite é um termo genérico que significa inflamação do fígado. Pode ser causada
por medicamentos, doenças autoimunes, metabólicas e genéticas, álcool, substâncias
tóxicas e vírus. As hepatites virais são causadas por vírus hepatotrópicos designados
por letras do alfabeto (vírus A, vírus B, vírus C, vírus D e vírus E). A doença tem
um amplo espectro clínico, que varia desde formas assintomáticas, anictéricas,
ictéricas típicas, até a insuficiência hepática aguda grave (fulminante). A maioria
das hepatites virais agudas é assintomática, independentemente do tipo de vírus.
Quando apresentam sintomatologia, são caracterizadas por fadiga, mal-estar, náuseas,
dor abdominal, anorexia e icterícia. A hepatite crônica, em geral, cursa de forma
assintomática; as manifestações clínicas aparecem quando a doença está em estágio
avançado, com relato de fadiga, exame clínico evidenciando hepatoesplenomegalia,
ou, ainda, cirrose. O diagnóstico inclui a realização de exames laboratoriais, a fim de
caracterizar a doença e sua gravidade (RICARDO, 2009).

As hepatites virais estão incluídas na lista de doenças de notificação compulsória


e, portanto, os profissionais de saúde têm papel relevante na notificação e no
acompanhamento das pessoas portadoras, sintomáticas ou não. Para que possam
exercer tal papel, é necessário que esses profissionais estejam aptos a identificar casos
suspeitos, solicitar exames laboratoriais adequados e realizar o encaminhamento dos
casos indicados a serviços de referência (RICARDO, 2009).

Hepatite A

O vírus da hepatite A (VHA) é um vírus de RNA e pertence à família dos picornavírus.


O vírus apresenta um cápside constituído por 4 proteínas diferentes que conferem
uma estrutura imunodominante à superfície da partícula viral, fortemente conservada
entre todos os genótipos. Após a vacinação ou uma infecção natural, a resposta
imunológica é dirigida contra essa estrutura.

O vírus da hepatite A encontra-se presente nas fezes e sua transmissão é oral-fecal, por
infecção direta ou através de objetos contaminados.

As formas clínicas existentes são: hepatite A aguda e fulminante. Na maioria dos casos,
a hepatite A é uma doença autolimitada e de caráter benigno, sendo que a insuficiência

53
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

hepática aguda grave ocorre em menos de 1% dos casos. Esse percentual é maior em
pacientes acima de 65 anos (RICARDO, 2009).

Identificação de marcadores sorológicos para a hepatite A:

» Anti-HAV IgM: primeiro marcador a ser solicitado na suspeita clínica


de infecção pelo vírus da hepatite A. Identifica-se como o anticorpo
específico para a hepatite A, sendo encontrado no soro de todos os
indivíduos infectados recentemente. Representa o marcador da fase
aguda da infecção. Torna-se positivo no início do quadro clínico,
desaparecendo após três meses (RICARDO, 2009).

» Anti-HAV IgG: refere-se ao anticorpo indicativo de infecção passada,


em relação ao vírus da hepatite A. Está presente na fase de convalescença
e na resposta vacinal; persiste indefinidamente. O anti-HAV total
determina a presença de anticorpos tanto da classe IgM quanto da classe
IgG. Por isso, ao receber como resultado o anti-HAV total reagente, é
importante solicitar o anti-HAV IgM para definir se o indivíduo se
encontra na fase aguda da doença (RICARDO, 2009).

» Marcador de triagem da infecção: na suspeita de infecção pelo


vírus da hepatite o marcador anti-HAV IgM deve ser solicitado para o
diagnóstico inicial.

Em indivíduos coinfectados (VHB/VHC e VHB/HIV, VHC/HIV) ou portadores


das hepatites B ou C, deve-se solicitar o anti-HAV IgG. Se o resultado for não
reagente, deverá ser indicada a vacina contra a hepatite A.

Cenário dos resultados sorológicos

» Fase aguda:

› Anti-HAV IgM ⇒ Positivo.

› Anti-HAV total ⇒ Positivo.

» Imunidade (contato prévio com o vírus ou resposta vacinal):

› Anti-HAV IgM ⇒ Negativo.

› Anti-HAV total ⇒ Positivo.

› Anti-HAV IgG ⇒ Negativo.

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EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

» Indivíduo suscetível:

› Anti-HAV IgM ⇒ Negativo.

› Anti-HAV Total ⇒ Negativo.

Hepatite B

É uma doença infecciosa causada pela infecção com o vírus da hepatite B (VHB). O
vírus pertence à família Hepdnaviridae e é constituído por DNA de fita dupla. Possui
trofia/afinidade pelos hepatócitos (células do fígado) e apresenta como principal via
de transmissão o contato íntimo (sexual), seguida da vertical (de mãe para filho), por
contato com fluídos corporais e sangue pelas vias parenteral e percutânea (RICARDO,
2009).

Evolução clínica

Aproximadamente 30% dos indivíduos infectados apresentam a forma ictérica da


doença.

» A infecção aguda ocorre em cerca de 1% em menores de um ano; 10%


entre um e cinco anos e 30% nos casos de infecções tardias.

» A infecção crônica (persistência do vírus por mais de seis meses)


apresenta como o principal determinante da cronificação, a idade na
qual ocorre a infecção pelo vírus:

› casos de adultos infectados correspondem de 5% a 10%;

› casos de crianças infectadas entre 1 e 5 anos correspondem de 20% a


25%;

› casos de recém-nascidos:

· com evidências de replicação viral: 70% a 90%;

· sem evidências de replicação viral: 10% a 40%.

Identificação de marcadores sorológicos para a hepatite B

» Marcadores de triagem da infecção:

› HBsAg e anti-HBc total: marcadores solicitados na suspeita de


infecção pelo vírus da hepatite B para o diagnóstico inicial.

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UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

» Marcadores de acompanhamento da infecção:

› HBsAg: primeiro marcador sorológico a aparecer na infecção aguda,


em torno de quatro semanas após a exposição ao vírus, declinando a
níveis indetectáveis em até 24 semanas.

› Anti-HBc total: utilizado na triagem para a hepatite B por detectar


tanto o anticorpo IgG quanto o anticorpo IgM. O anti-HBc total
determina a presença de anticorpos tanto da classe IgM quanto da
classe IgG. Por isso, diante do anti-HBc total positivo, é importante
definir se esse resultado é devido aos altos títulos de IgG (imunidade
por infecção passada) ou aos altos títulos de IgM (fase aguda).

› Anti-HBc IgM: marcador de infecção recente, encontrado no soro


até 32 semanas após a infecção. No entanto, esse marcador pode estar
presente na fase crônica quando ocorrer reagudização da infecção.

› Anti-HBc IgG: é o marcador de infecção passada que caracteriza


o contato prévio com o vírus, permanecendo por toda a vida nos
indivíduos que tiveram infecção pelo vírus da hepatite B.

› HBeAg: caracteriza a fase de replicação viral e, quando reagente,


indica alta infecciosidade. Anti-HBe surge após o desaparecimento do
HBeAg e indica o fim da fase de replicação viral.

› Anti-HBs: anticorpo contra o antígeno de superfície do vírus da


hepatite B, é o único que confere imunidade contra o VHB. Esse
marcador está geralmente presente entre a primeira e a décima
semana após o desaparecimento do HBsAg, e indica imunidade ativa
(contato prévio com o vírus ou resposta vacinal). Também é detectado
na imunidade passiva (uso da imunoglobulina anti-hepatite B ou
transferência de anticorpos maternos durante a gestação) (RICARDO,
2009).

Cenário dos resultados sorológicos

O diagnóstico sorológico da hepatite B envolve a avaliação de antígenos e anticorpos.


Por meio da combinação desses marcadores, é possível determinar as diferentes fases
da infecção e se o paciente está imune ou suscetível (RICARDO, 2009).

» Indivíduo suscetível*:

› HBsAg ⇒ Negativo.

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EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

› Anti-HBc total ⇒ Negativo.

› Anti-HBs ⇒ Negativo.

*Indivíduos que apresentam os marcadores acima todos negativos são indicados para
vacinação, de acordo com as normas do Programa Nacional de Imunização (PNI).

Os perfis sorológicos atípicos podem ser detectados no curso da infecção pelo VHB.
Tais circunstâncias necessitam da avaliação de um especialista (hepatologista ou
infectologista) (RICARDO, 2009).

Imunidade

» Imunidade por contato prévio com o vírus:

› HBsAg ⇒ Negativo.

› Anti-HBc total ⇒ Positivo.

› Anti-HBs ⇒ Positivo.

» Imunidade por resposta vacinal:

› HBsAg ⇒ Negativo.

› Anti-HBc Total ⇒ Negativo.

› Anti-HBs ⇒ Positivo.

» Infecção aguda:

› HBsAg ⇒ Positivo.

A presença do marcador HBsAg indica que a pessoa está infectada pelo vírus da
hepatite B.

» Anti-HBc Total* ⇒ Positivo.

» Anti-HBc IgM ⇒ Positivo.

» Anti-HBs ⇒ Negativo.

* Altos títulos de IgM.

» Fase aguda final - (Convalescência):

› HBsAg ⇒ Positivo ou Negativo.

57
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Nessa fase, ainda podem ser encontrados resíduos desse marcador sorológico,
presente na fase aguda.

› Anti-HBc IgM ⇒ Positivo ou Negativo.

Refere-se a um marcador de infecção aguda. Nessa fase, esse marcador ainda pode ser
encontrado. Faz-se imprescindível o acompanhamento do quadro clínico.

› Anti-HBc Total ⇒ Positivo.

› Anti-HBs ⇒ Positivo ou Negativo.

› HBeAg ⇒ Negativo.

› Anti-HBe ⇒ Positivo.

» Infecção crônica:

› HBsAg ⇒ Positivo.

› Anti-HBc Total ⇒ Positivo.

› Anti-HBc IgM ⇒ Negativo ou Positivo (reagudização).

› HBeAg* ⇒ Positivo.

› Anti-HBe ⇒ Negativo ou Positivo.

* Em pacientes infectados por cepas com mutação pré-core (não produtoras da


proteína “HBeAg”), esse marcador apresenta-se negativo. Nesse caso, recomenda-
se avaliar a carga viral do VHB, utilizando testes de biologia molecular (RICARDO,
2009).

» Infecção passada:

› HBsAg ⇒ Negativo.

Em uma infecção passada, ocorre o desaparecimento total desse marcador sorológico.

› Anti-HBs ⇒ Positivo.

› Anti-HBc IgM ⇒ Negativo.

› Anti-HBc total ⇒ Positivo.

› HBeAg ⇒ Negativo.

› Anti-HBe ⇒ Positivo.

58
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

Hepatite C

A hepatite C é causada pela infecção do vírus RNA da família Flaviviridae, possuindo


um invólucro proteico.

A prevalência da infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) no Brasil é cerca de 2%, e há


profissionais que consideram desnecessária a realização do exame para detectá-lo, pelo
menos em determinadas circunstâncias. Sua transmissão ocorre pelo sangue infectado,
principalmente pela via parenteral, sendo a transmissão sexual e vertical (da mãe para
o filho) pouco frequente. São consideradas populações de risco acrescido: indivíduos
que receberam transfusão de sangue e/ou hemoderivados antes de 1993; usuários
de drogas injetáveis (cocaína, anabolizantes, complexos vitamínicos), inaláveis
(cocaína) ou pipadas (crack); pessoas que compartilham ou utilizam instrumentos não
esterilizados para aplicação de piercings, tatuagem, manicure e objetos para higiene
pessoal (escovas de dentes, lâminas de barbear e de depilar etc.) (RICARDO, 2009).

Evolução clínica

O portador do vírus da hepatite C pode desenvolver uma forma crônica da doença que
leva a lesões no fígado (cirrose) e câncer hepático. O quadro crônico evolui de 70% a
85% dos casos, sendo que, em média, de um quarto a um terço desses podem evoluir
para formas histológicas graves ou cirrose no período de 20 anos, caso não haja
intervenção terapêutica (RICARDO, 2009).

Identificação de marcadores sorológicos para a hepatite C

» Marcador de triagem na suspeita de infecção:

› Anti-HCV: marcador solicitado na suspeita de infecção pelo vírus


da hepatite C. Quando encontrado no soro dos indivíduos suspeitos
de infecção pelo vírus da hepatite C, esse anticorpo não define se a
infecção é aguda ou crônica (RICARDO, 2009).

Fase aguda

São considerados casos de hepatite C aguda aqueles em que o indivíduo apresentou


mudança documentada no perfil sorológico (soroconversão), isto é: anti-HCV
negativo na primeira testagem e anti-HCV positivo na segunda, realizada após 90 dias
(RICARDO, 2009).

» 1ª testagem: Anti-HCV ⇒ Negativo

» 2ª testagem: Anti-HCV* ⇒ Positivo


59
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Para confirmar a infecção pelo vírus da hepatite C, deve-se realizar o teste de biologia
molecular qualitativo: HCV-RNA.

» Fase crônica:

› Anti-HCV ⇒ Positivo.

Hepatite D ou Delta

Doença causada pela infecção com o vírus da hepatite D (vírus Delta ou VHD). O
vírus da hepatite D (VHD) é um vírus defectivo, que precisa do HBsAg para realizar
sua replicação. Devido à sua dependência funcional em relação ao vírus da hepatite B,
o vírus Delta tem mecanismos de transmissão idênticos aos do VHB. A transmissão
ocorre pelo contato com sangue por via parenteral e percutânea, por fluidos corporais
e pela via sexual (RICARDO, 2009).

A evolução clínica pode apresentar-se como infecção assintomática ou como formas


graves. É a principal causa de cirrose hepática em crianças e adultos jovens em áreas
endêmicas da região amazônica do Brasil. A forma aguda implica maior gravidade
e pode apresentar-se na forma fulminante, com mortalidade de 2 a 20%. Há a
possibilidade de cronificação da infecção em cerca de 5% dos casos na coinfecção e
de 50% a 70% na superinfecção, sendo que, desses, 60% a 70%, desenvolvem cirrose
(RICARDO, 2009).

Hepatite E

Doença aguda causada pela infecção com o vírus da hepatite E. O vírus da hepatite
E (HEV) é um vírus constituído de RNA, sem invólucro, de forma esférica, medindo
de 27 a 34 nm. A transmissão fecal-oral, por contato inter-humano ou por meio de
água e alimentos contaminados pelo vírus da hepatite E. Quanto à evolução clínica, na
maioria dos casos, a hepatite E é uma doença autolimitada e pode apresentar formas
clínicas graves, principalmente em gestantes. É mais comum em países da Ásia e
África (RICARDO, 2009).

Sífilis

Doença sexualmente transmissível causada por Treponema pallidum (refere-se a


uma espécie de bactéria com estrutura espiral do grupo das espiroquetas). Na sífilis
primária os testes VDRL e FTA-ABS (imunofluorescência indireta) positivam-se
depois do cancro duro (lesão sifilítica primária) com sensibilidade de 85%. Na sífilis
secundária, a sensibilidade da sorologia é de 99%. Na sífilis terciária, o VDRL tem
sensibilidade de 70% e o FTA-ABS de 98%.

60
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

O VDRL é um teste não treponêmico utilizado na rotina laboratorial para o diagnóstico


de sífilis. Apresenta baixo custo, atualmente é realizado manualmente e de forma
prática, o método é dependente da visualização humana para obtenção do resultado.
É um teste difundido entre os laboratórios e utilizado em larga escala. As dosagens
quantitativas do VDRL, expressas em títulos, elevam-se até o estágio secundário.
Depois do primeiro ano da doença, os títulos tendem a diminuir, podendo desaparecer
sem a terapêutica específica. A amostra com resultado “reagente” no teste não
treponêmico deve ser submetida ao teste treponêmico (FTA-ABS), preferencialmente
na mesma alíquota sanguínea, para evitar uma nova solicitação, retardando o
diagnóstico e subsequente tratamento. Caso necessário, deve-se repetir em nova
amostra. O teste não treponêmico deve ser realizado no soro puro e na amostra
diluída (1:8) para evitar eventual resultado falso-negativo, decorrente do fenômeno
de prozona. Esse fenômeno pode ocorrer em amostras sorológicas não diluídas e
com altos títulos de anticorpos em 1 a 2% dos pacientes, especialmente no estágio
secundário da doença. Testes treponêmicos utilizam antígenos do T. pallidum por
meio de reações sorológicas de elevada sensibilidade e especificidade entre 96% e 99%,
e que podem ser utilizados como testes confirmatórios no algoritmo convencional e/ou
como triagem no algoritmo alternativo, conforme Portaria CCD no 25, de 18 de julho
de 2011. Os testes treponêmicos permanecem positivos, sendo considerados de cicatriz
sorológica (SBPC/ML, 2014).

Herpes simples 1 e 2

Herpes simples é uma infecção causada pelo vírus herpes humano (HSV 1 e 2) que se
caracteriza pelo aparecimento de pequenas bolhas agrupadas especialmente nos lábios
e nos genitais, mas que podem surgir em qualquer outra parte do corpo.

A sorologia para o herpes vírus simples (HSV) tipo 1 e 2 pode ser realizada de forma
separada ou conjunta e por meio da pesquisa de anticorpos IgM e IgG. Cerca de 90%
da população apresenta anticorpos contra o HSV-1 aos 30 anos de idade. Cerca de
15% a 30% dos adultos com vida sexual ativa apresenta anticorpos contra o HSV-2.
A infecção primária pelo HSV-1 é geralmente assintomática, mas pode determinar
gengivoestomatite acompanhada de sintomas sistêmicos. Cerca de 70% das infecções
genitais pelo herpes vírus são causadas pelo HSV-2 (SBPC/ML, 2014).

A presença de anticorpos IgM nas duas primeiras semanas de vida estabelece o


diagnóstico de infecção congênita, pois na infecção neonatal os anticorpos são
detectados de duas a quatro semanas após a infecção. Em outras fases da vida, a
detecção de IgM pode estar presente ou não nas recorrências. Em caso de quadro
clínico sugestivo, recomenda-se a coleta de duas amostras: uma na fase aguda e outra

61
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

após 15 dias, onde a elevação do título de pelo menos duas vezes sugere o diagnóstico
(SBPC/ML, 2014).

Mononucleose

A infecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV) é extremamente comum. Nos adolescentes


e adultos jovens, a infecção primária é caracterizada pelo quadro de mononucleose
infecciosa. É transmitido pela saliva contaminada em um contato íntimo entre as
pessoas, por isso, também é conhecida como “doença do beijo”. O EBV pertence à
família Herpesviridae, infectando células epiteliais da nasofaringe e linfócitos B que
espalha o vírus pelo organismo. Cerca de 90% dos infectados evoluem para infecção
crônica e complicações podem estar associadas ao EBV. Dos anticorpos contra antígenos
específicos do EBV, os que agregam maior valor diagnóstico são os contra o capsídeo
viral (VCA – estrutura do vírus), com sensibilidade de 95% a 100% e especificidade de
86% a 100% nos episódios de mononucleose aguda. Anticorpos anti-VCA IgG e IgM
tornam-se rapidamente positivos de 1 a 2 semanas de infecção. A presença de IgM anti-
VCA usualmente indica infecção aguda pelo EBV, entretanto, infecção aguda por outros
herpes vírus podem causar produção de IgM anti-VCA por células que apresentam
infecção latente pelo EBV. Falsos-positivos de IgM anti-VCA também são citados em
outras infecções recentes (toxoplasmose e adenovírus) e na presença de autoanticorpos.
Nos quadros de reativação, a IgM anti-VCA pode ser negativa. Resultados negativos
podem ocorrer devido à natureza transitória do IgM. O IgM anti-VCA persiste por 4 a 8
semanas, persistindo por toda a vida (SBPC/ML, 2014).

A PCR é um dos métodos mais sensíveis para a detecção do genoma viral. A PCR no
plasma, em conjunto com o painel de sorologia, é útil como teste confirmatório da
infecção, uma vez que parte dos pacientes não apresenta anticorpos heterofílicos e a
IGM VCM (anticorpo de fase aguda) tem caráter transitório (SBPC/ML, 2014).

Em pacientes HIV positivos com linfadenopatia generalizada persistente, a


presença de DNA do EBV sérico apresenta risco aumentado do desenvolvimento de
linfoma. A detecção do EBV DNA no liquor é uma abordagem prática e alternativa
à sorologia ou à cultura para pacientes com complicações no SNC (sistema nervoso
central), que ocorre em 1% dos casos, podendo ser a única manifestação clínica da
infecção pelo EBV.

No liquor, a PCR positiva em pacientes com AIDS e lesões focais cerebrais é um forte
indicador de linfoma cerebral. O DNA do EBV pode ser encontrado em tecidos de
diversos tumores malignos e benignos, incluindo linfomas, carcinomas nasofaríngeo e
carcinomas gástricos (SBPC/ML, 2014).

