Bioética e Ética em Auditoria PDF
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Braslia-DF.
Elaborao
Produo
Apresentao................................................................................................................................... 4
Organizao do Caderno de Estudos e Pesquisa...................................................................... 5
Introduo...................................................................................................................................... 7
Unidade i
biotica e tica.................................................................................................................................. 9
Captulo 1
Noes introdutrias........................................................................................................ 9
Captulo 2
Biotica e cincia.............................................................................................................. 26
Captulo 3
Reproduo assistida........................................................................................................ 30
Captulo 4
Transplantes....................................................................................................................... 37
Captulo 5
Biotica e Eutansia............................................................................................................ 39
Captulo 6
Pesquisa com seres humanos........................................................................................... 41
Captulo 7
reas temticas especiais.................................................................................................. 48
Captulo 8
A Biotica e a Sade Pblica............................................................................................. 51
Captulo 9
Biotica e Direitos Humanos.............................................................................................. 54
Captulo 10
Biotica clnica................................................................................................................. 61
Unidade ii
Auditoria.......................................................................................................................................... 71
Captulo 1
Questo tica..................................................................................................................... 71
Captulo 2
Instrumentos de Auditoria................................................................................................. 77
Para (No) Finalizar....................................................................................................................... 86
Referncias .................................................................................................................................... 88
Apresentao
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa rene elementos que se entendem
necessrios para o desenvolvimento do estudo com segurana e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinmica e pertinncia de seu contedo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas metodologia da Educao a Distncia EaD.
Pretende-se, com este material, lev-lo reflexo e compreenso da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos especficos da rea e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convm ao profissional que busca a formao continuada para
vencer os desafios que a evoluo cientfico-tecnolgica impe ao mundo contemporneo.
Elaborou-se a presente publicao com a inteno de torn-la subsdio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetria a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
5
Organizao do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os contedos so organizados em unidades, subdivididas em captulos, de
forma didtica, objetiva e coerente. Eles sero abordados por meio de textos bsicos, com questes
para reflexo, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradvel. Ao
final, sero indicadas, tambm, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrio dos cones utilizados na organizao dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocao
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou aps algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questes inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faa uma pausa e reflita
sobre o contedo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocnio. importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experincias e seus sentimentos. As
reflexes so o ponto de partida para a construo de suas concluses.
Praticando
Ateno
6
Saiba mais
Sintetizando
Exerccio de fixao
Atividades que buscam reforar a assimilao e fixao dos perodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relao a aprendizagem de seu mdulo (no
h registro de meno).
Avaliao Final
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Introduo
Para um melhor entendimento da Biotica no sculo XXI, que traz conceitos extremamente
variados no que se refere aos temas privilegiados por pesquisadores e estudiosos da rea, dois
assuntos tm merecido uma ateno especial e certamente continuaro compondo a pauta bsica
das preocupaes dos governos dos diferentes pases e das comisses cientficas dos congressos
bioticos internacionais.
Em um mundo onde a razo liberada impera sobre os outros conceitos ticos e filosficos, h de
se questionar porque a vida efetiva e emancipada do homem em sua plena autonomia deve ser
condicionada ao requisito da vida tica.
Por isso precisamos ter um melhor entendimento dessas questes, haja vista a complexidade do
tema, que envolve cultura, religio e o prprio entendimento de ser humano, um ser composto de
uma diversidade de sentimentos, ambies, vontades e formaes culturais e socioeconmicas. Neste
contexto, podemos considerar que as inovaes biotecnolgicas das ltimas dcadas vm obrigando o
homem a criar uma nova tica.
Mesmo podendo divergir das vrias formas de ver e entender a tica e a Biotica, no possvel
divergir da sua verdadeira necessidade, pois elas servem como freio moral para as aes do homem
em relao a tudo que o cerca.
Objetivos
Identificar noes introdutrias e conceitos sobre Biotica e tica em Auditoria.
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biotica e tica Unidade i
Captulo 1
Noes introdutrias
Apresentando a Biotica
O autor George Edward Moore, em sua obra Princpios ticos, define que:
tica uma palavra grega, com duas origens possveis. A primeira a palavra
grega thos, com e curto, que pode ser traduzida por costume, a segunda
tambm se escreve thos, porm com e longo, que significa propriedade
do carter. A primeira a que serviu de base para a traduo latina Moral,
enquanto a segunda a que, de alguma forma, orienta a utilizao atual que
damos a palavra tica. Portando tica a investigao geral sobre aquilo que
bom.
A Filosofia d origem ao que conhecemos como a tica, pois ela surge na tentativa de dar uma
resposta aos problemas que envolvem o comportamento humano. Dessa forma, a tica , ou procura
ser, uma reflexo sobre a ao embasada na realidade, especialmente na rea da sade, remetendo
ao conceito de Biotica o estudo sistemtico da conduta humana na rea das cincias da vida e
a ateno sade. Neste contexto temos a biotica, com bio representando o conhecimento
biolgico, a cincia dos sistemas viventes, e a tica, representando o conhecimento dos sistemas.
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x UNIDADE I
A comunidade cientfica e tecnolgica preconiza que poucas reas evoluram com tamanha rapidez
quanto a Biotica.
Diversas obras foram publicadas sobre biotica nos anos 1970 e incio dos anos 1980. Posteriormente
sintetizada e colocada como principialismo, a biotica desenvolveu-se sob quatro princpios
bsicos, dois deles de carter teleolgico (beneficncia e autonomia) e os outros dois carter
deontolgico (no maleficncia e justia). Mesmo sem estarem filosoficamente sob o mesmo
prisma, estes princpios foram rapidamente assimilados, passando a constituir a ferramenta mais
utilizada pelos bioeticistas na mediao e/ou resoluo dos conflitos morais pertinentes temtica
biotica.
Atualmente com mais de dez diferentes raciocnios utilizados pela Biotica no seu desenvolvimento,
citamos alguns: o feminismo, o naturalismo contratualismo, o naturalismo, contextualismo e outras.
O contextualismo tem-se destacado pois defende que cada caso deve ser analisado individualmente,
dentro dos seus contextos social, econmico e cultural.
Conceitos bsicos
H dificuldade em definir a tica como conhecimento. Para Aristteles no existe uma necessidade
nas aes humanas e para Scrates no possvel ensinar a virtude.
Por isso necessrio conhecimento terico e prtico para dissertar sobre tica e biotica.
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UNIDADE I X
tica e conhecimento
No podemos situar a tica como dimenso cultural sem separar o conhecimento e a religio, pois
a relevncia da tica como contexto prprio, definindo o ser humano seguido da essncia de sua
existncia, nos leva a alcanamos regras de generalidade e de universalidade que ultrapassam o
mero plano dos fatos estritamente considerados.
Aristteles reconhecia que o saber acerca das coisas inclui necessariamente o conhecimento das
causas de seu aparecimento e de seu modo de ser.
Por muitas vezes criticada na histria das epistemologias modernas, a causalidade final indica que o
esforo de conhecimento solicita, naturalmente, completar-se na formulao das indagaes relativas
ao porqu dos fenmenos descritos na estrutura da realidade. Certamente este tipo de resposta, se
fosse possvel, permitiria um tipo de conhecimento que no seria somente mais abrangente, mas
mais avaliativo, isto , possibilitaria julgamentos mais seguros acerca da totalidade, pois nos faria
ver, talvez com mais clareza, o sentido das partes e do todo, a razo da posio de cada elemento na
articulao geral e o modo pelo qual convergem na sintonia e na diferena.
Contudo, estaramos ainda no plano dos juzos de realidade, no sentido em que os entendemos
quando dizemos que a cincia os produz para descrever compreensivamente os seus objetos,
articulando as percepes e sistematizando a experincia. Mas talvez no fiquemos apenas nisto.
Por um misto de ingenuidade e pretenso, muitas vezes emitimos juzos que qualificam a realidade.
Dizemos no apenas que as coisas so desta ou daquela maneira, mas tambm que bom que sejam
assim, ou que mau, ou que poderiam ser de outra maneira. Talvez, de maneira implcita, isto
ocorra sempre, sendo impossvel olhar as coisas sem atribuir a elas um valor, embora a disciplina
da atitude cientfica nos leve a reavaliar este modo de julgamento.
Persistindo a mentalidade do senso comum, bem como no que a cincia descreve do homem comum,
algo do animismo da relao primitiva com o mundo faz com que defenda-se que todas as coisas
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x UNIDADE I
aparecem como benficas ou malficas, ultrapassando os poderes que interferiam na vida e nas
aes humanas, ou seja nos sentimentos e emoes.
Portanto, conhecer saber como aproveitar o carter benfico e propiciatrio ou presumir o mal
que as consequncias advindas do prprio conhecimento das coisas poderiam causar. A cincia
buscou eliminar esta valorao inicialmente pelo conhecimento das causas materiais que regem
o comportamento dos seres naturais e, em seguida, por meio de leis gerais e necessrias que nos
permitem prever este comportamento para, desta forma, domin-lo.
Com isso o mundo deixa de ser enigma quando o conhecimento se torna sinnimo de determinao
necessria.
Sabendo que o termo Biotica origina-se do grego thos que expressa a conduta, o hbito ou
comportamento , a terminologia indica que esta a cincia que busca dirigir ou disciplinar
a conduta humana. Essas duas concepes diferentes fundamentam diversas reflexes sobre
a biotica. A primeira sugere uma reflexo acerca do ideal ao qual o homem, pela sua natureza ou
essncia, deve se dirigir, a segunda sobre os motivos ou as causas que determinam a conduta e se
restringe ao conhecimento dos fatos.
Entende-se a Biotica como a tica aplicada vida e esta abrangendo temas que vo da simples
relao interpessoal aos mais variados fatores que podem interferir na sobrevivncia do prprio
planeta. Na Medicina a Biotica est relacionada ao bem-estar do homem e dos animais.
O termo biotica foi inicialmente usado em 1970, por Van Rensselaer Potter, doutor em Bioqumica,
pesquisador e professor na rea de Oncologia no Laboratrio McArdle da Universidade de Wisconsin/
EUA.
Contudo, este tema teve sua relevncia ao estudar vrios abusos com o uso indiscriminado de animais
e seres humanos em experimentos e tcnicas desumanizantes que foram surgindo rapidamente,
em especial relacionados clonagem de seres humanos que deram origens s mais complexas
discusses sobre a biotica.
Com a insipincia dos referenciais ticos tradicionais, devido ao rpido progresso cientfico, tornou-
se fcil constatar que os cdigos de tica das diferentes profisses no evoluam no mesmo ritmo do
progresso cientfico, sendo por muitas vezes insuficientes para julgar temas polmicos em especial os
da biotica.
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UNIDADE I X
e Polticas entre outras, com a Biotica se firmando em quatro princpios bsicos difinidos como
Princpios da Beneficncia e No Maleficncia, Princpio da Autonomia e da Justia.
O Princpio da No Maleficncia (Beneficncia) preconiza que toda e qualquer tecnologia deve trazer
benefcios para a sociedade e jamais causar-lhe malefcios. fato nos dias de hoje, que a biotica
est mais relacionada aos seres humanos do que aos animais, pois a maior parte dos experimentos
existentes visa beneficiar o homem e no os animais.
Com o objetivo de conhecer o que o bom e o que o bem e os seus opostos, com os princpios e
argumentos que os fundamentam, justificam e diferenciam, estes constituem o contedo geral da
tica terica. Com muita propriedade, George Edward Moore afirma na sua obra Principia Ethica:
O que bom? E o que mau? E ele deu o nome de tica discusso dessa questo e a pergunta sobre
como deve definir-se o bom como a questo mais importante de toda a tica.
Este estudo que se ocupa das aes das pessoas, como o seu agir pode ser qualificado de bom ou
de mau, este agir que embaza o contedo da tica prtica. A esse respeito, diz Aristteles na tica
a Nicmaco: No pesquisamos para saber o que a virtude, mas para sermos bons.
Essa afirmao esclarece que o interesse de Aristteles nessa obra basicamente prtico. As teorias
ticas ou as escolas ticas que apresentam a sua doutrina como uma srie de normas para agir de
modo correto so chamadas de ticas normativas. Dentre os diversos tipos de ticas normativas
cabe destacar a teoria do dever vinculado ao imperativo categrico, de Immanuel Kant, e a teoria
dos deveres num primeiro momento ou deveres numa primeira considerao (prima facie duties),
de William David Ross. Essa ltima teoria tem grande influncia na teoria conhecida como o
principialismo.
Portanto este princpio traz a questo que, para sermos ticos e bioticos, temos que praticar o
Princpio da No Maleficncia (Beneficncia), ou seja, no somente praticar o mal mas ir muito mais
alm, fazendo o bem.
Tambm conhecido como Princpio da Liberdade (Autonomia), este principo leva em considerao
a relao mdico-paciente, em que este ltimo tem o direito a todas as informaes pertinentes ao
seu estado de sade, assim como ao tratamento a ser prescrito, tendo ainda toda a liberdade para
decidir se ir ou no se submeter ao tratamento determinado. Em casos em que o paciente no
possa decidir, seus responsveis tomaram a deciso.
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x UNIDADE I
Esta discusso aborda outras questes; uma delas : qual deve ser a postura do mdico? Deve contar
ao paciente, com detalhes, os procedimentos, bom como as condutas de diagnsticos e teraputicas?
Deve, sempre, obter consentimento do paciente e familiares para a realizao dessas condutas?
Ainda hoje esse juramente se perpetua sendo a expresso mxima e alicerce da postura tica da
Medicina.
Como em toda regra, existe uma lacuna que pode ser refletida, o mdico tambm tem que deixar o
livre arbtrio do paciente decidir.
O juramento se baseia na moral medica e no apogeu do perodo da cultura grega no final do sc.
V e sc. IV a.C. A herana da medicina sacerdotal tinha como obrigao guardar os segredos sobre
a doutrina. Simboliza a diviso dos homens, separados pela cincia oculta que s era acessvel a
poucos.
Comea a diviso entre o profissional e o leigo, expressa nas palavras finais do Nomos hipocrtico:
As coisas consagradas s devem ser reveladas aos homens consagrados; vedado revel-las aos
profanos, uma vez que no esto iniciados nos mistrios do saber.
Porm, nessa poca, aparece um novo tipo de mdico na Grcia, o profissional da medicina-
cincia, que esquece o cunho religioso. Esse novo profissional converteu a medicina grega em uma
arte consciente e metdica, baseadas em fatos verdadeiros, deixando as concepes religiosas e
filosficas.
Com o passar dos tempos, o mdico que j no era mais ligado ao misterioso, ao oculto, buscava
formas de expor e se comunicar com os pacientes, afim de encontrar um caminho inteligvel nessa
relao. Surge assim a literatura mdica, que se destina s pessoas leigas.
Com essa divulgao, nasce um novo intelectual, o homem culto em Medicina mesmo no
possuindo todos os conhecimentos e especialidades, ele cria matrias que se destinam grande
massa ignorante.
