Rodrigo Perles Dantas

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29 e 30 de outubro de 2019

ALIMENTAÇÃO NO BRASIL COLÔNIA, UMA AULA-OFICINA: A


INTERDISCIPLINARIDADE DE CONTEÚDOS E POSSIBILIDADES NO
ENSINO DE HISTÓRIA

Rodrigo Perles Dantas¹; Heloísa Raquel da Silva²; Anelisa Mota Gregoleti³; Gabrielle
Legnaghi de Almeida4; Nathália Moro5; Sara Fernanda Zan6
¹Acadêmico do Curso de História-Sede, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). [email protected]
²Acadêmica do curso de História-Sede da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC). E-mail: [email protected]
³Doutoranda do curso de História da Universidade Estadual de Maringá (UEM). de E-mail: [email protected]
4
Acadêmica do Curso de História-Sede, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Bolsista do Programa Residência Pedagógica –
UEM. E-mail: [email protected]
5Mestranda do curso de História da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: [email protected]
6
Acadêmica do Curso de História-Sede, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Bolsista do Programa Residência Pedagógica –
UEM. [email protected]
RESUMO
O presente trabalho está delimitado na História da colonização do Brasil, enfocando numa perspectiva pouco
vista que é a História da Alimentação entre colonizador temática da História do Brasil durante a colonização
a partir da perspectiva pouca estudada, dando enfoque nas trocas entre indígenas e portugueses, bem como
entre os escravos e os portugueses. Ademais, trabalhando com a História das Alimentação pretende-se
introduzir uma metodologia que possibilite o aluno estudar conteúdos previstos na ABNCC como conteúdo
obrigatório, todavia, com uma visão e participação mais ativa no aprendizado. Tendo em vista que, no Ensino
Básico a separação de disciplinas dá-se de forma concreta, partimos da premissa da interdisciplinaridade
relacionando conteúdos de história com biologia, geografia e sociologia.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de História; História da Alimentação; Brasil Colônia.

1 INTRODUÇÃO
Nosso objetivo, nesta comunicação, é apresentar uma aula-oficina baseada na
História da Alimentação no período do Brasil Colonial. Nossa proposta é de que esta possa
servir como espelho aos educadores ao trabalhar no primeiro ano do Ensino Médio.
Entendemos que a partir da área de estudos supracitada, ainda muito pouco
explorada no campo historiográfico, podemos levar os alunos a refletir sobre o modo de
vida indígena e africano a partir da alimentação. A busca por alimentos é uma constante na
vida do ser humano, já que é uma atividade vital para a manutenção da vida e entendemos
que a História da Alimentação pode nos revelar muito sobre a própria visão de mundo das
populações, pois se alimentar vai além de uma simples busca por sobrevivência, sendo
também momento de socialização, de práticas de rituais, dentre outras possibilidades de
análise (BRACHT; CONCEIÇÃO; SANTOS, 2013, p.358).
Partimos da ideia corrente na área da educação, de que o ensino de história em sala
de aula deve partir do presente e ter sentido para a vida prática dos alunos, sendo o tema
aqui trabalhado fundamental para a compreensão do que está havendo no mundo de hoje
(RÜSEN, 2011).
A partir do estudo da história dos indígenas que viviam (e ainda mantém
descendência) no atual território do Brasil, podemos levar os alunos a refletir sobre as
problemáticas que envolvem estas etnias no cenário nacional da atualidade a partir da
alimentação: estas populações sobreviviam e se alimentavam da terra e da caça. Com um
território cada vez mais diminuto, suplantado pela urbanização, causou um estranhamento
do nativo em relação à cultura do “não índio”¹, ficando estes em território cada vez mais
reservado e, como podemos perceber ao acompanhar o noticiário, constantemente
ameaçado por mineradores interessados em matérias primas e latifundiários querendo
aumentar seus domínios, colocando em risco a sobrevivência destes grupos.

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Dentro de todo este debate, temos também o objetivo de levar os alunos a


