Estratégia Da Escrita de L1 e L2

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ESTRATÉGIAS DE ENSINO DA ESCRITA

EM L1 E L2

Jaime Namanca

Resumo

O ensino deve proporcionar e motivar revisões, incentivar a aprendizagem, induzir a resolução


de problemas, o pensamento crítico e mais prática de escrita. Para tal, a abordagem de processo pode ser
eficaz, mas se a capacidade linguística dos alunos impõem limites, então é necessária uma combinação do
ensino do processo e estratégias de desenvolvimento da linguagem, nomeadamente recorrendo a textos de
autor que funcionarão como modelos de escrita e “bancos” de vocabulário. Esta reflexão apoia-se nas
ideias de alguns autores da Linguística Aplicada e da Sociolinguística, dado que consideram a língua
como parte integrante da cultura de um povo. Considerar que nas zonas rurais em Moçambique o
português é língua estrangeira remete-nos para a questão da aquisição e da aprendizagem do português no
campo do ensino, que é marcado por variantes linguísticas, quer ao nível da oralidade, quer ao nível da
escrita, devido à situação de plurilinguismo em que o país se encontra. Essa variação linguística leva a
essa população situações de estigmatização e discriminação por parte da restante população
moçambicana, criando conflitos linguísticos, no geral, em ambientes sociais e, em particular, em
ambientes escolares, o que acaba afectando o desempenho linguístico dos alunos nessas zonas.

Palavra-Chave: Escrita em L1 e L2, Estratégia e Ensino.

Abstract

Teaching should provide and motivate revisions, encourage learning, induce problem solving, critical
thinking and more writing practice. To this end, the process approach can be effective, but if students'
linguistic ability imposes limits, then a combination of process teaching and language development
strategies is necessary, namely using author texts that will function as writing models and vocabulary
“banks”. This reflection is based on the ideas of some authors from Applied Linguistics and
Sociolinguistics, as they consider language as an integral part of a people's culture. Considering that in
rural areas in Mozambique Portuguese is a foreign language takes us to the issue of acquiring and
learning Portuguese in the field of teaching, which is marked by linguistic variants, both in terms of oral
and written language, due to to the situation of plurilingualism in which the country finds itself. This
linguistic variation leads this population to situations of stigmatization and discrimination by the rest of
the Mozambican population, creating linguistic conflicts, in general, in social environments and, in
particular, in school environments, which ends up affecting the linguistic performance of students in these
areas.

Keyword: Writing in L1 and L2, Strategy and Teaching.

Introdução

Em África, a língua portuguesa oficial é uma opção política, uma atitude


nacional, e tem, actualmente, uma ligação estreita com a sobrevivência dos territórios
como países independentes. A história da colonização em Moçambique, bem como as
relações com outros povos e culturas, criou para a Língua Portuguesa uma diversidade

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de situações de contacto e de contextos de aprendizagem de que têm resultado produtos
linguísticos, de grupo ou individuais, diferentes entre si.
Esses produtos são designados pelos termos Português Língua Segunda e
Português Língua Estrangeira. Sabe-se que nos países africanos em que o Português é
língua oficial a maior parte dos falantes dessa língua a têm como língua segunda. No
entanto, essa afirmação não significa dizer que nesses países não haja um grupo da
população que a desconhece completamente, o que nos pode levar a pensar que, para
esse grupo, o Português seja língua estrangeira.
Entretanto, verifica-se que, no campo estrito do ensino, o conhecimento de
línguas não maternas tem consequências positivas: as crianças que dominam mais do
que uma língua têm probabilidades acrescidas de atingir um nível superior de
desenvolvimento das capacidades metalinguísticas e cognitivas, e estão mais bem
preparadas para adquirir novas línguas e novas culturas, e para reconhecer a importância
de usar várias línguas.
Assim, e se quisermos acentuar a importância de valorizar a língua portuguesa
entendendo-a como uma riqueza das sociedades que a falam, o português encontra-se
bem posicionado para se tornar uma escolha possível no campo do ensino e
aprendizagem, tanto como língua segunda ou como língua estrangeira.