O momento ideal para transmitir ao leigo a informao do mdico durante o relacionamento com
o paciente. Antigamente a relao entre mdico paciente era muito adversa; existia o mdico de
escravo, um mdico frio e tirano, que no dava informao alguma sobre os procedimentos, e o
mdico dos homens livres, que expunha detalhadamente cada tipo de procedimento e diagnstico.
Plato v nessa conduta mdica, baseada no esclarecimento detalhado do paciente, o real ideal da
teraputica cientifica.
A busca de uma relao mais harmoniosa entre paciente e mdico por meio do esclarecimento o
princpio da cincia mdica recm criada, ainda que existam vestgios da medicina sacerdotal.
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UNIDADE I X
Com a Revoluo Francesa, o Renascimento, a redescoberta do esprito da Grcia clssica traz novas
luzes ao conhecimento humano. A arte a primeira a ressurgir, seguida pela filosofia e pela cincia.
O pensamento humano comea a ressuscitar os ideais da cultura grega e os anseios de liberdade e
democracia renascem. Criam-se os ideiais modernos que teriam a forma dos direitos humanos.
No sc. XVIII, quando a democracia ressurge, ela no apenas um poder do povo, mas tambm um
direito de cada um.
Em 1969, nos Estados Unidos, por um acordo entre um grupo de associaes de consumidores e
usurios e a Comisso Americana de Credenciamento de Hospitais (JCAH), surgiu um documento
que considerado a primeira carta de Direitos do Paciente, sob a perspectiva do usurio de hospitais.
Outros pases passaram a adotar essas medidas. O movimento pelos direitos do paciente, nos Estados
Unidos, no se originou de uma luta social pela liberdade, mas pelos direitos do consumidor, isto ,
quem paga pelo servio tem direito qualidade do atendimento.
medida que essa ideia se divulgava, o seu carter sofria mudanas e seus limites se expandiam. Os
avanos tecnolgicos criaram um grande ramo para reflexo, a Biotica.
A Revoluo Francesa estabeleceu trs princpios bsicos para que os homens pudessem viver com
dignidade: liberdade, igualdade e fraternidade.
Na Biotica, a relao mdico-paciente pode reduzir-se a trs tipos de agentes: o mdico, o paciente
e a sociedade, cada um com um significado moral especfico: o paciente atua guiado pelo princpio
da autonomia, o mdico pelo da beneficncia e a sociedade pelo da justia.
16
x UNIDADE I
Autonomia um termo derivado do grego auto (prprio) e nomos (lei, regra, norma). Significa
autogoverno, autodeterminao da pessoa de tomar decises que afetem sua vida, sua sade, sua
integridade fsico-psquica, suas relaes sociais. Refere-se capacidade de o ser humano decidir o
que bom, ou o que seu bem-estar.
A pessoa autnoma aquela que tem liberdade de pensamento, livre de coaes internas ou
externas para escolher entre as alternativas que lhe so apresentadas. Para que exista uma ao
autnoma (liberdade de decidir, de optar) tambm necessria a existncia de alternativas de ao
ou que seja possvel que o agente as crie, pois se existe apenas um nico caminho a ser seguido, uma
nica forma de algo ser realizado, no h propriamente o exerccio da autonomia. Alm da liberdade
de opo, o ato autnomo tambm pressupe haver liberdade de ao, requer que a pessoa seja
capaz de agir conforme as escolhas feitas e as decises tomadas.
Logo, quando no h liberdade de pensamento, nem de alternativas, quando se tem apenas uma
opo de escolha, ou ainda quando no existe liberdade de agir conforme a alternativa ou opo
desejada, a ao empreendida no pode ser julgada autnoma.
Desde a dcada de 1980 no Brasil, os cdigos de tica profissional vm tentando estabelecer uma
relao dos profissionais com seus pacientes, na qual o princpio da autonomia tenda a ser ampliado.
Em nosso Pas, cresce a discusso e a elaborao de normas deontolgicas sobre as questes que
envolvem as relaes da assistncia sade, contendo os direitos fundamentais que devem reger a
vida do ser humano.
O respeito pela autonomia da pessoa conjuga-se com o princpio da dignidade da natureza humana,
aceitando que o ser humano um fim em si mesmo, no somente um meio de satisfao de interesses
de terceiros, comerciais, industriais, ou dos prprios profissionais e servios de sade.
Certamente que no se espera que a autonomia individual seja total, completa. Autonomia completa
um ideal a ser buscado.
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UNIDADE I X
O homem no totalmente autnomo, mas isso no significa que sua vida esteja totalmente
determinada por emoes, fatores econmicos e sociais ou influncias religiosas.
Apesar de todos os condicionantes, o ser humano tem sua margem prpria de deciso e ao.
O Princpio da Justia
Partindo da Justia Distributiva, os avanos tcnico-cientficos devem beneficiar a sociedade como
um todo e no apenas alguns grupos privilegiados. Para isso a Biotica dividida em dimenses:
Com nfase na importncia das discusses em biotica, do seu carter transdisciplinar, busca-se
fazer com que a cincia evite o uso indiscriminado das novas tecnologias sem a comprovao de sua
eficcia, usando-as somente aps possuir o conhecimento e a sabedoria suficientes para utiliz-las
em benefcio da humanidade e no em seu detrimento. Nesse propsito, a Biotica permitir que a
sociedade decida sobre as tecnologias que lhe convm.
18
x UNIDADE I
Leisinger traz a poltica de sade como uma ramificao da Biotica, apesar de ser ainda uma
disciplina nova. Mas existe um enorme fosso que separa a realidade de sade norte-americana em
comparao com os outros pases em desenvolvimento. Vale registrar:
Segundo este autor, a Biotica no considera a poltica dos pases pobre. Ressalta que cabe uma
considerao quanto a um desenvolvimento sutentvel que satisfaa as necessidades humanas mais
bsicas, considerando que muitas vezes as popules destes pases so privadas de provises de
comida, educao bsica, gua potvel e facilidades sanitrias, assim como tambm habitao e
cuidados bsicos deveriam ser priorizados.
Na tentativa de compreenso do mundo, seguimos fazendo juzos que nos possibilitam a assimilao
da verdade dos fatos (da surgem juzo mais abstratos). Saber das coisas dizer como elas so e,
racionalmente, aprender as relaes que interligam os fenmenos.
Nossa percepo e observao, nos levam a julgamentos a respeito da prpria realidade em que
estamos inseridos, isto , o julgar e o observar nos permite, de maneira mais ampla e mais geral, a
avaliar como se comportam os fenmenos.
Costuma-se separar conhecimento e moral considerando que os juzos emanados pela cincia so
da ordem do ser e os juzos, propriamente, morais na ordem do que devem ser. A cincia trata da
realidade assim como ela ; e a moral da realidade em seu estado pretendido (deve ser).
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UNIDADE I X
Aristteles reconhecia que o saber acerca das coisas inclui necessariamente o conhecimento das
causas de seu aparecimento e de seu modo de ser.
No seria necessrio s entender como os fatos se produzem, mas seria preciso compreender a
funo de cada um no conjunto e as razes da ordem estabelecida.
Afirmamos no somente que as coisas so desta ou daquela forma e tambm que bom desta
maneira, ou que mau, ou que poderiam ser de outra jeito. difcil olhar as coisas e no lhe taxar
um valor apesar do modo cartesiano nos disciplinar o modo de julgamento.
Conhecer, neste caso, era tambm saber como aproveitar o carter benfico e propiciatrio ou
conjurar o mal que as coisas poderiam causar. A cincia eliminou esta valorizao primeiramente pelo
conhecimento das causas materiais que regem o comportamento dos seres naturais e, em segundo
lugar, estabelecendo leis gerais e necessrias que nos permitem prever este comportamento para,
desta forma, domin-lo. O mundo deixa de ser enigma quando o conhecimento se torna sinnimo
de determinao necessria.
Critrios ticos
Por no ser regido pela necessidade, o universo das aes humanas julga segundo a tica, no o
faz na mesma tica daquele que conhece os objetos fsicos, aquele que agindo moralmente no o
faz, semelhantemente, quele que analisa a causalidade, intrinsecamente, presente na conexo dos
fenmenos. conhecida a interrogao de socrtica acerca da possibilidade de se ensinar a virtude.
Ensinar alguma coisa supe saber com certeza o que esta coisa para poder transmiti-la com clareza
quele que vai aprender. H dvida se o homem de bem sabe com absoluta segurana terica o que
o bem. Nesta prtica do bem supe este saber, mas ser possvel saber, ensinar e aprender moral
como sabemos, aprendemos e ensinamos geometria? A resposta no, e a razo disto a diferena
que existe entre conhecimento terico e conhecimento prtico.
O conhecimento terico se constitui como saber acerca do que necessrio. O conhecimento prtico
se constitui como saber acerca do que contingente.
O saber prtico quem atribui aos juzos morais suas oscilaes e dificuldades. Da que os
julgamentos e as decises morais esto envolvidas e sero influenciadas por fatores que, no campo
terico, tm pouca ou nenhuma influncia. Isso se d pelo fato de que nestes assuntos no possvel
20
x UNIDADE I
uma demonstrao, no da mesma forma que ocorre nas cincias tericas. O bem e o mal no
possuem o carter coercitivo, prprios da verdade e do erro. Chegar ao que certo em moral no
ocorre como a soluo em um teorema.
So claras as ideias de que a existncia do bem est diretamente interligada verdade absoluta
da essncia da tica. A verdade cientfica reflete as demonstraes necessrias as suas conexes o
bem, por sua vez, est inserido nas contingncias dos fatos humanos, impossibilitando, assim, sua
demonstrao. Pressupe-se a relatividade das coisas humanas. Poltica e tica compartilham deste
atributo. Isso no implica um relativismo absoluto, o que decorreria na inviabilidade de critrios
que no os essencialmente circunstanciais e subjetivos. A normatividade a contingncia o desafio
da tica, porque no resta dvida de que quem age moralmente o faz segundo normas que no so
somente relativas pessoa e ao momento.
O homem no um ser que se determina apenas por um aspecto. O termo animal racional, a mais
antiga definio terica do homem, mostra por si mesma a dualidade de aspectos.
Na qualidade de animal, o homem tem algo que o vincula aos seres puramente naturais. Na qualidade
de racional, tem algo que o diferencie. Se permanecemos no contexto da sensao e da percepo,
estamos falando de tipos de representao que, embora eventualmente mais aperfeioadas no
homem, no distinguem essencialmente do que acontece no caso dos animais, que so capazes no
apenas de sentir e perceber como tambm de estabelecer relaes de consecuo, como o co que
foge quando seu dono pega um basto, se acaso aconteceu de j ter sido espancado.
Porm, somente o homem capaz de emitir juzos, ou seja, ligar um caso particular com uma ideia
geral, por definio no imediatamente presente na situao emprica dada. A origem destas ideias
gerais, mesmo no que se refere ao mundo natural, problema que foi resolvido de diversas formas
na histria do pensamento. Ainda assim no h como explicar o juzo sem este tipo de vinculao.
Expondo isto, mostramos uma outra questo, que a da generalidade dos valores e do fundamento
desta universalidade.
A questo das bases da tica, assim como os juzos acerca de fatos, os juzos de valor tambm
se remetem generalidade. Ao admirarmos, em algum, sua generosidade, o que fazemos
perceber que esse algum adota, como fundamento de suas aes, um valor primaz em relao
individualidade do homem. E ao fazermos isso julgamos compreendendo que o mundo seria melhor
se todos agissem desta maneira.
Kant define como a maioridade do gnero humano, isto , a capacidade de utilizao plena da razo,
sem a submisso a dogmas ou a autoridades; portanto, o exerccio maduro da liberdade. Mas como
21
UNIDADE I X
Sempre haver, na ordem da experincia, que a ordem da teoria, fenmenos condicionados, por
mais longe que formos na cadeia dos eventos naturais. Isto faz parte do determinismo da natureza e
o que possibilita a cincia, no rigor das suas explicaes. Assim, a liberdade ter que ser procurada
fora do campo da experincia e da razo terica. Kant estabelece, ento, o domnio da razo prtica
em que possvel pensar a liberdade e reivindic-la para o sujeito moral, mas nunca para um objeto
natural. Esta diviso permite que se fale como que de dois mundos: um em que as coisas esto
rigorosamente determinadas, pois no existe efeito sem causa; outro em que o sujeito moral, no
plano das decises ticas que nada tem a ver com o plano dos eventos empricos, pode escolher e
optar, atuando assim como causa livre, isto , como aquele tipo de causa que nunca se encontra no
universo dos fenmenos. Com isto as aes humanas podem ser remetidas liberdade do sujeito,
quer dizer, a algo que no atua determinadamente, mas que pode iniciar absolutamente uma srie
de aes.
Para Kant, esta liberdade corresponde a autonomia de que deve ser dotado o sujeito nas suas
decises morais, autonomia que deve ser absoluta, ou seja, nenhum motivo de qualquer ordem pode
interferir na deciso do sujeito, sob pena de contaminar a vontade com elementos que a tornariam
dependente de outra coisa que no ela mesma. Mas, ento, qual o critrio para a deciso moral,
se absolutamente nada pode interferir? O critrio a forma da universalidade que deve orientar a
ao. Somente a forma atinge a pureza que o ato moral deve revestir.
Qualquer contedo, por mais geral que seja, constituir uma motivao extrnseca e comprometer
a autonomia do ato moral. Quando estamos diante de uma deciso moral devemos perguntar: o que
ocorreria se esta ao fosse adotada universalmente? Devemos agir como se o critrio de nossa ao
devesse estender-se universalmente.
Qualquer ato que no seja susceptvel de universalizao se contradiz em termos morais. O que se
percebe o esforo de Kant para encontrar o critrio universal que deveria pautar o juzo moral. A
radicalidade com que ele concebe este critrio o faz encontr-lo somente na esfera do formal. Assim,
o que Kant chama de prtico no corresponde esfera da contingncia, mas a um mundo inteligvel no
qual a pura racionalidade da norma universal garante a moralidade do ato. Por isto o prprio Kant nos
diz que, dentro de tais parmetros, jamais houve um s ato moral praticado pela humanidade, porm,
isto no o impede de formular o que o ato moral deve ser, na coerncia lgica que teria de caracteriz-
-lo, independentemente das condies concretas de realizao, fundamento e experincia moral.
O que sobretudo impressiona nesta concepo formalista da moral a separao drstica entre os
planos do ser e o do dever ser. No se trata apenas de separar o conhecimento terico ou cientfico
da moral, mas de separar todos os aspectos da vida concreta da realizao tica. Independentemente
da apreciao que possamos fazer da teoria kantiana, o importante perguntar o que isto significa
no processo histrico da civilizao moderna. No limiar da contemporaneidade, numa poca em
22
x UNIDADE I
que a cincia calcada no modelo newtoniano alcana a plenitude de suas possibilidades, o homem
separado como que em dois sujeitos:o terico, que realiza o ideal de certeza absoluta no interior dos
limites do conhecimento cientfico, e o moral, que, para compreender-se na esfera de sua liberdade,
obrigado a colocar esta liberdade numa altura transcendental em que ela se situa distante do plano
da experincia. Talvez possamos ver nesta soluo a que chega a filosofia crtica uma espcie de
consolidao do caminho tomado pela modernidade.
