Timbane relenaciadoensinodeLE
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Resumo Introdução
As línguas estrangeiras têm sido as Moçambique é um país africano,
mais requisitadas no mundo globa- localizado geograficamente no sul do
lizado. A pesquisa lança um debate
continente habitado na sua maioria
sobre a metodologia do ensino e a im-
portância das línguas no trabalho da por povos de origem bantu. É um país
polícia em Moçambique. A pesquisa multicultural e sobretudo, multilíngue
tem por objetivos discutir o conceito com 17 línguas bantu padronizadas or-
língua e explicar a sua importância tograficamente, tal como os estudos de
na formação policial; apontar meto-
dologias que possam melhorar a qua- Ngunga e Faquir (2011) apontam. Os
lidade de ensino e aprendizagem de estudos e as descrições sobre as línguas
línguas estrangeiras na polícia. Uti- bantu moçambicanas ainda continuam e
lizando método bibliográfico, a pes- a Universidade Eduardo Mondlane tem
quisa conclui que há necessidade de
formação de agentes de polícia em
feito diversas pesquisas que descrevem
línguas estrangeiras para que possam
responder com qualidade os desafios *
Realizou pós-doutorado em Estudos Ortográficos na
da globalização, garantindo a ordem Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
e tranquilidade públicas. (Unesp) (2015) e pós-doutorado em Linguística Forense
na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
(2014). Doutor em Linguística e Língua Portuguesa
Palavras-chave: Ensino. Formação (2013) pela Unesp. Mestre em Linguística e Literatura
policial. Línguas estrangeiras. Mo- moçambicana (2009) pela Universidade Eduardo Mon-
dlane (UEM), Moçambique. Licenciado e bacharel em
çambique. Ensino de Francês como Língua Estrangeira (2005)
pela Universidade Pedagógica (UP), Moçambique.
Professor adjunto da Universidade de Integração Inter-
nacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Cam-
pus dos Malês, BA. E-mail: [email protected]
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e classificam essas línguas incluindo a Todas as línguas do mundo (ágrafas ou
separação entre dialetos e variantes. não) podem exprimir o pensamento e
Por essa razão é difícil dizer de forma emoções dos seus usuários. No caso de
categórica quantas línguas existem em Moçambique, a língua oficial (língua
Moçambique. portuguesa) é de origem europeia e é
As línguas bantu moçambicanas muitas vezes descrita como uma segunda
são faladas pela maioria da população, língua, porque é vista como um comple-
sendo 89,3% de falantes a falam como mento à língua materna, ou primeira
sua língua materna, segundo dados do língua (CRISTAL, 2003). Quem não
Recenseamento Geral da População e conhece a língua oficial fica desprovido
Habitação realizado em 2007. Dados do dos séricos básicos, fica em desvantagem
Recenseamento populacional de 2017 na justiça, na educação, na saúde e em
estão sendo processados pelo Instituto outros serviços.
Nacional de Estatística, mas os resul- Segundo Timbane (2015), a língua
tados preliminares apontam para um portuguesa é de prestígio por ser oficial
crescimento populacional de cerca de e amparada pela Constituição da Repú-
20.5 milhões em 2007 para 28.9 milhões blica de Moçambique (CRM) de 2004.
em 2017. É importante referir que o nú- A CRM dá pouca relevância às línguas
mero de falantes de línguas bantu tende bantu moçambicanas faladas pela
a reduzir devido à política linguística do maioria da população. A maior parte da
país que oficializou apenas o português população habita nas zonas rurais e fala
desde 1975, ano da independência do as diversas línguas bantu. Para além
jugo colonial português. destas línguas africanas, Moçambique
Para Cristal (2003), uma língua pode conta com cinco línguas de origem asiá-
ser tornada a língua oficial de um país, tica: gujarate, memane, hindu, urdo e o
para ser usada como um meio de comu- árabe faladas por comunidades asiáticas
nicação em domínios como o governo, radicadas no país e pela comunidade islã
os tribunais, os meios de comunicação e muçulmana enraizada principalmente
e o sistema educacional. Para avançar na região norte de Moçambique. É im-
nessas sociedades, é essencial dominar portante referir que existe uma língua de
a língua oficial o mais cedo possível. E sinais que é, na verdade, pouco difundida
entende-se que a oficialização de qual- devido ao preconceito linguístico enrai-
quer que seja a língua de uma nação zado pela cultura.
depende de boas práticas da política e Todos os países que fazem fronteira
do planejamento linguístico (CALVET, com Moçambique (exceto Madagascar)
2012). Não existe uma língua pobre, in- são de expressão inglesa, nomeadamen-
capaz e selvagem que não possa permitir te: a Suazilândia, a África do Sul, o Zim-
a plena comunicação na comunidade. bábue, a Zâmbia (a oeste) e a Tanzânia
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(à norte). Esta situação geolinguística Não estamos afirmando que o Brasil
coloca Moçambique numa ‘ilha’ linguis- é um bom exemplo nessa política. Ain-
ticamente, pois o vizinho linguístico da existem muitas línguas indígenas
mais próximo é a República de Angola da família tupi-guarani que estão em
(capital Luanda) que dista 3.682 km da vias de extinção devido à tomada de
capital – Maputo. decisões políticas erradas. Mas a atitude
O isolamento linguístico de Moçambi- tomada em São Gabriel da Cachoeira
que provocada pela localização geográfi- em Amazonas é positiva e por isso aqui
ca incentivou a aceitação de organizações elogiamos. A África do Sul é um exemplo
como Commonwealth, Organização mais contundente da oficialização das
Internacional da Francofonia, Orga- línguas locais, pois conseguiu oficializar
nização da Conferência Islâmica. Esta 11 línguas, nomeadamente: ndebele,
integração tem interesses econômicos e xhosa, zulu, sesoto, tswana, suazi, ven-
políticos para além de linguísticos. Por da, tsonga, africânder, sepedi e inglês
essa razão, as línguas inglesa e francesa (NEVILLE, 2004).