1.Aquisição e aprendizagem do Português

É importante salientar que o português é segunda língua (L2) e/ou língua


estrangeira (LE) para a maioria da população moçambicana, embora seja considerado
língua oficial e língua de unidade nacional. Porém, há que distinguir o português como
língua estrangeira do português como segunda língua, já que não se tratam de línguas
maternas.

Línguas estrangeiras distinguem-se, segundo Gonçalves e Stroud, (2000, p. 8),


pelo fato de serem tipicamente aprendidas por via instrucional, com exposição à língua-
alvo no contexto restrito da sala de aula, ao passo que as segundas línguas (L2) são
adquiridas em ambiente natural, com exposição à língua-alvo não só na escola como no
seio da comunidade em que vivem os aprendizes.

Segundo os mesmos autores, a aquisição das L2s pode decorrer em comunidades


de falantes nativos (como acontece, por exemplo, com os imigrantes que aprendem uma
L2 no país em que esta é a língua materna (L1) da comunidade) ou em comunidades em

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que a L2 é também uma língua não materna para a maior parte dos seus membros (como
acontece em sociedades pós-coloniais, em que a língua colonial não é tipicamente a L1
da comunidade que a fala).

Gonçalves e Stroud, (2000, p. 9) afirmam que o uso de L2 por falantes de


diversas camadas sociais, com diferentes níveis de competência, dá origem a um
conjunto de diferentes subvariedades não nativas dispostas ao longo de um continuum
polilectal e realçam ainda que o surgimento destas subvariedades locais não é exclusivo
das comunidades bilíngues.

Fazendo referência à Kato (1993, p. 20), dão exemplo do português do Brasil


que, apesar de aprendido tipicamente como uma L1, encontra-se numa fase de
“competição de variantes” (GONÇALVES, P.; STROUD, C. 2000, p. 9).

Ainda sobre a aquisição de segunda língua e/ou de língua estrangeira, Carioni


(1988, p. 50) faz, primeiramente, uma distinção entre aprendizagem e aquisição. Para
essa autora, aquisição é um processo que ocorre no nível do subconsciente, funcionando
por força da necessidade de comunicação como impulso vital, função que o cérebro não
pode deixar de cumprir ao ser exposto aos impulsos auditivos identificados como
mensagem codificada em língua.

Já a aprendizagem significa saber as regras, ter consciência delas, poder falar


sobre elas, exigindo, portanto, um esforço consciente. Para esta autora, a hipótese que
distingue aquisição de aprendizagem pressupõe que adultos também adquiram uma
segunda língua, com uma quase perfeição de falantes nativos, sem nenhum
conhecimento consciente de suas regras (CARIONI, 1988, p. 52).

A autora acima citada, ao fazer referência à aquisição de segunda língua, fala do


ponto de vista de Krashen (1982, p. 98 apud CARIONI, 1988, p. 53) sobre a hipótese do
input. Segundo essa autora, para que a aquisição se processe, isto é, para que se passe de
um estágio da língua para outro, é preciso que o input esteja um pouco além do estágio
actual em que se encontra o indivíduo em fase de aquisição. Em outras palavras, se a
competência actual na língua é i, o input deve conter informação linguística em grau
além dessa competência, i + 1, e o indivíduo em fase de aquisição deve ser capaz de
entender o input contendo i + 1 (CARIONI, 1988, p. 53).

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Ainda na óptica desta autora, o processamento da língua não ocorre
isoladamente, mas em conjunção com uma série de outros factores de ordem emocional,
cultural, social que contribuem para a caracterização da língua como instrumento de
expressão individual e grupal, facilitando ou inibindo a aquisição. A força da hipótese
do input está no fato de que o foco deve ser na mensagem, na comunicação que se quer
obter (CARIONI, 1988, p. 54).

Segundo a autora acima citada, a correcção do indivíduo, na hipótese do input,


ocorrerá com o tempo e maior exposição e dependerá de sua quantidade e qualidade.
Quanto mais exposição e mais correto for o input que o falante receber, melhor será a
sua produção linguística (CARIONI, 1988, p. 55).

