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Abstract: This article is an immersion of the flavors and indigenous knowledge in the
ancient treatment with cassava and its resignification in the cuisine of the Portuguese
colonizers until the present day. In this context, we propose an analysis of various uses of
cassava and its derivatives as different flours, beijus and fermented beverages, whether as
food, medicine, or even as poison, in chronicles and European travelers in the first century
of effective Portuguese colonization in the American tropics recorded cassava as the dialy
food of indigenous peoples, Portuguese Brazilian setters, and African slaves, as revealed in
cultural practices and interethnic relations.
Introdução
Sabores, saberes e o “pão dos trópicos”: contatos interétnicos entre indígenas e colonizadores
Universidade Estadual Paulista (UNESP) – câmpus de Assis
Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP)
ISSN: 1808–1967
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mandioca, que aparece com maior freqüência nas descrições, principalmente das
bebidas consumidas nos rituais antropofágicos (NOELLI; BROCHADO, 1998, p.
118).
O cauim dos cultivares de mandioca – Manihot esculenta – “amarga” ou
tóxica era denominado de caracu. O cauim feito com as variedades não-tóxicas ou
“doces” era chamado de caui macaxera e aipigig, sendo apenas fervidas e,
posteriormente, mastigadas pelas mulhetes Tupi. A mandioca “amarga” tinha que
passar antes pelo processo de extração do ácido cianídrico, através da prensagem e
do cozimento a seco ou torragem, como na preparação da farinha e do beiju. Esse
tipo de mandioca podia ou pode ser misturada com milho ou com batata doce.
Entre as plantas americanas, a mandioca, batata e o milho foram os
principais alimentos descritos nas primeiras narrativas ocidentais sobre o Novo
Mundo e que em pouco tempo foi sendo adaptada a cozinha dos colonizadores e
através de um processo elástico de circulação de plantas além-mar, os novos
sabores e saberes americanos foi compondo os hábitos alimentares de homens e
mulheres em quase toda a Europa, mas também entre algumas regiões africanas
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FIGURA 1
Mandioca
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e técnicas cotidianas de lhe dar com a mandioca, na sua grande maioria sob os
cuidados femininos a partir de rituais específicos.
O primeiro registro feito pelos colonizadores portugueses está na carta de
Pero Vaz de Caminha, em 1500, e assim ele narra: “Dizem que em cada casa se
recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os achavam; e que lhes davam
de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito inhame e outras
sementes que na terra há e eles comem” (Apud. LODY, 2000).
Notoriamente o que Caminha denominou de inhame, trazido posteriormente
da África para o Brasil, era na realidade a mandioca, confundida pelo português
devido à semelhança entre as duas raízes.
O francês Jean de Léry, em 1557, no seu livro, História de uma viagem feita à
terra do Brasil, descreve diversos costumes indígenas sobre a alimentação e modo
de preparar a comida destacando a mandioca e seus derivados como exemplo:
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Assim como nos dias atuais, povos indígenas como os Ticuna, da região
amazônica, se valem do aipim até os dias atuais como alimento simbólico e
cosmológico dos seus rituais celebrativos comendo, assados, cozidos e ainda
produzindo as suas beberagens (heteógenas) a partir da mandioca.
Pero Magalhães Gandavo, em 1858, também se refere ao Aipim “da qual se
fazem uns bolos que parece pão fresco deste Reino e também esta raiz se come
assada como batata de toda a maneira se acha nela muito gosto”. Os cronistas do
século XVI consideravam aipim e mandioca como se fossem tubérculos diferentes.
No entanto, são da mesma espécie, distinguindo formas cujas raízes são isentas do
princípio tóxico as “mandiocas-doces” e outras conhecidas por “mandiocas-bravas”
que contêm o princípio tóxico em quantidades muito variáveis consoantes as 37
inúmeras variedades que se foram formado, dada a extensão que a cultura desta
planta assumiu em quase todas as regiões brasileiras, especialmente na região
amazônica.
Os produtos derivados da mandioca brava constituíam, efetivamente, uma
parte central da dieta indígena do período colonial brasileiro aos dias atuais. As
técnicas de transformação eram e são complexas, e implicam processos rituais.
Muito antes da presença dos europeus os povos indígenas do litoral ao sertão
cultivavam mais de setenta variedades dessa planta e os produtos derivados eram e
são diversos e ricos em sabores e saberes étnicos no trato alimentar (EMPERAIRE et
al, 2008). Existem diferentes tipos de farinha, mas também beiju, mingau, caxiri
(bebida alcólica), cauim (bebida heteógena) além de tapioca, maniçoba (folhas de
maniva), bolos assados em folhas e outros como trataremos de forma
pormenorizada mais a frente.
Como um curioso dos hábitos alimentares dos colonos na América
portuguesa no século XVI, destacamos o Padre Fernão Cardim que partiu para o
Brasil em 1583. Permaneceu nas terras brasílicas por cinquenta anos. Percorreu o
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• Beijú espécie de bôlo chato, com a forma mais comum de disco, e depois da
farinha o alimento mais descrito pelos primeiros cronistas. Produzido com a
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massa da mondioca-puba e que foi ralado.
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
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Como citar:
APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. Sabores, saberes e o “pão dos trópicos”: contatos
interétnicos entre indígenas e colonizadores a partir da circulação e uso da
mandioca. Patrimônio e Memória, Assis, SP, v. 15, n. 1, p. 28-46, jan./jun. 2019.
Disponível em: <pem.assis.unesp.br>.
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