Do Ensino Bilingue em Moçambique: Elementos em Jogo Na Sua Implementação E Desenvolvimento
Do Ensino Bilingue em Moçambique: Elementos em Jogo Na Sua Implementação E Desenvolvimento
Do Ensino Bilingue em Moçambique: Elementos em Jogo Na Sua Implementação E Desenvolvimento
Abstract: This article aims at looking into the educational policies in Mozambique
in what concerns the implementation of bilingual teaching, which has been a
central topic of discussion in Africa since the 90s. The single language policy is
questioned for its effectivity given its linguistic and socio-economic repercussions
for the population. Apart from these considerations, the text also compares
advantages and drawbacks stemming from the two main models of bilingual
teaching, currently being discussed in Africa and in Mozambique. Lastly, the
article tackles the importance of local languages both as first languages and as
means of instruction in order to foster a balanced development of mozambican
children attending primary school.
1 - As autoras deste artigo expressam os seus agradecimentos à Mestre Josefina Ferrete pela
disponibilidade manifestada em dar testemunho da realidade moçambicana sobre a temática tratada.
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Introdução
A segunda metade do século XX levou a África Austral a confrontar-se com
uma das questões mais prementes e complexas da construção das identidades nacio-
nais: a questão da(s) língua(s) (Wolff 2011). O caso de Moçambique não é exce-
ção. É um caso tão intrincado como o de qualquer outro país da África sub-saariana, na
medida em que aproximadamente 172 línguas bantu coexistem com outras como o
árabe, o urdu ou o hindi. Nesse sentido, coloca-se a questão de se optar quer pela es-
colha de uma língua única, simbólica da unidade nacional pós-independência, quer
pela coexistência de uma língua, que se considera a língua oficial, com as locais.
Até aos anos 90, Moçambique mantinha a política da língua de unidade nacional,
o português, deixando de lado a existência das línguas bantu que continuavam
limitadas ao uso doméstico e local.
Contudo, a necessidade de aproximar a escola das realidades rurais e de es-
tender a possibilidade de uma educação básica às populações mais isoladas dos
centros urbanos trouxe a tentativa de implementação do ensino bilingue com o
Projecto de Escolarização Bilingue em Moçambique, o PEBIMO (Benson 1997).
É, por conseguinte, interessante compreender os motivos que levam a uma aposta
em modelos de ensino bilingue, bem como as implicações pedagógicas desta nova
abordagem.
Qual será então o lugar do português como língua oficial, tendo em atenção a
crescente influência e importância das línguas bantu locais? E que implicações pe-
dagógico-metodológicas advêm da entrada destas línguas locais na esfera escolar?
Este artigo, na sua primeira parte, tenta problematizar estas questões à luz
do que são os postulados de alguns autores moçambicanos e africanos acerca do
ensino bilingue. Na segunda parte, o texto centra-se numa abordagem ao ensino
pré-primário e aos primeiros dois graus do ensino básico tendo em atenção as
condições necessárias a uma alfabetização com sucesso das crianças que frequen-
tam estes níveis de escolaridade, não esquecendo o contexto multilingue de que
provêm e as especificidades da entrada num sistema de ensino bilingue.
2 - Ngunga (2009) chama a atenção para a dificuldade que representa encontrar um consenso
acerca do número exato de línguas bantu que coexistem em Moçambique, tendo em vista que algumas
são consideradas dialetos das línguas mais faladas, como o shona, o changane ou o emakua. Chimbutane
(2011), por sua vez, dá conta da existência de mais de 20 línguas bantu.
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serve de base a este texto, muito embora surjam frequentemente reduzidos ao termo
multilinguismo (veja-se, por exemplo, o Quadro Europeu Comum de Referência
para as Línguas (Conselho da Europa 2001)).