são disciplinas obrigatórias nos ensinos Portanto, não se trata de incapaci-
fundamental, médio e técnico de Mo- dade linguística para que as línguas
çambique. locais sejam oficiais, mas sim a vontade
A política linguística determinou que política, pois existem inúmeros exem-
o português seria a única língua oficial, plos no mundo onde se oficializou as
o que significa que as cerca de vinte línguas locais e essa atitude preservou/
línguas bantu (faladas pela maioria da preserva as línguas da extinção, deu/dá
população) não possuem nenhum valor autoestima aos falantes e às comunida-
de prestígio, sendo assim usadas em des, para além de preservar esse bem
situações de comunicações informais que é patrimônio cultural. Por outro
e longe da elite e das oportunidades. lado, Moçambique e os moçambicanos
Uma das justificativas da oficialização são aliciados por línguas estrangeiras
apenas do português é o fato de existir que prometem ‘mundos e fundos’ para
no país várias línguas, o que dificultaria quem deseja desenvolver na vida econô-
a escolha das oficiais. Não concordamos mica o que do nosso ponto de vista não
com este ponto de vista porque as línguas constitui verdade. A sociedade atual é
bantu moçambicanas seriam oficiais nos muito exigente e sempre privilegia as
locais onde elas ocorrem. No Brasil, por línguas estrangeiras como alavanca para
exemplo, as línguas indígenas tukano, o sucesso, o que em muitos casos não
baniwa e nheengatu são línguas oficiais corresponde à verdade.
no município de São Gabriel da Cachoei- Por outro lado, a língua inglesa tem
ra, no Amazonas e essa atitude não cria obtido um espaço mais privilegiado no
divergências políticas e nem étnicas. mundo, como a língua da política, das
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tecnologias e da economia. O domínio geirismos e empréstimos linguísticos
do Inglaterra, dos Estados Unidos e da provenientes na sua maioria da língua
Austrália impulsiona cada vez mais a inglesa. O inglês é a língua do trabalho
importância do inglês no espaço global. e isso não pode ser exceção à área poli-
Os Estados Unidos criam pressão para cial. O policial dever ser (de fato) polícia
todo continente americano (e por que não e não parecer. Por isso a sua formação
para o mundo), a Inglaterra cria pressão deve ser completa e integral por forma a
na Europa, a Austrália cria pressão na atender às necessidades da profissão com
Ásia. No continente africano, o inglês competência e profissionalismo.
ganha força graças à herança colonial, O trabalho da polícia exige ouvir
uma vez que todas as colônias britânicas muito, ver muito e falar o essencial. Não
oficializaram o inglês como língua oficial. basta querer, é preciso agir aplicando na
No mundo 63 países, segundo Calvet prática o conhecimento adquirido nos
(2012), adotaram o inglês como oficial. treinamentos de forma a poupar o san-
Em contrapartida, o francês foi oficiali- gue de inocentes que são mortos ou feri-
zado em 36 países diferentes (CALVET, dos devido a abordagens mal sucedidas
2012). Para Rodrigues, ou mal executadas por parte da polícia.
[...] a língua inglesa padrão constitui capital Como abordar um cidadão falante de
imprescindível para a mobilidade social nas língua diferente da sua? Como investi-
ex-colônias britânicas da África, mas se res- gar um estrangeiro que fala uma língua
tringe, no entanto, no processo, as línguas
maternas são estigmatizadas pelos próprios desconhecida? Qual é o ‘milagre’ para
falantes, que as veem como obstáculo à executar com profissionalismo essa tare-
ascensão econômica e social (2011, p. 119). fa? As perguntas são provocativas para
O número de falantes de inglês tende que possamos olhar o assunto “línguas”
a crescer em todo mundo, resultado de de forma mais séria e profunda possível.
políticas e da necessidade de ascensão Entendemos que a formação policial
dos povos (principalmente africanos) em nível de básico, médio e superior
e bem como a sua inter-relação com o deve contemplar as línguas estrangeiras
mundo. Desta forma, modernas como forma de prepará-los
para os desafios da profissão em nível
a solução proposta para superar a grande
quantidade de línguas era defender o uso de global. Nada impede que possam co-
uma única língua europeia como uma lín- nhecer profundamente as suas línguas
gua nacional porque as políticas africanas maternas africanas por forma a que
baseavam-se na política de uma nação, uma
língua (MAKONI; MEINHOF, 2006, p. 192). possam ajudar na interpretação foren-
se durante os interrogatórios policiais.
No âmbito profissional, a língua Cidadãos que chegam a delegacia sem
acompanha o desenvolvimento. Hoje, domínio da língua oficial podem receber
as nossas línguas africanas recebem um apoio destes profissionais na tradução e
inúmero contributo lexical de estran-
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interpretação das mensagens declaradas valorização das línguas estrangeiras.
em Boletins de Ocorrência ou mesmo em Desta forma se levanta a seguinte questão
interrogatórios. de partida: Ao priorizar aulas práticas e
A internacionalização do inglês cami- disciplinas da área de Direito, as institui-
nha para uma “esperantização” (SIQUEI- ções de formação policial moçambicanas
RA, 2011) ou ainda para uma língua estariam preparando condignamente os
global (CRISTAL, 2003), o que significa futuros agentes no mundo globalizado?
que, pelo seu envolvimento na economia Avançam-se as seguintes hipóteses: as
mundial está sendo procurada e apren- instituições de formação policial relegam
dida por todo mundo transformando-se a formação linguística para o segundo
assim, numa língua franca. A diferença plano; a polícia pouco usa recursos linguís-
com o esperanto reside no fato de o inglês ticos na sua atuação; a polícia precisa de
ser uma língua natural, tal como Lyons dominar mais a prática do que a teoria.
(1987) advoga. Entendamos por língua A pesquisa objetiva valorizar a forma-
natural qualquer linguagem desenvol- ção linguística como requisito fundamen-
vida naturalmente pelo ser humano de tal para o desempenho da atividade po-
forma não premeditada. A língua natural licial. Especificamente, a pesquisa visa:
se caracteriza pela flexibilidade, adapta- discutir o conceito língua e explicar a sua
bilidade, arbitrariedade, produtividade, importância na formação policial; indicar
heterogeneidade e possuir uma dupla como o domínio de línguas estrangeiras
articulação (LYONS, 1987). ajuda positivamente no desempenho
Hoje em dia a mobilidade das pessoas policial e com qualidade; apontar as
de cidadãos falantes de língua inglesa metodologias que possam melhorar a
é muito elevada. Muitos aeroportos, qualidade de ensino e aprendizagem de
portos e rodoviárias colocam anúncios e línguas estrangeiras.
informações dos passageiros em inglês O artigo se divide em quatro seções:
e língua local (se existir). Desta forma, na primeira discute-se a noção de lín-
não se trata de favor colocar policiais e gua, contrapondo-se como instrumento
funcionários que falam línguas estran- profissional para atividade humana;
geiras. Quanto mais tiver funcionários seguidamente, desenvolveu-se questões
falantes de língua inglesa, mais utili- inerentes ao ensino de línguas na área
dade terão para passar informações aos policial sempre focando na necessida-
passageiros. O conhecimento do inglês é de da valorização para que os agentes
uma necessidade profissional. tenham êxitos na profissão. A terceira
A pesquisa nasce da reflexão da pró- seção apresentou a metodologia para o
pria experiência como docente de língua ensino de língua estrangeira em contexto
estrangeira (língua francesa) em institui- policial, levantando algumas estratégias
ção policial, quando se observa a pouca e metodologias para uma aula dinâmica.