62
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

Citomegalovírus (CMV)

É um vírus do grupo herpes, que causa latência após a infecção primária e pode
reativar a replicação nas situações de quedas do sistema imunológico, como em
indivíduos transplantados de órgãos, AIDS e situações estressantes, como impactos
emocionais.

Em adultos saudáveis, o citomegalovírus (CMV) normalmente é assintomático ou


pode determinar quadro clínico autolimitado semelhante à mononucleose infecciosa.
O citomegalovírus (CMV) é considerado a maior causa de infecção congênita, podendo
ainda causar quadros graves em imunodeprimidos. Cerca de 85% da população adulta
é soropositiva.

Os anticorpos IgM podem surgir até duas semanas após o início do quadro clínico.
Caso a amostra seja coletada precocemente, deve-se repeti-la após 15 dias, para
afastarmos infecção pelo CMV na presença de quadro clínico suspeito.

A presença de anticorpos anti-CMV IgG pode indicar infecção passada ou recente.


Recoleta na convalescença (após 15 dias) pode evidenciar viragem sorológica ou
aumento de 4 vezes ou mais na convalescença, em relação ao soro coletado na fase
aguda (SBPC/ML, 2014).

Rubéola

É uma doença exantemática aguda, de etiologia viral da família Rubivirus, que


apresenta alta contagiosidade, acometendo principalmente crianças. Sua importância
epidemiológica está representada pela possibilidade de ocorrência da síndrome da
rubéola congênita, atingindo os recém-nascidos e os fetos de mães infectadas durante
a gestação, acarretando diversas complicações, como: abortos, natimortos, surdez e
cardiopatias congênitas.

Os anticorpos IgM tornam-se positivos de 1 a 3 dias após início da doença, sendo


detectável de 2 a 12 meses. Reações falso-positivas para IgM podem ocorrer em
pacientes com mononucleose infecciosa, infecções por parvovírus e vírus coxsackie B. A
IgG torna-se positiva a partir de 3 a 4 dias de doença, permanecendo indefinidamente.
IgG de baixa avidez está presente por até 3 meses, sendo a partir de então detectado
IgG de alta avidez.

Anticorpos IgG positivo podem representar imunidade ao vírus, em virtude da


vacinação (SBPC/ML, 2014).

63
CAPÍTULO 2
Patologias endócrinas e respectivos
exames laboratoriais

Visão geral do transporte de lipídios

Definição, composição e estrutura das


lipoproteínas

Os lipídios são substâncias orgânicas caracterizadas pela insolubilidade no meio


aquoso. São representados, principalmente, pelos ácidos graxos livres (AGL),
isto é, não esterificados, triglicérides (TG), fosfolipídios (FL), colesterol livre (não
esterificado) (CL) e colesterol esterificado (CE). Embora o colesterol seja quimicamente
classificado como um álcool, esse é altamente solúvel em gorduras, principalmente na
sua forma esterificada, conjugado com AGL.

Os lipídios são importantes fornecedores de energia ao organismo. Atuam ainda


como precursores da síntese de hormônios, vitaminas e componentes da bile e das
membranas celulares, além de serem sinalizadores de várias reações bioquímicas
intracelulares.

As lipoproteínas (LP) constituem agregados macromoleculares de lipídios e proteínas


que promovem o transporte dos lipídios na circulação linfática, interstício celular
e sangue. Os AGL são transportados principalmente pela albumina, cujo núcleo
hidrofóbico pode acumular de 4 a 6 moléculas de AGL. As LP são formadas por um
núcleo hidrofóbico que contém moléculas de lipídios neutros, como CE e TG, além de
vitaminas lipossolúveis e uma superfície hidrofílica na qual se inserem as moléculas
de CL, FL e apolipoproteínas (apoLP). O extremo polar da molécula CL (representado
pelo radical OH-) interage com a superfície aquosa, e o restante da molécula, por sua
natureza hidrofóbica, insere-se entre as moléculas de FL e apoLP. Por sua natureza
anfipática, os FL intermedeiam a ligação entre o núcleo hidrofóbico da LP e o meio
aquoso adjacente.

Diversas apoLP formam a superfície das LP, garantindo-lhes solubilidade e arcabouço


estrutural, bem como direcionamento metabólico. Essas apoLP possuem alças
hidrofóbicas, que penetram parcialmente no núcleo lipídico, e alças hidrofílicas
assentadas sobre a superfície da LP. A interação dos lipídios com zonas – ou domínios

64
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

– específicas das apoLP acontece, em geral, por meio de pontes de hidrogênio. Na


grande maioria das vezes, tal associação não covalente se dá no momento da tradução
da proteína no retículo endoplasmático, garantindo íntima associação entre proteínas
e lipídios (QUINTÃO, 2011).

Como se classificam as lipoproteínas

As LP são classificadas em cinco tipos principais, de acordo com sua composição em


lipídios e apoLP, o que, em última instância, caracteriza partículas com composição,
densidade, carga elétrica, conformação e tamanhos diferentes. Isso permite sua
separação por diversos procedimentos, inclusive por ultracentrifugação, visto que
quanto maior a proporção lipídica, principalmente como TG, menor a densidade, e
quanto maior a fração proteica, maior a densidade. A densidade de TG puro é próxima
a 0,9 /mL, o que confere flutuação na água.

Os quilomícrons (QM) são as maiores partículas, com aproximadamente 1 µm de


diâmetro (cerca de 1/7 do diâmetro de uma hemácia) e densidade inferior a 1,006g/
mL. Caracterizam-se por conteúdo elevado de TG advindo da dieta, além de colesterol
dessa e da absorção biliar, e vitaminas lipossolúveis. Seu conteúdo em FL decorre da
sua síntese nos enterócitos, além da dieta e absorção da bile. Esses dois últimos são
modificados por fosfolípases intestinais e pancreáticas (QUINTÃO, 2011).

As VLDL (very low density lipoprotein) ou LP de densidade muito baixa são partículas
também grandes, porém, um pouco menores do que os QM, mas igualmente leves,
de forma a serem isoladas em densidade inferior a 1,006g/mL. A separação entre
QM e VLDL depende do tempo de ultracentrifugação, visto que os QM flutuam mais
rapidamente do que as VLDL. Outros métodos são mais eficazes para separá-los,
notadamente gel de filtração e vários tipos de eletroforese, utilizando a propriedade da
diferença de cargas elétricas entre as partículas.

A seguir, encontram-se as LP de densidade intermediárias, ou IDL (intermediate


density lipoprotein), isoladas entre d = 1,006 e 1,019 g/mL, e as LP de densidade baixa
ou LDL (low density lipoprotein), isolada entre d =1,019 e 1,063 g/mL. As LDL são
as principais carregadoras de colesterol na circulação, provendo os tecidos periféricos
com esse.

Proporção menor, cerca de 1/3 do colesterol total do plasma, está presente nas HDL
(high density lipoprotein) ou LP de densidade alta, essas são mais ricas em proteínas,
portanto, com conteúdo lipídico (FL e CE, principalmente) relativamente menor do
que o das demais LP. Por seu menor tamanho e maior densidade, as HDL flutuam

65
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

entre d =1,063 e 1,21 g/mL. As HDL podem, ainda, ser subdivididas em diversas
subfrações, as quais apresentam propriedades metabólicas diferentes (QUINTÃO,
2011).

Principais apolipoproteínas

As apoLP com funções mais conhecidas são representadas pelas famílias das ApoA,
B, C e E. Elas atuam na formação e na exportação das lP pelas células, em seu
reconhecimento por receptores celulares e como cofatores para proteínas e enzimas
envolvidas no metabolismo dos lipídios no plasma e nos tecidos.

As ApoA, notadamente apoA-I, são as principais constituintes das HDL:


removem colesterol celular e possuem ações anti-inflamatórias, antioxidantes,
antitrombogênicas e vasodilatadoras, além de estimularem a captação de glicose e
oxidação dos ácidos graxos (TSOMPANIDI et al., 2010).

As ApoB, sendo a maior a B-100 de VLDL e LDL, e a menor a B-48 dos QM,
são as apoLP estruturais mais importantes por se manterem fixas em suas LP
correspondentes devido ao seu peso molecular muito mais elevado. Apenas uma
molécula de apoB forma as partículas de QM (apoB-48), VLDL, IDL ou LDL (apoB-100,
sendo sua determinação no plasma indicativa do número de partículas potencialmente
aterogênicas). As apoB são reconhecidas principalmente pelos receptores B-E, embora
o grau de afinidade a eles seja determinado primariamente pelas apoE.

No plasma humano, mais de 95% das apoB são formadas por apoB-100 e representam
em pessoas saudáveis aproximadamente 80 mg/dL, tanto em jejum quanto na fase
alimentar. Esse valor mais do que dobra em hiperlipidêmicos (OTOKOZAWA et al.,
2009).

As apoC modulam a enzima lipoproteína lípase (LPL) com a apoC-II, estimulando a


apoCIII e inibindo sua atividade. O equilíbrio na concentração dessas apoLP nas VLDL,
IDL e QM determinam a eficiência de sua metabolização pela LPL e é importante, por
exemplo, na gênese de dislipidemias, como a diabética.

As apoE estimulam a captação de QM, VLDL e LDL por receptores celulares


específicos, principalmente no fígado, mas também no tecido adiposo, muscular e
em macrófagos. Variações no fenótipo de apoE (E-2, E-3 ou E-4) conferem diferentes
faixas de colesterolemia nas populações, em parte, devido à afinidade seletiva pelo
receptor de LDL (B-E), e associam-se ao risco de doença de Alzheimer.

66
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

A apo(a) forma um complexo covalente com a apoB da LDL, chamado Lp (a), que é
pró-aterogênico. Apresenta grande homologia com o plasminogênio, embora sua ação
aterogênica não esteja claramente relacionada aos eventos pró-trombóticos.

Metabolismo das lipoproteínas

A absorção dos lipídios provenientes da dieta, secreção biliar e da descamação da


mucosa intestinal apenas é possível graças à sua solubilização por sais biliares em
estruturas quase esféricas, ou lamelares, denominadas micelas. Essas são agregados
de moléculas anfipáticas, ou seja, sais biliares, cuja região hidrofílica projeta-se para o
interior, enquanto a porção hidrofílica faz contato com o meio aquoso adjacente.

Entre essas moléculas de ácidos biliares (AB), intercalam-se moléculas de colesterol


(advindo da dieta e da secreção hepática), fitoesteróis, ácidos graxos, mono, di e
triglicérides e vitaminas lipossolúveis. Fosfolipídios (FL) advindos da bile também
fazem parte, mas são rapidamente hidrolisados pelas enzimas pancreáticas. Enzimas
do suco pancreático (lípases e esterases) têm acesso facilitado à micela, garantindo a
digestão dos lipídios.

Apenas 50% do colesterol presente na luz intestinal é absorvido passivamente no


duodeno e na porção proximal do jejuno. Mais de 95% dos ácidos biliares conjugados
são absorvidos ativamente no íleo intestinal, sendo transportado pelo sistema porta ao
fígado. Nesse transporte, os ácidos biliares encontram-se conjugados à albumina.

Em uma refeição, a vesícula biliar contrai-se cerca de três vezes, de forma que em 24
horas de 20 a 24g de ácidos biliares e aproximadamente 1g de colesterol são levados à
luz intestinal, a essa quantidade agrega-se o colesterol alimentar (habitualmente entre
0,2 e 0,3 g/dia).

A proteína “Niemann-Pick C1-like1 protein” (NPC1L1), que foi descrita como alvo da
droga redutora da colesterolemia (ezetimiba), é responsável pelo transporte facilitado
do colesterol da luz intestinal para o enterócito (DAVIS; ALTMANN, 2009). No seu
interior, o colesterol é esterificado pela enzima acilcolesterol aciltransferase 2 (ACAT-
2) também denominada SOAT (sterol O acyltransferase) localizada no retículo
endoplasmático (KUSHWAHA et al., 2005).

Absorção de gordura pelo intestino.

A gordura alimentar constitui-se de TG principalmente de cadeia longa, ou


seja, igual ou superior a C:16. Também é composta de aproximadamente 5%
de fosfolipídios. Triglicérides da luz intestinal não atravessam a barreira da

67
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

membrana do enterócito. Eles são parcialmente hidrolisados pelas lípases


gástrica, intestinal e pancreática, formando monoglicérides (2-monogliceróis)
e ácidos graxos. Ambos são absorvidos passivamente na vilosidade intestinal
após ligação com proteínas ligantes de lipídios (lipid binding proteins - LBP) e
resterificados a ácido lisofosfatídico e monoglicérides com produção de di e
triglicérides (NIOT et al., 2009).

Sumário do metabolismo de lipoproteínas

Podemos resumir o metabolismo de lipoproteínas em processos que envolvem o


intestino, o fígado e o órgão-alvo que nos interessa que é a parede da artéria. Abaixo,
segue uma imagem que ilustra esse complexo processo.

Figura 8. Sumário do metabolismo de lipoproteínas.

Macrófago

QM
“Receptores scavenger”
CE
1
Intestino LPL 2 6

QMrem
B-E
LRP

E B-E CL
CE
3
VLDL
Fígado IDL LDL
B-E
5
4 Células periféricas

Fonte: Quintão, 2011.

1. A partir da absorção da gordura alimentar, formam-se os quilomícrons


(QM) no intestino.

2. Na circulação, sofrem hidrólise, principalmente pela LPL,


transformando-se em QM REM.

3. O fígado produz as VLDL, que também sofrem ação das LPL,


transformando-se em VLDLrem (ou IDL) e, posteriormente em LDL.

4. VLDL (em menor proporção), IDL e LDL são recapturadas pelo fígado.

68
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

5. As LDL, fornecem colesterol a todas as células, por meio da interação,


principalmente, com o receptor de alta afinidade, chamado B-E pelo fato
de reconhecer ambas as apoLP.

6. Ao serem modificadas na íntima arterial, por oxidação, glicação ou


ambas, as LDL podem ser captadas por outros receptores chamados
“scavenger”, levando à formação de células espumosas (QUINTÃO,
2011).

Metabolismo celular das lipoproteínas

As LDL são as principais fornecedoras de colesterol para todos os tecidos (à exceção


do cérebro), graças ao seu reconhecimento pelos receptores B-E. Os receptores B-E
são glicoproteínas de superfície celular que desempenham papel determinante na
homeostase corporal do colesterol, graças ao reconhecimento das lipoproteínas que
contêm apoB. Mutações nesses receptores causam a hipercolesterolemia familiar, uma
das formas mais graves de dislipidemias, consequentemente ao prejuízo na remoção
plasmática das LDL.

Os receptores das LDL, ou B-E, encontra-se em envaginações de membrana, em


associação à proteína clatrina. Por ação da enzima colesteril-éster hidrolase ácida, o
colesterol esterificado é hidrolisado a colesterol livre, o qual é biodisponível para as
várias funções celulares.

No meio intracelular, a oxidação do colesterol gera óxidos de colesterol, os quais são


ligantes preferenciais de receptores nucleares que controlam a transcrição de genes
envolvidos no metabolismo celular e plasmático dos lipídios. Particularmente, os
óxidos de colesterol regulam a transcrição dos genes da ACAT, HMG-CoA redutase,
receptor de LDL (B-E) e receptores de HDL (ABCA-1, ABCG-1), de modo a estabelecer
um equilíbrio constante na concentração de lipídios no meio intracelular. Há, todavia,
uma afinidade seletiva dos receptores nucleares aos diferentes tipos de óxidos de
colesterol gerados em sistemas celulares diversos. Em macrófagos arteriais, por
exemplo, o acúmulo inicial de colesterol leva à formação de 22 e 24-OH colesterol,
ligantes de receptor X hepático (LXR) e estimuladores da síntese de receptores de HDL.
Não obstante, a formação gradual de óxidos de colesterol, como o 7-cetocolesterol e
derivados oxigenados na posição 7 associam-se à progressão da lesão aterosclerótica,
com prejuízo no balanço de colesterol celular.

69
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

O excesso de CL nas células é convertido a colesterol esterificado pela ação da


acilcolesterol aciltransferase (ACAT), favorecendo seu armazenamento na forma de
cristal líquido no citosol sob a forma de gotículas (JEON; BLACKLOW, 2005).

Metabolismo celular do colesterol

Vários produtos originam-se ao longo da via de síntese do colesterol, o qual é


metabolizado a ácidos biliares, hormônios esteroides e vitamina D. A síntese de
colesterol – a partir de acetil-CoA ao longo de uma série de reações enzimáticas – é a
principal fonte de colesterol no organismo, sendo pequena a contribuição de colesterol
proveniente da dieta.

A enzima-chave que regula o fluxo ao longo da via metabólica é a β-hidroxi-β-


metilglutaril-coenzima A em ácido mevalônico. De fato, a inibição competitiva da
HMG- CoA em ácido mevalônico. De fato, a inibição competitiva da HMG-CoA
redutase é a base para a terapia farmacológica da hipercolesterolemia pelas estatinas.
Precursores da via de biossíntese do colesterol – como latosterol e desmosterol
–, embora apresentem estrutura muito semelhante ao colesterol total, podem ser
secretados na circulação por sua maior hidrossolubilidade. A concentração sérica
desses compostos é um marcador da síntese corporal de colesterol. O ácido mevalônico
é encontrado na urina devido à sua hidrofilia. Em um defeito raro do metabolismo –
ausência de mevalonato cinase, que provoca dano neurológico –, a excreção urinária é
muito elevada (NEVEN et al., 2007).

Transporte intracelular do colesterol

Nas células dos mamíferos, 60% do colesterol está contido na membrana celular e
representa aproximadamente 30% do conteúdo de lipídios. O retículo endoplasmático
representa apenas 5% do conteúdo de lipídios da célula, os quais correspondem a
5% da quantidade de colesterol celular. Outras organelas celulares têm proporções
intermediárias de colesterol em relação a essas frações celulares. Por sua vez, a
mitocôndria contém mínimas quantidades de colesterol. Essas proporções diferem
nos macrófagos pelo fato de o conteúdo de colesterol esterificado ser variável, podendo
representar a maior parte do colesterol celular e estar sempre presente em vesículas
no citosol.

Na membrana celular, o colesterol é localizado principalmente na face externa. Essa


distribuição é dependente daquela dos fosfolipídios: 75% da fosfatidilcolina e 85%
da esfingomielina celular estão na face externa da membrana, enquanto 80% da

70
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

fosfatidiletanolamina e 96% da fosfatidilserina estão na face da membrana interna


adjacente ao citosol (QUINTÃO, 2011).

Não se conhecem todos os detalhes sobre os mecanismos de transporte de colesterol


dentro das células; há transporte sob a forma de vesículas, como também moléculas
solubilizadas carregadas por transportadores diversos genericamente denominados
“sterol carrier proteins” (SCP) (ATSHAVES et al., 2009). Estimam-se 2.500
desses transportadores por célula. O transporte entre o retículo endoplasmático e a
membrana plasmática é principalmente não vesicular e dependente de ATP.

Uma fonte importante de colesterol celular é representada pela interiorização das LDL
do plasma e sua metabolização via endossomos e lisossomos. Como essas partículas
são pobres em colesterol, deve escapar rapidamente das organelas celulares aquele
proveniente das LDL. Esse transporte para outras organelas celulares envolve duas
proteínas específicas, chamadas Niemann-Pick tipo C1 (NPC1) e tipo 2 (NPC2). Elas
ficaram conhecidas pela existência de mutações específicas, recessivas, que ocasionam
nessas organelas acúmulo de colesterol, tanto aquele advindo das LDL, quanto de
outras membranas plasmáticas. Mitocôndria requer transportadores chamados
“steroidogenic acute regulatory” (StAR) que transfere colesterol para a membrana
interna da mitocôndria na produção de ácidos biliares e hormônios esteroides
(QUINTÃO, 2011).

Proteínas encarregadas do efluxo celular de colesterol são abundantes nos macrófagos


e carregam fosfolipídios dos endossomos para a membrana celular. Esse transporte
é mediado pelo ABCA-1 e pelo ABCG-1 carregando colesterol junto com fosfolipídios
e depende do consumo de ATP, como também de SR-BI (receptor macrofágico).
ABCA-1 e ABCG-1 fazem parte da família de transportadores localizados na membrana
citosólica e em compartimentos intracelulares. ABCA-1 e ABCG-1 deslocam colesterol e
fosfolipídios para locais sensíveis da membrana, impedindo seu acúmulo intracelular.
Esse deslocamento se processaria por dois mecanismos:

» gerando áreas na membrana que seriam posteriormente removidas por


apoLP;

» como vesículas, contendo ABCA-1 E apoLP, seriam incorporadas por


endocitose e liberariam seus conteúdos para a membrana por exocitose.