Com o objetivo de clarificar os termos bilinguismo, plurilinguismo e multilin-
guismo3, convém notar que, conforme alude Grosjean (1992), o bilinguismo não
implica que o falante seja igualmente proficiente nas duas ou mais línguas que
usa, isto é, o sujeito tem conhecimento e é capaz de utilizar duas ou mais línguas
em atividades comunicativas, seja de produção, de receção ou de ambas. Relati-
vamente aos termos multilinguismo e plurilinguismo, Pinto (2013) dá nota que o
primeiro se prende com “um determinado espaço geográfico”, enquanto o segundo
diz respeito ao “repertório de línguas que uma pessoa pode falar” (p. 374).
Esta distinção permite definir Moçambique com um país multilingue e os mo-
çambicanos como sujeitos plurilingues.
É útil ter em conta também a necessária distinção entre L1 (língua primeira
ou materna), L2 (língua segunda) e L3 (língua terceira). O termo L1 corresponde,
na senda de Cook (2002) ou de Paradis (2004; 2007), à língua que um falante
utiliza automaticamente e que é normalmente a língua do contexto familiar e so-
cial em que cresce. Paradis (2007) resume a L1 como aquela cujos “speakers are
conscious of the input to, and output from, implicit linguistic competence, but not
of the internal structure and operation of that competence” (p. 4). Por outro lado,
Cook (2002) descreve uma L2 como uma língua adicional em oposição à ideia
de uma língua hierarquicamente inferior ou cronologicamente posterior. No que
concerne à L3, Hammarberg (2001) explica que é a língua cujo processo de apren-
dizagem se desenrola no momento. A necessidade de distinguir entre as línguas
com as quais o falante já teve contacto e uma L3 deve-se ao facto de ser necessário
considerar a influência que esta língua sofre por parte das outras que o falante uti-
liza (ver também Williams & Hammarberg 1998).
Assim, no que respeita ao contexto moçambicano, as crianças têm como L1
uma língua bantu, crescem frequentemente com outra língua bantu adicional, uma
L2 portanto, e ao entrarem na escola confrontam-se com o português que é, segun-
do o postulado de Hammarberg (2001), uma L3.
3 - Para além desta clarificação terminológica sucinta, aconselha-se a consulta de Pinto (2013)
para uma discussão mais completa das implicações do uso dos termos em questão.
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2011) com prejuízo para a qualidade de vida das populações mais afastadas dos
centros urbanos.
É importante ter em conta o fenómeno à escala continental ao direcionar o
olhar para Moçambique, pelo que o documento publicado pela Association for the
Development of Education in Africa (ADEA) em 2006 é essencial para compreen-
der a extensão e a complexidade da tarefa de implementar sistemas, modelos e
metodologias de ensino no contexto em questão. Neste documento, Alidou, Boly,
Brock-Utne, Diallo, Heugh e Wolff (2006) tomam como base a necessidade de
reequacionar as identidades africanas no período posterior à independência. Ao
mesmo tempo que alguns países ex-coloniais anglófonos já conduziam programas
de ensino bilingue antes da independência, as ex-colónias francófonas e lusófonas
perpetuavam o modelo anterior de exclusão das línguas locais do ambiente escolar
e do ambiente social urbano (Alidou et al. 2006), à exceção dos contextos de ensi-
no da responsabilidade de missionários. Desta forma, as línguas em uso contrasta-
vam, e ainda contrastam, com as línguas oficiais pelos contextos em que eram/são
socialmente consentidas. No atinente a Moçambique, o português continuou a ser
a língua de uma franja educada de Maputo e dos contextos formais, como a escola,
e as línguas bantu continuam a cingir-se a uma existência doméstica e familiar ou
tribal (Chimbutane 2011).
O acesso ao conhecimento é, como em todas as sociedades, fulcral, mas o
meio através do qual é feito, a língua oficial, apresenta-se como um obstáculo
(Alidou et al. 2006; Bamgbose 2000; Chimbutane 2011). Wolff (2011:50) infor-
ma que, em média, um adulto africano frequenta a escola por menos de três anos.