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O artigo termina com apresentação de desenvolvidos), a língua desempenha um
vantagens de ter na corporação formada papel importante, mas isso não é motivo
teórica e prática onde policiais conhece- para excluir outras línguas como inúteis.
doras de pelo menos uma língua estran- Para sermos mais concretos podemos di-
geira possam competir no esclarecimento zer que apesar do inglês ser uma língua
de crimes e realizar todas as possíveis internacional e a mais falantes no mun-
abordagens com sucesso. do não significa que ela seja melhor que
as outras. Desta forma se pode afirmar
A língua: um instrumento todas as línguas podem ser úteis desde
que os usuários adotem políticas que
profissional favoreçam o uso pleno.
No que concerne ao trabalho da
A LP é a única e exclusivamente lín-
polícia, setores importantes como os
gua oficial desempenhando todas as fun-
aeroportos, os portos, as rodoviárias, as
ções burocráticas do Estado. Quem não
embaixadas, as ruas e avenidas exigem
domina esta língua fica privado dos seus
fortemente conhecimentos mínimos ou
direitos fundamentais e o Estado pouco
básicos de uma ou várias línguas es-
tolera os indivíduos que não dominam a
trangeiras. Um policial ‘mudo’ (que não
língua oficial. Um caso excepcional é do
conhece a língua do cidadão em causa) se
artigo 49, do Decreto-Lei 30/2001 de 15
torna vulnerável e não consegue atender
de outubro, que versa sobre as Normas
as necessidades da profissão.
de Funcionamento de Instituições Públi-
A língua, para Câmara Jr., é enten-
cas que estipula o seguinte: “o cidadão
dida como
que não saiba ou não possa escrever na
[...] um sistema nítido e restrito de signos
língua oficial pode utilizar gratuitamen- linguísticos, adquirido pelos homens de
te os serviços dum funcionário ou de cada geração como uma herança e que eles
qualquer outra pessoa para formular a espontaneamente contrapõem aos que usam
outros grupos de homens (1989, p. 289).
sua sugestão ou reclamação por escrito”.
Esse aspecto para por aqui e não há A língua
outros desenvolvimentos por forma a [...] só existe como soma de múltiplos atos
melhorar a comunicação de indivíduos vocais individuais, porém nesses atos cada
homem se serve de um sistema de elementos
que não conhecem a privilegiada língua
vocais que recebeu da sociedade em que vive
portuguesa. Em muitas leis e decretos (CÂMARA JR., 1989, p. 24).
moçambicanos pouco se faz alusão às
Luft defende que o sistema “é coletivo,
Línguas bantu moçambicanas faladas
compartilhado por todos os membros
pela maioria da população, incluindo a
da comunidade [...]” (2007, p. 14). Isso
Língua Moçambicana de Sinais.
significa que as regras são moldadas no
No exercício da maioria das profissões
seio da comunidade linguístico que ao
no mundo (principalmente em países
mesmo se interliga à cultura do mesmo.
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Para além de portar a farda ou uni- belecer um diálogo possível, concreto e
forme, a arma, as algemas, o cassetete exato que serve para abordar ou colher
entre outros instrumentos, o/a polícia informações junto aos cidadãos (oral-
deve portar um instrumento pouco in- mente ou por escrito) de forma clara e
visível e indispensável: o domínio da sucinta. Entendemos que o
língua. A língua, seja verbal ou de sinais [...] fraco domínio das técnicas de expressão
é extremamente importante na atividade e de comunicação pode revelar a incompe-
policial que até pode superar em grande tência do agente. Isso contribui para o des-
contentamento da população e a descrença
medida as algemas e a arma. A língua das autoridades policiais (TIMBANE, 2016,
usada de forma correta pode neutralizar p. 69).
o suspeito na abordagem para além de
A ação policial busca indícios e evi-
conduzi-lo de forma humana, respeitan-
dências, estabelece a ordem e tranqui-
do os Direitos Humanos até à Delegacia
lidade públicas, executa mandatos judi-
(português do Brasil) ou Esquadra (por-
ciais, fornece informações ao Ministério
tuguês de Moçambique). É na língua
da Justiça e todas essas ações só podem
onde se tem os atos de fala locutório,
ser possíveis através do uso da língua
ilocutório ou perlocutório desenvolvidos
nas modalidades orais e escritas.
e discutidos com propriedade por Searle
Concordamos com Silva Prates quan-
(1984) e Chomsky (2009). É na fala onde
do afirma que
identificamos as imprecisões, as hesi-
[...] o estudo das línguas estrangeiras vem
tações e outras marcas que facilitam a
se tornando cada vez mais necessário para
abordagem. uma melhor qualificação de quem deseja
Os grandes eventos internacionais, ocupar melhores posições nas suas funções
como, exemplo, a Copa das Confedera- profissionais (2009, p. 241).
ções, a Copa do Mundo, os Jogos Olím- Mas é relevante apontar que para a
picos e Paraolímpicos, os Jogos Pan-A- presente pesquisa não focamos especifi-
mericanos e outros eventos de caráter camente em cargos ou posições dentro
internacional necessitam indispensavel- da instituição, mas sim o uso desse co-
mente de policiais com algum domínio nhecimento para o exercício da atividade
de línguas. O trabalho realizado nas em si.
fronteiras, aeroportos, rodoviárias, portos Em todo continente africano,
e outros lugares de potenciais circulação [...] as línguas européias tendem a ser qua-
de estrangeiros necessita fortemente de lificadas como ferramentas indispensáveis
agentes da polícia bilíngues ou mesmo ao desenvolvimento da África segundo o
modelo científico-tecnológico ocidental [...]
trilíngues. (RODRIGUES, 2011, p. 35).