compreender a cultura indígena e africana na América Portuguesa, com o intuito de eliminar
preconceitos relacionados a estes grupos ainda presentes em nossa sociedade. Por isso,
o entendimento da cultura do “outro” é fundamental em qualquer aula de história
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2012, p. 36-37).
Quando nos referimos a alimentação dos nativos no período em que nos propomos
trabalhar, duas coisas devem ser levadas em conta inicialmente: a desconstrução de que
os mesmos viviam “a perambular” em busca de alimentos, sendo integralmente caçadores
e coletores, além da questão da antropofagia praticada por alguns grupos.
Frequentemente entendida pela população como tal e reproduzida nos livros
didáticos, a ideia de que a alimentação indígena era simples e “aquilo que a floresta dá”, já
foi constantemente revisada, motivo pelo qual é importante que o professor, em sala de
aula, possa desmistificar esta visão com os recentes estudos da área, sendo este mais um
de nossos objetivos.
Os indígenas tinham uma alimentação diversa e praticavam a agricultura, sendo a
mandioca a base de toda alimentação nativa, mas que era essa muito diversa, envolvendo
diversos tipos de peixes, animais terrestres, frutas e crustáceos (pelos povos do litoral) e
também técnicas complexas de fabricação e conservação dos alimentos, como o moquém
e a farinha de guerra (KATZ, 2008, p. 7-9).
Já a respeito da antropofagia, precisamos entender que ela era, primeiramente, um
ritual que envolvia até mesmo aspectos religiosos, não sendo praticado por necessidades
proteicas. As pesquisas nos indicam duas possibilidades de interpretação desta prática: a
primeira é a respeito da vingança, pois quando uma tribo inimiga capturava um prisioneiro,
este rito era considerado como vingança pela morte de seus antepassados (BASSO, 2011,
p. 12). A segunda tese, advinda da antropologia, entende estes rituais antropofágicos como
sendo fundamentais para a própria manutenção e sobrevivência dos grupos indígenas, uma
espécie de renovação rumo ao devir (CASTRO, 2002, p. 240 apud BASSO, 2011, p.14).
Entender estes aspectos, faz parte de entender o “outro”, fundamental para eliminarmos
qualquer viés de preconceito ao analisar estas populações.
Já quanto a alimentação dos escravos no mesmo período, faz-se importante
perceber que a alimentação destes e as comidas feitas por eles diferiam drasticamente,
sendo uma destinada aos senhores e a outra somente para a sobrevivência. A alimentação
reservada aos escravos também era baseada na mandioca, feita de diferentes formas,
sendo a principal e mais citada a farinha de mandioca. Segundo Cascudo (2004), os
escravos eram sustentados com este alimento, sendo por vezes o único alimento oferecido.
Outra “refeição” altamente disseminada era o cuscuz, substituindo o arroz pelo milho –
alimento apreciado pelos escravos – e acrescentando leite de coco, a receita garantia o
sustento dos negros.
Algumas adaptações culinárias foram mais significativas, o uso da pimenta
malagueta, azeite de dendê, e até a chegada da famosa banana marcaram e tornaram-se
essenciais no cardápio. A utilização destes transformou a culinária portuguesa, acostumada
a cozidos e caldos, sendo assim, utilizando-se por vezes de técnicas indígenas no preparo
de alimentos, as negras nas cozinhas adaptaram seus conhecimentos e incluíam os outros.
Os costumes e gostos portugueses deveriam ser mantidos, todavia, adaptando aos
alimentos encontrados na América Portuguesa, e dessa forma também utilizando de
costumes indígenas, e acrescentando os saberes e temperos culinários africanos. Prato
importante e marco da culinária brasileira é a feijoada, preparada pelos negros que
utilizavam as partes do porco que os senhores da casa grande não usavam, e preparavam
a feijoada, um feijão com partes de carne que tornava o prato mais saboroso e
complementava a refeição.

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Todavia, a partir do século XVIII outros alimentos foram introduzidos na mesa dos
escravos, entre estas hortaliças e vegetais, tais quais, quiabo, gengibre amarelo, inhames.
O cultivo de hortaliças, frutos e cereais pelos escravos também modificou a alimentação
imposta até então. Para os africanos a alimentação e comida tinha forte conexão com o
sagrado, sendo parte da identidade cultural desse povo. Outros pratos típicos brasileiros e
muito conhecidos como Acarajé, Vatapá e Caruru trazem essa herança cultural africana,
relacionada com a religião, e mostram a presença de mistura de ingredientes locais e
africanos.
Cascudo (2004) destaca que a inclusão do milho nas comidas dos Orixás - Oxossi,
Iemanjá, Omulú - e outros artigos alimentícios como pipoca, feijão, farinha de mandioca
foram conquistas brasileiras e heranças do período colonial, pois não fidelidades sudanesas
utilizadas anteriormente. As novidades do Novo Mundo e os artigos nativos daqui foram
incorporados nos rituais religiosos e nas práticas culturais dos africanos que foram trazidos
para a América Portuguesa.
É necessário salientar que, o uso do sal e o açúcar foi adquirido pelos africanos que
não estavam acostumados a utilizá-los, o uso desmedido deste era feito pelos portugueses.
O uso do açúcar no Brasil estava relacionado com as escravas, pois a estas foram delegado
o trabalho e preparação de doces e receitas portuguesas. As famosas conservas, tão
presentes na alimentação dos colonos, foram adaptadas com as frutas e técnicas de
preparação das escravas. Os principais doces da época eram marmelada, doce de caju e
a goiabada.