É possível que os dois mecanismos também operem. ATPases hidrolisam ATP,


bloqueando a ação do ABCA-1 (BALDÁN et al., 2006; JONES et al., 2009).

O SR-B1 medeia a captação de CE, FL e TG da HDL e de outras lipoproteínas e


determina a concentração de colesterol biliar em modelo experimental (WIERSMA et
al., 2009); medeia também a troca de colesterol livre da membrana com a HDL, sendo

71
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

que a velocidade e a direção dessa troca são altamente dependentes de gradiente


de concentração. O SR-BI é bastante expresso no fígado e tecidos esteroidogênicos
(JESSUP et al., 2006).

Em macrófagos enriquecidos com colesterol, calcula-se que ABCA-1 é responsável


por 50% do efluxo de colesterol, ABCG-1 por 20% e SR-BI por um mínimo de efluxo
(ADORNI et al., 2007).

Transporte reverso de colesterol

O transporte reverso de colesterol (TRC) é o sistema pelo qual o colesterol dos tecidos
periféricos, incluindo-se a íntima arterial, é removido pelas HDL e é levado ao fígado
para eliminação na bile e excreção fecal, ou aos tecidos esteroidogênicos para síntese
hormonal. Esse sistema pode ser dividido em várias etapas que incluem:

1. Remoção do colesterol celular pelas apoA-I e HDL.

2. Esterificação do colesterol pela lecitina colesterol aciltransferase (LCAT).

3. Transferência de CE para as LP que contêm apoB, pela proteína de


transferência de CE (CETP).

4. Captação seletiva de CE das HDL pelos receptores SR-BI, expresso no


fígado, gônadas e adrenais, ou captação de LP que contêm apoB pelos
receptores B-E do fígado.

Há uma sequência ordenada que envolve o trânsito intersticial e plasmático de


colesterol no fígado e, em última instância, reflete a metabolização das subfrações de
HDL (ROTHBLAT; PHILLIPS, 2010).

Em resumo, o TRC caracteriza-se pela retirada de colesterol das células periféricas –


incluindo-se os macrófagos da íntima arterial – pelas partículas nascentes de HDL
ou apoA-1. A lecitina colesterol aciltransferase (LCAT) esterifica o colesterol que é
transferido para as LP que contêm apoB (VLDL, LDL e QM) pela ação da “cholesteryl-
ester transfer protein” (CETP). As LDL, VLDL e QM podem ser captadas pelo fígado,
contribuindo para uma grande parcela de retirada de colesterol do organismo por via
indireta. Além disso, o colesterol esterificado (CE) das HDL é diretamente removido
por meio dos receptores SR-BI no fígado; isso advém após as HDL terem sofrido ação
da enzima lipoproteína lípase hepática (LLH). Como resultado, é gerado apoA-I livre
ou partículas pobremente lipidadas por fosfolipídios que retornam ao interstício para
retirada de colesterol celular, como também são degradadas nos rins pelo complexo

72
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

receptor cubilina/megalina. A HDL transporta colesterol esterificado para tecidos


esteroidogênicos (ovários, testículo, adrenal) (QUINTÃO, 2011).

Aterogênese

A aterosclerose é uma doença de grande complexidade. A doença aterosclerótica é


difusa, mas segmentaria e excêntrica, e o comprometimento varia entre territórios
arteriais; são mais atingidos os ramos direito e esquerdo das coronárias, carótidas,
arco de Willis, crossa aórtica, bifurcações arteriais, ilíacas e femorais, com uma
distribuição nitidamente influenciada pelo estresse hemodinâmico. O infarto agudo
do miocárdio guarda estreita relação com a intensidade da aterosclerose de tal forma
que um percentual pequeno (próximo a 5%) foi relatado sem evidência nítida de
aterosclerose medida por vários procedimentos, inclusive à autopsia (KARDASZ; DE
CATERINA, 2006).

A infiltração de gordura e o espessamento da íntima (centro da artéria) são detectados


a partir da infância, progridem nitidamente com a puberdade e, inexoravelmente, pela
fase adulta, principalmente a partir dos 25-30 anos no homem e dos 40-45 anos na
mulher. Acompanha-se de espessamento progressivo da íntima que passa a igualar a
média no adulto jovem e sobrepuja a espessura dessa ao longo da vida.

A grande maioria dos fatores de risco ligados ao acidente vascular de qualquer espécie
efetivamente produz mais aterosclerose (QUINTÃO, 2011).

Diagnóstico de dislipidemias

Alguns exames são imprescindíveis para o diagnóstico de dislipidemias, como:

Colesterol total e frações

O colesterol é um esterol encontrado em todos os tecidos animais, apresenta


importantes funções fisiológicas, sendo essencial na síntese de hormônios esteroides,
ácidos biliares e na constituição das membranas celulares.

O colesterol é sintetizado em vários tecidos, particularmente no fígado e no intestino,


córtex adrenal e gônadas, sendo aproximadamente 25% proveniente da dieta.
Normalmente, 60% a 80% encontram-se esterificados (armazenados no interior das
células ou no interior das lipoproteínas), sendo d 50% a 75% transportados pelas
lipoprorteínas de baixa densidade (LDL) e de 15% a 40% pelas lipoproteínas de alta

73
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

densidade (HDL). A forma livre do colesterol compõe a estrutura das membranas


celulares e a superfície das lipoproteínas.

As lipoproteínas são macromoléculas constituídas de uma fração lipídica (triglicérides,


fosfolipídios, colesterol livre e esterificado) e outra proteica (apolipoproteínas). A
função das lipoproteínas é transportar os lipídios obtidos por via exógena e endógena
até os tecidos. Diferem quanto à composição química, ao tamanho e à mobilidade
eletroforética. Existem quantitativamente quatro maiores classes de lipoproteínas
plasmáticas-quilomícrons, VLDL, LDL e HDL – e duas menores – IDL e Lp(a).

Os distúrbios no metabolismo de colesterol exercem um grande impacto na etiologia


da doença vascular aterosclerótica, sendo componente, também, dos cálculos biliares.

A dosagem desse exame contribui na avaliação do risco de doença coronariana,


na qual, habitualmente níveis elevados se associam com maior probabilidade de
ocorrer aterosclerose. O colesterol está aumentado na hipercolesterolemia primária
e secundariamente em síndrome nefrótica, hipotiroidismo, diabetes mellitus, cirrose
biliar primária e hipoabuminemia. Níveis baixos são observados na desnutrição e no
hipertiroidismo.

A V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose (2013) define


o perfil lipídico como conjunto das determinações de colesterol total (CT), HDL-
colesterol (HDL-C), LDL-colesterol (LDL-C), triglicérides e colesterol não HDL. A
exatidão na determinação do perfil lipídico depende de variações que podem ser
divididas em analíticas, quando relacionadas à metodologia e procedimentos de coleta
e preparo da amostra ou a fatores intrínsecos do indivíduo como estilo de vida, uso de
medicações, doenças associadas.

A fração de HDL-colesterol é tido como protetor de desenvolvimento de aterosclerose.


Já a fração de LDL-colesterol está diretamente implicada no desenvolvimento das
lesões. Assim, níveis elevados de HDL-colesterol são benéficos e desejáveis. Valores
baixos são encontrados em indivíduos obesos, sedentários, fumantes e diabéticos. É
importante ressaltar que o exercício físico pode aumentar a fração de HDL-colesterol,
o que causa efeito benéfico no combate à aterosclerose.

As lipoproteínas de baixa densidade (LDL) são as principais proteínas de transporte


do colesterol. A determinação da fração ligada a essas lipoproteínas (LDL-
colesterol) é fundamental para avaliação do risco de doença aterosclerótica, pois
seus níveis determinam o diagnóstico e as metas de avaliação e de tratamento da
hipercolesterolemia. A relação entre doença aterosclerótica e o aumento de LDL

74
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

é significativa e direta. Os níveis dessa fração de colesterol também se encontram


elevados na síndrome nefrótica, no hipotiroidismo e na icterícia obstrutiva.

Triglicérides

Os triglicérides são obtidos pela dieta ou sintetizados pelo organismo a partir da


esterificação do glicerol com três moléculas de ácidos graxos, principalmente na
célula da mucosa intestinal, no tecido hepático e ou no adiposo. Constituem 95% de
estoque de gordura tecidual. Por serem insolúveis no sangue, são transportados como
quilomícrons ou como VLDL. Apresentam um papel essencialmente energético, para o
uso imediato ou posterior armazenamento.

Os triglicérides e o colesterol são dosagens importantes na avaliação do risco cardíaco.


Sua dosagem é imprescindível para o estudo do metabolismo lipídico, para calcular
o VLDL-colesterol e LDL-colesterol por meio da equação de Friedewald. Além do
importante papel no diagnóstico e tratamento de determinadas hiperlipidemias,
na avaliação da dor abdominal e do risco de pancreatite, para avaliar a eventual
hipertrigliceridemia secundária ao uso de drogas hipertensivas e para analisar a
eficiência de tratamentos de redução dos níveis dessa fração lipídica.

Considerando que há grandes variações pré-analíticas, de cerca de 20%, é importante


que o raciocínio clínico não se baseie em dosagens isoladas. Mudanças na dieta
e na atividade física e o uso de bebidas alcoólicas são as causas mais frequentes de
grandes variações nos níveis séricos de triglicérides. Portanto, o controle das variáveis
pré-analíticas e o conhecimento das amplitudes de variação nesse parâmetro são
importantes para a correta interpretação dos resultados de triglicérides (PEDROSA,
2015).

Além das dislipidemias primárias, algumas condições ou doenças estão associadas


à elevação de triglicérides: obesidade, intolerância à glicose ou diabetes tipo 2,
hiperuricemia, hepatites virais, alcoolismo, cirrose biliar, obstrução biliar extra-
hepática, síndrome nefrótica, insuficiência renal crônica, síndrome de Cushing,
gravidez, infecção, doenças inflamatórias, algumas doenças do glicogênio e uso de
algumas drogas (estrógeno, contraceptivos orais, prednisona etc.)

Baixos níveis de triglicérides são observados na abetalipoproteinemia,


hipobetalipoproteinemia, má absorção, desnutrição e hipertireoidismo (PEDROSA,
2015).

75
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Tabela 4. Valores de referenciais desejáveis do perfil lipídico para adultos > 20 anos.

Lipídios Com jejum (mg/dL) Sem jejum (mg/dL)


Colesterol total < 190 < 190
HDL-C > 40 > 40
Triglicerídeos < 150 < 175

Fonte: Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017.

Tabela 5. Metaterapêutica conforme avaliação de risco cardiovascular para adultos > 20 anos.

Risco cardiovascular estimado pelo médico Meta terapêutica (mg/dL)


Lipídios Categoria de risco Com ou sem jejum
Baixo < 130

Intermediário < 100


LDL-C
Alto < 70

Muito alto < 50


Baixo < 160

Intermediário < 130


Não HDL-C
Alto < 100

Muito alto < 80


Fonte: Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017.

Diabetes mellitus

Diabetes mellitus clínico é uma síndrome metabólica caracterizada por hiperglicemia


inadequada, seja devido à deficiência absoluta de secreção de insulina (hormônio que
promove o armazenamento de glicose em vários tecidos), ou à redução da eficácia
biológica desse hormônio (ou ambas).

Segundo a International Diabetes Federation (IDF), diabetes é um dos problemas


mais graves de saúde pública e é a doença crônica que apresenta a maior
morbimortalidade no planeta. Ela aumenta sua prevalência à medida que os países
enriquecem, a população torna-se mais sedentária e cresce o consumo diário de
calorias. A organização mundial de saúde (OMS) calcula que atualmente existem
cerca de 350 milhões de pessoas nessa condição. Na China, são 90 milhões de
casos; na Índia, 61,3 milhões; nos EUA, 25,8 milhões; no México, 10,3 milhões. Em
2010, o censo do IBGE contabilizou no Brasil cerca de 12 milhões de pessoas com a
doença. A estimativa para 2030 é de 552 milhões de diabéticos no mundo todo. A
doença é a principal causa de cegueira no mundo, e está associada a 40% das doenças
cardiovasculares (GREENSPAN, 2006).

76
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

Tradicionalmente, o diabetes era classificado de acordo com a idade do paciente


por ocasião do início dos sinais e sintomas (início juvenil versus adulto). Em 1979,
o NIH Diabetes Data Group propôs uma classificação que dividia o diabetes em dois
tipos principais – dependente de insulina e não dependente de insulina –, mas essa
classificação terapêutica mostrou-se insatisfatória à medida que se acumularam
mais informações sobre a patogenia e a etiologia do diabetes melito. Em 1977,
uma comissão internacional de diabetologistas recomendou várias alterações na
classificação do diabetes, que foram endossadas pela American Diabetes Association e
pela Organização Mundial da Saúde. Tais alterações são as seguintes:

» As designações “diabetes mellitus insulinodependente” e “diabetes


mellitus não-insulinodependente” e seus acrônimos DMID e
DMNID foram eliminados, porque estavam baseados em aspectos
farmacológicos, em vez de etiológicos.

» As designações “diabetes tipo1” e “diabetes tipo 2” foram conservadas,


embora com numerais arábicos e não romanos. O diabetes tipo 1 deve-
se à destruição das células β das ilhotas pancreáticas, que em mais de
95% dos casos é causada por um processo autoimune, enquanto menos
de 5% dos casos de distribuição das células β são idiopáticos. Em geral,
os pacientes com diabetes tipo 1 tendem a desenvolver cetoacidose e
necessitam de tratamento de reposição com insulina. O diabetes tipo
2, que é a forma mais prevalente, constitui um distúrbio heterogêneo
que engloba diversas anormalidades, em alguns casos envolvendo
apenas alterações funcionais das células β, mas que na maioria dos
casos está associado à resistência à insulina em presença de uma
redução concomitante na secreção compensatória desse hormônio
(GREENSPAN, 2006).

O pâncreas endócrino

O pâncreas é um órgão localizado na cavidade abdominal, atrás do estômago e é


constituído por dois órgãos funcionalmente diferentes: o pâncreas exócrino, principal
glândula digestiva do corpo; e o pâncreas endócrino, responsável pela secreção
de insulina, glucagon, somatostatina e polipeptídio pancreático. Embora a função
principal dos produtos liberados pelo pâncreas exócrino (enzimas digestivas) seja
processar os alimentos ingeridos, de forma que estejam disponíveis para absorção,
os hormônios do pâncreas endócrino modulam todos os outros aspectos da nutrição
celular, desde a taxa de absorção dos alimentos até o armazenamento celular ou

77
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

metabolismo dos nutrientes. A disfunção do pâncreas endócrino ou as respostas


anormais dos tecidos-alvos aos seus hormônios causam graves distúrbios da
homeostasia nutricional, incluindo as síndromes clínicas importantes classificadas sob
a denominação de diabetes mellitus (GREENSPAN, 2006).

O pâncreas endócrino consiste em 700 mil a 1 milhão de pequenas glândulas


endócrinas – ilhotas de Langerhans – dispersas pelo parênquima glandular do
pâncreas exócrino. Estudos detectaram pelo menos quatro tipos de células nas
ilhotas A, B, D e PP (também conhecidas como α, β, δ e F). Esses tipos celulares não
se distribuem uniformemente no pâncreas. As células PP secretam polipeptídios
pancreáticos. As células A são responsáveis pela síntese de glucagon. As células D são
produtoras de somastostatina (GREENSPAN, 2006).

As células B são secretoras de insulina e correspondem a 70-80% das células das


ilhotas pancreáticas.

A insulina é um hormônio proteico constituído por 51 aminoácidos, distribuídos em


duas cadeias A e B, unidas entre si por duas pontes sulfidrílicas, que tem como função
principal (embora não única) a manutenção da glicemia dentro dos limites normais.

As células B produtoras de insulina possuem em estoque de 11.600 grânulos de


insulina, considerados como reserva. Desses, apenas 1.300 são considerados
“disponíveis” para liberar insulina. Quando necessário, o pâncreas libera insulina
contida em apenas 50-100 grânulos em resposta à qualidade e quantidade dos
alimentos ingeridos. A glicose é a principal substância de que o corpo dispõe para
a geração de energia. Os glóbulos vermelhos e as células do rim não necessitam de
insulina para facilitar a entrada de glicose em suas células (GREENSPAN, 2006).

Nos adultos normais, o pâncreas secreta cerca de 40-50U de insulina/dia. A


concentração basal média de insulina no sangue em jejum é de 10 µU/mL. Nos
indivíduos normais de controle, o nível da insulina raramente fica acima de 100 µU/
mL depois de uma refeição padronizada. Cerca de 8-10 min depois da ingestão de
alimentos, há um aumento da concentração periférica de insulina, que atinge níveis
máximos no sangue periférico dentro de 30-45 min. Em seguida, há um declínio
rápido da concentração plasmática pós-prandial de glicose, que retorna aos valores
basais em 90-120 min (GREENSPAN, 2006).

A secreção basal de insulina, que ocorre na ausência de estímulos exógenos, é a


quantidade de hormônio secretada no estado de jejum. Embora esteja comprovado

78
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

que níveis de glicose plasmática < 80-100 mg/dL não estimulam a liberação de
insulina, alguns estudos também demonstram que a presença de glicose é necessária
à eficácia da maioria dos outros reguladores conhecidos da secreção de insulina
(GREENSPAN, 2006).

A secreção estimulada de insulina é a alteração que ocorre em resposta aos estímulos


exógenos. In vivo, essa secreção é a resposta das células β à ingestão alimentar. A
glicose é o estímulo mais potente para liberação de insulina.

As principais funções da insulina são (COSTA, 2004):

1. Impedir que a glicose no sangue (glicemia) ultrapasse 160 a 180 mg/dl


após alimentação.

2. Armazenar glicose no fígado e músculos na forma de glicogênio (reserva


de glicose). Desse modo, nos períodos interalimentares prolongados e
durante exercícios físicos, o glicogênio (reserva de glicose) poderá ser
utilizado como fonte de glicose.

3. Intervir decisivamente na fabricação de tecido gorduroso (reserva de


energia).

4. Participar de modo importante no crescimento ósseo, muscular e de


vários órgãos.

Mecanismo de ação da insulina nas células

A insulina tem como função primordial transportar a glicose do sangue para o


interior das células. Para que isso ocorra, é necessário que a insulina se ligue a
receptores específicos na superfície celular, presentes na maioria das células. No
tecido gorduroso, no fígado e nas células musculares, a ligação da insulina a esses
receptores está associada à resposta biológica desses tecidos ao hormônio. Essa ligação
desencadeia uma cascata de eventos intracelulares, culminando com o movimento da
proteína GLUT4 (proteína transportadora de glicose) de sua posição intracelular para
a superfície da célula onde se liga à glicose e a transporta para dentro das células. É
como se a GLUT4 fosse buscar a glicose na superfície da célula e levá-la para dentro
dela. As alterações ou falhas desse transporte têm como consequência o aumento de
glicose no sangue (COSTA, 2004).

79
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Figura 9. Eventos que acometem um portador de diabetes.

PÂNCREAS

Redução da produção e/ou ação da insulina

Músculos (Diminui Gordura (Diminui a Sangue


a utilização de utilização de glicose)
glicose) Aumenta a glicemia

Aumento da Aumento da
destruição muscular destruição de gordura
Diminui Aumenta a
glicose glicosúria
nas
células
Fraqueza Emagreci- Aumenta os Aumenta
mento triglicérides os corpos
no sangue Aumenta Aumenta a
cetôinicos
a fome perda de
(hálito
água
cetônico)

Aumenta Aumenta a

CETONÚRIA a sede urina

Provoca
CETOACIDOSE
vômitos

COMA DIABÉTICO DESIDRATAÇÃO

Fonte: Costa, 2004.

Diabetes mellitus tipo 1

O tipo 1 é a forma grave do diabetes mellitus, conhecido anteriormente como diabetes


infanto-juvenil, instável ou insulino-dependente (IDDM) e está associado à cetose se o
paciente não for tratado. Essa doença é mais comum em indivíduos jovens, mas ocorre
ocasionalmente em adultos sem obesidade. O diabetes tipo 1 é um distúrbio catabólico
em que a insulina está parcialmente ausente, o glucagon (hormônio sintetizado nas
células A das ilhotas de Langerhans, que disponibiliza energia, glicose aos tecidos)
plasmático está elevado e as células β pancreáticas não conseguem responder a todos

80
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

os estímulos insulinogênicos conhecidos. Na ausência de insulina, os três tecidos-alvos


principais da ação da insulina (fígado, músculos e tecido adiposo) não apenas deixam
de captar adequadamente os nutrientes absorvidos como também continuam a liberar
glicose, aminoácidos e ácidos graxos para a corrente sanguínea a partir dos seus
respectivos depósitos de armazenamento. Além disso, alterações no metabolismo das
gorduras levam à produção e acumulação de cetonas. Essa persistência inadequada
do estado de jejum pós-prandial pode ser revertida pela administração de insulina
(GREENSPAN, 2006).