Para Timbane, o ensino de língua
proporciona conhecimentos teóricos e Existe ainda a idéia segundo a qual o
práticos que permitem ao policial esta- desenvolvimento de um país só é possível
graças a língua européia, seja inglês,
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francês ou espanhol o que nenhum estu- O direito a um intérprete é garantido
do já demonstrou. Em alguns momentos, apenas a nível do julgamento e não a nível
os analistas econômicos esquecem o fato das esquadras (delegacias) no contexto
de que a língua é ao mesmo tempo cul- moçambicano. O processo inicia nas es-
tura. E a língua só pode ser entendida quadras e a polícia não possui intérpretes
dentro do contexto em que está inserida. para lidar com esta necessidade básica.
Câmara Jr. mostra que, Por outro lado, os Direitos Humanos
[...] funcionando na sociedade para a comu- e liberdades fundamentais devem ser
nicação dos seus membros, a língua depende garantidos e, se forem violados, pode ser
de toda a cultura, pois tem de expressá-la a tomada uma ação legal contra o Estado.
cada momento. É resultado de uma cultura
global (CÂMARA JR., 1989, p. 21). Para situar o leitor seria importante
descrever de forma sucinta sobre como
Já que a língua é um instrumento a polícia moçambicana está estruturada.
profissional, então é necessário que seja A Polícia da República de Moçambique
prioritária na formação policial. Com (PRM) se divide em 4 ramos a saber: (a)
isso não se pretende colocar de lado as Polícia de Ordem e Segurança Pública;
outras disciplinas curriculares, mas po- (b) Polícia de Investigação Criminal; (c)
deria se integrar as línguas em paralelo Polícia de Guarda Fronteira; e (d) Polícia
com as outras disciplinas acadêmicas. Costeira, Lacustre e Fluvial. As unida-
Isso passa pela formação em ensino de des de operações especiais e de reserva
línguas para fins específicos, o que é uma são compostas pela Força de Intervenção
especialização. As universidades peda- Rápida; Força de Proteção de Altas In-
gógicas não dão conta da formação de dividualidades; Força de Operações de
professores língua para fins específicos. Combate ao Terrorismo e Regate de Re-
féns; Força Canina; Força de Cavalaria
O ensino de línguas na e, finalmente, a Força de Desativação de
área policial Engenhos Explosivos (TIMBANE, 2014).
A missão principal da polícia é de
Quando a língua do cidadão for garantir a segurança e a tranquilidade
diferente da língua da justiça urge a públicas no território moçambicano. A pre-
necessidade de intervir um intérprete. sente pesquisa terá seu foco na formação
Ora, a Declaração Universal dos Direitos dos ramos (a) e (b). Os agentes da polícia
Humanos determina que dos ramos (a) e (b) são formados nas
[...] todo ser humano tem direito, em plena seguintes instituições: Escola Prática de
igualdade, a uma audiência justa e pública Matalane (Província de Maputo), Escola
por parte de um tribunal independente e Prática de Dondo (Província de Sofala),
imparcial, para decidir sobre seus direitos
e deveres ou do fundamento de qualquer Escola Prática de Nakitiri (Província de
acusação criminal contra ele (Art. 10, Nampula), Centro de Instrução de Cães-
UNESCO, 1998). -Polícia (cidade de Maputo) cujo nível será
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básico (TIMBANE, 2014, p. 15). Para a e significado de determinada maneira”
formação em nível superior, os agentes (2009, p. 63). Então a partir dessa base,
são formados na Academia de Ciências o agente de polícia precisa avançar para
Policiais – ACIPOL (Província de Maputo) temas e conteúdos da sua profissão, o que
onde se formam oficiais da PRM. O ensino em francês é comumente conhecido como
da língua inglesa em Moçambique inicia Français sur lês Objetifs Specifiques (FOS)
no sexto ano do ensino fundamental en- ou English for Special Purposes (ESP). Se-
quanto que a língua francesa inicia no dé- gundo Moulhrons-Dallies (2008), a língua
cimo ano de escolaridade. Fica claro que: aprendida para fins específicos coloca o
[...] a língua estrangeira sempre represen- aluno no centro das atividades da aprendi-
tou prestígio. Quem domina uma língua zagem e pedagógicas. Sobre estes assuntos
estrangeira é admirado como pessoa culta e vamos desenvolver na próxima seção.
distinta. Tanto isso é verdade que a palavra
estrangeira é comumente reservada para A escola é o espaço formal onde, por
qualificar uma outra língua que conta com meio de professores ou ainda de especia-
mais respeitabilidade que a materna de listas dotados de conhecimentos metodo-
quem fala – por mais incrível que isso pare-
ça à primeira vista (RAJAGOPALAN, 2003,
lógicos e práticos, planejam-se e executam
p. 65, grifo do autor). o processo de ensino e aprendizagem.
Este processo é consciente, organizado
Tanto no ensino normal como no pro-
tem objetivos e metodologias próprias que
fissional, o ensino de língua vem ganhan-
fazem com que o aluno adquira compe-
do um espaço privilegiado no currículo es-
tências ou conhecimentos diversos. Neste
colar. Mas as escolas profissionais devem,
caso, em que se fala de aprendizagem de
pois, instituir-se como dinâmicas sociais
uma língua, adquiri-se competências de
locais, reconhecidas pela sua qualidade,
expressão e de comunicação oral e escrita
desejadas pelas instituições e pelos mais
(TIMBANE, 2015). Para Almeida Filho:
dinâmicos atores sociais, cruzadas com o
[...] a aula de língua estrangeira como um
desenvolvimento social local mais vasto,
todo pode possibilitar ao aluno não só a
capazes de proporcionar uma proposta sistematização de um código linguístico que
formativa sólida e ampla, procurando es- o ajudará a se conscientizar do seu próprio
capar assim ao estigma de uma formação mas também a chance de ocasionalmente se
transportar para dentro de outros lugares,
de segunda escolha (TIMBANE, 2016). outras situações, e pessoas. Esses clarões
O francês geral ou o inglês geral não culturais conseguem às vezes marcar nossa
interessam muito para fins policiais. É percepção e memória de maneira indelével
e para sempre (2015, p. 45).
fundamental adquirir as noções básicas,
mas é necessário avançar-se para aspectos No caso da formação policial, o ensino
mais específicos da profissão. Chomsky da língua francesa e da inglesa é tido
defende que “a pessoa que adquiriu co- como complementar e não como principal,
nhecimento de uma língua interiorizou como se o trabalho policial não exigisse
um sistema de regras que relaciona som a língua. É importante referir que “as
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línguas podem funcionar simultanea- dologias que podem ser adotadas pela
mente como instrumento de opressão instituição e pelo professor de línguas.