O que Kant percebe que, na continuidade do teor unitrio da racionalidade, institudo por
Descartes, no seria possvel dar conta da moral, pois a racionalidade cientfica no atinge o plano
dos requisitos do ato moral, autonomia e liberdade. Isto o levou a conceber uma outra esfera de
racionalidade na qual os critrios de determinao terica no teriam vigncia. E com isto separou
o conhecimento da ao, ao menos naquilo que a ao comporta de deciso moral.
Podemos mensurar a amplitude deste acontecimento lembrando que, no caso do saber prtico
afirmado por Aristteles, o sujeito discriminava no seio da possibilidadea o meio de realizar a ao
que guardasse alguma adequao com o bem absoluto. Kant tem isso como princpio formal, que a
razo pensa a parte do mundo concreto, vai dispor a respeito da moralidade, isto , da concordncia
da ao moral. Isto implica na tentativa de ligar a universalidade formal ao. Assim, o mundo da
contingncias se diferencia de um universo logicamente necessrio como o da cincia exatamente
dada impossibilidade desta vinculao. Por esta razo a moralidade,dita, kantiana acaba sendo
muito mais um ideal de que devemos nos aproximar do que um critrio de discernimento para a
experincia moral concreta.
Uma tica com um nico juzo, que se confunde com um dado incontestvel de realidade: a liberdade.
Aceit-la lucidez e autenticidade; o contrrio m-f. O existencialismo est na margem das
ticas que partem de uma profunda reflexo a respeito da situao humana, bem como a reflexo
apresenta. Procura ento uma maneira de proporcionar o encontro do homem consigo prprio e
com a histria a partir da conscincia, entendida agora no mais como essncia, mas como projeto.
Mas h outra corrente cuja manifestao a matriz do pensamento tico, e nesta linha esto as
ticas utilitaristas. A relatividade cultural dos valores aparece, assim, de forma mais ntida, pois
a perspectiva histrico-sociolgica que procura dar conta do estabelecimento e das mudanas
dos critrios morais. Existe uma contingncia na prescrio dos valores, porm ela age em prol
da coeso social. Trata-se de uma figura da racionalidade tcnica que se estrutura por parmetros
seletamente utilitrios.
A caracterstica da modernidade a hegemonia da razo, que tem em seu mais importante ramo, a
cincia e os seus seguimentos tecnolgicos. Esta hegemonia, na verdade, jamais fora posta prova;
porm no sculo XX v uma crtica, historicamente concreta, que procedem de reflexo vinda da
relao entre meios e fins nos feitos da razo. Um problema tico, mas apresentado de forma mais
abrangente. A possibilidade de unio entre a teoria e a prxis, que corresponderia a uma simetria
entre o progresso cientfico-tcnico e o aumento da felicidade, no se confirmou.
23
UNIDADE I X
Em um mundo em que impera a razo liberada, questiona-se a vida efetiva e emancipada do homem;
ou seja, em sua plena autonomia na condio de requisito da vida tica.
A emancipao no se realizou, pois as condies do progresso tcnico fizeram com que as instncias
de controle em todos os parmetros da vida se tornassem autnomos, de imediata consequncia a
submisso do indivduo a tais mecanismos num mundo totalmente administrado.
Estas instncias de controle no pesam sobre o indivduo como a fatalidade das foras naturais ou
a autoridade eclesistica.
Em um mundo regido pelo progresso tcnico, estas foram convencionadas como medidas racionais
absolutamente necessrias. Inferimos que foram interiorizadas na conscincia do homem moderno como
princpios naturais de relacionamento com os outros e com o mundo. Esta autonomizao dos critrios
de racionalidade acarretou uma inverso entre os meios e os fins: o que redundou na dificuldade de se
dimensionar no mundo contemporneo a capacidade de discernir os fins possibilidade de mobilizar
os meios. Jamais os meios foram to abundantes e ao mesmo tempo to distantes das finalidades que
eles deveriam atender.
Nunca se disps de tantos meios, e nunca eles estiveram to distanciados dos fins a que deveriam
servir. Enfim, associar meios e fins problema tico. O contemporneo inepto no estabelecimento
desta relao contemplando o prtico, ou seja, a totalidade da realizao humana, como fim do
progresso tcnico. O que se observa, ento, um ciclo em que as condies do progresso tcnico se
comportam como se este fosse uma finalidade em si mesmo. Tornar racional do social, do poltico, do
econmico e at da cultura administrar todos estes parmetros da vida pela tica da objetividade
tcnica, consubstanciando-se, fundamentalmente, na supremacia tecnocrtica.
Manifesta-se a clara crise que aflige o mundo atual e que, do ponto de vista tico, a tecnocracia a
contradio em termos. Se ela mesma coordena a aplicao dos meios s finalidades, esta relao
acaba se estabelecendo no interior da prpria tcnica. Este o motivo pelo qual a planificao
tecnocrtica no produz efeitos fora do prprio meio tcnico. Vistos os fatos no limiar, o que
caracteriza uma tal cultura a recusa da tica. Vivemos num mundo tcnica e administrativamente
ordenado, de modo unilateral, pela alternncia entre progresso tcnico e satisfao de necessidades
criadas na prpria esfera da produo. Consumo contrapartida tecnolgica e no finalidade de
produo. O que marca a presente situao e dificulta tal busca de solues que a crise da tica
provm de um desdobramento de atributos e consequncias inerentes prpria racionalidade
tcnica e ao progresso cientfico e tecnolgico ocorrido a partir dela. Para aqueles que consideram
imprescindveis os rumos da histria da razo na modernidade, o momento que estamos vivendo
deve ser entendido como consequncia necessria, mesmo porque seria insensato pensar em
solues que representassem retrocesso em relao ao j conquistado pela cincia moderna. A
24
x UNIDADE I
A emergncia das ticas aplicadas, entre as quais est a tica da sade, responde a uma dupla
necessidade: de um lado, tenta-se encurtar a distncia que se abriu na modernidade, entre tica e
conhecimento; de outro, procuram-se instrumentos para recolocar questes pertinentes relao
entre cincia e valor, relao rompida por conjunturas histricas, sobretudo contemporneas, que
contriburam para o aparecimento de dvidas profundas a respeito do significado e amplitude do
progresso cientfico.
Foi devido a razes como essas que a Biotica surgiu a partir da presso de fatos histricos,
reveladores de prticas de pesquisa das quais estava ausente qualquer parmetro de considerao
da dignidade do ser humano.
A tica orienta que no se deve optar por experimentos em seres humanos quando houver outros
procedimentos compatveis com os resultados esperados. Os experimentos em seres humanos,
quando absolutamente essenciais, devem ser precedidos de experincias com animais, de modo a
prover o pesquisador de um razovel conhecimento acerca do problema estudado. Deve-se reduzir
25
UNIDADE I X
ao mnimos incmodos decorridos do experimento, e este no deve ser conduzido se houver risco
razovel de dano grave e permanente.
Esta viso, que pode parecer pessimista auxilia-nos a compreender as ambiguidades do progresso
e a prevenir as monstruosidades que ele pode dar luz. nesta direo que podemos entender as
preocupaes ticas que se expressam nos cdigos de conduta e em outros conjuntos de normas
aplicadas s pesquisas e s profisses. A Biotica a tica da vida, quer dizer, de todas as cincias e
derivaes tcnicas que pesquisam, manipulam e curam os seres vivos. A tica da sade ocupa lugar
proeminente neste conjunto, uma vez que se ocupa de questes que tm a ver com a manuteno
da vida no caso dos seres humanos. Sendo a vida o primeiro de todos os direitos, a tica da sade
enraza-se profundamente no solo dos direitos humanos, e no seu estudo vamos encontrar, como
regras de normatizao, alguns dos grandes princpios que vimos aparecer no percurso da tica
filosfica.
preciso conhecer a realidade e as situaes sobre as quais se vai exercer o juzo tico; mas fazer
com que este juzo traduza uma mera justificao do que existe propriamente renunciar tica.
26
Captulo 2
Biotica e cincia
Hans Jonas (1990) foi um dos autores que se debruou com mais propriedade sobre esse tema,
ressaltando a impotncia da tica e da Filosofia contemporneas frente ao homem tecnolgico,
que possui tantos poderes no s para desorganizar como tambm para mudar radicalmente
os fundamentos da vida, de criar e destruir a si mesmo. Ao mesmo tempo que gera novos seres
humanos por meio do domnio das complexas tcnicas de fecundao assistida, agride diariamente
o meio ambiente do qual depende a manuteno futura da espcie. O surgimento de novas doenas
infectocontagiosas e de diversos tipos de cncer, assim como a destruio da camada de oznio,
a devastao de florestas e a persistncia de velhos problemas relacionados com a sade dos
trabalhadores (como a silicose), so invenes desse mesmo homem tecnolgico, que oscila suas
aes entre a criao de novos benefcios extraordinrios e a inslita destruio de si mesmo e da
natureza.
Ao contrrio do que muitos pensam, a atual pauta biotica internacional no diz respeito somente
s situaes emergentes, proporcionadas por avanos como aqueles alcanados no campo da
engenharia gentica e seus desdobramentos (projeto genoma humano, clonagem etc.), mas tambm
s situaes persistentes, relacionadas principalmente com a falta de universalidade no acesso
das pessoas aos bens de consumo sanitrio e utilizao equnime desses benefcios por todos os
cidados indistintamente (GARRAFA, 1998).
27
UNIDADE I X
doena no futuro devido a uma falha em seu cdigo gentico (como nos casos da doena de
Huntington) no sejam transformados em novas formas de discriminao por parte das companhias
seguradoras responsveis pelos chamados planos de sade? (MORELLI in: BENER; LEONE,
1994. p. 287-292).
Tudo isso se torna mais dramtico quando se sabe que o perfil populacional mundial tem sofrido
transformaes profundas a partir da elevao da esperana de vida ao nascer das pessoas (em anos),
aliada ao fenmeno da globalizao econmica que produz uma crescente e inslita concentrao da
renda mundial nas mos de poucas naes, empresas e pessoas privilegiadas.
Dentro desse complexo contexto, merecem meno, ainda, o aumento dos custos sanitrios mediante
a criao e a expanso de tecnologias de ponta que possibilitam novas formas de diagnstico e
de tratamento, o recrudescimento de algumas doenas que j estiveram sob controle (como a
tuberculose, febre amarela, dengue, malria e outras) e o surgimento de novas enfermidades (como
a aids).
Alguns dos principais bioeticistas que tm-se dedicado a estudar a tica e a moral, bem como suas
relaes com situaes que envolvem a vida no planeta, de uma forma geral, procuram consider-
las como sinnimos (ENGELHARDT, 1998; MORI, 1994. p. 332-341; SINGER, 1994. p. 1-23).
Mesmo assim, nas disciplinas e cursos de Biotica em vrias universidades, de 1994 para c, tm-
se utilizado, para fins didticos, alguns parmetros diferenciais entre as duas. Essa diferenciao
tem-se revelado til no sentido de uma melhor compreenso de alguns temas mais conflitivos e
fronteirios da anlise biotica, principalmente quando os interlocutores so alunos dos cursos de
graduao.
Em resumo, se, por um lado, o significado etimolgico de tica e moral similar, por outro,
existe uma diferena historicamente determinada entre ambas. A moral romana uma espcie
de traduo latina de tica, mas que acabou adquirindo uma conotao formal e imperativa,
que direciona ao aspecto jurdico e no ao natural, a partir da antiga polarizao secularmente
verificada, e especialmente forte naquela poca, entre o bem e o mal, o certo e o errado,
o justo e o injusto (GARRAFA, 1995. p. 20-24). Para os gregos, o ethos indicava o conjunto
de comportamentos e hbitos constitutivos de uma verdadeira segunda natureza do homem. Na
tica a Nicmacos, Aristteles interpretava a tica como a reflexo filosfica sobre o agir humano
e suas finalidades (ARISTTELES, 1992). Com base na interpretao aristotlica, a tica passou
posteriormente a ser referida como uma espcie de cincia da moral. Na prtica, no entanto, a
discusso persiste at hoje.
A questo da manipulao da vida pode ser contemplada sob variados ngulos: biotecnocientfico,
poltico, econmico, social, jurdico, moral etc. Em respeito liberdade individual e coletiva conquistada
pela humanidade atravs dos tempos, a pluralidade constatada neste final do sculo XX requer que o
28
estudo biotico do assunto contemple, na medida do possvel e de forma multidisciplinar, todas essas
possibilidades.
Com relao vida futura do planeta, no devero ser regras rgidas ou limites exatos que
estabelecero at onde o ser humano poder ou dever chegar. Para justificar essa posio, vale a
pena levar em considerao alguns argumentos de Morin sobre os sistemas dinmicos complexos.
Abordando o tema da tica para a era tecnolgica, Casals traz o assunto para a esfera da
responsabilidade individual dizendo que trata-se de atingir o equilbrio entre o extremo poder
da tecnologia e a conscincia de cada um, bem como da sociedade em seu conjunto: Os avanos
tecnolgicos nos remetem sempre responsabilidade individual, bem como ao questionamento
tico das pessoas envolvidas no debate, especialmente aquelas que protagonizam as tomadas de
decises. (CASALS, 1997. p. 65-84)
A fora da cincia e da tcnica est, exatamente, em apresentar-se como uma lgica utpica de
libertao, que pode levar-nos a sonhar para o futuro inclusive com a imortalidade.
De acordo com a ordem polarizada das coisas, o mundo moderno poder desaguar em uma crescente
confuso diablica ou na resoluo de todos problemas da espcie humana por meio do progresso
cientfico. As duas hipteses incorrem no risco de alimentar, na esfera cultural, o dogmatismo, e,
na esfera prtica, a passividade. Se, por um lado, so inmeros os caminhos a serem escolhidos
para que a terra se transforme num verdadeiro inferno, so tambm infinitas as possibilidades
de utilizao positiva das descobertas cientficas. O embate entre valores e interesses sobre cada
uma das opes um dado real, inextinguvel e construtivo sob muitos aspectos. A adoo de
normas e comportamentos moralmente aceitveis e praticamente teis requer, por todas razes j
expostas, tanto o confronto quanto a convergncia das vrias tendncias e exigncias. (GARRAFA;
BERLINGUER, 1996. p. 5)
29
UNIDADE I X
A tica um dos melhores antdotos contra qualquer forma de autoritarismo e de tentativas esprias
de manipulaes.