2 MATERIAIS E MÉTODOS
O planejamento da oficina deve ser feito com antecedência, detalhando o processo
e os recursos necessários para desenvolvimento deste. Assim, decidimos estabelecer o
mínimo de 4 aulas para aplicação e desenvolvimento do conteúdo, a princípio com as
problematizações, introdução da temática escolhida, e explicação da metodologia a ser
utilizada. A preparação e resolução abrange o aprofundamento do conhecimento sobre o
conteúdo proposto, com busca de bibliografias tradicionais e novas, além da organização
das aulas por etapas, elaborando o plano de aula a ser seguido.
Acerca dos materiais a serem utilizados, estes devem estar previamente separados
para que não ocorram imprevistos. Entre os materiais propostos para uso estão recortes de
fontes históricas do século XVI, mais especificamente relatos de viajantes que deixaram
registros sobre os costumes e hábitos – entre esses hábitos alimentares – dos povos
indígenas, e dos africanos. Além disso, na aula inaugural também seriam expostas
reportagens sobre a temática indígena para iniciar a problematização, a exemplo das
demarcações de terras indígenas e a recente notícia da morte do Cacique Emyra Waiãpi,
das Aldeias Wauãpi-Apinqa no Amapá, e a invasão de garimpeiros as terras destes grupos.
Como anteriormente citado, os recortes jornalísticos serão utilizados nas problematizações
servindo como ponte entre o presente e o passado, aproximando o aluno do objeto
estudado o tornando-o mais palpável.
Além disso, para participação dos alunos, se faz necessário a utilização de alguns
alimentos usados para exemplificar a alimentação existente no período colonial dentre eles
a mandioca, guaraná, açúcar (cana), milho, azeite de dendê e pimenta malagueta. Dessa
forma, será do encargo dos estudantes a separação em grupos e escolha de um alimento
específico, dando aos alunos a tarefa de trazer o alimento e apresentar uma breve
explicação da história e relevância deste no recorte temporal estudado.
Assim, aplicando essa modelo de prática pedagógica segundo o conceito de aula-
oficina desenvolvido por Barca, que visa incentivar a participação dos estudantes no
processo de explicação e exposição de conteúdo. A noção de que o estudante é também
detentor do conhecimento e um agente participante do ensino, busca resgatar saberes que

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esses indivíduos adquiriram a partir da vivência e possibilitar o desenvolvimento e utilização


desses conhecimentos no ambiente estudantil.
Segundo Barca (2004), a partir deste modelo o aluno é efetivamente um dos agentes
do conhecimento, e com isso as atividades diversificadas nas aulas e desafiadoras são
realizadas por eles mesmos, resultando num produto integrado diretamente na avaliação
Assim, a aula inaugural seria para introdução do tema, problematização e
apresentação e leitura dos materiais (notícias/reportagens impressas) para posteriormente
iniciar a discussão com os estudantes. No momento final exporíamos a atividade dos
alimentos, e os alunos separaram os grupos e sortearemos os alimentos que cada grupo
traria na aula seguinte.
Na segunda aula a apresentação do conteúdo se daria de forma efetiva pelos
professores, contextualizando e desmistificando ideias e “senso comum” sobre a América
Portuguesa. Aprofundando o conhecimento sobre as trocas culturais existentes no primeiro
contato dos nativos com os colonizadores, e adaptação dos portugueses no “Novo Mundo”.
Ressaltando a importância da relação entre os povos, visto que, a partir da compreensão
do modo de vida e assimilação das técnicas e alimentação dos índios foi possível que os
portugueses se estabeleceram definitivamente na América Portuguesa.
Não obstante, ainda serão tratadas o aperfeiçoamento da alimentação que advinda
da culinária africana foi conciliada com os novos alimentos da Colônia e também de gostos
específicos dos colonizadores. A partir desses tópicos se faz a relevância do processo
alimentar na América Portuguesa que caracteriza o desenvolvimento da cultura e base da
alimentação que até os dias de hoje ainda se mostram presentes. Logo, possibilitando a
noção de que a colonização não instaurou apenas modos portugueses no Brasil, mas que
a constituição e diversidade e herança cultural existente no país provém dessa diversidade
de povos.
Nas aulas seguintes, para concluir e cumprir os propósitos do planejamento, os
grupos serão os protagonistas apresentando os respectivos alimentos e história destes para
construção da alimentação no período colonial. Objetivamos com esta proposta dinamizar
o ensino, partindo de uma nova perspectiva, a história da alimentação, e trazendo-a para
sala de aula. Mostrando os diferentes meios de planejar uma aula e aplicando uma
metodologia menos tradicional de ensino.
Englobando as diferentes propostas dos autores citados, o que temos é a
necessidade do aprendizado ser organizado para englobar diferentes formas e práticas
articuladas de forma dinâmica, e considerando outros fatores, a exemplo da consciência
histórica e componentes políticos da cultura. (RÜSEN, 2011)