e, por outro lado, como constitutivos de O manual de ensino usado na forma-
práticas de resistência cultural e política” ção de policiais é o mesmo utilizado nas
(RODRIGUES, 2011, p. 31). Servem de escolas fundamentais. As instituições não
opressores no caso em que um policial não possuem materiais do tipo dicionários,
consegue abordar um estrangeiro e nem livros, filmes, CD, DVDs, jornais revistas
mesmo consegue interrogá-lo, acabando e outros materiais de auxílio e apoio ao
por prender/algemar sem justa causa. As ensino. Desta forma, as matérias ensi-
línguas podem oprimir quando os direitos nadas serão uma repetição para os que
de estrangeiros são violados devido ao estudaram o ensino médio das Letras e
desconhecimento da língua do cidadão novidade para os que tiveram ensino mé-
estrangeiro por parte do agente da polícia. dio Ciências. Significa que haverá poucos
Por outro lado, a língua pode servir avanços no processo de ensino-aprendiza-
de instrumento de resistência quando o gem e haverá limitações de toda ordem.
policial obriga que seja o estrangeiro a O ensino de línguas é opcional, o
aprender a língua do agente de polícia. que significa que o cadete tem a opor-
Esta questão é polêmica, pois sabemos que tunidade de escolher se prefere estudar
[...] muito embora o nacionalismo tenha inglês ou francês. O que tem acontecido
desempenhado um papel na emergência das é que muitos cadetes escolhem o inglês,
línguas na Europa, na África o letramento,
em vez do nacionalismo, desempenhou um
deixando o curso de francês com pouquís-
papel mais crucial na tarefa de trazer à tona simos cursantes. Como se sabe,
a noção de línguas separadas (MAKONI; [...] o estatuto social de uma língua nova e
MEINHOF, 2006, p. 197). o imaginário a ela associado influenciam a
aprendizagem, mesmo que se trate de um
Desta forma, a formação policial não
processo excessivamente individualizado.
pode garantir que o estrangeiro que (MARTINEZ, 2009, p. 26).
vem ao país tenha a obrigatoriedade de
Por isso que muitos alunos escolhem
aprender a língua do policial. Enten-
por razões do prestígio que esta tem em
demos que deve ser a formação policial
nível internacional.
que garanta que seus agentes aprendam
Vejamos a seguir, alguns caminhos
as línguas estrangeiras para permitir o
que se pode trilhar para um ensino de
exercício pleno da atividade profissional.
qualidade que se centra no aluno e que
O policial deve estar munido de conheci-
permita o uso da língua em contexto real.
mentos que lhe permitam interagir com
Entendemos que exatamente isso que
o estrangeiro, buscando ou confirmando
um cadete a polícia pretende prender. O
informações diante de um suspeito seja
cadete quer saber como se diz pistola, al-
ele nacional ou estrangeiro. Desta forma,
gemas, continência, marcha lenta, qual é
interessa-nos discutir quais as meto-
o seu nome, mostre-me a sua identidade,
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para onde vai, etc em língua estrangeira do em objetivos mais precisos. O linguista
(inglês, francês, etc). São esses recursos leva-nos a refletir profundamente no que
que vão permitir o exercício da sua ativi- nele designa por savoir-faire. Significa
dade profissional de forma plena. que as nossas reflexões e ações em sala
Apoiando-se em Cuq (1991), Puren de aula devem sempre estar ligadas com
(1988), Germain (1993) e Bérard (1991), a aplicação prática dos conhecimentos.
afirmamos que um ensino geral, com ob- Não é momento de pensarmos no mé-
jetivos gerais e não específicos não pode todo tradicional, nem no método áudio-
alimentar a expectativa e as necessida- -oral, nem no direto ou ainda no método
des profissionais do cadete. Um ensino audiovisual. Seria provavelmente mais
centrado em objetivos específicos pode, visível apontarmos a nossa metodologia
de certa forma, responder positivamente para a abordagem comunicativa ou da
aos anseios da profissão. sugestopedia. A abordagem comunicati-
va, segundo Martinez,
Metodologia para o ensino [...] desloca o centro de gravidade na dupla
de língua estrangeira em
operação que caracteriza a tarefa do apren-
diz: trata-se não de aprender para depois
contexto policial comunicar, mas de ligar intimamente o
aprender ao comunicar (2009, p. 72).
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expressão. A abordagem comunicativa O gráfico mostra claramente como
desencoraja recortes de textos ou textos o professor de língua estrangeira pode
adaptados porque se assim for perde-se trabalhar em sala de aula. O estudo de
a autenticidade do documento. Timbane (2013) revela que na área po-
Então, o trabalho policial é prático e licial, os policiais utilizam mais frases
exige agilidade do falante tanto na lín- interrogativas (67,9%) e imperativas
gua oral quanto na escrita. Trazer para (25,7%). Esses dados orientam o pro-
sala de aula situações concretas da atua- fessor de língua estrangeira, que deve
ção policial é preparar ao futuro agente priorizar frases desse tipo nos exercícios
para que possa compreender quais os orais e escritos nas aulas. É um dado im-
atos de fala, quais os tempos verbais e portante, pois o planejamento das aulas
quais competências comunicativas que deve incluir frases interrogativas. Os
deve usar em situações reais de atuação. exercícios podem ser feitos oralmente e
Na perspectiva de Leffa (1988), o as- por escrito, pois o trabalho policial utiliza
pecto afetivo é visto como uma variável os dois tipos de línguas. Lembrando que
importante e o professor deve mostrar aqui, não incluímos a língua de sinais.
sensibilidade aos interesses dos alunos, Os valores semânticos que as pala-
encorajando a participação e acatando vras carregam devem ser aprendidas,
sugestões. O gráfico 1 resulta de uma pois a língua é ao mesmo tempo cultura.
pesquisa feita por Timbane (2013) quan- Na perspectiva de Câmara Jr.:
do pesquisou cobre o tipo de frases cons- 1) a língua é parte da cultura; 2) é, porém,
truídas pelos agentes de polícia numa parte autônoma, que se opõe ao resto da
abordagem a pé no Brasil. Portanto, cultura; 3) explica-se até certo ponto pela
cultura e até certo ponto explica a cultura;
observa-se no Gráfico 1 percentagens
4) tem não obstante uma individualidade
de frases interrogativas, imperativas, própria, que deve ser estudada em si; 5)
declarativas e exclamativas. apresenta um progresso que é o seu reajus-
tamento incessante com a cultura; 6) é uma
estrutura cultural modelo, que nos permite
Gráfico 1 – Percentagem de tipos de frases ver a estrutura menos nítida, imanente em
construídas na abordagem policial outros aspectos da cultura (1955, p. 58-59).