30
Captulo 3
Reproduo assistida
Consideraes
sempre prefervel confiar mais no progresso e nos avanos culturais e morais que em certas normas
jurdicas. Existem de fato zonas de fronteira nas aplicaes da cincia. Levando em considerao a
velocidade do progresso biotecnocientfico , contudo, impossvel reconstruir rapidamente certas
referncias ou valores que possam vir a ser compartilhados por todos, a menos que se insista na
alternativa da imposio autoritria e unilateral de valores. A soluo est, ento, em verificarmos se
possvel trabalhar para a definio de um conjunto de condies de compatibilidade entre pontos
de vista que permanecero diferentes, mas cuja diversidade no implique necessariamente um
conflito catastrfico ou uma radical incompatibilidade (RODOT, 1993. p. 9). oportuno levantar,
neste ponto, o importante papel formador desempenhado pela mdia (virtual, impressa, falada e
televisionada), que deve avanar do patamar do simples entretenimento em direo abertura de
debates pblicos relacionados e comprometidos com temas de interesse comum.
31
UNIDADE I X
Reproduo assistida
A reproduo assistida, ou fecundao assistida, compreende duas tcnicas: a inseminao artificial,
isto , a introduo de forma artificial dos espermatozoides no aparelho genital feminino, e a
fecundao in vitro, ou seja, a extrao do vulo da mulher e sua fecundao externa. Estas tcnicas
tm por finalidade a procriao e tambm o controle ou tratamento de doenas genticas.
A inseminao artificial utilizada h muito tempo para a obteno de animais com determinadas
caractersticas selecionadas. Atualmente tambm utilizada nos seres humanos, no caso de
infertilidade. Quando o marido estril, mas a mulher capaz de conceber e engravidar, podem
recorrer inseminao artificial atravs de um doador. No perodo da ovulao, o esperma do doador
introduzido na vagina da mulher, junto ao colo do tero. No caso de o homem ser fecundo e a
mulher ser estril ou correr o risco de transmitir uma anomalia gentica, o processo de inseminao
artificial tambm pode ser utilizado. Neste caso, o homem cede o esperma destinado a inseminar
uma mulher que esteja de acordo em conceber a criana. A mulher transforma-se, ento, em me-
portadora.
Biotica e aborto
O tema do aborto , entre a totalidade das situaes analisadas pela Biotica, aquele sobre o qual
mais se tem escrito, debatido e realizado congressos cientficos e discusses pblicas. Isso no
significa, no entanto, que tenham ocorrido avanos substanciais sobre a questo nestes ltimos anos
ou mesmo que se tenham alcanado alguns consensos morais democrticos, ainda que temporrios,
para o problema. Ao contrrio. A problemtica do aborto um exemplo ntido tanto da dificuldade
de estabelecer dilogos sociais frente a posies morais distintas quanto do obstculo em criar
um discurso acadmico independente sobre a questo, uma vez que a paixo argumentativa a
tnica dos escritos sobre o assunto. Para um no iniciado, a maior dificuldade ao ser apresentado
literatura relativa ao aborto discernir quais so os argumentos filosficos e cientficos consistentes
entre a infinidade de manipulaes retricas que visam apenas arrebatar multides para o campo
de batalha travado sobre o aborto.
Nesse contexto, no tarefa fcil apresentar um panorama dos estudos bioticos pertinentes
ao assunto. Misturam-se textos acadmicos, polticos e religiosos, e selecionar quais os mais
significativos para o debate parece ser sempre uma tarefa injusta.
Para melhor entendimento, o asunto est dividido em trs partes assim distribudas: na primeira,
esclarecemos a terminologia e os principais tipos de aborto; em seguida, apresentamos dados sobre
legislao comparada, para, na terceira parte, nos centrarmos no debate biotico propriamente dito
sobre o tema.
32
x UNIDADE I
Para este captulo, utilizaremos a nomenclatura mais prxima do discurso mdico oficial, por
consider-la a que mais justamente representa as prticas a que se refere. Basicamente, pode-se
reduzir as situaes de aborto a quatro grandes tipos:
Alm da variedade conceitual, outro ponto interessante, no tocante ao estilo dos artigos sobre o
aborto, a escolha dos adjetivos utilizados pelos autores para se referirem a seus oponentes morais.
No raro, encontram-se artigos que chamam os profissionais de sade que executam aborto como
aborteiros, homicidas, assassinos ou carniceiros.
33
UNIDADE I X
A Biotica e o PGH
Por sua prpria natureza, o PGH cerca-se de incertezas ticas, legais e sociais (ELSI). Reconhecendo
isto, o PGH dedicou 10% de seu oramento total discusso destes temas. Trs itens se destacam na
agenda ELSI:
34
x UNIDADE I
Subjacentes a estes itens h cinco princpios bsicos sobre os quais est sendo construdo o edifcio
tico consensual do PGH: autonomia, privacidade, justia, igualdade e qualidade, j citados
anteriormente.
Aps o lanamento do PGH nos Estados Unidos, em 1989, grande nmero de outros programas
genmicos emergiu em nvel nacional e internacional. H, atualmente, programas no Reino Unido,
Frana, Itlia, Canad, Japo, Austrlia, Rssia, Dinamarca, Sucia, Holanda e Comunidade
Europeia. Para a coordenao internacional destes esforos foi criada a Organizao do Genoma
Humano (Human Genome Organization HUGO). A HUGO tem escritrios em Londres, Bethesda,
Moscou e Tquio. No Brasil, o escritrio da HUGO funciona no Ncleo de Gentica Mdica, em
Belo Horizonte. A misso da HUGO promover a colaborao internacional na iniciativa genmica
humana e assistir na coordenao da pesquisa. A HUGO tem vrios comits, incluindo: mapeamento,
bioinformtica, propriedade intelectual e biotica. Do ponto de vista de propriedade intelectual, a
HUGO tem tido uma posio firme contra o patenteamento de ESTs que so fragmentos curtos de
DNA sequenciados aleatoriamente de genes codificadores de protenas de funo desconhecida.
Quando mutaes em um nico gene so capazes de, sozinhas, causar uma doena
gentica, falamos de um gene pode causar um grande efeito e consequentemente
a doena que chamada de monognica, podendo ter herana autossmica
dominante, autossmica recessiva ou ligada ao sexo. Por outro lado, a maioria das
doenas comuns do homem (cncer, diabetes, arteriosclerose, hipertenso etc.)
so multifatoriais, dependendo de uma interao complexa de mltiplos genes de
pequeno efeito (doenas polignicas) com o ambiente.
35
UNIDADE I X
Assim, a medicina preventiva pode ser definida. Se por um lado, temos o diagnstico
pr-sintomtico de doenas gnicas, situao em que h grande previsibilidade mas
baixa possibilidade de modificao do risco de desenvolvimento da doena. Por
outro, temos doenas multifatoriais polignicas em que um nico teste gentico
tem baixa previsibilidade, mas as chances de se manipular o ambiente para tentar
evitar o desenvolvimento da doena so grandes.
A maior parte das doenas com etiologia gentica fica entre estes extremos so raras
as doenas puramente monognicas na grande maioria das enfermidades genticas
monognicas h influncia de outros genes e de fatores ambientais na determinao
da penetrncia e do grau de expressividade da doena e tambm so raras as doenas
puramente polignicas (na grande maioria das doenas polignicas h alguns genes
com efeito mais importante que outros, que so chamados genes maiores).
36
x UNIDADE I
Srgio Danilo J. Pena e Eliane S. Azevdo, em seu trabalho O Projeto Genoma Humano e a
Medicina Preditiva: Avanos Tcnicos e Dilemas ticos.
37
Captulo 4
Transplantes
Quanto origem, os rgos podem ser oriundos de outras espcies animais (xenotransplante), de
seres humanos vivos (alotransplante intervivos) ou mortos (alotransplante de doador cadver).
A utilizao de rgos de outros animais em seres humanos vem atraindo a ateno de cientistas
desde o incio do sculo. Exemplo disto o caso Baby Fae.
A obteno de rgos de doador vivo tem sido muito utilizada, ainda til, porm, e igualmente
questionvel sob o ponto de vista tico. Este tipo de doao somente tem sido aceito quando existe
relao de parentesco entre doador e receptor. A doao de rgos por parte de amigos ou at
mesmo de desconhecidos tem sido fortemente evitada. As questes envolvidas so a autonomia
e a liberdade do doador ao dar seu consentimento e a avaliao de risco/benefcio associada ao
procedimento, especialmente com relao no maleficncia (mutilao) do doador.
A utilizao de rgos de doadores cadveres tem sido a soluo mais promissora para o problema
da demanda excessiva. O problema inicial foi o estabelecimento de critrios para caracterizar a
morte do indivduo doador. A mudana do critrio cardiorrespiratrio para o enceflico possibilitou
um grande avano neste sentido. Os critrios para a caracterizao de morte enceflica foram
propostos, no Brasil, pelo Conselho Federal de Medicina atravs da Resoluo CFM no 1.480/1997.
Na doao de rgos por cadver muda-se a discusso da origem para a forma de obteno: doao
voluntria, consentimento presumido, manifestao compulsria ou abordagem de mercado.
Em 16 de janeiro de 1997, foi aprovada, pelo Congresso Nacional, aps uma longa discusso, a nova
lei de transplantes (Lei no 9.434/1997), sancionada pelo Presidente da Repblica em 4 de fevereiro
de 1997, que altera a forma de obteno para consentimento presumido. A legislao anteriormente
38
x UNIDADE I
A alocao dos rgos para transplante, assim como de outros recursos escassos deve ser feita em
dois estgios. O primeiro estgio deve ser realizado pela prpria equipe de sade, contemplando
os critrios de elegibilidade, de probabilidade de sucesso e de progresso cincia, visando
beneficncia ampla. O segundo estgio, a ser realizado por um Comit de Biotica, pode utilizar os
critrios de igualdade de acesso, das probabilidades estatsticas envolvidas no caso, da necessidade
de tratamento futuro, do valor social do indivduo receptor, da dependncia de outras pessoas, entre
outros critrios mais.
39
Captulo 5
Biotica e Eutansia
Eutansia e distansia
A palavra eutansia tem como significado boa morte e tambm conhecida como suicdio
assistido ou morte voluntria. Ela acontece quando se pe fim a vida de um doente terminal
como forma de acabar com sua dor e sofrimento.
Biotica e Eutansia
A Biotica, relembrando, o estudo sistemtico das dimenses morais - incluindo viso moral,
decises, condutas e polticas das cincias da vida e ateno sade, utilizando uma variedade de
metodologias ticas num cenrio interdisciplinar.
A eutansia representa atualmente uma complicada questo de biotica e biodireito, pois enquanto
o estado tem como princpio a proteo da vida dos seus cidados, existem aqueles que, devido
ao seu estado precrio de sade, desejam dar um fim ao seu sofrimento antecipando a morte.
Independentemente da forma de eutansia praticada, seja ela legalizada ou no, considerada
como um assunto controverso existindo sempre prs e contras, podendo haver sempre teorias
eventualmente mutveis com o tempo e evoluo da sociedade, tendo sempre em conta o valor de
uma vida humana.
Eutansia Classificao
A eutansia pode ser classificada quanto ao tipo de ao e quanto ao consentimento do paciente.
Quanto ao tipo de ao - pode ser ainda dividida em eutansia ativa e eutansia passiva. A
primeira corresponde ao ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento ao paciente. A segunda
diz respeito morte do paciente dentro de um quadro terminal, ou porque no se inicia uma ao
mdica, com o objetivo de minimizar o sofrimento.
Distansia
Etimologicamente, distansia o oposto de eutansia. A distansia defende que devem ser utilizadas
todas as possibilidades para prolongar a vida de um ser humano, ainda que a cura no seja uma
possibilidade e o sofrimento se torne demasiadamente penoso.
40
x UNIDADE I
Ortotansia
No que se refere ortotansia, esta, opondo-se distansia, defende que se reconhea o momento
natural da morte de um indivduo, no se procedendo a qualquer tipo de meio para manter ou
prolongar a sua vida. Significa que se deve deixar o ser humano morrer em paz, sem que se promova
e acelere esse processo de deixar a vida. importante neste caso, distinguir ortotansia de eutansia
passiva, na medida em que na primeira no so levadas a cabo quaisquer medidas que visem manter
ou melhorar o estado de sade do doente, e na segunda estas so tomadas e interrompidas num
determinado momento de sua vida. Salientamos tambm que na ortotansia podem ser adaptadas
medidas paliativas para aliviar o sofrimento da pessoa em vias de falecer.
Foram propostas vrias razes para que seja assim. Uma das mais plausveis que um agente que
mata causa a morte, enquanto um agente que deixa morrer permite apenas que a natureza siga o
seu caminho. Embora evitar matar algum exija pouco ou nenhum esforo, normalmente salvar
algum exige esforo. Se matar e deixar morrer estivessem moralmente ao mesmo nvel seramos
to responsveis pela morte daqueles que no conseguimos salvar como somos pela morte daqueles
que matamos. Mas, mesmo que s vezes se possa traar uma distino moralmente relevante entre
matar e deixar morrer, claro que isso no significa que a distino se aplique sempre. Por vezes
somos to responsveis pelas nossas omisses quanto pelas nossas aes.
Viso religiosa
O homem o nico ser sobre a Terra que tem conscincia da sua finitude, o
nico a saber que sua passagem neste mundo transitria e que deve terminar
um dia.
Como referido anteriormente, a eutansia , e continuar a ser, uma questo controversa. Todavia,
por exemplo, os ltimos estudos revelam que cerca de metade da populao portuguesa a favor
desta prtica. A grande maioria requer a eutansia citando que a dor o principal fator que as leva
a acabar com as suas vidas. Contudo, permanece a questo do que ser ou no tico.
41
Captulo 6
Pesquisa com seres humanos
Atualmente no Brasil h mais de 400 Comits institucionais de tica em Pesquisa (CEP), o que
significa, minimamente, 4.000 pessoas diretamente envolvidas no processo de avaliar projetos de
pesquisa realizados no Pas.
Braslia tem-se apresentado de forma exemplar neste campo de pesquisa, pois conseguiu estruturar
um slido sistema de proteo aos indivduos envolvidos na pesquisa, o que est fundado na Resoluo
no 196/1996 do Conselho Nacional de Sade.
O importante considerar que muitos so os desafios ainda persistentes, quais sejam: independncia
dos CEPs diante de interesses de pesquisadores, instituies e patrocinadores, maior legitimidade
dos CEPs, adequado controle social das pesquisas e, apenas para ficar em alguns poucos exemplos,
maior representao de usurios nos CEPs.
42
x UNIDADE I
No Brasil, a regulamentao das pesquisas envolvendo seres humanos teve seu marco inicial com a
Resoluo no 01 do Conselho Nacional de Sade (CNS) no ano de 1988. Esta normatizou os aspectos
ticos da pesquisa em seres humanos, a pesquisa de novos recursos profilticos, diagnsticos,
teraputicos e de reabilitao, a pesquisa com menores de idade, mulheres e sujeitos, a pesquisa
realizada em rgos, tecidos e seus derivados, a pesquisa em farmacologia e pesquisas diversas.