Manifestação clínica

Os pacientes com diabetes tipo 1 apresentam um complexo sintomatológico típico,


conforme será descrito adiante. A deficiência absoluta de insulina provoca acumulação
excessiva de glicose e ácidos graxos na circulação, acarretando hiperosmolalidade e
hipercetonemia. A gravidade da deficiência de insulina e a rapidez com que o estado
catabólico se desenvolve determinam a intensidade do distúrbio osmótico e cetótico
(GREENSPAN, 2006).

Sintomas

O aumento do volume urinário é uma consequência da diurese osmótica secundária


à hiperglicemia persistente. Isso acarreta perdas de glicose, água e eletrólitos livres
na urina. Enurese noturna devido à poliúria pode sinalizar o início do diabetes em
crianças muito pequenas. A sede é devido ao estado de hiperosmolalidade, assim como
a visão turva que geralmente se desenvolve à medida que o cristalino e a retina ficam
expostas aos líquidos hiperosmolares.

Perda ponderal apesar do apetite normal ou acentuado é uma manifestação comum


do diabetes tipo 1 quando seu desenvolvimento for subagudo e estender-se por
algumas semanas. Inicialmente a perda ponderal é devido à depleção das reservas de
água, glicogênio e triglicerídios. O emagrecimento crônico devido à perda de massa
muscular ocorre à medida que os aminoácidos são desviados para formar glicose e
corpos cetônicos.

O volume plasmático reduzido causa tonteira e fraqueza devido à hipotensão postural


na posição sentada ou ereta. A perda das reservas totais de potássio e o catabolismo
generalizado das proteínas musculares contribuem para a fraqueza.

Alguns pacientes podem queixar-se de parestesias por ocasião do diagnóstico do


diabetes tipo 1, principalmente quando o início é subagudo. Isso reflete em disfunção

81
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

temporária dos nervos sensoriais periféricos e geralmente desaparece quando a


reposição de insulina reduz os níveis glicêmicos para patamares mais próximos da
normalidade. Por essa razão, a ocorrência de parestesias sugere neurotoxicidade
devido à hiperglicemia persistente.

Quando a deficiência de insulina for grave e tiver início agudo, os sintomas já


descritos progridem de forma acelerada. A cetoacidose agrava a desidratação e
a hiperosmolalidade, causando anorexia, náuseas e vômitos, o que interfere na
reposição dos líquidos orais. À medida que a osmolalidade plasmática aumenta acima
de 330 mOsm/kg (normal: 285-295 mOsm/kg), o nível de consciência fica deprimido.
Com a progressão da acidose para níveis de pH de 7,1 ou menos, o paciente apresenta
respirações profundas com frequência ventilatória rápida (respiração de Kussmaul)
à medida que o organismo tenta eliminar o ácido carbônico. Com o agravamento da
acidose (pH ≤ 7), o sistema cardiovascular pode ser incapaz de manter a vasoconstrição
compensatória e o resultado pode ser o colapso circulatório grave (GREENSPAN,
2006).

Sinais

O nível de consciência do paciente pode variar, dependendo da gravidade da


hiperosmolalidade. Quando a deficiência de insulina tiver progressão relativamente
lenta e a ingestão suficiente de água for mantida para permitir a excreção renal de
glicose e a diluição apropriada das concentrações extracelulares do cloreto de sódio,
os pacientes permanecem relativamente alertas e as anormalidades físicas podem ser
mínimas. Quando os vômitos ocorrem em resposta ao agravamento da cetoacidose, a
desidratação piora e os mecanismos compensatórios se tornam incapazes de manter
osmolalidade plasmática abaixo de 330 mOsm/kg. Nessas circunstâncias, o paciente
pode ter estupor (letargia) ou mesmo coma. Sinais de desidratação em um paciente
em estupor com respirações rápidas e hálito com odor de frutas (acetona) sugerem o
diagnóstico de cetoacidose diabética (GREENSPAN, 2006).

A hipotensão postural indica depleção do volume plasmático e hipotensão na posição


de decúbito é um sinal prognóstico grave. A perda da gordura subcutânea e atrofia
muscular são sinais de deficiência de insulina com desenvolvimento mais lento. Em
alguns pacientes com início lento e insidioso da deficiência de insulina, a gordura
subcutânea pode estar significativamente consumida. Fígado hipertrofiado, xantomas
eruptivos nas superfícies flexoras dos membros e nas nádegas e lipemia retiniana
indicam que a deficiência crônica de insulina gerou quilomicronemia, com níveis de
triglicerídios circulantes geralmente elevados, acima de 2.000 mg/dL (GREENSPAN,
2006).

82
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

Diabetes mellitus tipo 2

No diabetes tipo 2 – conhecido anteriormente como diabetes não insulinodependente


(DMNID) – observa-se uma diminuição gradativa da secreção desse hormônio ou a
incapacidade de o organismo fazer uso adequado dele, caso também conhecido como
resistência à insulina.

Eles não necessitam de insulina para sobreviver, embora, com o transcorrer do tempo,
sua capacidade de secretar insulina tenda a deteriorar e muitos pacientes necessitem
de reposição de insulina para assegurar o controle ideal da glicemia. A cetose
raramente se desenvolve de forma espontânea e, se ocorrer, será uma consequência do
estresse grave gerado por traumatismo ou infecção (GREENSPAN, 2006).

O aparecimento do diabetes tipo 2 decorre da interação de fatores genéticos e


ambientais. Atualmente, são conhecidas numerosas variantes genéticas associadas
à doença. Entre os fatores ambientais, destacam-se as dietas ricas em gordura e
carboidratos, além do próprio processo de envelhecimento. Um grande contingente
apresenta quadro de sobrepeso ou obesidade e estilo de vida sedentário. A maioria dos
casos de diabetes no mundo é do tipo 2 (GREENSPAN, 2006).

A resistência à insulina tem sido observada na maioria dos pacientes com diabetes tipo
2, independentemente do peso, e tem sido atribuída a vários fatores inter-relacionados,
dentre eles fatores genéticos cientificamente comprovados. Além disso, há uma
deficiência concomitante na resposta das células β pancreáticas à glicose, distúrbios
genéticos que podem ser agravados pelo deslocamento gradativo dessas células devido
à deposição de amiloide (substância glicoproteica, encontrada anormalmente em
vários órgãos) dentro das ilhotas pancreáticas com o envelhecimento. A resistência
dos tecidos à insulina e à atenuação da resposta das células β à glicose também
parecem ser agravadas ainda mais pela hiperglicemia persistente, que pode impedir
a sinalização da insulina e a função das células β. Os tratamentos que reduzem
a hiperglicemia aos valores normais diminuem essa anormalidade adquirida de
resistência à insulina e melhoraram até certo ponto a liberação de insulina induzida
pela glicose (GREENSPAN, 2006).

O diabetes tipo 2 frequentemente passa despercebido ao longo de vários anos, pois


a hiperglicemia se desenvolve muito lentamente e em geral é assintomática nos
estágios iniciais. Apesar dessa apresentação mais branda, esses pacientes correm
risco elevado de desenvolver complicações graves como nefropatia, cardiopatias,
vasculopatia, neuropatia, retinopatia, entre outras. Ainda de acordo com a IDF, os
gastos relacionados ao diabetes no mundo são ainda mais impactantes e ultrapassam

83
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

os US$ 700 bilhões por ano, representando 5% e 20% do total gasto pelas nações com
saúde (GREENSPAN, 2006).

Manifestação clínica

Os pacientes com diabetes tipo 2 também têm sinais e sintomas característicos. A


presença de obesidade ou história familiar fortemente sugestiva de diabetes brando
também indica risco elevado de desenvolver diabetes 2.

Sintomas

Os sintomas clássicos, como poliúria, sede, episódios recidivantes de visão embaçada,


parestesias e fadiga são manifestações clínicas de hiperglicemia e diurese osmótica
e, por essa razão, são comuns em ambos os tipos de diabetes. Entretanto, muito
pacientes com diabetes 1 tipo tem hiperglicemia de início insidioso e podem ficar
relativamente assintomático nos estágios iniciais da doença. Isso é particularmente
válido para pacientes obesos, cujo diabetes pode ser detectado apenas depois da
demonstração de glicosúria ou hiperglicemia nos exames laboratoriais de rotina. As
infecções cutâneas crônicas são comuns. Prurido generalizado e sintomas de vaginite
são queixas iniciais comuns das mulheres com diabetes tipo 2. Essa doença deve ser
considerada nas mulheres com vulvovaginite crônica por Candida e também nas
gestantes que deram à luz a bebês grandes ou tiveram polidrâmnio, pré-eclampsia ou
óbitos fetais inexplicáveis. Alguns homens sem diabetes mellitus diagnosticados antes
podem apresentar impotência (GREENSPAN, 2006).

Sinais

Os pacientes não obesos com essa forma branda de diabetes geralmente não têm
sinais físicos característicos por ocasião do diagnóstico. Os diabéticos obesos podem
ter qualquer padrão de distribuição de gordura, contudo, em homens e mulheres,
o diabetes parece estar associado mais comumente à localização dos depósitos de
gordura na parte superior do corpo (principalmente abdome, tórax, pescoço e face)
e em quantidades menores nos membros, que podem ser muito musculosos. Essa
distribuição centrípeta da gordura tem sido descrita como “androide” e caracteriza-se
por relação alta entre cintura e quadril. Essa distribuição difere da forma “ginecoide”
mais centrífuga de obesidade, em que a gordura está localizada mais nos quadris e nas
coxas e menos nos segmentos superiores do tronco. Técnicas radiográficas sofisticadas
para avaliação da distribuição da gordura abdominal pela TC evidenciaram que
a obesidade “visceral” devido ao acúmulo de gordura nas regiões mesentéricas e
do omento (uma prega constituída por duas camadas de peritônio (revestimento
84
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

mesotelial) e que liga os órgãos da cavidade abdominal) correlaciona-se com a


resistência à insulina, enquanto a gordura acumulada predominantemente nos tecidos
subcutâneos do abdome tem pouca ou nenhuma correlação com a insensibilidade à
insulina. Pode ocorrer hipertensão branda nos diabéticos obesos, principalmente
quando a forma “androide” de obesidade for predominante. Nas mulheres, a vaginite
por Candida com eritema e inflamação da região vulvar e secreção esbranquiçada
profusa pode indicar a existência do diabetes (GREENSPAN, 2006).

Tabela 6. Manifestações clínicas do diabetes por ocasião do diagnóstico.

Manifestações Diabetes tipo 1 Diabetes tipo 2


Poliúria e sede ++ +
Fraqueza ou fadiga ++ +
Polifagia com emagrecimento ++ -
Episódios repetidos de visão turva + ++
Vulvovaginite ou prurido + ++
Neuropatia periférica + ++
Enurese noturna ++ -
Geralmente assintomático - ++
Fonte: Costa, 2004 e Greenspan, 2006.

Diagnóstico e controle do diabetes mellitus

As dosagens de glicose e corpos cetônicos na urina e as determinações da glicose


no plasma ou sangue total de amostras obtidas em condições basais e depois da
administração de glicose são muito importantes para a avaliação dos pacientes
diabéticos. A dosagem da hemoglobina glicada tem sido útil na avaliação inicial
e ao acompanhamento da eficácia das intervenções terapêuticas. Em algumas
circunstâncias, as determinações dos níveis insulina e peptídeo C e das concentrações
de outros hormônios envolvidos na homeostasia dos carboidratos podem ser úteis.
Tendo em vista o risco elevado de aterosclerose nos diabéticos, as dosagens do
colesterol sérico e frações e dos triglicérides podem ser úteis (COSTA, 2004).

Glicemia em jejum

Segundo critérios da Associação Americana de Diabetes – ADA:

» Valores normais: até 100 mg/dL.

» Glicemia de jejum alterada: de 100 a 125 mg/dL em duas condições


distintas (ou seja, dois exames em dias diferentes). Nesses casos, para
confirmação de diabetes, recomenda-se teste de tolerância à glicose oral.

85
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

» Portadores de diabetes: iguais ou maiores que 126 mg/dL em duas


ocasiões distintas (ou seja, dois exames em dias diferentes).

Segundo a Associação Americana de Diabetes (ADA), paciente com sintomas


de diabetes mellitus com glicemia independente do jejum maior ou igual a
200 mg/dL, confirmado em dia subsequente, indica o diagnóstico de diabetes
mellitus.

Teste de tolerância oral à glicose (TTOG) – curva


glicêmica

» Método: o paciente em jejum, após coleta de amostra de sangue para


determinação de glicemia, ingere uma solução contendo 1,75g de glicose
por kg de peso, ou até o máximo de 75 de glicose. Coleta-se, então,
outras amostras de sangue 2 horas após a ingestão dessa solução para
determinação da glicemia.

» Normais: valores até 140 mg/dL, 2 horas após a ingestão de glicose.

» Tolerância diminuída à glicose: glicemia maior ou igual a 140 mg/


dL e menor que 200 mg/dL, 2 horas após a ingestão de glicose.

Pré-diabetes

O termo pré-diabetes, denominação muito empregada no passado, está novamente


sendo utilizada após aprovação pela Associação Americana de Diabetes (ADA). Assim,
são considerados portadores de pré-diabetes:

» Quando a glicemia de jejum está alterada: maior ou igual a 100 e


menor que 126 mg/dL em duas ocasiões distintas (ou seja, dois exames
em dias diferentes).

» Quando há tolerância à glicose diminuída: glicemia maior ou


igual a 140 e menor que 200 mg/dL, 2 horas após a ingestão de glicose.

Diabetes mellitus

Segundo critério da ADA:

» Glicemia: 2 horas após ingestão maior ou igual a 200 mg/dL.

86
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

Resumindo, podemos informar que, 2 horas após a ingestão de 75g de glicose, as


pessoas normais têm glicemia inferior a 140 mg/dL, os portadores de diabetes têm
glicemia igual ou superior a 200 mg/dL e aqueles com tolerância à glicose diminuída
tem valores entre 140 e 200 mg/dL (COSTA, 2004).

Tabela 7. Diabetes Mellitus – critérios diagnósticos atuais.

Classificação Parâmetros laboratoriais


Glicemia de jejum * Glicemia no TTOG Glicemia casual Hemoglobina A1c **
Glicemia normal < 100 mg/dL < 140 mg/dL – –
Glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL e < 126 mg/dL < 140 mg/dL – –
alterada
Tolerância diminuída < 126 mg/dL ≥ 140 mg/dL e < 200 mg/dL – –
à glicose
Diabetes mellitus ≥ 126 mg/dL ≥ 200 mg/dL ≥ 200 mg/dL ≥ 6,5 %

TTOG: Teste de Tolerância Oral à Glicose; Hemoglobina A1c (Hemoglobina Glicada).


Na ausência de hiperglicemia inequívoca, o diagnóstico do diabetes mellitus deve ser confirmado pela repetição do teste em outro dia.
*O jejum é definido como ausência de ingestão calórica por, no mínimo, 8 horas. O valor de corte inferior a 100 mg/dL para glicemia de jejum
normal é adotado pela American Diabetes Association (ADA) e pela International Diabetes Federation (IDF).
**A hemoglobina glicada (hemoglobina A1c) é reconhecida como critério diagnóstico desde 2009 pela IDF, ADA e EASD (European Association
for the Study of Diabetes), também aprovada pela OMS, em 2011. O teste deverá ser realizado em laboratório que utiliza método certificado
pelo National Glycohemoglobin Standartization Program (NGSP).
Fonte: Pedrosa, 2015.

Hemoglobina glicada

A dosagem da hemoglobina, ou A1C, é uma importante avaliação do controle


glicêmico do paciente diabético, e, mais recentemente, passou a ser usada também
para diagnóstico do diabetes mellitus. A hemoglobina glicada resulta da ligação das
moléculas de glicose sanguínea com as moléculas da hemoglobina, no caso com
o grupo amino N-terminal da hemoglobina, por meio de uma reação lenta, não
enzimática, irreversível e de forma proporcional à concentração da glicose no sangue
circulante. Reflete a glicemia média estimada dos últimos dois a três meses, ou seja,
durante todo o círculo vital das hemácias. O teste de Hba1C é considerado como
padrão-ouro na avaliação de longo prazo do controle glicêmico.

Na interpretação dos resultados da hemoglobina glicada, devem-se considerar


inúmeros fatores, tais como o método, sendo padrão-ouro o HPLC (cromatografia
líquida de alta eficiência), certificado pelo NGSP.

É importante salientar que o resultado desse teste não reflete o nível do controle
glicêmico no momento da coleta do sangue. Várias condições clínicas podem alterar
artificialmente o valor nominal da HbA1C, promovendo redução ou aumento do
resultado apresentado.

87
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Fatores que alteram a sobrevida dos eritrócitos são possíveis interferentes da dosagem
de hemoglobina glicada. Deficiência de ferro, vitamina B12 ou folato podem levar a uma
sobrevida maior das hemácias com consequente elevação da A1c. Anemias hemolíticas
podem diminuir a meia-vida dos eritrócitos com diminuição da hemoglobina glicada.
Usos de vitamina C e E em altas doses causam resultados falsamente diminuídos, por
inibirem glicação da hemoglobina, enquanto uremia, hipertrigliceridemia, alcoolismo
crônico, uso crônico de salicilato e opiáceos, por interferência na metodologia,
resultam em valores falsamente elevados.

Os valores sugeridos pela ADA (American Diabetes Association) não devem ser
utilizados na presença de homozigose para variantes de hemoglobina C ou S (Hb
CC, Hb SS). A presença de hemoglobina na forma heterozigótica (Hb AC, Hb AS),
como níveis normais de hemoglobina, não diminuem a meia-vida das hemácias e os
parâmetros sugeridos podem ser utilizados.

No acompanhamento de pacientes diabéticos, um valor persistente elevado serve


como indicador da possibilidade de ocorrência de complicações crônicas relacionadas
ao diabetes mellitus.

Recentemente a A1c passou a ser usada também no diagnóstico do diabetes mellitus,


devendo um resultado alterado ser confirmado em nova dosagem.

Tabela 8. Valor de referência – hemoglobina glicada.

Valor de referência
Normal 4 a 6%
Diabetes Mellitus: Diagnóstico Igual ou maior que 6,5%
Diabetes Mellitus: Bom controle Menor que 7%
Fonte: Pedrosa, 2015.

Fatores que precipitam o aparecimento


do diabetes

Existem algumas situações que, por atuarem de alguma forma na produção ou na ação
da insulina, favorecem aos indivíduos predispostos, o aparecimento de diabetes. Entre
elas destacam-se:

» obesidade (aumento de peso);

» infecções;

» gravidez;

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EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

» cirurgias;

» emoções fortes (traumas emocionais);

» estresse;

» envelhecimento;

» uso de medicamentos diabetogênicos em doses altas e por tempo


prolongado, como cortisona e derivados, alguns diuréticos,
alguns betabloqueadores, estrógenos (componentes de pílulas
anticoncepcionais e muitos medicamentos para o climatério), entre
outros.

Fatores de risco para o aparecimento de diabetes


tipo 1

Deve ser feita a identificação dos indivíduos que têm risco de aparecimento de diabetes
tipo 1 e diagnóstico dos adultos com tipo 1 de início tardio.

» Investigações, nas últimas décadas, identificam autoanticorpos


circulantes contra uma variedade de antígenos celulares de ilhotas
pancreáticas no soro de portadores de diabetes tipo 1 e em seus parentes
de 1o grau (pais, irmãos e filhos).

» Processo destrutivo autoimune de células beta-pancreáticas (produtores


de insulina) estende-se por um período longo, não apresentando outros
sintomas e com glicemia normal. Quando essa destruição atinge 90% da
massa total das células beta pancreáticas, ocorre intolerância à glicose
oral e, com o progredir dessa destruição, “aparece” o diabetes como é
conhecido, com seus sintomas e sinais clínicos.

» Entre os vários autoanticorpos (número superior a 12), quatro deles


têm sido dosados no sangue. Os quatro autoanticorpos mais utilizados
até o momento, tanto em pesquisa como na clínica, são: ICA (islet cell
antibody - anticorpos anticélulas de ilhotas), anticorpo anti-insulina,
anticorpos antidecarboxilase do ácido glutâmico (GAD – glutamic acid
decarboxylase), anticorpos antitirosinas – fosfatases IA2 (ICA-512).

» A presença simultânea de dois ou três desses autoanticorpos indica que


o processo autoimune é mais severo e está associado ao maior risco de
desenvolvimento de diabetes tipo 1.

89
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Assim, a presença de dois ou três auto-anticorpos em parentes de 1o grau de portadores


de diabetes tipo 1 é altamente preditivo para o aparecimento de diabetes tipo 1 clínico,
ou seja, com seus sinais e sintomas. Os anticorpos contra GAD e ICA-512 podem
permanecer positivos após o aparecimento do diabetes clínico. Os anticorpos anti
IA2 (ICA-512) surgem frequentemente nos meses que antecedem o aparecimento de
diabetes tipo 1 clínico.