Outro aspecto focado pela mesma autora diz respeito ao filtro afectivo, que está
relacionado com o papel que factores tais como motivação intrínseca, ansiedade e
autoconfiança desempenham no processo de aquisição de uma língua. Esta hipótese se
baseia na observação de que indivíduos com atitudes positivas em relação à língua
estrangeira aprenderão com mais facilidade, pois tendem a buscar mais input, e, por
apresentarem um filtro afectivo mais fraco ou baixo, o input recebido penetrará naquela
parte do cérebro que é responsável pela aquisição da linguagem. Esses factores
afectivos, que podem impedir ou facilitar o recebimento do input, embora importantes,
são externos ao dispositivo de aquisição.

O filtro afectivo explica porque, apesar de exposição a uma grande quantidade


de input, pode-se não atingir um nível de falante nativo, fossilizando-se a língua antes
de atingir esse nível (CARIONI, 1988, p. 56). Assim, transposta para a sala de aula, a
hipótese do filtro afectivo implica que a situação ideal para ensino é aquela que mais
encoraja uma diminuição das barreiras psicológicas, tais como a ansiedade, a inibição
ou falta de confiança, melhor motiva o maior número de alunos, desenvolve a
autoconfiança e atitudes receptivas à aprendizagem, favorecendo, assim, uma busca e
recepção maior de input. Consequentemente, o melhor professor de língua é aquele que
pode fornecer input correto, que pode tornar esse input o mais compreensível possível,
em condições de mais baixa ansiedade (CARIONI, 1988, p. 56).

Já para Pupp Spinassé (2005, p. 18), a aquisição de segunda língua (L2 ou SL)
dá-se quando o indivíduo já domina em parte, ou totalmente, a sua L1, ou seja, quando
ele já está em um estágio avançado de aquisição de sua língua materna. Para esta autora,

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segunda língua é uma não primeira língua que é adquirida sob a necessidade de
comunicação e dentro do processo de socialização.

A situação tem que ser favorável: um novo meio, um contacto mais intenso com
uma nova língua que seja importante para a comunicação e para a integração Social.
Para o domínio de uma segunda língua, é necessário que a comunicação seja diária e
que a língua desempenhe um papel na integração em sociedade (PUPP SPINASSÉ,
2005, p. 18).

Muitas vezes, quando se aborda a questão de aquisição de uma segunda língua,


parte-se do fato de que as pessoas têm a necessidade de possuir um segundo idioma, não
só porque é um pré-requisito para adquirir emprego, na maioria das vezes, mas também
porque a própria globalização assim o exige. No entanto, esses pressupostos não
abrangem fatos relacionados à aquisição de segunda língua em situações normais de
exposição a línguas diferentes da primeira língua, como é o caso de crianças que, logo
nos primeiros anos de vida, são expostas à aquisição de uma segunda língua por vários
motivos.

Sabe-se que os estudos sistemáticos de como as pessoas adquirem uma segunda


língua são um fenômeno relativamente recente, datando do final do século XIX.

A Aquisição de Segunda Língua (ASL) – expressão derivada do inglês Second


Language Acquisition (SLA) – refere-se não somente a aprender uma segunda língua
como também uma terceira ou quarta línguas. A aprendizagem de uma segunda língua
traz consigo uma dualidade, tanto pelo fato de se adquirir conhecimento sobre essa nova
língua e transformá-lo em algo inteligível, de prática intelectual, quanto por desenvolver
a habilidade comunicativa necessária para interagir com outros falantes. Essa
aprendizagem pode ser feita automaticamente em contacto com a segunda língua no
meio ambiente do aprendiz (exemplo das crianças expostas naturalmente à aquisição de
segunda língua, dentro do ambiente familiar) e, também, pode ser feita quando o
aprendiz entra em contacto com a segunda língua numa situação de ensino, a partir de
ensinamentos básicos da língua, por meio de gramáticas, dicionários, numa situação de
sala de aula.

Segundo Krashen (1988, p. 76), a aquisição de segunda língua, ou language


acquisition, refere-se ao processo de assimilação natural, intuitivo, subconsciente, fruto

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de interação em situações reais de convívio humano, em que o aprendiz participa como
sujeito ativo. É semelhante ao processo de assimilação da língua materna pelas crianças,
processo este que produz habilidade prático-funcional sobre a língua falada e não
conhecimento teórico.