Regulamentou, tambm, o credenciamento de centros de pesquisas no pas e recomendou a criao
de comits internos nas instituies de sade. A aceitao desta resoluo foi inexpressiva e sua
aplicao prtica foi considerada insatisfatria, tendo, contudo, o mrito de ser a tentativa inicial de
normatizao nacional das pesquisas em seres humanos.
Alguns termos e definies constam no documento e so teis para seu entendimento, a saber:
Pesquisa em seres humanos: pesquisa que envolva o ser humano mesmo de forma
individual ou coletivamente, direta ou indiretamente, parcial ou totalmente.
43
UNIDADE I X
44
x UNIDADE I
envolver sempre que possvel indivduos com autonomia plena, evitando vulnerveis
a menos que a investigao traga benefcio direto a estes;
descontinuar o estudo somente aps anlise das razes pelo comit que o aprovou.
Este se caracteriza por ser um instrumento para se tentar assegurar a autonomia do sujeito da
pesquisa, atravs da obteno da sua anuncia participao. A concordncia o pressuposto do
seu correto uso, sem qualquer coero, aps fornecimento e compreenso da informao sobre
os procedimentos. Tem como objetivo principal de proteger os indivduos, no sendo, como o
consentido, a informao usada no passado, se constitui tambm em um instrumento de defesa do
pesquisador e instituio diante de consequncias negativas da pesquisa. Contudo no infalvel,
principalmente em um Pas como o nosso em que a grande maioria dos sujeitos de pesquisa
extremante vulnervel por suas condies sociais, culturais e econmicas desiguais. Apesar de ter
algumas controvrsias, foi um grande avano e tem sido til se utilizado da forma correta. Para tal
necessrio que seja elaborado em linguagem acessvel e possua informaes sobre:
45
UNIDADE I X
formas de ressarcimento;
formas de indenizao;
Quanto aos Riscos e benefcios, quantificar o risco uma caracterstica essecial ns pesquisas com
seres humanos. Este risco pode ser individual, coletivo, imediato, tardio, fsico, psquico, entre
outros, contudo sempre existir em menor ou maior grau. Assim sendo, aceitvel quando a
finalidade de determinada pesquisa justific-lo, da seguinte forma:
Caso um dano ou risco no identificado surja em determinada pesquisa, no tendo sido previsto
no termo de consentimento, o estudo deve ser interrompido. Da mesma forma, to logo seja
constatada a superioridade de um mtodo sobre outro, o melhor regime dever ser oferecido a todos
46
x UNIDADE I
os sujeitos. Este tpico foi alvo de grande discusso durante a reviso da Declarao de Helsinque
na Assembleia Geral da Associao Mdica Mundial, em outubro de 2000. H uma tentativa de
mudana no sentido de no mais se oferecer o melhor regime existente, mas sim, o melhor regime
disponvel no local em que a pesquisa realizada.
Afirmaes como estas abrem, inclusive, uma brecha para o uso do placebo mesmo quando j
houver um tratamento eficaz. Esta proposta, denominada duplo-standard, vem sendo defendida
pela poderosa indstria farmacutica, que, com sua aprovao, reduziria enormemente os custos
de desenvolvimento de medicamentos, principalmente em pesquisas nos pases mais pobres,
porm com prejuzo enorme para os sujeitos da pesquisa. Esta modificao no foi aprovada, mas
permaneceu em aberto para nova discusso na prxima reviso da Declarao de Helsinque.
Ainda com relao aos danos sofridos pelos sujeitos da pesquisa, importante ressaltar que,
previstos ou no, se ocorrerem, sero de responsabilidade do pesquisador e instituio. Neste caso,
os sujeitos devem receber assistncia integral, tendo direito a uma indenizao.
Protocolo de pesquisa
Todo protocolo deve apresentar os dados do pesquisador, instituio e da pesquisa, alm da
fundamentao cientfica que a justifique, com anlise crtica dos riscos e benefcios. O pesquisador
deve assumir, tambm, o compromisso de cumprir a Resoluo no 196/1996 e de tornar os resultados
de sua pesquisa pblicos, mesmo que sejam desfavorveis.
Segundo o documento das diretrizes e normas, toda instituio deveria criar, organizar e manter
um CEP e toda pesquisa envolvendo seres humanos deveria ser submetida aprovao desse
comit. Cada CEP deve ser composto por no mnimo sete membros no remunerados, incluindo
profissionais da sade, cincias exatas, sociais, humanas e, pelo menos, um representante dos
usurios da instituio, possuindo, assim, carter multi e transdisciplinar. A metade destes membros
escolhida pela instituio e o restante por eleio entre aqueles com experincia em pesquisa, com
mandato de trs anos.
Ao no permitir que mais da metade dos integrantes de um CEP seja formada por apenas uma
categoria profissional, a resoluo impede uma composio corporativista. Do mesmo modo, os dois
sexos devem estar representados de maneira semelhante, no sendo permitido membro envolvido
com a pesquisa analisada.
47
UNIDADE I X
emitir parecer enquadrando o protocolo em: aprovado, com pendncia (60 dias),
retirado, no aprovado, aprovado em encaminhado ao CONEP nos casos relativos
s REAS TEMTICAS ESPECIAIS;
A interrupo de uma pesquisa sem justificativa aceita pelo CEP considerada conduta no tica.
a instncia superior aos CEPs, vinculada ao Conselho Nacional de Sade (CNS), de natureza
consultiva, deliberativa, normativa, educativa e independente. Tambm composta de forma multi e
transdisciplinar por 13 membros sendo cinco personalidades destacadas no campo da tica e sade
e oito personalidades de atuao outras reas.
48
Captulo 7
reas temticas especiais
Gentica humana
Os pareceres do CONEP relativos rea de Gentica Humana so baseados, no que se refere
aos aspectos especficos, nas Instrues Normativas no 8 e 9 da Comisso Tcnica Nacional de
Biossegurana (CTNBio). Estas instrues reafirmam os princpios da Resoluo no 196/1996,
dispondo sobre manipulao gentica e clonagem de seres humanos, com as seguintes normas:
Dentro desta rea so passveis de aprovao apenas projetos que envolvam manipulao gentica
de clulas somticas.
Reproduo humana
Com objetivo de complementar as Diretrizes de Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo
Seres Humanos, o Conselho Nacional de Sade aprovou a Resoluo no 303/2000, relativa
rea de reproduo humana. Nesta fica definido que os sujeitos da pesquisa sero todos aqueles
afetados pelos procedimentos estudados. Estabelece tambm que, dentro desta rea temtica, todas
as pesquisas com interveno em reproduo assistida, anticoncepo, manipulao de gametas,
pr-embries, embries e feto e medicina fetal devem ser, aps parecer do CEP, obrigatoriamente
encaminhadas para avaliao do CONEP.
49
UNIDADE I X
Esta resoluo apresenta aspectos de fundamental importncia relativos aos direitos e proteo
do sujeito da pesquisa. Nela consta que deve ser assegurado aos sujeitos da pesquisa, por parte do
patrocinador, instituio e pesquisador, o acesso, aps a comprovao, ao melhor procedimento
diagnstico ou teraputico, inclusive queles do grupo controle quando houver. , tambm, contrria
ao uso de placebo quando um mtodo teraputico eficaz j existir. Estes dois aspectos, como j
mencionado anteriormente, tm sido questionados nas revises da Declarao de Helsinque. Sua
modificao, por presso da indstria farmacutica, seria um imenso retrocesso na qualidade da
regulamentao. A preocupao com este assunto levou o Brasil, previamente reviso da Declarao
de Helsinque de outubro de 2000, homologao da Resoluo CNS 301/00, que refora as normas
j estabelecidas, posicionando-se contrariamente s mudanas propostas.
Populaes indgenas
A preocupao com a vulnerabilidade do ndio e de sua cultura e o interesse crescente em pesquisas
com populaes indgenas, muitas delas isoladas, fez com que esta rea obtivesse tratamento
especial, com resoluo complementar (Resoluo no 304/2000). Esta apresenta de forma bem
clara a necessidade de que a pesquisa respeite os aspectos culturais peculiares, no admitindo
explorao das comunidades indgenas. Outras exigncias da resoluo so:
Para estes efeitos, so ndios todos aqueles que se considerarem pertencentes a uma comunidade
indgena e forem por ela aceitos como tais.
50
x UNIDADE I
Nela apresentada a necessidade de que o nus e os benefcios sejam distribudos de forma justa
entre as partes envolvidas. Fica, tambm, estabelecida a obrigatoriedade da aprovao da pesquisa
pelo comit de tica do pas de origem e, se no desenvolvida nesse pas, a razo para tal de ser
apresentada ao CONEP para anlise.
A necessidade do cumprimento destas resolues tem uma razo muito maior que somente o
enquadramento da pesquisa em regras de publicao. O objetivo primordial das diretrizes e normas
a proteo do ser humano na sua integridade e dignidade, fazendo com que o desenvolvimento
cientfico ocorra de forma tica. Nesse caminho, os CEP e o CONEP so instrumentos fundamentais,
multi e transdisciplinares, e, portanto pluralistas, capazes de uma avaliao adequada dos protocolos
de pesquisa antes da sua execuo, impedindo assim a ocorrncia de transgresses ticas de
consequncias eventualmente graves, principalmente para a parte mais frgil, o sujeito da pesquisa.
Os CEP e CONEP devem manter-se atuantes, fomentando a discusso sobre biotica, reavaliando e
adequando as diretrizes e normas evoluo tcnico-cientfica e social. A proteo ao nosso sujeito
da pesquisa, extremamente vulnervel, deve ser ampliada com a correo de distores resultantes
de uma regulamentao adaptada de normas estrangeiras, moldadas em um princpio de autonomia
excessiva, inadequado frente s condies do povo brasileiro.
51
Captulo 8
A Biotica e a Sade Pblica
Alguns autores afirmam que este conceito foi ampliado durante a VIII Conferncia Nacional de
Sade, em 1988, quando foram includos nele as condies de vida, como trabalho, habitao,
alimentao e todos os direitos ao acesso igualitrio, inclusive assistncia religiosa (se assim o
desejar), atravs das chamadas polticas de sade. Um olhar mais apurado, com o devido respeito,
faz com que se perceba que nada foi, de fato, acrescentado, mas apenas desmembrado.
Parece claro que ao se falar em bem-estar fsico, mental e social j est se falando em condies
aceitveis de vida em todas as suas variantes, inclusive o poder de fazer valerem direitos e exigir o
cumprimento de obrigaes, expressando o ser cidado. O direito sade j est contido no preceito
constitucional brasileiro que garante aos seus, como um dos fundamentos do Estado Democrtico de
Direito, a dignidade da pessoa humana, como indica a inteligncia do artigo 1o da nossa Constituio
Federal conforme preconiza no seu artigo 196: A sade direito de todos e dever do Estado,
garantidomediante polticas sociais e econmicas que visem reduo dorisco dedoena edeoutros
agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para a sua promoo, proteo e
recuperao.
Biotica e biossegurana
52
x UNIDADE I
em volta destes fragmentos. Dessa forma, esses foram considerados os mais antigos implantes
aloplsticos colocados com sucesso em uma pessoa viva no mundo.
Toda via, o desenvolvimento biotecnolgico iniciado nos anos 1950, acelerado nos ltimos anos,
trouxe odontologia avanos significativos, ampliando o campo de trabalho do cirurgio-dentista e
fortalecendo-a como cincia. Por outro lado, aumentou a responsabilidade do profissional, exigindo
constante atualizao para absorver os novos conhecimentos gerados.
A rapidez dos avanos cientficos e tecnolgicos passou a exigir uma reflexo tica mais acurada
sobre o agir do profissional envolvido com as novas descobertas no campo da biomedicina.
nesse contexto que a biotica se apresenta como novo territrio de estudo e reflexo tico-moral,
envolvendo diferentes movimentos e sujeitos, orientados para o agir profissional, no respeito
cidadania e aos direitos humanos, em contextos temporais e espaciais onde pessoas se encontram
vulnerveis, tanto no acesso como na busca da sade.
Segundo alguns autores, o paciente tem o direito moral de ser esclarecido sobre a natureza e os
objetivos dos procedimentos diagnsticos, preventivos ou teraputicos. Da mesma maneira, deve
ser informado de sua invasibilidade, durao dos tratamentos, benefcios, provveis desconfortos e
possveis riscos fsicos, psquicos, econmicos e sociais que possa ter. O profissional de sade deve
apresentar possveis alternativas de tratamento, quando existentes. A pessoa precisa ser informada
da eficcia presumida das medidas propostas, sobre as probabilidades de alterao das condies
de dor, sofrimento e de suas condies patolgicas, ou seja, deve ser esclarecida em tudo que possa
fundamentar suas decises.
53
UNIDADE I X
Discusso
A anlise dos resultados permitiu reflexes sobre o uso dos biomateriais por especialistas.
Alm disso, a Lei no 9.434 de 4/2/1997, que dispe sobre a doao de rgos e procedimentos, prev
sanes penais e administrativas, sendo vedado todo tipo de comercializao de rgos ou tecidos
humanos no Pas.
Segundo Berlinguer e Garrafa (2001), a tendncia do futuro ser a mudana de biomateriais humanos
para enxerto xenognico, motivada pela escassa oferta mundial do osso humano. No entanto,
restam muitas dvidas sobre a interao entre clulas de espcies distintas. Muita polmica foi
gerada quando foi proposta a utilizao de rgos de animais tratados geneticamente como opo
aos transplantes, devidos aos efeitos a longo prazo, principalmente no campo da imunologia.
Do ponto de vista da teoria biotica do Principialismo, observa-se que o princpio da autonomia dos
pacientes frequentemente desrespeitado. A maior parte dos entrevistados referiu que o paciente
pouco ou nunca participa do processo decisrio de tratamento. O uso do termo de consentimento
informado ainda no est incorporado prtica profissional. A pouca participao do paciente
tambm foi relatada em pesquisa recente sobre avaliao da documentao odontolgica de
implantodontistas em So Paulo.
54
Captulo 9
Biotica e Direitos Humanos
Em Admirvel Mundo Novo, Aldous Huxley descreve uma sociedade onde as pessoas so concebidas
em centros de incumbao e condicionamento a partir de linhas de produo artificiais. Todos seriam
predestinados e manipulados biologicamente, de forma a se criar um mundo no qual o lema fosse
comunidade, identidade e estabilidade. No existiria vontade livre e a submisso seria totalmente
aceitvel a partir de doses regulares de felicidade qumica e ideologias ministradas durante o sono.
Segundo um dos personsagens da narrativa de Huxley, o propsito do condicionamento gentico e
social seria fazer as pessoas amarem o destino social a que no podem escapar. Pela primeira vez
na histria, sabe-se seguramente para onde se vai.