Figura 10. Eventos que causam o aparecimento de diabetes tipo 2.

Predisposição genética que dificulta a ação da insulina em


músculos, tecido gorduroso, fígado etc.

(resistência periférica à insulina)

Fatores ambientais
Aumento do peso (obesidade)
Vida sedentária

Aumento da insulina no sangue (com curva


glicêmica normal ou alterada)

Aumento da glicose no
Predisposição sangue (hiperglicemia)
Genética (que altera
função das células beta) Defeitos nas células
beta do pâncreas
(produtoras de insulina)
Glicotoxicidade

Diabetes Tipo 2

Fonte: Costa, 2004.

A maioria das pessoas com diabetes tipo 2 podem herdar de seus familiares uma
alteração dos receptores de insulina em músculos, tecido gorduroso, fígado etc., que
propicia o aumento de insulina no sangue. No entanto, estudos epidemiológicos
indicam que fatores ambientais, como o aumento do peso e o sedentarismo, estariam
relacionados a uma redução da sensibilidade periférica à insulina (resistência) que,
por sua vez, está associada ao aumento de secreção compensatória de insulina pelo
pâncreas. Assim, a pessoa poderá permanecer com aumento da insulina no sangue
e ainda com glicose normal em jejum e até mesmo pós-alimentar por período
prolongado. Caso esse processo persista, causará redução gradual da capacidade do
pâncreas de fabricar insulina. Essa condição é agravada pela falta de exercício físico

90
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

e excesso ou erro alimentar, contribuintes para o aumento do peso corporal (alguns


fatores ambientais).

Na fase seguinte, a glicose no sangue começa a aumentar, principalmente após a


alimentação (hiperglicemia pós-prandial). Inicia-se a glicotoxicidade. Finalmente, a
glicose em jejum se eleva e a hiperglicemia mantida pode agravar a glicotoxicidade
em todos os tecidos e também nas células que fabricam insulina no pâncreas,
podendo reduzir a produção de insulina (já alterada geneticamente). Assim toda essa
sequência termina em glicemia de jejum aumentada, ou seja, “aparece” o diabetes
como é conhecido. Outros fatores podem contribuir para o aparecimento de diabetes,
como a lipotoxicidade e o depósito de amiloide no pâncreas. A lipotoxicidade decorre
dos efeitos negativos dos aumentos no sangue de gorduras decorrentes da lipólise
aumentada e no período pós-alimentar sobre o músculo, o fígado e o pâncreas. Esses
efeitos contribuem para o aumento da glicemia, conforme esquema abaixo.

Figura 11. Lipotoxicidade.

LIPOTOXICIDADE

Lipólise aumentada + Aumento dos lípides


pós-prandial

Aumento de ácidos graxos livres +


Triglicérides

Músculos Pâncreas Fígado


Aumento da utilização Diminuição da secreção Aumento da oxidação
de ácidos graxos livres de insulina de ácidos graxos livres

Diminuição da utilização
de glicose Neoglicogênese

HIPERGLICEMIA

Fonte: Costa, 2004.

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UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

O aumento da destruição de gordura do próprio corpo (lipólise) e o aumento das


gorduras no sangue após a alimentação produzem grandes quantidades de ácidos
graxos e triglicérides no sangue. Esses, nos músculos, são mais utilizados que a
glicose no pâncreas, reduzem a secreção de insulina e, no fígado, são mais oxidados.
Respectivamente, esses fatos têm como consequência: no músculo, diminui a
utilização de glicose; no fígado aumenta a neoglicogênese (glicose produzida a partir
de gorduras ou proteínas). Esses dois fatos associados à redução de liberação de
insulina promovem a hiperglicemia.

Síndrome metabólica

A síndrome metabólica é uma doença da civilização moderna, associada à obesidade,


resultante da alimentação inadequada e do sedentarismo, com manifestações que se
iniciam na idade adulta ou na meia-idade. Essa síndrome, chamada anteriormente
de síndrome X, é caracterizada pela associação de fatores de risco para as doenças
cardiovasculares (ataques cardíacos e derrames cerebrais), vasculares periféricos e
diabetes. A síndrome está associada à obesidade central, embora tenha como base a
resistência à ação da insulina.

Inicialmente, a síndrome X, quando foi descrita no final da década de 1980, tinha como
base a intolerância à glicose e era característica de uma população com maior risco
para doenças cardiovasculares e diabetes, não necessariamente diabetes estabelecido,
mas uma condição prévia, conhecida como resistência à ação da insulina.

A insulina é o hormônio que metaboliza a glicose, isto é, que queima o açúcar e


promove sua deposição no corpo sob a forma de gordura ou de músculo. Pessoas com
excesso de peso tendem a apresentar resistência à insulina. É como se essa substância,
para agir, tivesse de atravessar uma parede que a obesidade tornou mais espessa e
difícil de transpor. Consequentemente, os níveis de insulina sobem no sangue porque
o pâncreas passa a produzir mais esse hormônio, a fim de evitar o estabelecimento de
diabetes. Esse aumento na produção de insulina está relacionado com a retenção de
sódio pelos túbulos renais, o que significa maior tendência à pressão arterial elevada
(GREENSPAN, 2006).

Além de agravar a propensão ao diabetes, a resistência à insulina provoca alterações


nos níveis de gorduras no sangue, principalmente nos níveis de triglicérides e do bom
colesterol (HDL), promove o aumento da produção de VLDL pelo fígado, levando a
hipertrigliceridemia (e consequentemente diminuindo o nível do colesterol HDL). Esse
é um fator de risco que acomete especialmente o indivíduo acima do peso ou os obesos.
No entanto, pessoas com peso praticamente normal podem apresentar resistência à

92
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

insulina por alteração genética. Além disso, alguns pesquisadores sugeriram que os
níveis altos de insulina possam estimular a proliferação das células musculares lisas
vasculares e endoteliais – devido à ação desse hormônio sobre os receptores dos
fatores de crescimento – para iniciar o processo aterosclerótico.

Há três técnicas para determinar a existência de obesidade central ou periférica.


A primeira calcula o índice de massa corpórea (IMC), para tanto, é preciso dividir
o peso pela altura ao quadrado. Se o resultado obtido for superior a 30, a pessoa é
considerada obesa. A segunda técnica é medindo a circunferência abdominal
(em homens, o valor normal vai até 102 e, em mulheres, até 88 cm). E a terceira é
estabelecendo uma relação entre as medidas da cintura e do quadril. Para tanto, divide-
se a circunferência da cintura na altura do umbigo pela circunferência do quadril na
porção mais proeminente das nádegas, na altura do trocanter, que se localiza junto
à extremidade superior do fêmur. O resultado obtido não deve ultrapassar 0,9, no
homem, e 0,85, na mulher. Atualmente, o que mais se tem usado como critério de
identificação da síndrome metabólica é a medida de circunferência abdominal, porque
está correlacionada com a obesidade visceral. Isso significa que a gordura não é apenas
subcutânea, isto é, que não está localizada apenas debaixo da pele, mas também entre
as vísceras e os intestinos. A gordura visceral é a grande vilã dessa síndrome.

A síndrome metabólica engloba outros fatores de risco, como ácido úrico elevado e
microalbuminúria, ou seja, a eliminação de proteína pela urina, em quantidade
pequena, mas significativa. Devem ser mencionados, ainda, os fatores pró-trombóticos
que favorecem a coagulação do sangue e podem provocar entupimento nas artérias
e processos inflamatórios. Hoje, sabemos que existem substâncias ligadas à
inflamação da camada interna dos vasos sanguíneos, inflamação que é responsável
pela prevalência de doenças cardiovasculares. Atualmente, a maneira mais simples
é considerar alguns marcadores no sangue, e são vários os que podem ser medidos
laboratorialmente. Por exemplo, um deles é a proteína C reativa (PCR), ultrassensível.
Apesar de qualquer doença inflamatória poder aumentar a PCR, a tendência é valorizar
esse dado como marcador da doença inflamatória vascular.

Estudos apresentam que paciente com peso normal, mas com pais diabéticos e
hipertensos, se apresentarem resistência à insulina em virtude de herança paterna,
tendem a desenvolver um quadro mais grave da síndrome metabólica, porque o
pâncreas precisará trabalhar muito mais a fim de produzir a insulina necessária para
superar essa resistência. Como geneticamente a tendência ao diabetes existe, chega
um momento em que entra em falência, deixa de funcionar como deveria e a síndrome
metabólica, que ainda não havia se estabelecido, manifesta-se (GREENSPAN, 2006).

93
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

A síndrome metabólica torna-se mais prevalente na idade adulta ou na meia-idade.


Aliás, o fator idade é muito importante não só para o diagnóstico, mas para a seleção
das pessoas que devem ser avaliadas porque a prevalência da síndrome metabólica
aumenta assustadoramente com o passar dos anos. Para se ter uma ideia, o número
de casos na faixa dos 50 anos é duas vezes maior do que na faixa dos 30 e 40 anos.
O sexo pode influir, há um predomínio de casos no sexo masculino. Porém, que
mulheres portadoras da síndrome dos ovários policísticos, um distúrbio ligado à falta
de menstruação, ao crescimento anormal de pelos e à resistência à insulina, não estão
livres da síndrome metabólica, mesmo sendo magras (GREENSPAN, 2006).

O diagnóstico da síndrome metabólica considera primeiramente as características


clínicas (obesidade, hipertensão) e dados laboratoriais: valores de glicemia na faixa de
110-120, alteração das gorduras no sangue (colesterol elevado em virtude do colesterol
ruim alto e colesterol bom baixo), níveis de triglicérides e ácido úrico aumentado e
microalbuminúria. A constatação de dois ou três desses fatores associados no mesmo
indivíduo diagnostica a síndrome metabólica. O que agrava o diagnóstico refere-
se ao fato de praticamente todos os componentes da síndrome metabólica serem
inimigos silenciosos. Não há um quadro de dor de cabeça violenta para alertar que a
pessoa pode estar desenvolvendo um aneurisma cerebral. Colesterol alto, elevação da
glicemia que não chega a caracterizar diabetes (a pessoa não urina muito nem bebe
muita água), hipertensão, tudo provoca sintomas muito sutis. Entretanto, quanto
mais fatores de risco houver, especialmente se estiverem associados ao tabagismo e
à ingestão excessiva de álcool, mais a pessoa será candidata a desenvolver problemas
graves, tanto é que essa síndrome já foi chamada de quarteto da morte, porque todos
os componentes são inimigos ocultos e estão ligados à possibilidade maior de óbitos
(GREENSPAN, 2006).

O diabetes é a doença mais frequentemente associada à síndrome metabólica, que


até pode instalar-se como decorrência da própria síndrome. Além da alteração
do ácido úrico, que pode ser a causa de uma doença chamada gota, a síndrome dos
ovários policísticos e algumas formas raras de lipodistrofias, sem grande relevância
populacional, também podem estar associadas à síndrome metabólica.

Reverter ou diminuir o quadro clínico dos portadores da síndrome metabólica é


possível por meio de dieta adequada e atividades físicas feitas sistematicamente,
pois a obesidade é o fator que costuma precipitar a síndrome. Portanto, é preciso
restaurar o peso ideal, seguindo uma dieta menos calórica. As chamadas dietas do
Mediterrâneo, ricas em gorduras não saturadas, como óleo de girassol e azeite de oliva,
e reduzida ingestão de carboidratos, têm-se mostrado eficazes nesse sentido. Além das
medidas dietéticas, é fundamental praticar exercícios físicos, porque eles aumentam

94
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

a sensibilidade à insulina. Desse modo, mesmo que a pessoa não emagreça muito,
conseguirá diminuir a resistência a esse hormônio.

Tabela 9. Critérios diagnósticos de síndrome metabólica.

Critérios diagnósticos International Diabetes Federation (IDF)


O paciente apresenta obesidade abdominal (medida pela circunferência abdominal) mais
Definição
2 dos 4 critérios abaixo.
≥ 94 cm em homens brancos de origem europeia e negros e ≥ 80 cm em mulheres
Circunferência abdominal
brancas de origem europeia, negras, sul-asiáticas, ameríndias e chinesas.
Triglicérides ≥ 150 mg/dL ou tratamento específico para essa anormalidade lipídica.
< 40 mg/dL em homens e < 50 mg/dL em mulheres ou tratamento específico para
HDL colesterol
essa anormalidade lipídica.
PA sistólica ≥ 130 mmHg ou PA diastólica ≥ 85 mmHg e/ou tratamento de hipertensão
Pressão arterial
previamente diagnosticada.
Níveis de glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL ou diagnóstico prévio de diabetes tipo 2.
Fonte: Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2013.

Hormônios tireoidianos

A glândula tireoide é o maior órgão especializado em função endócrina do corpo


humano. A função principal das células foliculares da tireoide é secretar quantidades
suficientes de hormônios tireoidianos, principalmente T4 (tetraiodotironina) e
quantidades menores de T3 (triiodotironina). A glândula tireoide concentra, retém
iodo, sintetiza e armazena os hormônios tireoidianos sob a forma de tireoglobulina,
que, quando hidrolisada dentro folículos e seus resíduos sofrem iodação, liberam os
hormônios tireoidianos (GREENSPAN, 2006).

Os hormônios tireoidianos são imprescindíveis para o crescimento e desenvolvimento


de vários órgãos e tecidos. Embora essa ação já ocorra no período embrionário,
alguns desses órgãos e tecidos ainda são imaturos ao nascimento e têm um padrão
de desenvolvimento temporal específico, o qual depende de um aporte adequado
de triiodotironina (T3), o principal hormônio tireoidiano. Dele também depende o
crescimento, a diferenciação e a regulação da atividade e metabolismo desses mesmos
órgãos e tecidos na vida adulta, razões pelas quais os hormônios tireoidianos são
considerados essenciais para a manutenção da qualidade de vida. A glândula tireoide
é a fonte de hormônios tireoidianos, que secreta predominantemente tiroxina (T4)
da qual deriva, por desiodação, a maior parte do T3 circulante. É do T3, hormônio
que apresenta atividade biológica no mínimo 5 vezes maior que a do T4, que
depende a atividade de praticamente todos os tecidos do organismo, já que todos eles
potencialmente expressam receptores de hormônios tireoidianos. Contudo, para a
manutenção da atividade normal dos tecidos-alvos, níveis intracelulares adequados de
95
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

T3 devem ser garantidos, o que está na dependência não só da atividade tireoidiana,


como também da geração intracelular desse hormônio, processos que dependem,
respectivamente, da integridade do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide e da atividade
de enzimas específicas, as desiodases (GREENSPAN, 2006).

A função tireoidiana é regulada pelo hormônio liberador de tirotrofina (TRH),


produzido no hipotálamo, que, por meio do sistema porta hipotálamo-hipofisário, se
dirige à adeno-hipófise, ligando-se a receptores específicos no tirotrofo e induzindo
a síntese e secreção de hormônio tirotrófico (TSH). Esse, por sua vez, interage
com receptores presentes na membrana da célula folicular tireoidiana, induzindo
a expressão de proteínas envolvidas na biossíntese de hormônios tireoidianos,
aumentando a atividade da célula tireoidiana e estimulando a secreção hormonal.
Quanto às desiodases, são as principais fontes de T3, circulante e intracelular, e
apresentam papéis específicos em função de suas distintas características e formas de
regulação.

Até o momento, foram clonadas e identificadas três isoformas de desiodades, a do


tipo 1 (D1), tipo 2 (D2) e tipo 3 (D3). A D1, expressa predominantemente em fígado e
rins, tem sua atividade aumentada no hipertiroidismo, diminuída no hipotiroidismo,
sendo bloqueada pelo uso de propiltiouracil (PTU), um composto antitiroideano que
inibe a atividade da tireoperoxidase e, por conseguinte, a biossíntese de hormônios
tireoidianos. A D2, altamente expressa no sistema nervoso central (SNC), hipófise,
tecido adiposo marrom e placenta, ao contrário, tem a sua atividade elevada no
hipotiroidismo e diminuída no hipertiroidismo, sendo insensível ao PTU, porém,
inibida por T4 pela triiodotironina reversa (rT3), um produto inativo da desiodação
do T4. Tanto a D1 quanto a D2 são capazes de gerar T3 (hormônio ativo) e 3,3’ T2
(iodotironina inativa) a partir da 5’ desiodação do T4 e rT3, respectivamente
(GREENSPAN, 2006).

A terceira isoforma de desiodase, a D3, é muito expressa nos tecidos em


desenvolvimento, principalmente no sistema nervoso central (SNC), embora
também seja detectada em tecidos como pele, fígado, placenta e SNC no indivíduo
adulto. Da mesma forma que a D1, a D3 apresenta sua atividade elevada no estado
de hipertiroidismo e diminuída no hipotiroidismo, entretanto, ela gera apenas
produtos inativos, rT3 e 3,3’T2, a partir do T4 e T3, pois atua removendo o iodo
da posição 5 dessas iodotironinas (3). Ainda, uma característica comum das três
isoformas de desiodases é que elas podem ser inibidas por ácido iopanoico ou ipodato
(GREENSPAN, 2006).

96
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

A diferente distribuição tecidual e os distintos mecanismos de regulação das três


desiodases fazem com que elas desempenhem papéis fisiológicos muito peculiares.
Enquanto a D1 gera T3 para o líquido extracelular (LEC), disponibilizando, assim,
esse hormônio para os tecidos, a D2 tem importante papel na geração de T3 no
próprio tecido em que é expressa, o que permite a sua pronta utilização. A D3, por
outro lado, é importante para a degradação do hormônio tireoidiano, limitando sua
ação biológica. Uma vantagem adicional dos tecidos que expressam D2 e/ou D3 é que
eles estão, de certa forma, protegidos de alterações funcionais tireoidianas, já que,
frente ao hipotiroidismo, a atividade da D2 se eleva, enquanto a da D3 cai, ocorrendo
o contrário em situações de hipertiroidismo, de modo a garantir níveis intracelulares
adequados de T3.

Esse papel é excepcionalmente relevante durante o período embrionário e neonatal,


quando o hormônio tireoidiano é essencial para o estabelecimento e complementação
do processo de diferenciação de vários tecidos e órgãos, como é o caso do sistema
nervoso central. Nesse, o T3 é de fundamental importância para estímulo da síntese
de fatores de crescimento, como o nerve growth factor (NGF) e o insulin-like
growth factor (IGF), dos quais depende a ativação dos processos de proliferação,
sinaptogênese e mielinização neuronal. Assim, garantidos os níveis adequados de T3
no líquido extracelular (via D1) e no líquido intracelular (via D2 e/ou D3), as ações
biológicas dos hormônios tiroideanos passam a depender de forma importante de sua
interação com receptores de alta afinidade (receptores tiroideanos - TRs), localizados
no núcleo das suas células-alvo (GREENSPAN, 2006).

Regulação dos hormônios tireoidianos

O hormônio tireoestimulante (TSH) é o principal regulador hormonal da produção e


secreção de hormônios tireoidianos (HTs). Por outro lado, os HTs são os principais
reguladores da secreção de TSH em um sistema clássico de retroalimentação
(feedback) negativa.

Além dos HTs que inibem a síntese e secreção de TSH, o mais importante regulador
vem a ser um hormônio hipotalâmico, o hormônio liberador de TSH, (TRH,
thyrotropin releasing hormone), que estimula a síntese e secreção de TSH, sendo
também inibido pelos HTs. Outros hormônios, peptídeos e neurotransmissores
produzidos no hipotálamo ou outras regiões do sistema nervoso central desempenham
um papel modulador na regulação do TSH, como a somatostatina, a adrenalina e
noradrenalina, a dopamina e a substância P. Outros peptídeos, produzidos na própria
hipófise têm um papel parácrino ou autócrino sobre a secreção de TSH, tais como
a neuromedina B e o peptídeo liberador de gastrina (GRP). Substâncias que são

97
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

liberadas em situações de infecção e estresse, tais como as interleucinas, o cortisol e


substância P também influenciam a secreção de TSH. Moduladores da regulação da
fome e saciedade, tais como a leptina, a galanina, a orexina, o hormônio liberador
de corticotrofina (CRH) e o hormônio estimulador dos melanócitos (MSH) também
modulam a secreção desse hormônio. Todas essas substâncias têm uma razão
em modular a secreção de TSH, já que esse é o principal regulador dos HTs e que
desempenham importante papel em basicamente todas as funções do organismo,
tais como o crescimento e desenvolvimento somático e neural, a termogênese, o
metabolismo intermediário e a função sexual.