Desenvolve familiaridade com as características fonéticas da língua, sua


estruturação e seu vocabulário. É responsável pelo entendimento oral, pela capacidade
de comunicação criativa e pela identificação de valores culturais. Uma abordagem
inspirada em aquisição valoriza o ato comunicativo e desenvolve a autoconfiança do
aprendiz. De acordo com Krashen (1988, p. 78),

Language acquisition refers to the process of natural assimilation, involving


intuition and subconscious learning, which is the product of real interactions
between people where the learner is an active participant. It is similar tongue
way children learn their native tongue, a process that produces functional skill
in the spoken language without theoretical knowledge 2 (KRASHEN, 1988, p.
78).

No entanto, o conceito de aprendizagem de segunda língua, ou language


learning, está ligado à abordagem tradicional de ensino de línguas, assim como é ainda
hoje praticada nas escolas. A atenção volta-se à língua na sua forma escrita e o objetivo
é de levar o aluno a entender a estrutura e as regras da língua, por meio de esforço
intelectual e de sua capacidade dedutiva lógica. Esta situação deixa pouco lugar para a
espontaneidade, porque, geralmente, o professor assume o papel de autoridade no
assunto, sendo a participação do aluno frequentemente passiva.

2.Letramento nas zonas rurais de Moçambique: uma questão a ser estudada.

O termo letramento em Moçambique é um termo novo e merece toda a atenção por


parte dos linguistas e dos dirigentes da educação, já que seria importante que se verificasse
como se dá esse letramento e qual o tipo de letramento que se verifica nos alunos das zonas
rurais, por forma a encontrarem algumas soluções para as dificuldades que os professores
enfrentam no ensino da escrita em português, bem como no ensino da língua materna do
aluno.

Convém sublinhar que estudar a questão do letramento em Moçambique,


particularmente nas escolas de educação bilíngue, é uma questão premente, dado que pode
ser uma solução para os problemas dos alunos que entram pela primeira vez na escola, caso
os professores aproveitem do conhecimento que os seus alunos trazem das suas práticas
sociais de letramento nas comunidades para ensinar não só a escrita do português como

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também a escrita da língua materna. Assim, iremos dedicar algumas linhas neste ponto do
artigo tendo em conta o ponto de vista de alguns linguistas sobre a questão de letramento.

Neste artigo, iremos adoptar o conceito de letramento a partir das teorias de Street
(1993, p. 102), tendo em conta o seu modelo ideológico. Para este autor, a questão do
letramento deve ser estudada de acordo com uma abordagem etnográfica, isto porque o
letramento não é pura e simplesmente um conjunto de ‘habilidades técnicas’ uniformes a
serem transmitidas àqueles que não as possuem – o modelo ‘autónomo’, mas sim que
existem vários tipos de letramento nas comunidades, e que as práticas associadas a esse
letramento têm base social.

Nessa modalidade nova de estudar o letramento, encontramos o contraste entre os


modelos de letramento – o modelo ‘autónomo’ e o modelo ‘ideológico’, bem como os
conceitos de ‘eventos de letramento’ e de ‘práticas de letramento’.

Para Street (2003, p. 4, 2000a, p. 67), o modelo autónomo normalmente surge em


contextos de desenvolvimento, como uma simples técnica em que as pessoas precisam
aprender uma forma de descodificar as letras. Este modelo, para este autor, funciona com
base na suposição de que, em si mesmo, o letramento, de forma autónoma, terá efeitos sobre
outras práticas sociais e cognitivas.