Esta realidade advém de vários fatores: a exclusão socioeconómica de grande par-
te da população, a alienação geográfica relativamente aos centros urbanos, um
sistema educativo pouco eficaz e, ainda, de acordo com Bamgbose (2011), o fator
linguístico. Embora este quase nunca surja na análise dos elementos que explicam
a exclusão social na África, Bamgbose (2000) – bem como Alidou e Brock-Utne
(2011), Chimbutane (2011) ou Wolff (2011) – aponta a língua como um eixo es-
sencial no apoio à escalada socioeconómica de muitos milhões de africanos que
não dominam as línguas oficiais dos seus países. O mesmo autor afirma categori-
camente que as opções políticas africanas relativamente à imposição das línguas
oficiais e à subvalorização das línguas locais deram origem a um fosso entre a
elite africana e a maioria da população que não usa as línguas oficiais. Bamgbose
(2000) divide estes dois segmentos da população em incluídos e excluídos e não se
coíbe de responsabilizar os primeiros pela alienação dos segundos também através
do uso da língua oficial conforme se pode ler no seguinte excerto:
The included are a major stumbling block in the use of African languages in a
wider range of domains [...]. They are the ones who are quick to point out that
African languages are not yet well developed to be used in certain domains. (p. 2)
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When pupils enter school they are not only unfamiliar with the discourse of the
classroom, but also, and in the first place, with the basic sounds of the language
of schooling and with the associated culture. (p. 27)
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que implica uma consciência linguística que difere da do falante unilingue. Cook
(2002)5 faz referência à multicompetência dos bilingues, que funciona a favor da
aprendizagem de outras línguas. Efetivamente, “playful code-switching are highly
effective communication strategies that children in Africa grow up with”, como
adianta Wolff (2011: 66). Grosjean (2010) acrescenta que estratégias de uso de
duas ou mais línguas como o code-switching ou a alternância de código, a par de
empréstimos ou de transferências que ocorrem interlinguisticamente (sobre fenó-
menos de transferência interlinguística ver também Gass e Selinker (1983)), são
frequentes e conscientes, isto é, o falante controla estes fenómenos, o que significa
que não são normalmente trocas involuntárias ou erros6, mas o resultado da mes-
ma multicompetência a que faz alusão Cook (2002). Relativamente ao desenvolvi-
mento e aquisição da linguagem por parte das crianças bilingues, Grosjean, como
comprova o trecho abaixo de sua autoria, anula convicções sem fundamento que
levam muitos a pensar, por exemplo, que o bilinguismo atrasa a aquisição plena
da L1 ou que leva as crianças a não ter controlo sobre as línguas nas quais é capaz
de se expressar:
O controlo que este tipo de estratégias exige dos falantes sugere uma capaci-
dade mais fina para identificar contrastes ou diferenças linguísticas que funcionam
a favor da aprendizagem de línguas adicionais. Bialystok (2001) remete para o
caráter mais rico do uso de uma L2 e para o que isso significa em matéria de ope-
rações cognitivas, nomeadamente a descentração necessária para separar a lingua-
gem do objeto, porquanto o falante se vê impelido a considerar aspetos estruturais
de ambas as línguas para ser capaz de alternar entre códigos ou ativar empréstimos
linguísticos.
5 - Cook (2002) faz mesmo referência ao facto de que “the majority of people in the world are
multi-competent users of two or more languages rather than mono-competent speakers of one language,
and there are as many children brought up with two languages as with one” (p. 2).
6 - Williams e Hammarberg (1998) fazem, no entanto, referência a trocas involuntárias que
também podem ocorrer em falantes plurilingues, ou “non-adapted language switches” (p. 295), que
dependem, entre outros fatores, do grau de proficiência do falante nas línguas diferentes que utiliza,
bem como da semelhança tipológica das mesmas línguas.