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compreendidas na cultura da variedade Num ensino cuja base é FOS ou ESP
do português de Moçambique. Por essa deve se trabalhar esses aspetos para que
razão apoiamos a existência de moçambi- o cursante saiba como conduzir o seu
canismos, brasileirismos, angolanismos discurso em língua estrangeira. Hoje em
e por aí em diante. Porque as variedades dia, temos muitos filmes de ficção cien-
espelham a realidade sociocultural da tífica, filmes policiais, filmes de ação em
comunidade linguística. Estas caracte- que os termos policiais e paramilitares
rísticas léxico-semântica também ocorre são usados. Esses materiais podem ser
em línguas estrangeiras. Desta forma, o considerados autênticos e podem ser
aluno que aprende uma língua estrangei- organizados e utilizados em sala de aula.
ras precisa conhecer nuances semânticos São considerados documentos au-
que a língua carrega para que não use tênticos (em didática de línguas), todo
inadequadamente certas palavras e cau- material escrito, oral, visual, etc que não
sar mau-estar na comunicação. foi concebido ou fabricado para fins pe-
Para Timbane (2013), a abordagem dagógicos (GERMAIN, 1993; BÉRARD,
policial apresenta as seguintes caracte- 1991). O que significa que se compro
rísticas linguísticas: é contextualizada, é jornal ou revista e os levo para a sala
implícita, é redundante, não é planejada, de aula a fim de utilizar como material
apresenta-se de forma fragmentada e didático, tenho um documento autêntico.
incompleta. Ela é pouco elaborada com Observa-se que o jornal não foi escrito
pouca densidade informacional, com pre- para o uso na sala de aula, mas sim para
dominância de frases curtas e simples. informar aos leitores. O docente que
Impossível fazer abordagem sem o uso de adota o método comunicativo
uma língua. A voz de prisão só existe se [...] tem que conhecer bem a língua que está
for transmitida através de uma língua. ensinando, inclusive suas questões grama-
Então, essas estratégias comunicativas ticais. A complexidade exige um tratamento
e manejo menos simples e requer por parte
devem de certo modo ser ensinadas aos do professor uma maior profissionalização e
cursantes. esforço (SILVA PRATES, 2009, p. 259).
Por outro lado, a abordagem policial
A seguir, passamos a mostrar alguns
apresenta um vocabulário de menor
princípios fundamentais para um ensino
densidade que responde prontamente
de língua comunicativo: as atividades de
ao momento interacional. O texto oral
sistematização devem ser realistas e não
produzido na abordagem policial
materiais fabricados pedagogicamente.
[...] apresenta falsos começos, trunca- Essa atitude permite que os cursantes
mentos, correções, hesitações, repetições,
paráfrases, pausas, esclarecimentos, de- adquiram conhecimentos semelhantes
fesas e, sobretudo um fluxo discursivo que (iguais) as que irão encontrar na vida
apresenta descontinuidades (TIMBANE, real fora da sala de aula. As atividades
2013, p. 138).
em sala de aula devem simular situações
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reais de comunicação de forma a ligar a Já se disse que a língua é ao mesmo
teoria à prática. tempo cultura. Por isso qualquer inter-
Na área policial, propõe-se que as pretação ou tradução deve ter em conta
simulações reflitam as diversas situa- a cultura. Existem elementos lexicais,
ções de patrulha, de abordagem, de gramaticais da língua “A” que pode
investigação de crimes, de prestação de não existir na língua “B”. Chomsky nos
serviços aos cidadãos, como, por exem- lembra que:
plo, explicar o caminho para cidadãos [...] não interpretamos o que é dito em nossa
perdidos, dar palestra de educação cívica presença simplesmente pela aplicação de
sobre como atravessar a rua ou prevenir princípios linguísticos que determinam as
propriedades fonéticas e semânticas de um
acidentes de trânsito entre outros. enunciado. As crenças extralinguísticas a
Propõe-se que o ensino não se res- cerca do falante e da situação desempenham
trinja apenas ao espaço sala de aula. um papel fundamental na determinação
de como a fala é produzida, identificada e
Que hajam possibilidades de se realizar entendida (2009, p. 194).
a aula fora do espaço habitual. Essa
atitude “quebra o gelo” das metodologias Desta forma existem muitos suben-
anteriores que defendem o professor tendidos que se escondem na cultura.
como o detentor do saber e que todo o Dizer “casa”, por exemplo, a imagem que
processo está centrado nele. Visitar uma duas pessoas de culturas diferentes têm
caserna, um armazém de armamento, não é a mesma. Para alguém da cultura
centro de tiro, um setor da Esquadra ou pode estar se referindo a um edifício de
da Delegacia é um bom passo para que alvenaria com telhas e porta de vidro
os cursantes liguem a teoria da prática. ou de madeira. Para mim, casa seria
Todas estas atividades só poderão ter uma construção feita a estacas e caniço,
sucesso caso o professor faça um plane- coberto de palha de formato redondo e
jamento prévio de forma sistemática. O que fecha com um pano ou esteira. São
processo de ensino e aprendizagem da duas realidades socioculturais para uma
língua estrangeira (neste caso francês e só palavra. Isso significa que o intérprete
inglês) deve favorecer e potencializar não ou tradutor deverá ter em conta essas
só o desenvolvimento de competências referências que a cultura e as tradições
orais e escritas (na expressão e na comu- carregam.
nicação) que levem o aluno a compreender Não se pode descartar a ideia de Ra-
as diferentes manifestações dessa língua, jagopalan quando afirma que
mas também associar o desenvolvimento [...] as línguas são a própria expressão das
dessas competências a contextos sociocul- identidades de quem delas se apropria. Logo
quem transita entre diversos idiomas está
turais, a situações diversas do cotidiano redefinindo sua própria identidade. Dito
e de sua vida profissional. de outra forma, quem aprende uma língua
nova está se redefinindo como uma nova
pessoa (2003, p. 69).