O modelo disfarça as suposições culturais e ideológicas sobre as quais se baseia,


que podem ser apresentadas como se fossem neutras e universais, sendo que, na prática,
essa abordagem trata simplesmente de impor conceitos ocidentais de letramento a outras
culturas. Entretanto, o modelo ideológico alternativo oferece uma visão com maior
sensibilidade cultural das práticas de letramento, à medida que elas variam de um contexto
para outro. Este modelo propõe que o letramento é uma prática de cunho social, e não
meramente uma habilidade técnica e neutra, e que aparece sempre envolto em princípios
epistemológicos socialmente construídos. Tudo tem a ver com o conhecimento, isto é, as
maneiras utilizadas pelas pessoas quando consideram que a leitura e a escrita vêm em si
mesmas enraizadas em conceitos de conhecimento, de identidade e de ser (STREET, 2003,
p. 4-5).

Entretanto, Martin-Jones (2010, p. 7) trata a questão do letramento como práticas


situadas e influenciadas pelo contexto cultural e social sempre em mudança, ressaltando a
questão de identidade, quando se constrói uma vida social. Essa definição pode ser vista de
acordo com uma perspectiva etnográfica à medida que oferece detalhes sobre como as
pessoas dão vida aos textos em práticas de letramento quotidianos.

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Ainda sobre a questão do letramento, Jung (2009, p. 84) define letramento como o
conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem
em seu contexto social. Segundo esta autora, de acordo com esta noção de leitura e de
escrita, a concepção escolar de alfabetização é reducionista e está quase que, casualmente,
associada com o progresso, a civilização, a mobilidade social. Afirma, ainda, que se trata de
um modelo autónomo de letramento e que, segundo Street (1984, p. 18), a escrita é um
produto completo em si mesmo. Ao conceber a escrita dessa forma, o leitor não precisa
considerar o contexto de sua produção para a interpretação.

3. Escrever: Modelos Teóricos e Perspectivas Pedagógicas

A abordagem da competência de produção escrita tem sido investigada sob


diferentes perspectivas, nem sempre complementares. Como refere Dabène (1996), para
além da psicologia cognitiva.

Teremos assim de concordar com Johns (1990) quando refere que “because L1
theory is rich in both history and substance […], it is necessary to select one of several
comprehensive models from which to work in order to classify essential components”
(p. 24).

Assim sendo, não existe um modelo que integre todas estas perspectivas de
investigação, dificultando, de certo modo, o acesso a uma visão global devido à relativa
fragmentação daí resultante. Poder-se-á considerar, assim, que existem entraves à
definição clara de uma didáctica da escrita (em LM e LE) que possa orientar, auxiliar
e/ou fundamentar o ensino-aprendizagem da escrita na escola.

Não obstante a presença de diferentes perspectivas relativas ao ensino da escrita,


elas concorrem em grande medida para uma provável melhor compreensão da
complexidade do acto de escrever por parte de docentes e de investigadores e
constituem uma base teórica mais sólida para a transposição ao campo escolar,
possibilitando uma adaptação, e justificação de opções, às realidades individuais com as
quais o professor contacta diariamente na sala de aula.

Dabène afirma (1996: 89), sem pretensões pejorativas, que a didáctica da língua
materna é uma didáctica do heterogéneo. Segundo nós, a didáctica da LE também o é, e
nem poderia deixar de sê-lo, principalmente depois das abordagens comunicativas que
colocaram a ênfase no indivíduo, nos seus ritmos particulares de aprendizagem e nas

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suas necessidades comunicativas específicas, provocando uma expansão dos modelos
únicos de ensino e de aprendizagem de uma língua para uma miríade de modos de agir.

Em termos de investigação e ensino da escrita, a clássica distinção, revista por


Vilas-Boas (2001), entre investigação de cariz mais tradicional – escrita como produto –
e mais actual – escrita como processo – não permite distinguir e seleccionar modelos de
escrita credíveis para fundamentar o desenvolvimento e ensino dessa competência,
porque, em muitos casos, o “rótulo” não corresponde de facto à prática efectiva. Com
efeito, como o autor também o afirma, a prática tradicional da composição escrita
(geralmente com as denominações de redacção, composição e produção ou expressão
escrita) persiste na escola.

Todavia, não será só por motivos de permanência cómoda dessa prática, mas
porque, como afirma Puren (2001), a prática actual de ensino tornou-se ecléctica, em
parte devido, como referimos atrás, às abordagens comunicativas que em vários sectores
integraram e reaproveitaram práticas já existentes para responder à centração no sujeito
de aprendizagem e às múltiplas situações de comunicação presentes no quotidiano do
sujeito.