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Teachers are being asked to abandon a teacher style of rote learning, where students
just copy notes from the blackboard, learn their notes by heart and repeat them
at the tests. (p. 189)
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instruções do professor, enquanto o colega, que tem como L1 uma língua africana,
se mostra inibido. Este aluno, elicitado a responder a uma questão do professor,
não foi capaz de dar uma resposta ou sequer de se explicar. No entanto, como
advertem Brock-Utne e Alidou (2011):
[w]hen the language of instruction was shifted to Elli’s mother tongue, Ewe, he
was able to explain and showed a clear competency in abstract thinking, which
had not been possible to detect when he was forced to answer in English. (p. 202)
Wolff (2011: 113) divide os métodos de ensino bilingue em dois ramos: “weak
bilingual models” e “strong bilingual models”. O primeiro caso é o que abrange
métodos subtrativos ou de transição rápida para a língua oficial. Os subtrativos
têm como objetivo anular gradualmente o uso da L1 das crianças a fim de que
passem a integrar um programa de imersão na língua oficial. O argumento que
sustenta esta posição é o de que as crianças passam a dominar melhor uma L2 se
esta for introduzida muito cedo no percurso escolar. É uma convicção que não
tem fundamento científico, como comprovam Cummins (1980), Cook (2002) ou
McLaughlin (1992), entre outros.
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[i]f a child needs to learn a new language, such as the official language / international
language of wider communication, s/he will normally need six to eight years
of learning this language as a subject before it can be used as a medium of
instruction. (p. 120)
Esta perspetiva não exclui o sucesso que outros programas bilingues menos
longos podem alcançar noutros meios com menos limitações socioeconómicas do
que o contexto africano. De facto, em Moçambique, como noutros países da África
sub-saariana, o entorno socioeconómico de que provém a maioria das crianças
pode não compensar possíveis obstáculos inerentes à introdução de uma L2 como
meio de instrução, como pode acontecer em sociedades onde a família fornece
7 - CALP corresponde a “Cognitive/ Academic Language Proficiency” (Cummins 1980: 175)
e, ainda seguindo a mesma fonte, à interação entre uma componente biológica do desenvolvimento e a
ação da socialização sobre o mesmo desenvolvimento. Estas duas forças criam um capital que subjaz
a uma competência linguística que o autor acredita ser tranversal às línguas utilizadas pela criança.
Cummins (1980) salienta a importância da alfabetização em L1 com o objetivo de potenciar também
a aprendizagem da L2, bem como a construção de capacidades de literacia em ambas as línguas (ver
Pinto (2010) acerca da construção de capacidades de literacia em idade escolar e também Goodman et
al. (1979) ou Hornberger (2004) sobre biliteracia).
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Convém perceber, 20 anos depois, até que ponto estas recomendações de 1997
encontraram eco nas decisões educativas também ao nível da formação de profes-
sores, quer no que respeita à preparação para o ensino de português como L2, quer
no âmbito do ensino bilingue.
Na segunda parte deste artigo, procurar-se-á fazer uma revisão da situação
atual do ensino bilingue em Moçambique, tendo por base as áreas que Pflepsen,
Benson, Chabbott e van Ginkel (2015) apontam como essenciais para uma imple-
mentação bem fundamentada de um sistema que forneça à população moçambi-
cana as ferramentas necessárias para uma escolarização alargada e com sucesso.
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“[c]hildren who understand the language of instruction are more likely to enter
school on time, attend school regularly, and drop out less frequently” (p. 58).
Acontece que o Programa de Educação Bilingue: Línguas Moçambicanas – L1/
Português – L2 (PCEB) (INDE/MINED 2003) com o seu modelo transicional (p.
31 e pp. 43-45) procura ir ao encontro do conteúdo do fragmento transcrito, uma
vez que também radica na solidificação da “língua de casa”, que funciona inicial-
mente como língua de instrução, para que a L2 venha posteriormente a assumir
esse papel, assente numa estrutura mais estável e propícia tanto a bons desem-
penhos, como a uma prossecução dos estudos com o sucesso esperado e sem o
abandono escolar a todos os títulos indesejado.