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Um dos grandes problemas no tra- A investigação deve se centrar na base
tamento das imagens fixas é a inter- legal que são os diversos instrumentos
pretação e tradução. Observa-se que existentes, como é o caso da Constitui-
a interpretação de uma imagem está ção da República, O Código do Processo
intimamente ligada a cultura de uma de- Penal, O Código Penal entre outros, mas
terminada comunidade linguística. Uma sempre valorizando a linguagem como
simples imagem pode ter várias interpre- meio de comunicação. Cançado (2005)
tações. O uso de documentos autênticos: defende que os falantes nativos de uma
orais, escritos, icônicos e áudio visuais. O língua têm algumas intuições sobre as
“uso de documentos autênticos na aula de propriedades de sentenças e de palavras
línguas aproxima o aprendente à cultura e as maneiras como essas sentenças e
da língua alvo” (TIMBANE, 2015, p. 254). palavras se relacionam. Por exemplo,
As instituições policiais da PRM se um falante sabe o significado de uma
possuem todo tipo de dificuldade na determinada sentença, intuitivamente,
obtenção materiais didáticos para o uso sabe deduzir várias outras sentenças
na sala de aula. A razão é a que apresen- verdadeiras a partir da primeira. Essas
tamos anteriormente: as línguas estran- intuições parecem refletir o conhecimen-
geiras? não são tidas como prioritárias. to semântico que o falante tem.
Desta forma, a comunidade educativa Esse comportamento linguístico é
tem muitas dificuldades instrumentais mais uma prova de que seu conhecimen-
e de recursos didático-pedagógicos, to sobre o significado não é uma lista
os quais impedem-na de conquistar a de sentenças, mas um sistema comple-
qualidade desejada. A polícia trabalha xo. Ou seja, o falante de uma língua,
bastante com a linguagem. Até se pode mesmo sem ter consciência, tem um
afirmar categoricamente que a lingua- conhecimento sistemático da língua que
gem é que comanda o trabalho da polícia. lhe permite fazer operações de natureza
Por exemplo, os agentes interpelam cida- bastante complexa (CANÇADO, 2005).
dãos e fazem um conjunto de perguntas
de forma a averiguar um/a suspeito/a. Vantagens de ter na
Nessa atividade entra em jogo a impor-
tância da linguagem. Desta forma, pelas
corporação policiais
suas funções, “os agentes têm também especialistas em línguas
a responsabilidade de zelar e de denun- estrangeiras
ciar todos os atos e situações em que os
direitos humanos de qualquer cidadão Com a abordagem comunicativa
são violados” (THOMPSON; ALMEIDA, pode-se colher mais vantagens que des-
2006, p. 48). Em nenhum momento a vantagens. Se o orientador utiliza a abor-
atuação da polícia deve-se basear em dagem comunicativa de forma consciente
conhecimento popular.
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e sistemática, motivará constantemente envolvendo estrangeiros em transito e
os seus alunos dando-lhes oportunidade residentes no território.
de aprender em contexto real. O policial O domínio de línguas na corporação
sempre precisa de aulas práticas para levantará o grau de iniciativa e de deci-
que possa compreender melhor como se são altos. Isso porque se espera a auto-
adaptar em situações adversas ao exercí- nomia plena no exercício da atividade. O
cio das suas atividades. O documento au- que significa que em nenhum momento
têntico retira o aprendente do imaginário os policiais pedirão traduções nem in-
para situações concretas de comunica- terpretações quando lidam com sujeitos
ção. Os documentos permitem trabalho estrangeiros. Desta forma, o policial
com diferentes gêneros textuais, permite formado terá capacidade de assimilação
compreender ou ainda falar com indiví- e compreensão dos desafios que o estran-
duos de diferentes variedades da língua geiro passa no momento da abordagem.
e respeita os “estilos de aprendizagem Com o domínio de línguas, o policial terá
dos alunos” (TIMBANE, 2015). capacidade de mediar conflitos, trazendo
A PRM deve envidar todos os esforços sua sabedoria e experiência em prol da
no cumprimento das normas que Cons- segurança pública.
tituição lhes imputa. É ela que garante Quem domina língua é sujeito a lide-
a ordem e a tranquilidade públicas. rança em muitos casos, pois ele enxerga
Portanto, ter na corporação, agentes além daquele que é monolíngue. Nem
que conhecem pelo menos uma língua sempre o policial tem à sua disposição
estrangeira é um ganho maior para: a) todos os meios necessários a uma boa
a investigação criminal e para a garan- resolução de um determinado caso, por
tia da ordem e segurança, pois significa isso é importante que aplique seu nível
que a língua permitirá compreender e de inteligência na busca de alternativas
investigar estrangeiros em trânsito e viáveis segundo o momento. A língua
residentes; b) abordagem policial: exige ajudará na materialização dessa com-
o domínio de uma língua para dar or- petência.
dens, conselhos, orientações entre outras A linguagem e a lei estão sempre
formas comunicativas; c) relações entre intimamente ligadas. A lei não pode
colegas de profissão e com estrangeiros; existir sem que haja algum meio de co-
d) capacidade de resolver conflitos e municação – a linguagem. É de extrema
contendas envolvendo estrangeiros; e) importância a integração da linguagem
capacidade de cooperação com outras na justiça como instrumento de comuni-
policias de países de expressão inglesa, cação, de interpretação e de compreensão
francesa ou outras e; f) evitará a contra- de mensagens orais e escritas. A Linguís-
tação de desconhecidos como intérpretes tica Forense, (ou melhor, a Linguagem
e tradutores nos interrogatórios e oitivas e a Lei) aplica conhecimentos teóricos
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e práticos da linguística na área do Esses dois mitos mostram claramen-
Direito. Sardinha (2009, p. 69) define a te que a aquisição e a aprendizagem
Linguística Forense como sendo a ciência são conceitos e realidades práticas dife-
que “se ocupa da análise da linguagem rentes. Mesmo tendo o português como
jurídica, de um lado, e do fornecimento primeira língua, os alunos não aprovam
de evidências linguísticas em processos com nota máxima, isto porque a língua
judiciais, de outro.” falada em casa é diferente da língua
Sardinha (2009) salienta que a lin- usada na escola. A língua estrangeira
guagem jurídica descreve linguistica- na formação policial em Moçambique
mente o valor das palavras, das frases traria maior qualidade no atendimento
e dos discursos em contextos do Direito de estrangeiros assim como na investi-
desde as leis, decretos, estatutos regula- gação criminal.