55
UNIDADE I X
Como mencionado anteriormente, nos dias atuais o significado dado palavra biotica mais
amplo, abrangendo uma reflexo moral sobre questes ligadas medicina, s cincias da vida e s
tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos, a partir da dimenso social, jurdica
e ambiental. Nesse campo, discute-se sobre doao de rgos, eutansia, aborto, pesquisa com
clulas-tronco, controle de natalidade, reproduo assistida, sade pblica e globalizao, doenas
mentais, bioterrorismo, transgnicos, clonagem e manipulao gentica, entre outros.
Para o entendimento de como se deu o progresso da cincia este entendimento deve ser feito com
reservas. O desenvolvimento cientfico do sculo XX provocou a crise do conceito de cincia e fez
com que o estudo das suas condies de possibilidade, da sua justificao e dos seus riscos e limites
se tornasse um tema de importncia central para o pensamento filosfico.
necessrio um exame que leve em conta os riscos e as possibilidades desses avanos para os
direitos fundamentais. Se o mapeamento do genoma humano pode possibilitar, por um lado, o
56
x UNIDADE I
conhecimento antecipado e a cura de determinadas doenas, por outro, pode induzir a uma
eventual discriminao gentica, sobretudo entre companhias de seguro de sade, de vida e mesmo
entre empregadores. O inevitvel compromisso das tecnologias biomdicas com o poder econmico
representa uma amea dignidade humana, na medida em que o corpo humano tornou-se passvel
de ser instrumentalizado mediante uma lgica de mercado. Recorde-se que os termos doena e
dignidade humana so expresses abertas e passveis de ser articuladas na luta pela afirmao
da igualdade, como demonstra o Little People Movement, que conseguiu barrar, na Inglaterra, as
pesquisas que evitariam o nanismo, ao argumento de que esta condio no pode ser considerada
uma doena, o que violaria o respeito diferena especfica dos anes.
Entre os valores inerentes condio humana est a vida. Embora a sua origem permanea um
mistrio, tendo-se conseguido, no mximo, associar elementos que a produzem ou saber que em
certas condies ela se produz, o que se tem como certo que sem ela a pessoa humana no existe
como tal, razo pela qual de primordial importncia para a humanidade o respeito origem,
conservao e extino da vida.
57
UNIDADE I X
um valor humano ou social, muitos sentiram a necessidade de refletir sobre essas inovaes
e seus efeitos, de prever ou, pelo menos, tentar prever, suas consequncias provveis, benficas
ou malficas e, finalmente, de avaliar tais possibilidades luz de consideraes de ordem tica.
A primeira advertncia formal sobre os riscos inerentes ao progresso cientfico e tecnolgico foi
feita pela ONU, em 10 de novembro de 1975, quando proclamou a Declarao sobre a Utilizao
do Progresso Cientfico e Tecnolgico no Interesse da Paz e em Benefcio da Humanidade. Entre
as consideraes preliminares, esse documento contm o reconhecimento de que o progresso
cientfico e tecnolgico, ao mesmo tempo em que cria possibilidades cada vez maiores de melhorar
as condies de vida dos povos e das naes, pode, em certos casos, dar lugar a problemas sociais,
bem como ameaar os direitos humanos e as liberdades fundamentais do indivduo. O artigo 6o
dessa Declarao bem expressivo como advertncia, tendo a seguinte redao:
Nesta seara entra a necessidade de considerao jurdica dos mesmos valores de que se ocupa a
Biotica, pois so valores humanos fundamentais, que precisam ser tutelados em benefcio de cada
ser humano e de toda a humanidade.
Essa evoluo levou concluso de que o ser humano dotado de especial dignidade, bem como de
que imperativo que todos recebam proteo e apoio tanto para a satisfao de suas necessidades
bsicas como para o pleno uso e desenvolvimento de suas possibilidades fsicas e intelectuais.
Em decorrncia de todos esses fatores, foi sendo definido um conjunto de faculdades naturais
necessitadas de apoio e estmulo social, que hoje se externam como direitos fundamentais da pessoa
humana. Nos textos da antiguidade se confundem preceitos religiosos, polticos e jurdicos, mas j
se percebe a existncia de regras de comportamento social impostas obedincia de todos e com a
58
x UNIDADE I
possibilidade de punio para os que desobedecerem. Em vrios casos a punio vai alm da sano
moral e uma autoridade pblica pode impor castigos ou restries a direitos.
A est a origem humana e social dos direitos, inclusive do direito vida, que atravs dos sculos
ser reconhecido e protegido como um valor jurdico. Conforme observam muitos autores, durante
sculos a proteo da vida como direito se deu por via reflexa. No havia a declarao formal do
direito vida, mas era punido com severidade quem atentasse contra ela. Isso chegou at os nossos
dias, sendo interessante assinalar que no Brasil o direito vida s foi expresso na Constituio de
1988, embora desde 1830 a legislao brasileira j previsse a punio do homicida.
Assim nasceu a moderna diferenciao entre nobres e plebeus, entre os ricos proprietrios, sempre
participantes diretos ou indiretos do poder poltico, e os outros, incluindo pequenos proprietrios
e tambm muitas pessoas pobres ou miserveis que s tendo a fora de seu corpo e de sua mente
viviam, como vivem ainda hoje, em situao de sujeio, sendo forados, mediante coao expressa
ou disfarada, a contribuir para a prosperidade dos primeiros.
Tomando a vontade de Deus como fundamento dos direitos humanos, Santo Toms condena as
violncias e discriminaes dizendo que o ser humano tem Direitos Naturais que devem ser sempre
respeitados, chegando a afirmar o direito de rebelio dos que forem submetidos a condies
indignas. Nessa mesma poca nasce a burguesia, uma nova fora social, composta por plebeus que
foram acumulando riqueza mas continuavam excludos do exerccio do poder poltico e, por isso,
eram tambm vtimas de violncias, discriminaes e ofensas sua dignidade.
Durante alguns sculos foram ainda mantidos os privilgios da nobreza, que, associada Igreja
Catlica, tornara-se uma considervel fora poltica e usava a fundamentao teolgica dos direitos
humanos para sustentar que os direitos dos reis e dos nobres decorriam da vontade de Deus.
59
UNIDADE I X
Um dado importante que, por meio da experincia, da reflexo e, muitas vezes, do sofrimento,
muitas pessoas de boa-f, que se julgavam contrrias aos direitos humanos, adquiriram conscincia
de sua contradio e mudaram de atitude. necessrio e oportuno ressaltar que, embora sem a
rapidez que seria ideal, vem aumentando sempre o nmero de pessoas conscientizadas, sendo
necessrio um trabalho constante de esclarecimento e estmulo para que se acelere a ampliao do
nmero de defensores dos direitos humanos.
Todos estes fatores que marcam a existncia de uma nova mentalidade, caracterizada pela
valorizao da tica e pelo reconhecimento dos direitos humanos, no foram feitos e no ocorrem
sem resistncias. Os que pem acima de tudo a consecuo de objetivos econmicos tm aliados
60
x UNIDADE I
O que se pode concluir disso tudo que a Declarao Universal dos Direitos Humanos marca o incio
de um novo perodo na histria da humanidade. E a Biotica est inserida no amplo movimento
de recuperao dos valores humanos que ela desencadeou. Os que procuram a preservao ou a
conquista de privilgios, os que buscam vantagens materiais e posies de superioridade poltica e
social, sem qualquer considerao de ordem tica, os que pretendem que seus interesses tenham
prioridade sobre a dignidade da pessoa humana, os que supervalorizam a capacidade da inteligncia
e se arrogam poderes divinos, pretendendo o controle irresponsvel da vida e da morte, esses
resistem implantao das normas inspiradas nos princpios da Declarao Universal.
61
Captulo 10
Biotica clnica
Erro mdico
So relatados erros mdicos de grande visibilidade histrica e na sequncia feita uma anlise dos
mesmos levando-se em conta os princpios bioticos da beneficncia, no-maleficncia, autonomia
e justia. A histria mostra que o erro mdico no uma preocupao exclusiva da sociedade
contempornea e j estava presente no Cdigo de Hamurabi 2394 a.C. com penalidades
diferenciadas para o mdico no caso de o erro ser cometido contra o senhor ou contra o escravo. No
entanto, somente nos tempos contemporneos, ocorreu a discusso dos princpios da autonomia
e da justia. Apesar disso, pessoas de posses, como George Washington, em 1799, j usavam o
princpio da autonomia quando do tratamento de suas doenas.
Diz-se, que o moralista est preocupado apenas com a parte subjetiva do comportamento humano,
os cientistas sociais com os meios e os processos utilizados e os polticos com os fins e resultados. As
inmeras controvrsias ticas levantadas pelo grande desenvolvimento cientfico e tecnolgico da
biologia nos ltimos anos um dos exemplos de questo moral, em tica e Medicina, que envolve
no apenas um, mas todos os fatores determinantes do ajuizamento quanto ao certo e o errado.
Vida, sade e morte so portanto questes morais. Podemos fazer algo a respeito delas e,
consequentemente, temos de decidir o que fazer. esta verdade fundamental acerca da nossa
existncia humana, que nos coloca em nvel diverso dos demais componentes do reino animal:
o fato de que a maior parte do nosso destino , ou pode ser, resultado de deciso deliberada, de
conduta racional, mais do que de comportamento meramente instintivo.
Toda a histria do crescimento moral do homem, desde o que Breasted chamou de a aurora da
conscincia e que, paradoxalmente, os telogos clssicos chamam de a queda, tem sido nossa
permanente marcha ascendente na escala da responsabilidade. Desde uma ao pr-escolhida
62
x UNIDADE I
Existem cada vez menos motivos em nossa gerao, para sermos fatalistas acerca dos episdios
cruciais de nossa existncia, em contraposio gerao de nossos antepassados. Fatalismo que
reflete uma falta de controle sobre os acontecimentos a viso daqueles que so impotentes para
prevenir ou evitar o que no podem escolher ainda que tivessem o poder de escolha. Da mesma
forma que a inrcia o solo rido do fatalismo, o controle a semente viosa da liberdade e da
responsabilidade, da prpria ao moral, do comportamento verdadeiramente humano.
Um ato humano, seja em teoria tica, seja em teologia moral, definido como aquele que livre e
baseado no conhecimento e no ditado irremediavelmente pela ignorncia e pela resignao.
Os atos morais so mais bem servidos pela reflexo do que pelo reflexo e a qualidade tica de um ato
est muito mais vinculada ao raciocnio do que paixo.
por esse motivo que a cincia, a despeito de alguns casos trgicos e equivocados, contribui
decisivamente para a expanso do nosso alcance moral e para a magnitude de nossa vida tica. A
tecnologia no somente altera a cultura, ela indiscutivelmente adiciona crditos nossa estatura
moral. E as questes do incio e do fim da vida, como uma parte do cuidado mdico, ilustram a regra
geral.
Em qualquer discusso sobre Moral e Medicina necessrio delinear nossa liberdade moral, nossa
ao humana, em uma srie de decises sobre a vida e sobre a morte. E isso deve ser feito de tal
maneira que tais eventos possam tornar-se decises verdadeiras e no meras fatalidades biolgicas.
63
UNIDADE I X
Descendo agora, da discusso doutrinria para o nvel da avaliao meramente normativa, fica claro
que a importncia do Captulo III do Cdigo de tica Mdica est no seu prprio ttulo que trata da
responsabilidade profissional do mdico, e no somente de sua responsabilidade legal.
Essencialmente, autonomia a capacidade de pensar, decidir e agir, com base em tal pensamento
e deciso, de modo livre e independente. Na esfera da ao, importante distinguir entre, por um
lado liberdade, iseno, licena, ou simplesmente fazer de cordocommsua vontade, ou seja o que
vier na cabea e por outro lado agir autonomamente, que tambm pode se fazer o que se quer,
mas baseado em deliberao racional. S como exemplo, os animais no possuem autonomia,
mas podem ser perfeitamente livres. A autonomia uma categoria de liberdade, mas nem toda
a liberdade autonomia. O conceito de autonomia est, necessria e obrigatoriamente, ligado ao
exerccio daquilo que Aristteles chamou de atributo especfico do homem a racionalidade.
Outra modalidade deste princpio, e que constitui a contrapartida da autoria da ao, ser
a responsabilidade tica intransfervel. Mesmo quando, na ao, existam vrios autores, a
responsabilidade tica no poder ser dividida. Ela existe por inteiro, em relao a cada um dos que
participaram da ao, sendo todos eles solidariamente responsveis. Tambm as circunstncias no
dividem a responsabilidade. Ou so elas circunstncias conhecidas e previsveis, e ento assumidas,
ou so elas imprevisveis e no conhecidas e, portanto, sem responsabilidade a cogitar.
Estas questes esto disciplinadas no Cdigo de tica Mdica que, cuida precisamente da total
responsabilidade moral que o mdico deve assumir como autor nico de seus prprios atos, no a
dividindo com terceiros, nem para eles transferindo a responsabilidade. Esta ser, sempre, igualmente
inteira para cada um deles. No se pode consentir em sua diviso quando as circunstncias pelas
quais se quer responsabilizar a ocorrncia, eram razoavelmente esperadas e, ainda assim, foram
assumidas.
O princpio geral do primum non nocere, fonte e inspirao da beneficncia ou, mais precisamente,
da no maleficncia, no , em nosso entender, um preceito tico exclusivo da Medicina, nem um
princpio de exigncia para a ao tica, j que poderia levar o mdico at mesmo inrcia total.
, antes de mais nada, um simples princpio de cautela, conteno, alerta e prudncia que somente
tm lugar como limites para a prtica mdica inspirada no princpio mais importante de servir, que
obriga a ao.
64
x UNIDADE I
O mdico que nada faz jamais incidir em erro, mas obviamente no essa a razo e o propsito
maiores da medicina, entendida como prtica comprometida com a ao. Originada, como cincia,
arte e profisso, da existncia prvia do prprio mdico, e caracterizado o mdico como aquele
que assumiu o encargo de cuidar (do latim, medeor), o preceito tradicionalmente repetido do
primum non nocere, no poderia sobrepor-se ao princpio tico indiscutivelmente mais alto que
o princpio de servir. Incontveis so as ocasies em que seria bem mais cmodo para o mdico
primum non agere. Entretanto o seu dever maior de intervir que o conduz a assumir riscos nem
sempre possveis de serem calculados com a segurana que se pretende no preceito do non nocere.
Estas circunstncias, que se tornam cada vez mais frequentes para a Medicina contempornea, na
qual aos maiores recursos correspondem maiores riscos, impe-nos necessariamente a ver naquele
postulado mera cautela para a ao do mdico, que no deve ultrapassar os limites da prudncia,
mas que ao mesmo tempo no pode e no deve recear o imperativo tico da interveno ativa.
Trata-se, como se v, de um princpio muito antigo. Mas, nem mesmo por ser historicamente
remoto, tem ele, na sua ancianidade, o aval indiscutvel da verdade.