Conquanto o modelo de programa bilingue a nível do ensino básico adotado
por Moçambique possa não ser o ideal por não contemplar, por exemplo, o
uso equilibrado das duas línguas ao longo do programa, ressalta como muito
positivo a instrução em L2 se verificar gradualmente a partir do fim do 1.º ciclo,
correspondente às 1.ª e 2.ª classes, ou seja, quando as crianças, pelos 8 anos de
idade, já se encontram numa fase em que, na leitura, se estima que já automatizaram
a descodificação e podem partir sem grandes problemas para a compreensão, que é
o que se espera da leitura, e na escrita já fazem com facilidade a conversão correta
dos fonemas em grafemas e, por essa razão, não lhes oferece resistência “generate
and organize ideas” (Juel 1988: 438) por escrito, isto é, redigir. A decifração e a
soletração conducente ao que vem a ser a ortografia não devem mesmo significar,
nesta altura, um obstáculo, se for entendimento dos que têm a seu cargo a política
da educação introduzir no programa matérias, como é o que se passa com uma
nova língua de instrução, que podem interferir negativamente no processo de
ensino-aprendizagem e convocar em vez de afastar problemas como o abandono
escolar, a repetição de classes e até a não aceitação da entrada na escola, quando
determinadas bases não estiverem bem estabilizadas. Ao encontro do exposto, vem
a seguinte passagem: “becoming literate and fluent in a familiar or first language
is key to children’s overall language and cognitive development” (Pflepsen et al.
2015: 59).
Torna-se legítimo, ainda, frisar como até ao fim do 7.º ano (último ano do ensi-
no básico, do 3.º ciclo e do 2.º grau, pelos 12 anos de idade) existe sempre, mesmo
quando já está em curso o ensino em português L2, “[o] recurso na sala de aulas
[à L1] quando a matéria é nova ou para explicar algumas noções” (INDE/MINED
2003: 45). Nesta linha, avançam Pflepsen et al. (2015): “[b]eing able to read and
understand the language used in the classroom in turn facilitates the learning of
academic content” (p. 59).
Quer dizer que uma boa e sã convivência com a L1 só pode contribuir para
que os alunos não rejeitem a escola por verem nela um obstáculo a evitar e para
que deixe de existir discrepância de idades entre os que ingressam na 1.ª classe,
posto que essa discrepância etária constitui realmente um dos problemas com os
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vai passar a adquirir uma sensibilidade relativamente à escrita que lhe vai facilitar
a sua iniciação a essa modalidade da língua. Ademais, essa sensibilidade também
lhe viabiliza que se crie uma distância em relação à língua que a prepara para estar
aberta à aprendizagem de outras línguas. Sobressai de tudo o que foi aduzido a
importância da pré-escola no plano psicolinguístico, da pedagogia da criança, da
linguística, da sociolinguística, áreas realçadas por Pflepsen et al. (2015), e sobre-
tudo de uma pedagogia do imediatismo no atinente à linguagem como advogava
com toda a autoridade Girolami-Boulinier (1987).
Independentemente de a criança ter frequentado a pré-escola ou ter sido sen-
sibilizada para tudo o que respeita à linguagem em meio familiar, Pflepsen et al.