Com tal abrangência de funções não é surpreendente que o principal determinante


de sua produção, o TSH, possua uma multiplicidade de mecanismos regulatórios
que permitam que a secreção dos HTs seja ajustada adequadamente em diferentes
situações nas quais é exigida a sua atuação. Além disso, recentemente se tem
demonstrado que a regulação hormonal pode ser programada em períodos críticos da
vida de um organismo, especialmente na gestação, lactação e infância, predispondo o
organismo a melhor se adaptar durante a vida, a situações nutricionais, emocionais ou
físicas, encontradas no período neonatal (GREENSPAN, 2006).

Características fisiológicas dos exames de função


tireoidiana

Hormônio tireoestimulante (TSH)

O hormônio tireoestimulante (TSH), ou tirotropina, é uma glicoproteína secretada


pela hipófise anterior ou adenohipófise em células denominadas tireotrofos, tendo
como principal efeito estimular a liberação de T3 e T4. É um hormônio glicoproteico,
constituído por duas subunidades, α e β, unidas por ligações não covalentes.

A liberação do TSH é controlada pelos níveis de T3 e T4 circulantes no sangue


(feedback negativo) e estimulada pelo TRH (hormônio liberador de tirotropina)
hipotalâmico. Sua liberação é pulsátil e apresenta ritmo circadiano, com níveis
maiores à noite.

Atualmente, a disponibilidade de inúmeros ensaios sensíveis de TSH modificou a


estratégia de avaliação da função tireoidiana, promovendo a esse teste o melhor
diagnóstico isolado na triagem de distúrbios hormonais da tiroide.

A dosagem do TSH é de extrema importância no diagnóstico do hipotireoidismo,


pois é o primeiro hormônio a se alterar nessa condição. Encontra-se alterado, com
níveis por vezes altíssimos, principalmente no hipotireoidismo primário, tireoidite
98
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

de Hashimoto, na secreção inapropriada de TSH (tumores hipofisários produtores de


TSH) e no hipotireoidismo subclínico.

São observadas alterações transitórias nos casos de tireoidites autolimitadas, em que


o TSH se encontra inicialmente reduzido, a seguir elevado e finalmente normal com a
resolução do quadro.

O TSH, por sua vez, não se liga a proteínas e, consequentemente, não sofre a influência
de suas concentrações como os hormônios tireoidianos T4 e T3.

Alguns medicamentos podem interferir na dosagem do TSH, como glicocorticoides,


suplementos à base de biotina e contrastes radiológicos.

Tireoglobulina

A tireoglobulina (TG) é uma glicoproteína iodinada produzida pelas células acinares


tireoidianas, sendo o principal componente do coloide dos folículos da tireoide.
Sua produção é regulada pelo TSH. É a proteína precursora para a síntese do
hormônio tireoidiano. A grande maioria dos indivíduos eutireoidianos normais têm
concentrações de tireoglobulina sérica detectável.

Seus níveis séricos variam de acordo com o estado funcional da glândula, estando
elevados nas tireoidites (processos inflamatórios tireoidianos), carcinomas da tireoide
(pilífero ou folicular), hipertireoidismo ou mesmo após palpação vigorosa da região
glandular. Há também um aumento dos níveis séricos com o estímulo do TRH ou
TSH. A administração de hormônio tireoidiano diminui os níveis de tireoglobulina
circulante.

A principal utilidade dessa dosagem está no segmento de indivíduos submetidos à


extração de carcinomas da tireoide (tireoidectomia total), especialmente os tipos
papilífero, folicular e misto (papilífero-folicular), sendo utilizada para apontar a
presença de tecido tireoidiano residual ou recorrência da doença.

A dosagem de tireoglobulina também tem grande utilidade na investigação da


tireotoxicose factícia, caracterizada por níveis baixos de tireoglobulina, e na
investigação da etiologia do hipotireoidismo congênito.

T3 Total

A concentração de triiodotironina (T3) é cerca de 1/70 de tiroxina (T4). A T3 também


circula ligada às proteínas carregadoras, como a globulina ligadora de tiroxina (TBG) e
albumina. Essencialmente, as frações ligadas não exercem atividade biológica. Apenas

99
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

um terço de T3 total é produzido pela tireoide, os dois terços restantes provêm da


conversão de T4 em T3 nos tecidos periféricos.

Essa dosagem é útil no diagnóstico e monitoramento do tratamento do


hipertireoidismo, mas o resultado do teste pode estar normal em 30% dos casos de
hipotireoidianos. O teste apresenta indicação a pacientes com TSH suprimido e T4
total e livre normais, situação em que a elevada concentração do T3 pode confirmar o
hipertireoidismo.

Assim como a T4, a T3 pode estar alterada pelas variações da TBG, embora em menor
proporção. Apresenta níveis superiores na infância em comparação à fase adulta.
Encontra-se elevado na doença de Graves, T3 toxicose, nos casos de hipertireoidismo
TSH dependente, aumento de TBG (uso de estrógeno) e gravidez.

Dosagens baixas podem ser encontradas nos quadros de doença não tireoidiana,
anorexia nervosa, deficiência de iodo, reduções da TBG e uso de corticoides. Na fase
inicial do hipotireoidismo, o T4 encontra-se mais reduzido que o T3, que pode estar
normal ou diminuído.

T3 Livre

O triiodotironina (T3) é produzido tanto na tireoide como nos tecidos periféricos por
desiodação de tiroxina (T4), sendo transportado, no soro, pela globulina ligadora de
tiroxina (TBG), pela albumina e pela pré-albumina. Comparativamente à T4, a T3 tem
maior atividade metabólica, meia vida mais curta e menor afinidade pela TBG. Em
torno de 0,3% existe na forma livre, não ligada às proteínas, sendo considerada como
fração biologicamente ativa.

Em geral, as dosagens de T3 total e T3 livre apresentam boa correlação, só divergindo


quando existem alterações significativas das proteínas carregadoras (gravidez, uso de
anticoncepcionais e estrógenos e diminuição de TBG). Nessas circunstâncias, a fração
livre retrata mais fielmente a condição tireoidiana.

A grande indicação da dosagem do T3 livre é no diagnóstico e no segmento de


indivíduos com hipertireoidismo. Além da indicação a pacientes com TSH suprimido e
T4 total e livre normais, situação em que a elevada concentração do T3 pode confirmar
o hipotireoidismo.

Apresenta-se elevado na doença de Graves, na tireotoxicose por T3, na resistência


periférica ao hormônio tireoidiano. Diminuído na síndrome do doente eutireoidiano e
hipotireoidismo (1/3 casos).

100
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

T4 total

A tiroxina (T4, tetraiodotironina) é produzida pela tireoide e circula ligada a proteínas,


como globulina ligadora de tiroxina (TBG), a pré-albumina ligadora de tiroxina (TBPA)
e a albumina. Sua secreção é regulada pela tirotropina ou hormônio tireoestimulante
(TSH). Somente uma pequena fração do T4 circula na forma livre (< 0,1%). Nos tecidos
periféricos, T4 é convertido em T3, que é o hormônio biologicamente ativo.

Em geral, está elevada no hipertireoidismo, hipertiroxinemia disalbuminêmica


familiar, aumento da TBG (durante o uso de estrógenos e na gravidez), aumento da
transtirretina (TBPA). E encontra-se diminuída no hipotireoidismo, no quadro de
doenças sistêmicas graves não tireoidianas e na redução da TBG. A T4 total sérica pode
se apresentar alterada no indivíduo eutireoidiano por variações na TBG, por isso, TSH
e T4 livre são preferencialmente recomendados na avaliação da função tireoidiana.

T4 livre

O efeito metabólico dos hormônios tireoidianos é realizado pela sua fração livre.
A determinação de tiroxina (T4) livre corresponde a uma pequena fração (0,03-
0,04%) da tiroxina total (T4) que se encontra não ligada às proteínas. É a fração
metabolicamente ativa e precursora do T3 (triiodotironina).

Essa dosagem está indicada para avaliação da função tireoidiana, no diagnóstico


do hipotireoidismo e hipertireoidismo não sofre influência significativa dos níveis
circulantes da globulina ligadora de tiroxina (TBG). Encontra-se, elevado no
hipertireoidismo e diminuído no hipotireiodismo. Apresenta-se normal em indivíduos
eutireoidianos com TBG elevada, quando o T4 total se encontra elevado. Pode
estar aumentado na hipertiroxinemia disalbuminêmica familiar e na resistência ao
hormônio tireoidiano.

TSH suprimido associado a T4 livre normal pode ocorrer no hipertireoidismo por T3,
sendo, então, a dosagem do T3 indicada.

O T4 livre pode apresentar-se normal no hipertireoidismo subclínico (TSH diminuído)


e no hipotireoidismo subclínico (TSH elevado).

Calcitonina

A calcitonina é produzida pelas células parafoliculares ou células C da tiroide. Sua


função fisiológica é como antagonista do paratormônio, diminuindo a reabsorção
óssea osteclática e o cálcio sérico.

101
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Apresenta-se clinicamente como um marcador tumoral do carcinoma medular da


tireoide (CMT), particularmente no seguimento de portadores da doença e no rastreio
de familiares assintomáticos de portadores (forma familiar), uma vez que nesse
quadro seus níveis encontram-se elevados. É importante observar que os níveis de
calcitonina sérica não conseguem diferenciar casos entre a hiperplasia de células C e o
microcarcinoma medular.

O CMT representa de 5 a 10% dos tumores malignos da tireoide, podendo apresentar-


se isolado ou como parte da neoplasia endócrina múltipla (NEM) tipo IIA ou IIB em
10% dos casos, ou, ainda, na sua forma familiar.

O prognóstico do CMT depende da precocidade do diagnóstico, daí o interesse na


dosagem de calcitonina, em especial nos casos familiares, nos quais muitas vezes
o aumento de secreção é visto apenas em teste funcional de estímulo. O exame que
combina cálcio e pentagastrina apresenta maior sensibilidade no diagnóstico de CMT
do que os estímulos isolados.

Controle da função tireoidiana

O crescimento e a função da glândula da tireoide e os efeitos periféricos dos hormônios


tireoidianos são controlados por pelo menos quatro mecanismos:

» eixo hipotalâmico-hipofisário-tireóideo clássico, em que o hormônio


hipotalâmico de liberação da tireotropina (TRH) estimula a síntese de
liberação do hormônio de estimulação da tireoide (TSH), que por sua
vez estimula o crescimento e a secreção hormonal pela glândula tireoide;

» as desiodinases hipofisárias e periféricas que modificam os efeitos de T4


e T3;

» autorregulação da síntese hormonal pela própria glândula tireoide, que


varia com a quantidade de iodo disponível;

» estimulação ou inibição da função tireóidea por autoanticorpos contra


receptores de TSH.

Além disso, os efeitos de T3 podem ser modificados pelo estado de seus receptores
(repressão ou ativação) e possivelmente pelos agonistas ou antagonistas não tireóideos
dos receptores desse hormônio.

102
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

Distúrbios da tireoide

As doenças da tireoide são devido aos distúrbios da secreção dos hormônios


tireoidianos. A prevalência da disfunção tiroidiana detectável clinicamente é de 1-2%
das mulheres em idade reprodutiva. As doenças da tireoide podem ser secundárias a
lesões no hipotálamo, na hipófise ou na própria glândula tireoide, sendo mais comum
essa última etiologia.

Hipertireoidismo

É uma síndrome clínica associada à atividade excessiva dos hormônios tireoidianos.


A apresentação clínica do hipertireoidismo (tireotoxicose) depende da idade de início
e da gravidade da síndrome. As manifestações clínicas podem envolver a maioria
dos sistemas do organismo e a apresentação varia dos casos assintomáticos até a
crise tireotóxica. As manifestações típicas são: nervosismo, mal-estar, palpitações,
intolerância ao calor, emagrecimento e incapacidade de concentrar-se. Outras
manifestações clínicas podem estar relacionadas com os olhos e incluem retração
palpebral, proptose e oftalmoplegia. As anormalidades reprodutivas são distúrbios
menstruais, infertilidade e abortamentos espontâneos (GREENSPAN, 2006).

A forma mais comum de hipertireoidismo é devido à doença autoimune, que afeta


a função tireoidiana intrínseca (doença de graves). Os anticorpos se ligam aos
receptores do TSH e estimulam a glândula da tireoide a secretar quantidades maiores
de hormônio tireoidiano. As causas menos comuns são tireoidite subaguda bócio
multinodular tóxico e estroma ovariano.

O excesso de hormônio tireoidiano altera os níveis dos esteroides sexuais e


estimula a produção hepática de SHBG. Em consequência disso, os níveis séricos
totais de estradiol, estrona, testosterona e diidrotestosterona aumentam, embora
as concentrações livres desses hormônios permaneçam dentro da faixa normal.
As reações de depuração metabólica parecem estar alteradas, o que pode ser
explicado parcialmente pela ligação proteica aumentada. As taxas de conversão da
androstenediona em estrogênio e testosterona estão aumentadas.

As irregularidades menstruais são comuns nos estados de hipertireoidismo. O


mecanismo exato é desconhecido. Os níveis alterados de TRH e TSH não parecem ter
impacto significativo no eixo HHO. O pico de LH pode ser atenuado, embora estudos
tenham demonstrado que as pacientes com hipertireoidismo têm resposta normais de
FSH e LH à administração de GnRh (hormônio hipotalâmico que estimula a produção
FSH e LH) de exógeno. É possível que o emagrecimento e os distúrbios psicológicos
associados ao hipertireoidismo contribuam para as anormalidades menstruais
(GREENSPAN, 2006).

103
UNIDADE II │ EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS

Hipotireoidismo

Refere-se à produção insuficiente de hormônios tireoidianos, sendo mais comum nas


mulheres em idade reprodutiva que o hipertireoidismo. As manifestações clínicas
podem envolver quase todos os sistemas do organismo e a apresentação pode variar
dos casos assintomáticos ao coma mixedematoso. Os sinais e sintomas mais comuns
são letargia, déficits de memória, intolerância ao frio, pele seca, queda dos cabelos
e, ocasionalmente, crescimento excessivo dos pelos, voz grossa, náuseas e prisão
de ventre. As alterações físicas são sonolência bradicardia, hipertensão suave, pele
seca, congestão periorbitária, edema sem cacifo nas mãos, na face e nos tornozelos
e depressão dos reflexos tendinosos. As anormalidades da função reprodutiva são
distúrbios menstruais, infertilidade e abortamentos espontâneos (GREENSPAN,
2006).

O hipotireoidismo grave que não é tratado pode estar associado à precocidade sexual
e galactorreia (síndrome de Van Wky-Grumbach, apresenta o hormônio prolactina
elevado no sangue); o tratamento com tiroxina corrige o hipotireoidismo, suprime a
puberdade precoce e a galactorreia e reduz os níveis de prolactina.

Embora o hipotireoidismo significativo produza níveis elevados de LDL em quase


todos os indivíduos, apenas alguns desenvolvem hipertriglicedemia. O aumento das
LDL resulta, pelo menos em parte, da conversão diminuída do colesterol em ácidos
biliares e da infrarregulação dos receptores de LDL. Quando presente, a lipemia é
habitualmente discreta, embora possa ocorrer níveis séricos de triglicérides > 3.00
mg/dL em pacientes com mixedema. É provável que o comprometimento da remoção
das triglicérides esteja envolvido, refletindo a diminuição da atividade da lípase
hepática. O conteúdo aumentado dos ésteres de colesterol e da apoE nas lipoproteínas
ricas em triglicérides sugere a ocorrência de acúmulo de partículas remanescentes. O
hipotiroidismo, mesmo de grau muito leve, frequentemente determina a expressão de
hiperglicemia em indivíduos com disbetalipoproteinemia.

A causa mais comum de hipotireoidismo é a destruição autoimune da tireoide


(tireoidite de Hashimoto), que é medida pela imunidade humoral e celular. Os
anticorpos estão voltados contra a tireoglobulina (anti-Tg) e peroxidase microssômica
tireoidiana (anticorpos antiperoxidase). Os espécimes histológicos mostram infiltrados
linfocíticos. Outras causas são tratamentos ablativo da tireoide (pós-cirurgia ou
administração de iodo radioativo), estágio terminal da doença de Graves e tireoidite
transitória (viral, medicamentosa ou puerperal) (GREENSPAN, 2006).

Níveis insuficientes dos hormônios tireoidianos afetam o metabolismo dos esteroides


sexuais. A produção de SHBG diminui, por essa razão, as concentrações séricas de

104
EXAMES LABORATORIAIS IMUNOLÓGICOS │ UNIDADE II

estradiol e da testosterona estão reduzidas, embora os níveis dos hormônios livres


permaneçam dentro da variação normal.

A disfunção tireoidiana geralmente causa sinais e sintomas inespecíficos, que


acarretam demora no diagnóstico em muitos casos. Se houver apenas distúrbios
menstruais, é recomendável fazer triagem para anormalidades da tireoide. A maioria
dos casos é detectada pelos ensaios do TSH. A confirmação é conseguida pela repetição
das dosagens dos níveis séricos de TSH e hormônios tireoidianos.

105
PATOLOGIAS
GENÉTICAS E UNIDADE III
AUTOIMUNES

CAPÍTULO 1
Neoplasias

Definições, características e causas do câncer


Câncer é um termo que se refere às doenças em que as células se dividem de forma
anormal, descontrolada e conseguem invadir outros tecidos. Na prática, o câncer é
um termo genérico que agrupa um conjunto de mais de 200 doenças que guardam
algumas características comuns, mas, ao mesmo tempo, são extremamente diferentes
em termos de sua origem genética e histopatológica, progressão, agressividade,
prognóstico, tratamento e resposta ao tratamento.

O câncer pode estar mais próximo da definição de síndrome, ou seja, um conjunto de


sintomas e sinais que definem a manifestação clínica da doença, mas que são produto
de etiologias diferentes. Com isso, é extremamente difícil falar em causa, tratamento e
cura do câncer, quando na verdade cada tumor, mesmo do próprio órgão, é diferente e
tem comportamentos distintos.

Câncer a nível molecular

Nos organismos a manutenção do equilíbrio, ou homeostase, é uma das prioridades


que se traduz em mecanismos que asseguram que as condições celulares internas
permaneçam estáveis e relativamente invariáveis. A célula eucariótica normal mantém
a homeostase por meio da programação envolvida no sistema que controla o ciclo
celular. Esse sistema consiste em uma rede de proteínas intra e extracelulares (como
ciclinas e quinases dependentes de ciclinas “CDKs”) que regulam a progressão da
célula por meio das diferentes fases do ciclo celular.

Esse sistema controlador do ciclo celular funciona como um relógio, que faz com que
cada evento do ciclo tenha um tempo determinado e limitado para a sua realização.
106
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES │ UNIDADE III

Além disso, ele é um mecanismo robusto que mantém a ordem dos eventos e assegura
o sucesso da operação por meio da supervisão do desempenho do ciclo em três
checkpoints já estabelecidos que verificam, entre outras coisas, a qualidade do DNA e
as condições do meio para a progressão normal do ciclo.

Existem também outros agentes que percebem o dano celular em qualquer momento
do ciclo. Ao perceberem o dano, eles encaminham a célula a programas de reparo, ou
apoptose, dependendo do nível do dano celular. Dessa mesma maneira a transcrição
do DNA é igualmente acompanhada de perto por um grupo de enzimas que garantem
alta fidelidade do material transcrito.

Graças ao ciclo celular e ao sistema que o controla, é possível que proliferação,


divisão e morte celular sejam eventos altamente vigiados, que em conjunto, permitem
que a célula possua uma autoprogramação que faz com que ela possa se reproduzir
um número estabelecido de vezes para depois seguir no caminho à diferenciação,
senescência ou morte por forma regulada e controlada.

Todas essas defesas celulares fazem com que o câncer seja relativamente raro na vida
de uma pessoa, pois a célula cancerosa precisa adquirir certas características para
conseguir ultrapassar os limites naturais da vida normal de uma célula (SAITO, 2015).

Ciclo celular é um conjunto de etapas que uma célula viva atravessa entre uma
divisão celular e a seguinte. Nesse tempo, a célula se prepara para a seguinte
mitose levando em consideração tanto as exigências do meio em torno dela
como a qualidade dos produtos que ela gera no seu interior.

Ciclinas compõem uma família de proteínas encarregadas de controlar a


progressão do ciclo celular através das diferentes etapas. Elas desempenham
essa função por meio da ativação de quinase dependente de ciclinas ou CDKs.

Quinases dependentes de ciclinas são uma família de proteínas encarregadas


da regulação do ciclo celular através da função quinase, ou seja, de transferência
de grupos fosfato, que ativa ou desativa a molécula que o recebe. Como seu
nome indica, essas proteínas precisam da ligação de ciclinas para poder
desempenhar seu papel fosforilador.

Senescência refere-se ao processo de envelhecimento celular relacionado ao


encurtamento dos telômeros após cada divisão celular.