Tambm do mesmo tempo, a velha regra de que o mdico nada mais do que uma consolao para
o esprito (medicus enim nihil aliud est quam animi consolatio). Mas seria francamente ridculo
haver algum, entre mdicos e pacientes que, apesar das limitaes prprias da Medicina, pudesse
repetir, hoje em dia, aquele brocardo.
So eles primum non nocere e nihil aliud est mandamentos tpicos de uma histria da cincia
e da cultura em que realmente eram pequenos os conhecimentos e recursos, ao ponto de se preferir
nada fazer: O mdico que prescreve ao doente a cura do tempo, prescreve um remdio melhor do
que se houvesse empregado lancetas. Mas a ningum dado o direito, em nossa poca, de ter da
Medicina a mesma imagem de resignao e inoperncia chegando a sobrepor qualquer daqueles
preceitos ao preceito tico superior de apostar na cura, apesar dos riscos.
65
UNIDADE I X
ver, ela possa ser concebida de uma forma mais abrangente e profunda do que a exposta pelos
nossos professores. Ainda hoje, muitos vem a Medicina Legal como uma simples aplicao de
conhecimentos mdicos ou mdico-biolgicos prtica forense. Quando se pensa a Medicina
Legal, a ideia mais presente, mesmo na mente dos profissionais de sade, a do especialista
realizando necrpsias para fins de esclarecimento de crimes.
Para os que cursaram Medicina a viso da especialidade um pouco mais ampla: conseguem agregar,
a essa rea do conhecimento, o exame genital para constatao de estupro, a identificao de ossadas
humanas e, no mximo, o exame de corpo de delito visando ao registro de leses corporais. H
grande desinformao, por exemplo, quanto existncia de uma Psicopatologia Forense, que
preferimos denominar Sade Mental e Justia, uma das reas de atuao da Medicina Legal. Com
relao a esse aspecto, podemos afirmar que no h Medicina puramente biolgica sem nfase na
psych humana, assim, como j vimos, no haver Medicina Legal apenas corporal: o estudo do
psicopatolgico e da sexologia so partes integrantes da cincia forense.
O crime apenas existe porque se estabeleceu a regra, e a regra foi criada visando um objetivo
pragmtico, especfico. E a percepo desses aspectos, j na rea da Sociologia Criminal, no ela
tambm fundamento do Direito? estamos falando de Criminologia, na qual a Medicina Legal se
prolonga. William Saad Hssne, em 1993, apresentou na Conferncia de Abertura da I Jornada
Oscar Freire uma viso iluminista do que ele considera deva ser a Medicina em geral, e a Medicina
Legal em especial. Iluminista, porque bem nos moldes do movimento que se difundiu na Europa
no sculo XVIII, dirigiu suas luzes para o mago do ser humano. Fez-nos ele muito bem sentir, e
esse pensamento, que Medicina e, consequentemente, tambm Medicina Legal no cabe o rtulo
de cincia biolgica. A menos que se queira incluir no bios, o abrangente e riqussimo contedo
humano que no pode ser dissociado de qualquer prtica de sade. A Medicina o cerne de uma
integrao entre cincias biolgicas e humanas.
Poder estar tambm presente o conflito com relao realizao do aborto a pedido da me porque,
para ns, apenas essa situao autnoma da paciente merece ser agora considerada a empatia com o
desejo de sua auto-determinao, que no quer, por razes prprias, dar prosseguimento gravidez.
A resposta questo pode a me dispor da vida do feto?, que para alguns um prolongamento da
me e, para outros, algo independente, sobre o qual ela no tem poder de deciso, decisiva para
a reflexo tica. Simplificando, a pessoa poder posicionar-se francamente contra o aborto se, na
reflexo, predominar a repulsa pelo feticdio, ou ento poder pender para um juzo favorvel, se
prevalecer a sintonia com a vontade da me. Nesse jogo pela me ou pelo feto podero influir, na
deciso, outros valores. Muitos esto a favor da interrupo da gravidez ante uma grave anomalia
fetal, ou em situaes em que a maternidade possa trazer um grave distrbio na vida psicossocial
66
x UNIDADE I
da paciente, ou quando a gravidez tiver resultado de estupro situao, alis, prevista pela lei penal
vigente.
A Biotica abrange as mais variadas linhas de pensamento, confrontando tendncias por vezes
absolutamente opostas, sendo paradigmtico o exemplo Biotica sacra x Biotica laica, a
primeira heternoma de forma clara ou disfarada, tendo como pressuposta a existncia de uma
ordem anterior religiosa, ou natural; e a segunda autnoma, tendo como pr-requisito exclusivo a
capacidade de pensar e de sentir do ser humano. imperioso enfatizar que Biotica uma rea de
discusso sobre valores, no podendo precipitar-se para a vala comum dos positivismos busca da
verdade, sendo portanto nada mais do que um espelho do relativismo tico do qual, ainda que
possamos desejar, nunca escaparemos.
Portanto vemos que a exposio de uma viso ampliada da Medicina Legal, se prope a integrar
as Cincias da Vida aplicadas ao Direito; postula, consequentemente, a sua transcendncia
quanto Medicina e Biologia; procura, finalmente, conceituar a Biotica, dentro de um enfoque
moderno e amplo. A percebemos que Biotica e Medicina Legal, ambas cincias da vida, ambas
fundamentais para o Direito, em sua prpria estruturao, e tambm na sua aplicao, so reas do
conhecimento muito prximas, ligadas conceitualmente entre si, de forma muito mais profunda do
que as definies meramente deontolgicas as caracterizavam.
67
UNIDADE I X
revele informaes diretamente ao profissional, que passa a ser o responsvel pela preservao das
mesmas. Confidencialidade A confidencialidade uma caracterstica presente desde os primrdios
das profisses de sade. O juramento hipocrtico, do sculo V a.C., estabelecia que: qualquer coisa
que eu veja ou oua, profissional ou privadamente, que deva no ser divulgada, eu manterei em
segredo e contarei a ningum. Thomas Percival, em seu livro Medical Ethics, de 1803, tambm
reiterava a importncia da garantia da preservao das informaes para uma adequada relao
mdico-paciente. Confidencialidade, desta forma, a garantia do resguardo das informaes dadas
em confiana e a proteo contra a sua revelao no autorizada. A confidencialidade no uma
prerrogativa dos pacientes adultos, ela se aplica a todas as faixas etrias. As crianas e os adolescentes
tm, como um adulto, o mesmo direito de preservao de suas informaes pessoais, de acordo
com a sua capacidade, mesmo em relao a seus pais ou responsveis. Com relao aos pacientes
idosos, especial ateno deve ser dada revelao de informao aos familiares e, especialmente,
aos cuidadores.
No Brasil, os cdigos de tica profissional dos mdicos e dos fonoaudilogos impedem a estes
profissionais prestar informaes mesmo a um juiz, independentemente da solicitao de privilgio
por parte dos pacientes. O profissional de sade, ao ser chamado para testemunhar em uma
Corte Judicial, deve comparecer perante a autoridade e declarar-se impedido de revelar qualquer
informao, pois est moralmente comprometido com a preservao das informaes.
Existem opinies, contudo, que admitem que um juiz pode assumir a sponsabilidade de inquirir a
revelao de informaes, mesmo contrariando o cdigo de tica profissional, desde que isto fique
claramente configurado nos autos do processo. Desta forma estaria caracterizada uma exceo e
no uma quebra confidencialidade. Essa alternativa pode contemplar os aspectos legais do ato de
revelar informaes tidas como confidenciais, porm, no atende plenamente ao aspectos morais
envolvidos. As situaes de abuso ou maus tratos devem ser avaliadas com cautela. No Brasil, existe
a obrigao legal de comunicar essas ocorrncias quando constatadas em crianas ou adolescentes.
As demais situaes de abuso de cnjuge ou idoso da famlia no esto previstas em lei, mas podem
ser equiparadas, desde o ponto de vista moral, s verificadas em menores.
Nestes casos necessrio contatar um Comit de Biotica ou alguma outra estrutura de defesa
dos direitos dos pacientes que por ventura existem na prpria instituio. No caso de trabalho
em consultrio privado, a situao fica mais delicada, pois as decises so mais solitrias. Nessa
circunstncia pode ser solicitada uma consultoria ou superviso formal a algum especialista nesta
rea ou ao Conselho Regional de Medicina do estado.
Em todos estes episdios os profissionais envolvidos tambm passam a ser solidrios na manuteno
da confidencialidade e privacidade do caso.
Pesquisa
A realizao de um projeto de pesquisa envolve aspectos de confidencialidade e privacidade em todas
as suas etapas. Desde o planejamento at a divulgao, o pesquisador e todas as demais pessoas que
vierem a se envolver tm o compromisso de resguardar as informaes, ou seja, de impedir que elas
sejam utilizadas de forma inadequada.
68
x UNIDADE I
Inmeros novos desafios esto sendo propostos. O uso crescente de recursos de transmisso de
dados sobre pacientes, utilizando telefone, fax, redes de computadores, podem se constituir em
novas situaes de quebra de confidencialidade ou de privacidade.
Novas situaes exigem novas solues, que muitas vezes resgatam antigas proposies, apenas
adequando-as ao novo contexto. O fundamental reconhecer que as pessoas sempre possuem
dignidade, independentemente de sua idade ou capacidade, merecendo, desta forma, todo o nosso
respeito e cuidado para com as informaes a elas pertinentes.
de extrema importncia reconhecer que a tica encontra sua razo de ser fundamentalmente nas
relaes humanas, pois nestas deposita o seu carter teleolgico; volta-se, assim, em suma, para a
criao de condies que visem afirmao da dignidade do ser.
Para a tica clnica a AIDS surge como um paradigma humano. No pensamento de Kant, esse objetivo
se impe como fundamento de um princpio prtico supremo, estabelecedor da humanidade como
fim em si mesma.
H que se entender que a tica discute o comportamento desejvel dos seres que integram uma
determinada a sociedade, tendo em vista os valores, dentre estes a Justia, que a orientam; e nestes
volta-se, consequentemente, para a formulao de uma teoria dos costumes, da qual nos fala Kant.
Do debate de temas ticos sempre resultar sob o ponto de vista prtico, um conjunto de preceitos
de conduta social destinados a tornar as relaes humanas mais harmnicas e agradveis, o que
implica, substancialmente, o respeito pessoa em sua integralidade. No se perca de vista que esses
preceitos esto sujeitos a constantes modificaes, decorrentes da natureza dinmica dos valores
sociais.
69
UNIDADE I X
Dentro dessa linha de raciocnio deflui a concluso de que a tica pode regular campos especficos
de atividades sociais; trata a tica Clnica das condutas desejveis no mbito da relao que se forma
entre profissionais da rea da sade e seus pacientes, criando-se, com isso, condies para que, por
um lado, os valores pessoais dos seres humanos envolvidos sejam preservados e respeitados e, por
outro, a prestao do servio que constitui o objeto especial dessa relao possa alcanar a mxima
eficcia possvel.
Pode-se afirmar com segurana que a parte mais importante dos cdigos ticos que regulam os
comportamentos dos profissionais da sade a que trata das relaes com os seus pacientes, j que
estas constituem o eixo de suas atividades.
A preservao da privacidade do paciente, por seu turno, est vinculada ao princpio de que tudo
que diz respeito sua intimidade lhe pertence, e somente ele poder dela dispor; a proteo dessa
intimidade se d por meio da adoo do sigilo, que torna a circulao de informaes relacionadas
intimidade do paciente restrita apenas ao crculo integrante da relao profissional.
Evidentemente, tais institutos com o consentimento informado e o sigilo profissional que se aplicam
a todas as hipteses possveis que ensejem a ocorrncia da relao entre profissionais e pacientes.
Quando se toma a Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (AIDS) como paradigma para este
trabalho, leva-se em considerao que no ocorreu, propriamente, o surgimento de alguma nova
situao para o campo da tica clnica; problemas ticos concernentes AIDS j haviam sido, de
algum modo, identificados no que tange a outras molstias transmissveis.
A ecloso da AIDS implicou, na verdade, que alguns aspectos ticos da relao profissional
fossem profundamente revistos e exaustivamente rediscutidos, seja em decorrncia de aspectos
epidemiolgicos da infeco, seja em razo do carter dramtico que reveste o aparecimento dessa
pandemia, seja em consequncia do prognstico sombrio que se desenha para o portador do agente
etiolgico da doena.
Isto vale tanto para as aes de governo, para as atividades que afetem a natureza, para
empreendimentos econmicos, para aes individuais ou coletivas, como tambm para a criao e
aplicao de tecnologia ou para qualquer atividade no campo da cincia.
70
x UNIDADE I
O que hoje pode ser afirmado com argumentos sofisticados, aps milnios de reflexes e discusses
filosficas, foi pensado ou intudo pela humanidade h milhes de anos e continua presente no
modo de ser de todos os grupos humanos, tanto naqueles que se consideram mais avanados como
nos que vivem em condies julgadas mais rudimentares, como os grupos indgenas que ainda
vivem isolados nas selvas. Como foi assinalado por Aristteles e por muitos outros pensadores,
e as modernas cincias que se ocupam do ser humano e de seu comportamento o confirmam, o
ser humano associativo por natureza. Por necessidade material, psquica aqui includas as
necessidades intelectuais e afetivas, espiritual, todo ser humano depende de outros para viver, para
desenvolver sua vida e para sobreviver.
71
Auditoria Unidade ii
Captulo 1
Questo tica
TICA
No mbito pblico, o ento Chefe da Casa Civil da Presidncia da Repblica, Pedro Parente, na
Exposio de Motivos no 37, do Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal, de 18/8/2000
afirmou que a insatisfao social com a conduta tica dos governantes e dos agentes pblicos no
fenmeno exclusivamente brasileiro e circunstancial. Os pases democrticos e desenvolvidos
tambm enfrentam ceticismo da opinio pblica a respeito do comportamento dos administradores
pblicos e da classe poltica.
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x UNIDADE II
No poder executivo brasileiro, o Cdigo de tica foi incorporado Administrao Pblica pelo Decreto
no 1.171, de 22 de junho de 1994. No decorrer do tempo, o trabalho foi sendo aperfeioado e
regulamentado, criando assim o Decreto no 6.029, de 1o de fevereiro de 2007.
O BNDES tem a certeza de ter conquistado reconhecimento e respeito perante a sociedade brasileira
por valorizar as atitudes ticas no exerccio das atividades de seus empregados.
tica e transparncia
Incorporar os principios da tica, honestidade, respeito mtuo, confiana entre as partes, integridade
e transparncia nos negcios, combate o trfego de influncias, a oferta ou recepo de suborno e a
corrupo na esfera pblica e privada e influenciar as partes interessadas neste combate.