mentos e outros. As evidências linguísti-
cas surgem quando peritos são convida- Conclusão
dos pela justiça para decifrar e explicar
Chegando ao fim deste debate, temos
as nuances de sentido linguístico de
a sublinhar que o ensino de ensino de
trechos, a autoria de voz, de discurso ou
línguas é importante para o trabalho
ainda características do idioleto de um
da polícia. Mas para isso é necessário
suspeito ou acusado. No mundo atual, a
que o cadete seja bem formado teórico
justiça não dispensa os conhecimentos
e praticamente por forma a responder
da linguística no levantamento de evi-
com prontidão das adversidades do
dências em casos criminais.
mundo globalizado. Tal como Cristal
O agente da polícia precavido utiliza
(2003) demonstra na sua obra “O inglês
conhecimentos da linguística para in-
como língua global” reforça a ideia de
terrogar, para redigir documentos legais
que nenhuma profissão sobreviverá
(autos, relatórios, inquéritos, etc) no sen- sem essa integração. É preciso a) reco-
tido de mostrar as evidências positivas nhecer a importância do multilinguis-
ou negativas de um caso suspeito ou de mo no trabalho policial e na justiça;
acusação. Mas não basta saber falar a b) potencializar a formação humana
língua, mas se deve conhecer profunda- com bases teórico-metodológicas na
mente as nuances linguísticas. Há um pesquisa, descrição e padronização das
tabu segundo o qual quem fala uma lín- línguas africanas e de sinais; c) vencer
gua (nem que seja sua língua materna) as concepções e representações sociais,
pode ser professor dessa língua. Outro políticas nocivas à emancipação das
tabu muito frequente em Moçambique línguas africanas e de sinas; d) valorizar
é o de que se ensinamos uma criança a as dinâmicas de promoção educativa em
falar português em casa, terá mais suces- modelos bilíngues.
so na disciplina de português na escola.
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Entendemos que pode haver injustiça forma, a polícia precisa de dominar mais
se o cidadão for interrogado ou julgado prática do que a teoria, pois nenhuma
numa língua desconhecida. Nenhum prática se torna eficiente sem o conhe-
agente de polícia estaria (até hoje) em cimento da teoria.
condições linguísticas para atender cida- Os professores de línguas nas insti-
dãos falantes da língua de sinais, embora tuições de polícia não possuem formação
existindo cerca de 12,7% de população em FOS ou ESP. Esta situação faz com
surda (TIMBANE, 2016). A língua de si- que não se avance mais na qualidade o
nais moçambicana é pouco valorizada na ensino de línguas para objetivos espe-
justiça e isso já é um indício de injustiça. cíficos. Mas nada está perdido quando
A injustiça inicia quando a coleta de pro- existe uma vontade política para que
vas é feita sem consideração da cultura, isso aconteça. Sendo assim, é possível
da língua e do contexto social em que o remodelar o sistema de ensino inves-
sujeito está inserido. Sem intérpretes tindo em materiais e na formação com
forenses, estaremos andando “às escu- qualidade de professores. Essa atitude
ras” desprezando preconceituosamente a culminará com a adoção de métodos que
realidade social do suspeito ou do sujeito permitam uma educação mais prática
a ser abordado. O reconhecimento das que sempre está ligada à profissão. Por
línguas bantu moçambicanas e da língua isso que falamos de FOS e ESP como
de sinais na justiça seria um primeiro caminhos mais adequados para uma
caminho a seguir para uma justiça plena, formação mais profunda em qualidade.
mas isso passa pela adoção de políticas O policial deseja saber fazer e sobretudo
linguísticas. na prática porque isso pode criar moti-
A pesquisa comprovou a primeira hi- vação e aprendizagem em contexto real.
pótese, pois as instituições de formação Tudo passa pela mudança de atitude de
policial relegam a formação linguística professores de línguas.
para o segundo plano. Mas aproveitamos Na seção 3, colocamos o conceito
mostrar a importância da formação poli- sugestopedia, mas não desenvolvemos
cial de agentes da Polícia da República porque achamos que seria interessante
de Moçambique como forma de fornecer tratá-lo de forma participar numa outra
materiais que lhes permitam trabalhar pesquisa. A metodologia sugestopedia
com eficiência. Está comprovada a hi- vem da palavra ‘sugestão’. A metodologia
pótese de que a polícia utiliza poucos defende que o aluno deva ter a oportu-
recursos linguísticos na sua atuação, nidade de sugerir o que quer aprender.
pois a maior parte dos policiais não pos- Que o professor não traga uma receita já
suem noções em língua estrangeira, fato pronta para sala de aula. A sugestopedia
os leva a recorrer a tradutores (maioria caminha nessa linha de força obrigando
civis) nos interrogatórios policiais. Desta ao professor para que esteja pronto e
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bem preparado para que o aluno não su- The relevance of foreign
gira temas ou assuntos de pouco domínio language teaching in police
do professor.
training in Mozambique
Respondendo à pergunta de parti-
da podemos afirmar que a formação
Abstract
policial só terá profissionais linguis-
ticamente preparados se apostar na The foreign languages have been the
formação multidisciplinar que inclui most sought after in the globalized
world. The research launches a de-
o ensino de línguas. Ao garantirmos bate on teaching methodology and
uma formação policial de qualidade the importance of languages in police
estamos garantindo uma atuação po- work in Mozambique. The research
licial de qualidade e com respeito aos aims to discuss the concept of lan-
guage and explain its importance in
direitos linguísticos. Entendemos que
police training; Methodologies that
as instituições de formação policial não can improve the quality of teaching
poderiam relegar a formação linguísti- and learning foreign languages in
ca para o segundo plano. Na atuação the police. Using a bibliographical
method, the research concludes that
policial sempre apela-se ao conheci-
there is a need for training of police
mento linguístico para que os objetivos officers in foreign languages so that
sejam alcançados com sucesso. they can respond with quality to the
A pesquisa objetivou valorizar a challenges of globalization, ensuring
formação linguística como requisito public order and tranquility.
fundamental para o desempenho da Keywords: Teaching. Police Training.
atividade policial. Especificamente, a Foreign languages. Mozambique.
pesquisa discutiu o conceito língua e
explicou a sua importância na forma- Referências
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indicou como o domínio de línguas es- ALMEIDA FILHO, J. C. P Dimensões co-
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de 1948. Brasília: UNESCO/Brasil, 1998.
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
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em: 12 fev. 2018.
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Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo - 14 - n. 1 - p. 119-139 - jan./abr. 2018