(2015) aludem à relevância de se dar o valor devido ao capital conceptual de que
as crianças que ingressam na 1.ª classe são já portadoras para explicar que “they
already have a “mental storehouse” of vocabulary, knowledge of the linguis-
tic construction of the language, and the ability to pronounce the sounds of the
language” (p. 59). Este conhecimento prévio, aliado a uma consciência fonológica
que se vai instalando de uma forma que pode ser olhada numa relação recíproca
com a aquisição da leitura (Stanovich 1986: 363), é um dos motores da iniciação
à leitura e à escrita. No fundo, a criança passa a viver a sua L1 de uma forma dife-
rente daquela a que estava habituada antes de ser alfabetizada, dado que não a teria
sentido até aí com duas faces: uma sonora e outra visual/gráfica. A conscienciali-
zação que adquire destas duas faces de L1 e do seu funcionamento, que lhe é for-
necida, em princípio, pela instrução formal e explícita praticada na escola, leva ao
desenvolvimento de uma capacidade metalinguística que serve o uso competente
da L1 e uma maior recetividade à aquisição/aprendizagem de línguas adicionais,
contribuindo também para o desenvolvimento da competência linguística nessas
línguas, visto que não se pode dizer que no decurso do processo de aprendizagem
de outras línguas não se verificam transferências interlinguísticas (Grosjean 1992).
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seu percurso escolar, o português vai ocupando cada vez mais tempo em detrimen-
to da língua local (ver INDE/MINED 2003: 45).
Pflepsen et al. (2015: 66), entre outros autores (ver, por exemplo, Alidou
& Brock-Utne 2011 ou Wolff 2011), fazem corresponder o modelo traçado ao
que designam por modelo early-exit, que integra o que Wolff (2011) classifica
de “weak bilingual models” (p. 113). Muito embora o PCEB reforce o caráter
gradual da transição da L1 para a L2, não deixa de sobrepor a L2 à L1 findos três
anos de instrução. Para Wolff (2011) e Alidou et al. (2006), entre outros, o ideal
seria manter a L1 como língua de ensino durante toda a escolaridade, em regime
de simultaneidade com a L2. Neste sentido, Pflepsen et al. (2015) apresentam um
esquema de partição das línguas de ensino em que é possível contrastar a carga
horária em L1 e em L2 nos vários modelos vigentes na África Austral. De entre
estes modelos de ensino bilingue, as autoras recomendam aquele que classificam
de aditivo e que consiste na manutenção da L1 como meio exclusivo de instrução
até ao 4.º ano de escolaridade (correspondente à 2.ª classe do 2.º ciclo, que contém
três classes, da estrutura curricular do ensino básico em Moçambique), a partir do
qual L1 e L2 passariam a coexistir como línguas de ensino em igualdade de cir-
cunstâncias, traduzindo-se na divisão equitativa do tempo atribuído a cada língua
no horário escolar.
Conclusão
A implementação do programa de educação bilingue no ensino básico em
Moçambique suscita questões variadas, algumas das quais surgiram em secções
anteriores deste texto. Estas interrogações dizem respeito a dois aspetos que emer-
gem da complexidade da situação corrente e do tema: o aspeto psicolinguístico
inerente ao estudo do bilinguismo cujas ramificações pedagógico-metodológicas
não podem ser ignoradas e o aspeto socioeconómico e cultural.
A importância da L1 como meio de instrução no contexto escolar, incluindo-
se neste também o ensino pré-escolar, é amplamente defendida em secções ante-
riores deste artigo com base em bibliografia da especialidade. Há, contudo, impli-
cações de cariz prático que decorrem da análise teórica e que levam a considerar a
atuação dos docentes que se deparam com um panorama, em muitos casos, novo
e para o qual muitas vezes, não estão preparados. Este é, de resto, um problema a
que vários autores fazem referência (ver Brock-Utne & Alidou 2011, Chimbutane
2011 ou Gonçalves 2012, por exemplo). Seria, por isso, desejável que os docentes
em formação e em exercício tivessem a oportunidade de receber formação espe-
cífica no campo da pedagogia do ensino bilingue e, consequentemente, no campo
da psicolinguística. Como sublinham, a este propósito, Cummins, Early, Leoni e
Stille (2001): “each teacher’s choice, big or small, implicit or explicit, can and
does make an enormous difference in their students’ lives” (p. 153). Esta é uma
afirmação especialmente oportuna quando o público aprendente é constituído por
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Referências
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