Temos exemplos clssicos no segmento de telefonia, mas a percepo que temos de que o problema
se inseriu na cultura da maioria das empresas, independente da rea. A questo que no podemos
esperar das empresas a tica no seu sentido mais pleno. Se a conjuntura econmica e/ou poltica
permitir, elas vo querer potencializar seus lucros sim! Algum duvida, por exemplo, que se a Nestl
fechar sua operao no pas hoje, a Unilever sobe seus preos amanh? natural e faz parte do jogo
capitalista. No entanto, ns, os consumidores temos um poder que at ento no tnhamos: o do
alcance da palavra. E com ele que podemos exigir transparncia e tica na conduo dos negcios.
Existe a necessidade das empresas reverem seus princpios ticos e seus comportamentos neste
mundo globalizado e diante da rpida difusao de informaes por meio das ferramentas de
73
UNIDADE II x
comunicao. neste sentido so cobradas (ou penalizadas) pelos grupos de interesse (stakeholders)
podendo ter consequncias em suas vendas. Com as mudanas do mundo, os acionistas se preocupam
com a imagem e reputao da empresa, pois reflete nos lucros e na sobrevivncia da empresa nos
mercados a mdio e longo prazos.
tica da ao efetiva
a tica do movimento. Desenvolvimento sustentvel s se torna realidade pela ao. O princpio aqui
que todas as deliberaes sobre o assunto devero sempre ir at o estgio da ao efetiva em todas
as reas que condicionam a excelncia do resultado final (em consonncia com o princpio ecolgico
da interdependncia e do sistmico). Nenhuma deliberao sobre desenvolvimento sustentvel
ficar, portanto, to somente no nvel de intenes tericas, que no contemplem solues criativas,
eficazes, que levem superao de todas as barreiras a um efetivo fazer acontecer. A premissa aqui
que j dispomos de conhecimento suficiente, teorias suficientemente fundamentadas, evidncias
mais que razoveis e tecnologias apropriadas para tomar todas as decises necessrias para colocar
nosso desenvolvimento na direo de uma sustentabilidade muito melhor do que a que temos hoje.
Nosso problema hoje est na falta de mais aes pragmticas e velocidade no fazer acontecer. No
tico continuar procrastinando as aes que j sabemos ser necessrias. A cada dia de adiamento
possvel calcular os impactos sobre a sustentabilidade e os problemas que se geram a mdios e
longos prazos.
A questo tica passa pelo respeito ao outro. O impacto e as externalidades que suas atividades
provocam nos diferentes sgmentos da sociedade passam pelo entendimento que todos so iguais e
tm o direito ao meio ambiente saudvel, a justia social e benefcifios econmicos que satisfaam
suas necessidades bsicas.
74
x UNIDADE II
75
UNIDADE II x
de interesses e que desviem o processo decisrio dos propsitos nobres e universais inerentes ao
prprio conceito de sustentabilidade.
76
x UNIDADE II
A premissa a considerar que, quando as deliberaes se tornam institucionais nas duas pontas
( um rgo que delibera e no pessoas, um agrupamento x que est do outro lado e no
pessoas), elas perdem o senso de humanidade, se materializar. O mesmo pode acontecer em relao
a todos os seres vivos que perdem sua individualidade e se tornam at meras estatsticas. No tico
materializar seres vivos, tornando-os no dignos de respeito genuno, o tipo de respeito que temos
em relao s pessoas prximas, aos nossos animais, s nossas plantas.
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Captulo 2
Instrumentos de Auditoria
78
x UNIDADE II
Este intercmbio aberto proporciona uma base para o entendimento mtuo e uma oportunidade
para a aceitao social das nossas aes empresariais. tambm uma fonte de ideias novas para a
empresa e permite-nos identificar os potenciais riscos associados s nossas aes numa fase inicial.
O dilogo com os grupos de interesse contribui para a gesto da inovao e dos riscos, sendo a base
para o desenvolvimento da nossa estratgia e relatrios de sustentabilidade.
Isso pode ser observado atravs da figura 1 e do quadro 2. Por isso, torna-se cada vez mais importante
conhecer e avaliar os stakeholders, fazendo o mapeamento para identificar quem so e quais os
tipos de influncias que eles exercem sob o objetivo da organizao. Nesse sentido, vale destacar
a tipologia de Lucien Matrat que classifica os pblicos de acordo com o tipo de poder que exercem
sob a organizao, sendo eles: pblico de deciso (aquele cuja autorizao a organizao necessita
para realizar suas atividades, como por exemplo, o governo); pblico de consulta (consultado
pela organizao quando ela pretende agir, como por exemplo, sindicatos e acionistas); pblico
de comportamento (aqueles cuja atitude favorece ou prejudicam as aes da empresa, como por
exemplo, funcionrio e clientes); e pblico de opinio (os que ao manifestarem suas opinies ou
ponto de vista podem influenciar a organizao, como por exemplo, lderes comunitrios, professores
universitrios etc.).
79
UNIDADE II x
Existe ainda uma diviso dos stakeholders em dois conjuntos, que seriam classificados em
primrios ou secundrios. O conjunto primrio formado por acionistas e credores, que possuem
direitos legais sobre a organizao e seus recursos. Os secundrios so aqueles que no tm direitos
definidos por lei, ou que seus direitos so menos claros, ou ainda esto embasados em obrigaes
ticas, com relao aos recursos organizacionais. Esse segundo conjunto formado por comunidade,
funcionrios, consumidores, entre outros grupos de interesses.
Os stakeholders podem ser beneficiados ou prejudicados a partir dos resultados das aes da empresa.
Por tudo que foi abordado, percebe-se que existe uma relao ntima entre os pblicos relacionados
e a responsabilidade social, sendo que os primeiros so fundamentais para a compreenso da
abrangncia da segunda. Assim, a responsabilidade social ampliada para atingir esses grupos de
interesses, que devem ser detalhados e analisados pelo planejamento estratgico das corporaes,
80
x UNIDADE II
pois tm impactos primordiais sob o sucesso ou o fracasso da organizao, alm de serem diferentes
de acordo com a natureza da organizao.
Indicadores ethos
Os Indicadores ticos foram desenvolvidos com o propsito de oferecer s empresas uma ferramenta
de gesto para o diagnstico e planejamento das prticas de responsabilidade social empresarial,
disponveis desde 1999 e atualizados ao longo dos anos.
Trata-se de uma ferramenta de uso essencialmente interno, que permite a auto-avaliao da gesto
no que diz respeito incorporao de prticas de responsabilidade social, alm do planejamento de
estratgias e do monitoramento do desempenho geral da empresa, abrangendo os seguintes temas:
valores, transparncia e governana, pblico interno, meio ambiente, fornecedores, consumidores
e clientes, comunidade e governo e sociedade.
As empresas podem escolher qual o tipo de questionrio que pretendem responder: se ticos,
sugerido para grandes e mdias empresas, ou o ticos-Sebrae, adaptado para micro e pequenas
empresas. O contedo em ambos os tipos o mesmo, mas a abordagem diferenciada, dada a
complexidade de gesto ter suas peculiaridades entre os portes.
81
UNIDADE II x
Por meio de um espao de troca e aprendizagem, a terceira gerao dos Indicadores ticos
potencializar sua utilizao como ferramenta de gesto para o diagnstico e para o planejamento
das prticas de responsabilidade social empresarial (RSE).
Indicadores ticos
O Instituto ticos de Empresas e Responsabilidade Social foi fundado em 1998 para auxiliar as
empresas a compreender e incorporar os conceitos de responsabilidade social em sua gesto. Para
isso, desenvolveram um conjunto de indicadores que permitem identificar a performance das
organizaes em relao a suas prticas socialmente responsveis. Os indicadores so apresentados
em forma de questionrio de avaliao da empresa dividido em sete temas: valores e transparncia;
pblico interno; meio ambiente; fornecedores; consumidores/clientes; comunidade; governo e
sociedade. Essas categorias so elencadas no quadro a seguir.
82
x UNIDADE II
Modelo IBASE
O Balano Social IBASE o modelo mais utilizado e conhecido no Brasil, foi lanado em 1997
pelo Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas (IBASE), atravs de uma campanha
pela divulgao voluntria do balano social. Portanto, trata-se de um demonstrativo anualmente
publicado para tornar pblicas informaes sobre projetos, aes dirigidas a empregados,
investidores, acionistas e a comunidade, visando a transparncia das atividades da organizao.
Com o objetivo de simplificar a apresentao dessas informaes, o IBASE criou um modelo que
contempla as seguintes informaes: Base de clculo (receita lquida, resultado operacional, e folha
de pagamento bruta); Indicadores sociais internos (gastos com alimentao, previdncia privada,
sade, educao, cultura, capacitao e desenvolvimento profissional, creches ou auxlio-creche,
participao nos lucros ou resultados e outros benefcios); Indicadores sociais externos (somatrio
dos investimentos na comunidade); Indicadores ambientais (investimentos relacionados com a
produo/operao da empresa, investimentos em programas externos e metas anuais); Indicadores
do corpo funcional (nmero de funcionrios, de demisses, de empregados terceirizados, de
estagirios, de empregados acima de 45 anos, de mulheres, de negros, porcentagem de cargos de
chefia ocupados por mulheres e por negros e nmero de portadores de deficincia); e informaes
83
UNIDADE II x
relevantes quanto ao exerccio da cidadania empresarial (relao entre maior e menor remunerao,
total de acidentes, projetos sociais e ambientais realizados, padres de segurana, relao com
fornecedores, entre outros).
Para estimular a adeso das empresas existe um selo Balano Social/Ibase/Betinho utilizado pelas
empresas que adotam o modelo. Alm disso, anualmente existe o Prmio Balano Social paras as
empresas que apresentam os melhores balanos sociais.
Modelo de Hopkins
Segundo Daher (2006, p.113), Hopkins, em 1997, estabeleceu indicadores com o intuito de analisar
o perfil de responsabilidade social das empresas. Estes indicadores so subdivididos em trs nveis
que envolvem: I. Princpios da Responsabilidade Social; II. Processo de Capacidade de Resposta
Social; III. Resultados/Aes de Responsabilidade Social. Os indicadores tm a caracterstica
de serem genricos para todas as empresas e, para cada um, sugerida uma forma de medio
(ASHLEY, 2005, p.95).
84
x UNIDADE II
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UNIDADE II x
86
Para (No) Finalizar
Prezado Aluno,
No primeiro dia de aula, nosso professor se apresentou aos alunos e nos desafiou a que nos
apresentssemos a algum que no conhecssemos ainda. Eu fiquei em p para olhar ao redor
quando uma mo suave tocou meu ombro. Olhei para trs e vi uma pequena senhora, velhinha e
enrugada, sorrindo radiante para mim, com um sorriso que iluminava todo o seu ser. Ela disse:
Hei, bonito! Meu nome Rosa. Tenho oitenta e sete anos de idade. Posso te dar um abrao? Eu
ri e respondi entusiasticamente: claro que pode! Ela me deu um gigantesco aperto. Por que
voc est na faculdade em to tenra e inocente idade? perguntei. Ela respondeu brincalhona:
Estou aqui para encontrar um marido rico, casar, ter casal de filhos e ento me aposentar e viajar.
Est brincando eu disse. Eu estava curioso em saber o que havia motivado a entrar neste
desafio com a sua idade e ela disse: Eu sempre sonhei em ter estudo universitrio e agora estou
tendo um! Aps a aula ns caminhamos para o prdio da Unio dos Estudantes e dividimos um
milkshake de chocolate. Nos tornamos amigos instantaneamente. Todos os dias, nos prximos
trs meses, ns teramos aula juntos e falaramos sem parar. Eu ficava sempre extasiado ouvindo
aquela mquina do tempo compartilhar sua experincia e sabedoria comigo. No decurso de um
ano, Rosa tornou-se um cone no Campus Universitrio e fazia amigos facilmente, onde quer que
fosse. Ela adorava vestir-se bem e revelava-se na ateno que lhe davam os outros estudantes.
Ela estava curtindo a vida! No fim do semestre, ns convidamos Rosa para falar no banquete do
futebol. Jamais esquecerei do que ela nos ensinou. Ela foi apresentada e se aproximou do pdio.
Quando ela comeou a ler a sua fala preparada, deixou cair trs das cinco folhas o cho. Frustrada
e um pouco embaraada, ela pegou o microfone e disse simplesmente: Desculpa-me, estou to
nervosa! Eu nunca conseguirei colocar meus papis em ordem de novo, ento me deixe apenas
falar para vocs sobre aquilo que eu sei. Enquanto ns ramos, ela limpou sua garganta e comeou:
Ns no paramos de amar porque ficamos velhos; ns nos tornamos velhos porque paramos de
amar. Existem somente quatro segredos para continuarmos jovens, felizes e conseguindo sucesso.
Voc precisa rir e encontrar humor em cada dia. Voc precisa ter um sonho. Quando voc perde
seus sonhos, voc morre. Ns temos tantas pessoas caminhando por a que esto mortas e nem
desconfiam! H uma enorme diferena entre ficar velho e crescer. Se voc tem dezenove anos de
idade e ficar deitado na cama por um ano inteiro, sem fazer nada de produtivo, voc ficar com vinte
anos de idade. Se eu tenho oitenta e sete anos e ficar na cama e no fizer coisa alguma, eu ficarei com
oitenta e oito anos. Qualquer um consegue ficar mais velho. Isso no exige talento nem habilidade.
A ideia crescer atravs de sempre encontrar oportunidade na novidade. Isto no precisa nenhum
talento ou habilidade. A ideia crescer sempre encontrando a oportunidade de mudar. No tenha
remorsos. Os velhos geralmente no se arrependem daquilo que fizeram, mas sim por aquelas
coisas que deixaram de fazer. As nicas pessoas que tm medo da morte so aquelas que tm
remorsos. Ela concluiu seu discurso cantando corajosamente A Rosa.
87
Para No Finalizar
Ela desafiou a cada um de ns a estudar poesia e viv-la em nossa vida diria. No fim do ano, Rosa
terminou o ltimo ano da faculdade que comeou todos aqueles anos atrs. Uma semana depois da
formatura, Rosa morreu tranquilamente em seu sono. Mais de dois mil alunos da faculdade foram
ao seu funeral, em tributo maravilhosa mulher que ensinou, atravs do exemplo, que nunca
tarde demais para ser tudo aquilo que voc pode ser.
(Autor desconhecido)
88
Referncias
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quando a no revelao possa acarretar danos ao paciente.
______. Resoluo CFM n 1.246/88. Art. 107, veda ao mdico deixar de orientar seus auxiliares e de
zelar para que respeitem o segredo profissional a que esto obrigados por lei.
______. Resoluo CFM n 1.246/88. O item b, do art. 102, estabelece que mesmo quando do depoimento
como testemunha continua vedado ao mdico revelar fato que tenha conhecimento em virtude de sua
profisso, salvo por justa causa, dever legal ou autorizao expressa do paciente. O mdico comparecer
perante a autoridade e declarar seu impedimento, mesmo que os fatos j sejam de conhecimento pblico
e/ou o paciente tenha falecido.
91
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