107
UNIDADE III │ PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES

Figura 12. Características comuns ao câncer.

Resistência à
morte

Desregulação
energética Indução de
celular angiogênese

CÂNCER
Sinal de Ativação de
proliferação invasão e
contínua metástase

Evasão de
Imortalidade
supressores
replicativa
tumorais
Evasão da
resposta
imune

Fonte: Saito, 2015.

Das oito características, a mais representativa do câncer poderia ser o crescimento


celular fora dos limites naturais da célula, ou seja, a imortalidade replicativa. Essa
capacidade pode ser explicada por três características do câncer: sinal de proliferação
contínua, evasão de supressores tumorais e resistência à morte celular.

No tecido normal, as células vizinhas emitem sinais, na forma de fatores de


crescimento, que ativam programas de proliferação na célula que os recebe. A
célula cancerosa, porém, pode adquirir a capacidade de se autoativar com fatores de
crescimento que ela mesma produz, ficando assim independente dos sinais das outras
células do tecido. Por outro lado, ela também pode superexpressar os receptores
encarregados de receber os fatores de crescimento do meio extracelular ou ter
receptores que estejam constitutivamente ativados.

Além de aumentar o crescimento com o aumento dos sinais de proliferação, a célula


cancerosa bloqueia os sinais de supressão do crescimento por meio da evasão de
supressores tumorais. Um tecido normal precisa de um número exato de células e os
sinais antiproliferativos se certificam que a homeostase seja mantida. A célula tumoral
ultrapassa esse obstáculo evitando a senescência e a apoptose através do bloqueio ou,
pelo menos, da diminuição da sensibilidade aos sinais reguladores do crescimento.

É importante citar que além de evitar a senescência, a célula cancerosa evita por
estado de quiescência e de diferenciação. Uma célula pós-mitótica diferenciada não

108
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES │ UNIDADE III

tem a capacidade proliferativa das células neoplásicas. Assim, o câncer é mais que a
desregulação do crescimento celular, é também o desbalanço entre proliferação e
diferenciação, cujo equilíbrio é importante para o funcionamento normal dos órgãos.

No entanto, o aumento em número não pode ser explicado somente pelo aumento na
proliferação, pois as células cancerosas também são mais resistentes aos processos
de morte celular. Como já foi dito, a célula normal tem um vida programada e uma
capacidade proliferativa limitada. Em contrapartida, a célula cancerosa adquire a
capacidade de resistência à morte celular. A célula normal carrega um programa que é
ativado como resposta ao estresse fisiológico: a apoptose. Esse processo está truncado,
em diferentes níveis no câncer. A constante replicação celular demanda uma grande
quantidade de energia e precisa de matéria-prima para a contínua criação de novas
células. Para conseguir sustentar esse processo, a célula neoplásica precisa ajustar
o seu metabolismo. Esse reajuste é alcançado pela reprogramação da fosforilação
oxidativa, na célula normal, para o metabolismo de glicose, no que constitui outras
características do câncer: desregulação energética celular.

Mas o câncer não só consiste na replicação celular fora dos limites. Para um tumor
conseguir progredir com sucesso, tem que ter sido capaz de adquirir outro conjunto de
capacidades.

Para começar, o corpo humano conta com um robusto sistema imunológico que
monitora as células e os tecidos. Graças a ele, a maioria das neoplasias incipientes que
surgem ao longo da vida de uma pessoa serão controladas e eliminadas. A neoplasia
precisa então adquirir a capacidade de evasão da resposta imune, ou seja, fugir dos
mecanismos de vigilância e adquirir resistência aos mecanismos efetores do sistema
imune.

No entanto, uma vez que o tumor consegue se estabelecer e começa a aumentar em


tamanho, precisará, como qualquer outro tecido, de nutrientes e oxigênio. Haverá,
então, uma importante interação com o sistema circulatório por meio da indução de
angiogenese, onde novos vasos sanguíneos serão criados para nutrir o tumor. Uma
série de interações também será criada entre células endoteliais, os vasos e as células
tumorais.

Finalmente, a grande diferença entre as neoplasias benignas e malignas está dada


por essa última característica comum ao câncer, necessária à progressão da doença:
ativação de invasão e metástase. Essa é a característica que permite a algumas células
da massa tumoral infiltrar e colonizar novos órgãos, desenvolvendo novos tumores.
Essa capacidade também é uma das habilidades mais letais do câncer, já que, até o

109
UNIDADE III │ PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES

presente, apesar dos avanços da ciência e da medicina, o tratamento da doença


metastática, na maioria de casos, não é bem-sucedido (SAITO, 2015).

Instabilidade genômica

Para que uma célula normal consiga adquirir as características do câncer, precisará,
em grande parte, da instabilidade genômica e do acúmulo de mutações ao longo do
tempo. Esse fato faz com que o câncer seja encontrado com maior frequência na idade
adulta.

A instabilidade genômica e as mutações, por sua vez, são os resultados de diferentes


tipos de alterações genéticas que podem modificar a sequência do DNA, na forma de
mutação de nucleotídeo único, deleções, translocações, entre outras transformações
que podem até chegar à modificação ao nível cromossômico, como aneuploidia,
translocações cromossômicas ou inversões. No entanto, há alterações que modem
modificar que podem modificar a expressão de algum conjunto de gene sem afetar a
sequência de nucleotídeos, como no caso das alterações epigenéticas. Esse conjunto
de alterações genéticas e epigenéticas é, por sua vez, produto de fatores físicos,
químicos e biológicos externos, como exposição à radiação, a gases tóxicos, tabagismo,
alcoolismo, infecções virais, entre muitos outros. Além disso, também contribuem
fatores internos, como no caso das mutações herdadas.

Os mecanismos genéticos e epigenéticos envolvidos no câncer interagem muitas vezes


por meio da ativação de oncogenes e do silenciamento de genes supressores de tumor
para criar vias que beneficiam o acúmulo de outras características do câncer de forma
progressiva (SAITO, 2015).

Protoncogenes são genes principalmente ligados a vias de proliferação


e diferenciação que, quando mutados ou superexpressos de maneira
descontrolada (oncogenes), contribuem para o aparecimento das neoplasias.

Instabilidade genômica e mutações são alterações em distintos níveis genéticos


que promovem o aumento da expressão de oncogenes e silenciamento de
genes supressores de tumor.

110
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES │ UNIDADE III

Figura 13. Instabilidade genômica e mutações.

Físicos

Epigenética

Oncogenes
Químicos

Instabilidade
Genética
Biológicos Genômica e Mutações

Genes
Hereditários
supressores
Cromossômica
de tumor

Fonte: Saito, 2015.

Câncer a nível celular e tecidual

Mediante a obtenção das características anteriormente descritas, a célula cancerosa


adquire a capacidade de escapar das normas que comandam a população celular
normal onde ela se encontra, conseguindo, assim, uma série de vantagens, além de
independência, que lhe permitem sobreviver aos mecanismos de defesa do organismo
para se tornar cada vez mais agressiva no seu comportamento e, eventualmente,
invasiva fora do seu contexto tecidual.

No final desse processo de aquisição das características do câncer, também


conhecido como transformação celular, a célula se converte em uma célula maligna
ou transformada, adquirindo características citológicas microscópicas observáveis no
laboratório.

A constante divisão celular acarreta células mitóticas de tamanhos e formas diferentes,


com núcleos de maior tamanho que albergam quantidades alteradas de material
genético para a construção de novas células. Além disso, a célula cancerosa perde a
diferenciação celular que apresentava como normal, deixando de ter a capacidade
de desenvolver a sua função específica plenamente. Em adição, as células cancerosas
compõem arranjos celulares desorganizados, com células de diferentes formas e
tamanhos, constituindo tumores com margens mal definidas (SAITO, 2015).

111
UNIDADE III │ PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES

Figura 14. Características das células neoplásicas.


Células Núcleos de Núcleo de Variação no Perda da Perda da Limites do
mitóticas mal diferentes maior tamanho e diferenciação organização tumor mal
definidas tamanhos e tamanho número das celular celular definidos
formas células

NORMAL

CÂNCER

Fonte: Saito, 2015.

Essa célula que consegue adquirir as vantagens conferidas pelas características do


câncer, devido à sua constante reprodução, conseguirá constituir uma população
clonal que dará origem ao tumor.

A nível tecidual, a produção de células do clone original estará acompanhada por


outros diferentes tipos celulares, tanto outros clones originários do clone original que
formam sua nova linhagem de células, como de células do sistema imune, entre outras,
que compõem o microambiente tumoral onde essas populações de células interagem e
modificam a progressão da doença.

Posteriormente, e à medida que as células neoplásicas que compõem o tumor vão se


dividindo descontroladamente, o que representa um solo fértil para o ganho adicional
de mutações, surgirá um clone ou novos clones com a capacidade de invadir e colonizar
novos tecidos, com a capacidade de metastizar. Todos esses acontecimentos vão
representar a desconfiguração da arquitetura tecidual normal, perturbando, assim, as
funções normais do tecido e, portanto, do órgão que invade (SAITO, 2015).

Clonalidade no câncer

Cada vez mais se sabe que são muitos os tipos celulares interagindo dentro
do tumor, por isso, pode ser compreendido como um conjunto de células
originadas em um ou vários clones que foram capazes de se transformar, dos
quais um novo clone será originado com a capacidade de metastizar.

Cada vez mais o câncer vai se configurando como uma das primeiras causas de morte
nos países mais desenvolvidos. Fato que chama atenção desde que a doença tem
acompanhado a história humana, mas até essa época ele se converte na causa de um
desmesurado número de óbitos.

112
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES │ UNIDADE III

Sem dúvida, as características da sociedade atual fazem com que as pessoas estejam
mais expostas a fatores de riscos associados à instabilidade genética e às mutações, que
levam ao aumento da expressão de oncogenes e ao silenciamento de genes supressores
de tumor. Isso, somado ao aumento da longevidade, resulta em que as alterações do
genoma tenham mais tempo para se acumular e, eventualmente, desencadear um
tumor.

Uma vez instalado, esse tumor pode ser estudado em diferentes níveis. Desde as
alterações que o caracterizam no nível molecular, que vão transformar o fenótipo e
funcionamento celular normal, que, por sua vez, alteraram a forma como essa célula
se relaciona com seu hábitat tecidual, até como a população de células originada nela
se relacionará com as células do sistema imune no ambiente microtumoral.

O câncer é um fenômeno multifatorial e multifacetado, que supera os níveis biológicos


e até pessoais dos indivíduos que o apresenta. Configura uma grande carga ao nível
social e torna-se de altíssima importância na tomada de decisões das sociedades em
nível de saúde pública e desenho de estratégias de prevenção, combate e cuidados
paliativos.

O câncer é a epidemia da nossa época e aparentemente os esforços estão encaminhados


para que o futuro seja um fenômeno tão distante como a morte de 40% da classe
trabalhadora por tuberculose na Europa do século XIX é para nós (SAITO, 2015).

Marcadores tumorais

Os marcadores tumorais são moléculas presentes no sangue, em tumores e em outros


líquidos biológicos, cujo aparecimento e ou alterações em suas concentrações estão
relacionados com a gênese e o crescimento de células neoplásicas.

Os marcadores tumorais são utilizados para a detecção precoce de recidivas da doença


e para o acompanhamento de tumores. Idealmente, o marcador deve ser específico
para um tipo de neoplasia e sensível para detectar um pequeno número de células
neoplásicas. No entanto, nenhum dos que atualmente estão disponíveis preenchem
esses critérios, o que limita seu poder diagnóstico na doença primária. No quadro
abaixo, você confere os principais marcadores tumorais, assim como suas indicações e
limitações.

Aplicação e limitações dos principais marcadores tumorais na prática clínica.

113
UNIDADE III │ PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES

Quadro 2. Marcadores tumorais.

Marcadores Aplicação
tumorais
5-HIAA Diagnóstico de neoplasias neuroendócrinas e no monitoramento da doença.
Diagnóstico e prognóstico de tumores germinativos de testículos e ovário hepatocarcinoma. Além de
AFP contribuir no monitoramento e tratamento da doença. Detecta-se a elevação na presença de doenças
hepáticas, como hepatites, cirrose, lesão induzida por drogas.
Diagnóstico de neoplasias no ovário. Permite o screening em mulheres com história familiar de câncer
de ovário. Diagnóstico diferencial das massas pélvicas na pós-menopausa. Contribui para prognóstico
e detecção de recidivas da doença. Apresenta baixa sensibilidade para screening em mulheres
CA 125
assintomáticas. Eleva-se na fase folicular do ciclo menstrual, no 1o trimestre de gestação, nas doenças
benignas do fígado, na endometriose, adenomioses, DIP, doenças inflamatórias da pleura, peritônio e
pericárdio. Aumento nos cânceres de útero, colorretal, fígado, pulmão e em outros adenocarcinomas.
Diagnóstico de neoplasias na mama. Confere detecção precoce de recorrência de metástase. Apresenta
baixa sensibilidade para screening em mulheres assintomáticas. Não está recomendado para uso isolado
CA 15.3 e CA 27.29
no acompanhamento de doença avançada. Apresenta-se elevado na presença de doenças benignas do
fígado e mama.
Diagnóstico de neoplasias no pâncreas e no trato biliar. Contribui no acompanhamento pós-operatório,
no prognóstico e na resposta terapêutica à doença. Apresenta baixa sensibilidade para screening em
CA 19.9 mulheres assintomáticas. Não está indicado para uso isolado no acompanhamento de doença avançada.
Apresenta elevação transitória pós-quimioterapia. Encontra-se aumentado na presença de doenças
benignas do fígado e mama.
Diagnóstico de neoplasias como: feocromocitoma, neuroblastoma e paraganglioma. Contribui para
Catecolaminas
monitoramento e tratamento da doença.
Diagnóstico de neoplasias colorretais, carcinoma medular da tireoide, mama e estômago. Detecta-se
aumento dos níveis em fumantes. Elevação nas doenças benignas hepáticas, gástricas e intestinais, nas
CEA colestases, em infecções pulmonares, no enfisema e na insuficiência renal. Apresenta-se elevado nos
cânceres de pulmão, fígado e pâncreas. Confere baixa sensibilidade para screening e diagnóstico em
estágio inicial. Há elevação transitória no período pós-quimioterapia.
Diagnóstico de neoplasias como: feocromocitoma, neuroblastoma e tumores endócrinos pancreáticos.
Contribui para o monitoramento e o tratamento da doença. Apresenta baixa especificidade. Eleva-se em
Cromogranina A doenças benignas como: insuficiência renal, doenças hepáticas, gastrite atrófica, doença inflamatória
intestinal, e em outros tumores: hiperaldosteronismo por adenoma, câncer de próstata, tumor de
pequenas células do pulmão.
Diagnóstico de neoplasias como gastrinoma e síndrome de Zollinger-Ellison. Contribui para monitoramento
Gastrina
e tratamento da doença.
Diagnóstico de neoplasias como tumores germinativos de testículo e ovário e Tumor trofoblástico
HCG-beta
gestacional (mola hidatiforme). Contribui para monitoramento e tratamento da doença.
Diagnóstico de neoplasias como: feocromocitoma, paraganglioma e neuroblastoma. Contribui para
Metanefrinas
monitoramento e tratamento da doença.
Diagnóstico de neoplasias como o câncer de próstata. Contribui para screening e detecção precoce, além
da utilização no monitoramento e tratamento da doença. Apresenta elevação dos níveis séricos com: a
PSA idade, variação biológica (dia a dia), doenças benignas da próstata (prostatite e hiperplasia), manipulação
da próstata, anticorpos heterofílicos. Ainda controverso entre os grupos médicos sobre a utilização do PSA
com rastreamento populacional.
Fonte: Diamandis, 2002; Jacobs, 2001; Sturgeon, 2008, 2010; Wu, 2006; Almeida, 2007.

114
CAPÍTULO 2
Doenças autoimunes

Introdução
O sistema imunológico é composto por um conjunto integrado de moléculas, células
e órgãos que formam uma complexa rede, responsável pela coordenação de diversos
mecanismos envolvidos na defesa do hospedeiro. Durante a evolução das espécies, o
sistema vem aperfeiçoando-se no intuito de proteger o indivíduo contra a agressão de
micro-organismos e parasitas potencialmente patogênicos e de substâncias estranhas
presentes no meio ambiente, induzindo respostas rápidas, específicas e duradouras.
Por outro lado, mantém uma vigilância permanente da integridade do organismo,
eliminando células danificadas e rejeitando a presença de células autorreativas,
tumorais de órgãos e tecidos. Distúrbios nos mecanismos pelos quais o sistema
imunológico atua estão envolvidos na fisiopatogenia de uma ampla gama de condições
clínicas, como doença alérgicas e autoimunes, imunodeficiências e neoplasias. As
imunodeficiências graves, sejam elas congênitas ou adquiridas, ilustram a importância
do sistema imunológico para a preservação do organismo, uma vez que a ausência de
uma resposta imune atuante é incompatível com a vida.

Imunidade inata e adaptativa

O sistema imunológico foi separado didaticamente em imunidade inata e adaptativa.


Entretanto, sabe-se atualmente que há uma estrita colaboração entre os dois braços da
resposta imune, e que as células dendríticas (células especializadas na apresentação de
antígenos) desempenham um papel fundamental na integração entre eles.

A imunidade inata atua de forma ampla, como primeira linha de defesa na interface
como meio externo, contra a invasão do hospedeiro, é a mais primitiva, estando
presente desde o nascimento. Caracteriza-se por ser imediata, inespecífica e efêmera,
não conferindo memória. Não há adaptações em seus mecanismos, que atuam de
forma pré-estabelecida. Dela participam barreiras físico-químicas, como a pele,
as substâncias bactericidas das secreções, as proteínas pré-formadas, as células
pré-existentes e o sistema complemento. Os macrófagos encontrados nos tecidos,
juntamente com os neutrófilos presentes na circulação, bloqueiam a entrada de micro-
organismos por meio da fagocitose e pinocitose. Esses processos desencadeiam uma
série de reações que resultam na inflamação, responsável pela destruição de agentes

115
UNIDADE III │ PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES

invasores e eliminação de compostos tóxicos estranhos. Os linfócitos NK (natural


killer, células matadoras), assim como outras células da imunidade inata, não
necessitam contato prévio com o antígeno para atuar.

A imunidade adaptativa é constituída por um amplo repertório de linfócitos T e B.


Sua atuação, na neutralização a agressores externos, necessita de um contato prévio
com o antígeno para a elaboração da resposta, que, por essa razão, é mais tardia.
Diferencia-se da imunidade inata por ser altamente específica diversificada e duradora
em decorrência da formação de células de memória. A identificação do agente agressor
constitui a primeira etapa da resposta imune. Os linfócitos interagem por meio de seus
receptores com as células apresentadoras de antígenos. Nesse processo, há expressão
de moléculas coestimuladoras e produção de citocinas (IL) responsáveis pela interação,
modulação e regulação do sistema. O contato com antígeno e seu reconhecimento pelo
complexo principal de histocompatibilidade dão início à ativação, à diferenciação
e à expansão dos linfócitos que, por recombinação aleatória de seus constituintes
gênicos, passam a ser antígenos específicos e denominados clones. De acordo
com o tipo de marcadores de superfície, os linfócitos T (LT) são classificados como
citotóxicos (LT CD8 +), responsáveis pela destruição de patógenos intracelulares e
linfócitos auxiliadores ou helper (Th) (LT CD4 +), que iniciam e coordenam a resposta
adaptativa. Os Th diferenciam-se a partir do precursor Th0, em subtipos 1, 2 e 3 (Th1,
Th2, Th3) em razão de sua função e produção de citocinas. As células Th1 secretam
preferencialmente interferon-gama (IFN-gama) e fator de necrose tumoral (TNF),
promovem proteção contra bactérias e vírus por meio do processo de citotoxicidade
e estão presentes na fisiopatogenia das doenças autoimunes. As células Th2 secretam
IL4, IL-I3 e IL-5 e são responsáveis pela proteção contra parasitas e por processos
alérgicos IgE-mediados. As IL-4 e IL-3 são necessárias para síntese de IgE e a IL-5
atrai e ativa eosinófilos. Os linfócitos B (LB), com auxílio das células Th1 e Th2, por
meio de suas citocinas e expressão de moléculas co-estimuladoras *CD40-CD40L),
diferenciam-se em plasmócitos, células produtoras de anticorpos representados pelas
imunoglobulinas. A classe de anticorpos a ser produzida depende do tipo, da dose e da
via de citocinas no momento de sua apresentação. O padrão Th1 de resposta induz a
produção de anticorpos IgG e IgM, imunoglobulinas capazes de ativar o complemento,
ampliando a reação inflamatória do processo, enquanto o padrão Th2 determina a
produção do IgE, que não tem a propriedade de ativar o complemento.