4. A Investigação na Área do Ensino da Escrita

A Didáctica da Escrita caracteriza-se, hoje, por constituir um campo ecléctico


relativamente às teorias conceptuais e metodológicas que a configuram, isto é, podemos
afirmar que os vários modelos de escrita oriundos de correntes de investigação distintas,
referidas no capítulo anterior, coexistem nas práticas de ensino da escrita.

Por conseguinte, em concordância com Bosch Caballero (2004), não podemos


considerar que actualmente existam correntes contraditórias ou isoladas. Podemos,
ainda assim, destacar quadro perspectivas didácticas diferentes, sobressaindo uma ou
outra em determinado período por motivos diversos e que, também segundo Björk &
Blomstrand (2000), co-exitem nas práticas lectivas actuais: as correntes
expressiva,cognitiva, neoretórica e sócio-cultural ou etnográfica. Cada uma delas co
características próprias e intersecções de importância vária com as restantes.

A corrente expressiva, influenciada entre outros por Célestin Freinet e Peter


Elbown, funda-se no desenvolvimento pessoal e social através da escrita. Isto é, a

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escrita é o meio utilizado para aprendermos sobre nós próprios e sobre os outros,
destacando o desenvolvimento da auto-estima e a expressão de sentimentos e emoções.

5. Abordagem Processual do Ensino da Escrita

A adaptação didáctica do modelo de Hayes & Flower (1980) tem sofrido


desenvolvimentos ao nível da prática de ensino sem que tenha ocorrido uma alteração
de fundo relativa ao modelo original. De facto, os três processos têm-se mantido
inalterados, ainda que por vezes aumentados, interpretados, renomeados ou ainda
adaptados aos novos avanços da investigação nessa área, nomeadamente nas
investigações e adaptações relativas ao ensino da escrita em LE.

É neste contexto que encontramos referências como Deschênes (1988, 1995),


White & Arndt (1991), Hedge (1993), Tribble (1996) e Williams (1998), entre outros.
White & Arndt (1991) consideram a “Geração de Ideias” (generating ideas); a
Focalização (consideração de aspectos contextuais como o destinatário, os objectivos e
a ideia principal); a Selecção e/ou Rejeição de Ideias (na planificação do conteúdo); a
Estruturação (organização estrutural do texto); a Elaboração do Rascunho (Drafting);
Avaliação (consideração da eficácia do texto relativamente aos aspectos contextuais
considerados); e, por fim, a Revisão (do ponto de vista linguístico).

Apesar da diversidade de propostas para as diferentes fases do processo de


escrita, referidas anteriormente, consideramos que não existem diferenças significativas
entre elas. Reteremos quatro dos momentos propostos para o desenvolvimento do nosso
estudo: a Planificação (geração de ideias, redacção de um plano, etc.); a Textualização
(passagem do plano a texto); a Revisão (reconsideração pelo escrevente do texto em
produção em termos de conteúdo e de língua); e a Edição (ou Editoração), a mise en
page (tradicionalmente conhecido de forma redutora por “passar a limpo”), na qual são
consideradas marcas do contexto social como a organização do texto na folha, a
existência de referências bibliográficas, marcas discursivas próprias de determinado tipo
textual, etc.

A planificação tem por função orientar todo o processo de escrita por envolver
actividades cognitivas que serão retomadas nas outras fases do processo. Define-se
como as escolhas que resultam em planos (textual, semântico, sintáctico e lexical), que

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podem ser efectuadas antes de se iniciar a textualização ou durante essa actividade
cognitiva (Flower & Hayes, 19944; Flower, 1998).

O lugar da Facilitação Processual no Ensino da Escrita

A facilitação processual (procedural facilitation) consiste na “rotinização de um


mecanismo regulador que permite ao sujeito realizar tarefas que normalmente não
enquadra no seu comportamento habitual” (Carvalho, 1999 e 2003). Para Bereiter &
Scardamalia (1987), Este tipo de actuação, denominado de intentional learning no
âmbito da psicologia cognitiva, teve uma grande repercussão quer no âmbito da
investigação, quer nas práticas escolares.