Recentemente foram descritos os linfócitos Th3 produtores de IL-10 e TGF-beta


(transforming gruth factor), com função de balancear e modular a resposta imune.
De acordo com os conhecimentos atuais, o balanço entre as células auxiliadoras Th1 e
Th2 é necessário para o funcionamento adequado do sistema imunológico. A resposta
imune adaptativa é primordial na prevenção de recorrência das doenças pela formação

116
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES │ UNIDADE III

das células de memória que se ativam prontamente na presença do agente agressor


(SAITO, 2015).

Doenças alérgicas

O sistema imunológico é programado para proteger o hospedeiro, entretanto,


em determinadas condições, pode ser deletério e indutor de doenças. O termo
hipersensibilidade está relacionado aos processos da reposta imune adaptativa
que resultam em danos para o hospedeiro. Gell e Coombs, em 1963, classificam
essas reações em 4 tipos, que foram baseados na atuação de anticorpos e células
imunocopetentes como processos independentes. No entanto, essa dicotomia não
corresponde aos avanços no conhecimento de imunologia, que mostram que a
coordenação da resposta imune é comandada por células dendríticas e LT auxiliadores
e mediada por vários tipos de células efetoras, anticorpos, quimiocinas e citocinas de
forma integrada.

O termo alergia foi introduzido por Von Pirquet, em 1906, para designar “reatividade
imune modificada”, ou seja, uma resposta imune que se desvia daquela esperada.
Atualmente, entretanto, o termo alergia tem sido utilizado, de forma generalizada,
como causa de sintomas de diversas etiologias. Os clínicos devem ter em mente
que o diagnóstico de alergia é criticamente dependente da participação de um
processo imunológico. No conceito clássico, as quatro reações de hipersensibilidade
de Gell e Coombs são reações alérgicas, apesar da utilização do termo alergia estar
frequentemente relacionado às reações IGE-mediadas (hipersensibilidade tipo I ou
anafilática).

O termo atopia foi introduzido por Coca, em 1923, para designar um grupo de doenças
em humanos que não estavam relacionadas nas reações de hipersensibilidade.
Atualmente, a atopia é definida como capacidade, herdada geneticamente, de produzir
anticorpos da classe IgE de forma contínua e elevada, contra antígenos inócuos do
meio ambiente, podendo levar a manifestações clínicas como asma, rinite, conjuntivite,
alergia alimentar e dermatite atópica. Entretanto, há controvérsias, existindo uma
tendência atual de considerar atópicos apenas o indivíduo com manifestação clínica
de doenças alérgica. Tipicamente, os indivíduos são acometidos por um espectro de
doenças, já mencionadas, conhecido como “marcha atópica”.

Nos primeiros anos de vida, predominam as manifestações gastrointestinais e


os eczemas cutâneos causados, na maioria das vezes, por antígenos alimentares,
enquanto o aparecimento de sintomas de asma e rinoconjuntivite geralmente são mais
tardios e relacionados a alérgenos inalantes. As doenças atópicas estão intimamente

117
UNIDADE III │ PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES

ligadas à reação de hipersensibilidade tipo I. Nos casos típicos, a sensibilização e o


desenvolvimento dos sintomas ocorrem nos primeiros anos de vida, geralmente com
exposição a baixas doses de antígenos.

As doenças atópicas são a disfunção mais frequente do sistema imunológico. Embora


herdada geneticamente, não foi identificado um marcador gênico específico para
atopia, provavelmente por tratar-se de uma doença poligênica. Estima-se que a chance
de uma criança desenvolver alergia IgE-mediada se ambos os pais forem atópicos
chega a 70%. Esse risco baixa para 5-10% nas famílias não tópicas, ressaltando,
evidentemente, a influência dos fatores ambientais no aparecimento da doença
(SAITO, 2015).

Tabela 10. Reações de Hipersensibilidade de Gell e Coombs.

Reações de hipersensibilidade de Gell e Coombs


Reações Mecanismo efetor Distúrbios
Tipo I – Anafilática IgE, mastócitos, basófilos Anafilaxia
Tipo II – Citotóxica IgG e IgM Citopenias
Tipo III – Imunocomplexos IgG e IgM Doenças do sono
Tipo IV – Tardia Linfócitos T Dermatite de contato
Fonte: Saito, 2015.

Hipersensibilidade tipo I

Doenças alérgicas

Asma

É uma doença inflamatória crônica das vias aéreas associadas à hiper-reatividade


brônquica, causando episódios recorrentes de tosse, opressão torácica, sibilos e
dispneia. Esses sintomas costumam reverter espontaneamente ou com tratamento.
Atualmente, a asma é classificada como alérgica, quando envolve mecanismos
imunológicos IgE-mediados contra antígenos do meio ambiente, e não alérgica, cuja
fisiopatogenia não está suficientemente esclarecida. A prevalência da asma no Brasil
encontra-se ao redor de 20% (SAITO, 2015).

Renite alérgica

Apresenta-se como a doença atópica mais comum, de mais alta prevalência no mundo,
afetando de 20 a 25% da população; sendo que 8 entre 10 pacientes asmáticos são

118
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES │ UNIDADE III

também portadores de rinite alérgica. Sintomas como pruridos e obstrução nasal,


rinorreia e espirros podem apresentar-se de forma intermitente ou persistente e são
importantes causas de comprometimento da qualidade de vida. A inflamação crônica
pode levar a alterações anatômicas que comprometem o resultado do tratamento
clínico. Assim como a asma, a rinite pode ser alergia ou não alérgica. No exame físico,
é possível observar presença de prega acima da ponta nasal, consequência do ato
de coçar (saudação do alérgico), cianose periorbitária (olheira) em razão da estase
venosa, linhas de Dinnie-Morgan (segunda prega infraorbitária), respiração bucal e,
como consequência, fácies alongada (SAITO, 2015).

Conjuntivite alérgica

É uma doença inflamatória crônica da conjuntiva, geralmente de caráter benigno


por não envolver a córnea. Pode apresentar-se de forma isolada ou associada à rinite
alérgica. Os sintomas incluem pruridos, fotofobia, secreção ocular, ardor e sensação de
presença de corpo estranho (SAITO, 2015).

Dermatite atópica (eczema atópico)

É uma doença inflamatória crônica da pele, intensamente pruriginosa, que acomete


todas as faixas etárias, porém, é mais comum na infância, principalmente nos
primeiros 5 anos de vida, afetando mais de 10% das crianças. Em 80% dos casos,
antecede o aparecimento de rinite ou asma. A alergia alimentar está presente em
aproximadamente 40% de crianças que apresentam casos de dermatite atópica de
moderada a grave. Embora de alta prevalência, de 15 a 20% dos Estados Unidos, suas
causas não estão totalmente esclarecidas.

A localização das lesões varia conforme a faixa etária. Na fase aguda, predomina
pápulas eritematosas, vesiculação com exsudato seroso, erosão e escoriações tipo
crosta. É comum a presença de infecção secundária. Nos processos eczematosos
crônicos, observam-se placas descamativas espessas e liquenificação. Na dermatite
atópica, é frequente a associação com xerose (pele seca), pitiríase alba, queratose
pilar, hiperlinearidade palmar e nos casos mais graves catarata e ceratocone. A
dermatite atópica é geralmente acompanhada de valores elevados de IgE e eosinofilia
(SAITO, 2015).

Alergia alimentar

Representar uma pequena parte das intolerâncias alimentares. É mais comum na


infância, afetando cerca de 6 a 8% das crianças menores de 3 anos, espacialmente os

119
UNIDADE III │ PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES

portadores de dermatite atópica, nas quais essa proporção é mais elevada. Os sintomas
costumam desaparecer na adolescência, podendo recidivar na fase adulta. Na infância,
os alimentos mais envolvidos são leite de vaca, ovos soja e trigo. A grande maioria das
crianças passam a tolerar os alimentos por volta de 5 anos, sendo que as reações IgE-
mediadas são mais persistentes. Apenas 2-3% dos adultos são afetados. Nessa faixa
etária, os alimentos mais implicados são frutos do mar, peixes, amendoim e nozes. As
reações clínicas podem ocorrer de alguns minutos a horas após a ingestão do alimento
e os sintomas variam desde leves manifestações cutâneas e gastrintestinais a reações
anafiláticas graves com risco de morte. Na alergia alimentar não IgE-mediada, como
na doença celíaca, além da resposta celular, há a participação de anticorpos da classe
IgG e IgA (SAITO, 2015).

Indivíduos portadores de rinite ou asma, sensibilizados a pólen, podem apresentar


sintomas locais após a exposição oral de alérgenos alimentares que apresentam
similaridades com os alérgenos do pólen, fato conhecido como síndrome da alergia
oral (SAITO, 2015).

Alergias específicas

Anafilaxia

É uma reação IgE-mediada potencialmente fatal. Pode manifestar-se de forma


localizada, como eritema, urticária, angiodema, obstrução de vias aéreas superiores
e/ou vias aéreas inferiores, cólicas, vômitos e diarreia, ou de forma sistêmica, como
hipotensão, vertigem e síncope, conhecida como choque anafilático. A história
clínica é a ferramenta mais importante para se estabelecer sua causa. Entre as
causas mais frequentes, estão alimentos (leite, ovo, frutos do mar), medicações
(penicilina, insulina) e ferroadas de insetos da ordem Hymenoptera. Reações em
que outros mecanismos não IgE-mediados atuam na desgranulação dos mastócitos
são denominadas anafilactoides, pseudo-alérgicas ou anafilaxia não alérgica
(SAITO, 2015).

Urticária e angioedema

São manifestações clínicas frequentes que podem se apresentar de forma isolada ou


associada. Sua prevalência na população geral é maior em mulheres (2:1) e está ao
redor de 20%. A urticária e o angiodema, como entidades isoladas, ocorrem em 60
e 20% dos casos, respectivamente. A associação entre as manifestações está ao redor
de 20%. A dilatação e o aumento da permeabilidade vascular resultam em edema da
derme superficial que, na urticária, caracteriza-se pelo aparecimento súbito de pápulas
120
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES │ UNIDADE III

eritematosas, isoladas ou confluentes, intensamente pruriginosas que desaparecem à


digitopressão e não deixam cicatrizes. As lesões têm a duração de 24 horas, podendo
reaparecer em outras regiões. No angioedema, estão comprometidos os vasos da
derme profunda e o tecido subcutâneo, levando à deformação reversível pouco
pruriginosa com duração de 24 a 72 horas, podendo levar à insuficiência respiratória
nos casos de obstrução da glote. A urticária e o angioedema frequentemente são os
primeiros sintomas a se manifestarem nos casos de anafilaxia sistêmica. Sua etiologia
pode ser IgE-mediada, em especial nos casos agudos e transitórios, como a alimentos e
drogas, mas, em geral, é de difícil reconhecimento nos casos crônicos. Algumas vezes,
a urticária IgE-mediada pode manifestar-se localmente com edema e eritema após o
contato com o alérgeno, como nas mãos de indivíduos alérgicos ao látex ao usar luvas
de borracha natural (SAITO, 2015).

Alergias a drogas

Contribuem apenas com uma pequena porcentagem das reações adversas a drogas
que são usadas frequentemente na prática médica. As reações alérgicas envolvem
mecanismos imunológicos e necessitam de um período prévio para sensibilização;
podem ser mediadas por anticorpos ou células. A maioria das reações alérgicas a
drogas não são IgE-mediadas. Apresentam-se por meio de uma ampla gama de
manifestações clínicas, desde leves eritemas cutâneos até morte por anafilaxia. A
penicilina, conjuntamente com outros antibióticos betalactâmicos, são responsáveis
por 75% das reações fatais, e suas manifestações alérgicas estão representadas nos
quatro tipos de reações de hipersensibilidade (SAITO, 2015).

Alergia a veneno de insetos

Geralmente, está presente em uma pequena porcentagem de indivíduos. Pode


apresentar-se de forma local ou sistêmica. As reações locais extensas apresentam
uma grande área de edema e eritema no local da ferroada e geralmente desenvolvem
infecção secundária. Nas reações sistêmicas, os sintomas podem variar de gravidade,
desde quadros leves de urticária, angioedema, broncoespasmo até choque anafilático
e morte. Nos Estados Unidos, pelo menos 40 casos fatais são notificados por ano.
Os mais relacionados às reações alérgicas pertencem à ordem Hymenoptera,
representada por abelhas, vespas e formigas (SAITO, 2015).

Alergia ao látex

Representa a sensibilidade à proteína do látex da borracha natural. Afeta menos de 1%


da população geral, exceto indivíduos portadores de espinha bífida e em crianças com

121
UNIDADE III │ PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES

más-formações geniturinárias, em que a alta prevalência de sensibilização é atribuída


ao grande número de intervenções cirúrgicas a que são submetidos. Em ambientes
com alta exposição ao látex, como em grupos de trabalhadores de saúde, o número de
indivíduos com manifestações alérgicas vem aumentando, com prevalência estimada
em 5 a 15%. As reações podem manifestar-se localmente, como dermatite ou urticária
de contato, ou de forma sistêmica, que pode levar à insuficiência cardiorrespiratória
(SAITO, 2015).

Hipersensibilidade tipo II

As reações tipo II ou citotóxicas envolvem a combinação de anticorpos da classe IgG


ou IgM contra determinados antigênicos das membranas celulares ou antígenos/
haptenos circulantes que se ligam à sua superfície, geralmente resultando em
distribuição celular. Esse processo pode ocorrer por 4 mecanismos:

» Fixação e ativação do sistema complemento pela ligação de anticorpos


com o antígeno na superfície da célula-alvo, geralmente resultando em
lise.

» Processo de fagocitose pela ligação da porção Fc dos anticorpos ou


do fragmento C3b do complemento, que recobrem as células-alvo
(opsonização), as células fagocitárias.

» Citotoxicidade celular dependente de anticorpos (Adcc), onde a lise


das células-alvo, recobertas por IgG, resulta da ação de células natural
killers e LTCD8+ pela ligação da porção Fc do anticorpo.

» Destruição de eritrócitos recobertos de imunocomplexos formados por


IgG ou IgM, no baço e no fígado, respectivamente.

São classificadas como reações de hipersensibilidade tipo II as respostas contra


as células sanguíneas, como reações transfusionais, doença hemolítica do recém-
nascido, anemias hemolíticas autoimunes e reações adversas a medicamentos
que são desencadeadas pela resposta contra a droga ou seus metabólitos ligados
a componentes do sangue, resultando em lise celular. Como exemplo, podemos
citar: anemia hemolítica causada pelo uso de penicilinas, indinavir e sulfonamida;
plaquetopenia causada pela carbamezepina, agranulocitoses associada à
administração de sulfametoxazol. Reação hiperaguda a enxerto, como em transplantes
de rins, miastenia grave e endocrinopatias, como tireoidite de Hashimoto de doença
de Graves, também estão incluídas na reação tipo II (SAITO, 2015).

122
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES │ UNIDADE III

Hipersensibilidade tipo III

As reações tipo III caracterizam-se pelo depósito de imunocomplexos circulantes


ou sua formação in situ nos tecidos ou endotélio. Desencadeados pela presença de
micro-organismos, autoantígenos e antígenos externos. Esses agregados ativam o
complemento, resultando em dano celular. O exemplo claro é a doença do soro,
atualmente pouco frequente, as vasculites, a alveolite alérgica, entre elas pulmão
de fazendeiro, a aspergilose broncopulmonar e o lúpus eritematoso sistêmico
(SAITO, 2015).

Hipersensibilidade tipo IV

As reações do tipo IV, ou tardia, também conhecida como imunidade celular, é


predominantemente mediada por células e caracteriza-se por apresentar resposta de
48 a 72 horas após o estímulo, que pode ser cutâneo ou intradérmico. Na dermatite
de contato alérgica, a sensibilização inicia-se com o contato e absorção de alérgenos,
geralmente de baixo peso molecular, denominados haptenos, que se ligam a
queratinócitos e penetram facilmente na pele, onde passam a ser reconhecidos e
encaminhados pelas células de Langerhans (células apresentadoras de antígeno)
aos linfonodos, local onde acontece sua apresentação às células T virgens que se
diferenciam e passam a reconhecer o antígeno. Os linfócitos Th1 sensibilizados
por ocasião da re-exposição ao antígeno retornam ao sítio de exposição e passam a
produzir citocinas, que ativam os macrófagos, dando origem à resposta inflamatória,
que se caracteriza pelo aparecimento de lesões eczematosas altamente pruriginosas.
Como exemplo de causa frequente de dermatite de contato, temos o níquel, a borracha
de seus derivados, o couro, além de uma vasta lista de substâncias. Deve-se ressaltar,
entretanto, que aproximadamente 80% das dermatites exógenas não são causadas por
mecanismos alérgicos, mas induzidas de forma não específica por uma disfunção da
barreira cutânea em reposta à lesão mecânica ou química, resultando em dermatites
de contato irritativas. As reações cutâneas para tuberculose (PPD), hanseníase (reação
de Mitsuda) e fungos como Candida Albicans (candidina) também são mediadas pela
reação tipo IV. O termo hipersensibilidade atualmente tem sido utilizado de forma
mais abrangente que a reações clássicas de Gell e Coombs, incluindo as reações de
hipersensibilidade não alérgicas (SAITO, 2015).

123
UNIDADE III │ PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES

Figura15. Reações de hipersensibilidade.

Hipersensibilidade

Hipersensibilidade alérgica. Mecanismo Hipersensibilidade não alérgica.


imunológico definido ou fortemente suspeito. Mecanismo imunológico excluído.

IgE-mediado Não IgE-mediado

Doença celíaca, dermatite de contato


Não atópico Atópico

Eosinofílico: gastroenterite
Picada de insetos Dermatite atópica

Helmintos Alergia alimentar IgG-mediado: a alveolite alérgica

Drogas Rinoconjuntivite
Outros
Outros Asma

Fonte: Saito, 2015.

Doença celíaca (DC)

A doença celíaca é uma doença de desordem multifatorial influenciada por fatores


ambientais e genéticos que acometem o sistema gastrointestinal, podendo produzir,
em outros sistemas, sintomas como anemia, cefaleia e depressão. A doença celíaca é
induzida por uma dieta que contém glúten em indivíduos geneticamente susceptíveis.
A maioria dos indivíduos com doença celíaca tem anticorpos associadas à doença
e variantes alélicas em dois genes HLA, HLA-DQA1 e HLA-DQB1. Como 30%
da população em geral têm um dos alelos HLA associados à doença celíaca, ela
não é diagnóstica. Entretanto, a sua ausência praticamente exclui tal diagnóstico
(PEDROSA, 2015).

Diagnóstico da doença celíaca

Para o diagnóstico da doença celíaca (DC) combinação de testes sorológicos e


histopatológicos são imprescindíveis. Inicialmente, os indivíduos com sinais e
sintomas sugestivos ou sob risco aumentado a desenvolver DC têm de ser avaliados
quanto à presença de anticorpos específicos e, caso algum(ns) desse(s) seja(m)
positivo(s), são submetidos à biopsia duodenal.

124
PATOLOGIAS GENÉTICAS E AUTOIMUNES │ UNIDADE III

Os anticorpos antiendomísio (anti-EMA) e antitransglutaminase tecidual (anti-TG2)


da classe IgA são considerados os exames de escolha para a triagem de pacientes
sob suspeita de DC. Os pacientes com deficiência de IgA, anticorpos da classe IgG
necessitam ser pesquisados. Devido à baixa sensibilidade e especificidade diagnóstica,
os testes para detecção de anticorpos antigliadina nativa (anti-AGA) IgA e IgG não
devem ser utilizados na avaliação de pacientes com suspeita clínica ou sob risco
aumentado de desenvolver doença celíaca.

Recentemente tornaram-se comercialmente disponíveis os testes de detecção de


anticorpos contra peptídeos deaminados de gliadina, denominados como pesquisa de
anticorpos antigliadina desaminada (anti-DGP).

Inúmeros estudos publicados denotam que o desempenho diagnóstico dos anticorpos


anti-DGP IgA e IgG é superior à dos anticorpos anti-AGA IgA e IgG, tanto em adultos
quanto em crianças. Embora apresentem sensibilidade diagnóstica inferior à dos
anticorpos anti-EMA e anti-TG2, os anticorpos anti-DGP podem ser importantes e
determinantes em algumas situações clínicas de forma particular. A primeira delas é
nos pacientes com deficiência de IgA. A segunda situação se aplicaria para crianças
com menos de 2 anos de idade. A terceira situação diz respeito aos indivíduos com
DC soronegativos para anti-TG2. Embora a alta sensibilidade diagnóstica, existem
pacientes com DC que apresentam resultados persistentemente negativos para
anticorpos anti-EMA e anti-TG2. Uma proporção significativa desses pacientes (26,3%
a 50%) porta apenas anticorpos anti-DGP circulantes (PEDROSA, 2015).

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