No entanto, segundo Grabe & Kaplan (1996), as pesquisas até agora realizadas
poucas evidências têm trazido acerca da transferência de competências relativas aos
ganhos cognitivos em estratégias e técnicas advindos da aplicação do ensino intencional
(p. 130). Mesmo assim, é ainda considerada como uma boa estratégia de ensino de
determinadas competências motoras ou cognitivas. No caso da escrita, o ensino
explícito e intencional terá por objectivo ajudar os alunos a incrementarem as suas
estratégias para a operacionalização de tarefas cognitivas complexas de processamento
(Bereiter & Scardamalia, 1987: 250).

Bereiter & Scardamalia (1987: 254-256), mentores deste processo, recomendam


três passos a seguir em momentos de facilitação processual:

 definir um mecanismo de regulação que os estudantes aprendam a controlar;


 definir um conjunto de feedbacks relacionados com os mecanismos processuais
de escrita operacionalizados por um escrevente hábil, nos quais cada estudante
deve ser treinado;
 construir um conjunto de rotinas ensináveis que explicitem o processo de escrita
de forma a facilitar a sua aprendizagem pelos alunos.

Nas investigações realizadas segundo este método, são geralmente utilizadas


fichas de cores diferentes, e com propósitos diferentes, no contexto de uma determinada
tarefa de escrita (cf. Carvalho, 2003 e Wallace, 1994 para exemplos de investigação
com a utilização da facilitação processual; Grabe & Kaplan, 1996 que efectuam uma
resenha de algumas investigações realizadas).

Cornaire & Raymond (1999), baseando-se nos modelos construídos para a


leitura em LM (francês ou inglês), propõem o seguinte método de ensino que se pode

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também integrar na facilitação processual: valorizar a estratégia (explicar como e para
quê), ilustrar a estratégia (escrever frente aos alunos utilizando a estratégia e
verbalizando os passos do seu uso), guiar os aprendentes na utilização da estratégia
(para criarem autonomia no seu uso) e, finalmente, incitá-los a reutilizá-la sempre que
os alunos o acharem conveniente. De forma a realizar esta última fase, o uso dessa
estratégia tem de ser requerido após algum tempo (por várias vezes), existindo um
feedback construtivo sobre a sua utilização.

Considerações Finais

Chegados a este ponto da nossa reflexão sobre o ensino de português como


língua estrangeira e segunda língua em Moçambique, em que focalizamos, de entre
vários pontos relacionados com o ensino de português em Moçambique, a questão do
letramento nas zonas rurais de Moçambique, cabe-nos dizer que dado o contexto em que
a língua portuguesa é ensinada e aprendida nas escolas das zonas rurais, esta deve ser
considerada como língua estrangeira e ensinada como tal, já que, como vimos
anteriormente, é uma língua com a qual a criança entra em contacto por vias
instrucionais, em contexto da sala de aula.

Relativamente à questão do letramento nas escolas das zonas rurais, este deve
ser tomado a peito pelos fazedores de programas do ensino primário e incluído na
formação pedagógica dos professores do ensino básico bilíngue, como algo que está
relacionado com práticas e eventos sociais, em que as crianças, ao entrarem em contacto
com o português pela primeira vez na escola, aproveitam o seu conhecimento cultural
para uma actividade de leitura e/ou de escrita em uma situação particular, definindo os
caminhos para utilizar o texto escrito em eventos de letramento.

Este fato poderá ajudar o professor a ensinar a escrita do português, como


também a escrita da língua materna, oferendo uma solução aos alunos que aprendem a
língua portuguesa pela primeira vez em contexto escolar. Estas teorias relacionadas com
a questão do letramento deveriam ser plasmadas nas políticas linguísticas em
Moçambique, dado que, actualmente, a boa prática em educação exige que os
facilitadores expandam aquilo que os aprendizes trazem para a sala de aula, ouvindo e
não apenas transmitindo, e respondendo às articulações locais do que é “necessário”,
como forma de incentivar o aluno à aprendizagem das línguas.

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