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Com base nas modernas teorias a respeito do ensino de história acima
apresentados, nossa intenção será, também, a de trabalhar com fontes em sala de aula,
elemento considerado fundamental e indispensável pelo professor para que possa levar o
aluno a “pensar historicamente” (RÜSEN, 2011, p. 42).
A respeito da alimentação indígena na América Portuguesa, a fonte a ser utilizada é
o relato de um viajante alemão chamado Hans Staden. Este autor realizou uma viajem ao
Brasil Colonial por volta de 1547 e, encontrando-se próximo ao atual estado de Santa
Catarina no ano de 1550, foi feito prisioneiro pelos nativos da etnia Tupinambá após o navio
em que se encontrava ter sofrido um naufrágio (STADEN, 1999, p.55).
No livro A verdadeira história dos selvagens, nus e ferozes devoradores de homens
(1999), fica claro já pelo título, que aquilo que mais chamou a atenção do autor foi a questão
da antropofagia indígena, praticada contra seus inimigos de tribos rivais. O próprio autor
narra que durante todo o período em que ficou nas mãos dos nativos seu maior medo era
o de ter este fim (STADEN, 1999, p.125).

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De acordo com o que foi narrado em seus escritos, de fato Hans Staden esteve
próximo disto, mas apresentando, ao mesmo tempo, habilidade e, nas palavras de Carmem
Sílvia Moraes Rial, “malandragens”, acabou conseguindo escapar da situação e voltar para
a Europa (RIAL, 2005, p. 89).
A grande contribuição deste viajante ao voltar para sua terra natal, foi o de deixar um
relato interessante sobre a América Portuguesa. O autor descreve rituais, costumes e
alimentação dos indígenas, além do cotidiano dos Tupinambás. Sem contar análises
importantes que realiza sobre a fauna e flora local, sendo uma fonte de grande importância
para o entendimento da História Natural do Brasil.
Dentre todas estas contribuições, sua produção conta também com grande número
de xilogravuras que podem ter papel determinante na educação básica a qual nos
propomos a analisar. Desde que bem fundamentado com uma metodologia histórica da
análise de imagens na sala de aula, os registros imagéticos deixados por Hans Staden
tornam-se uma fonte preciosa para o estudo e interpretação do período colonial, além de
ser um artifício didático importante para o trabalho com o Ensino Médio.
Como toda fonte histórica deve passar por profundas análises críticas, o mesmo se
aplica em sala de aula para o documento que propomos aqui explorar. É importante
destacar para os alunos termos que Staden utiliza, como por exemplo a palavra “selvagem”
para identificar os indígenas (STADEN, 1999, p. 26).
O uso desta forma para se referenciar aos nativos parte de um estranhamento do
período por parte do Europeu em relação aos povos originais da região, não cabendo mais
reproduzir na contemporaneidade e cremos que isto é algo que deve ficar claro para os
alunos, levando os mesmos a refletirem sobre a importância da desconstrução de
preconceitos e os motivos que levava os europeus a pensarem desta maneira.
Outro assunto fundamental no livro, como descrito acima, é o canibalismo, algo que
precisamos fazer com que os alunos compreendam como fruto de uma cultura em
determinado momento histórico, ajudando na compreensão do “outro”.
Já nas fontes de época aparece a ideia de que os nativos americanos não praticavam
a antropofagia por necessidade de alimentos e sim por uma questão puramente ritual,
movida por vingança. Além da vingança, precisamos entender a tese da antropologia de
Eduardo Viveiros de Castro (2002, p. 240 apud BASSO, 2011, p. 14) que argumenta o fato
de o canibalismo fazer parte da própria visão de mundo cíclica dos indígenas, na qual era
uma honra morrer nas mãos dos inimigos, pois sabia que sua morte seria vingada,
possibilitando a ascensão de novas gerações. O autor desta tese argumenta que, para que
um jovem de alguma tribo tivesse o direito de tomar esposa e ter filhos dependia de um
ritual em que o mesmo deveria matar um dos prisioneiros e tomar seu nome. Portanto, os
ritos antropofágicos seriam “necessários” pela própria manutenção e reprodução do grupo.
Nossa ideia com esta aula, é demonstrar que a alimentação, mais do que um simples
ato de sobrevivência, pode nos revelar a visão de mundo de um grupo humano específico,
tanto no caso dos indígenas como no caso dos africanos escravizados, que será melhor
exposto adiante, sendo o que queremos dos alunos é a busca pela compreensão do
diferente em um período anterior (o que não significa defesa de algumas de suas práticas),
além de se aproximarem da cultura dos povos originais desta terra, tema fundamental nos
dias de hoje, já que vários grupos estão sofrendo paulatinamente com a diminuição de suas
terras e possibilidades de sobrevivência.
Ao propormos a utilização do campo da História da Alimentação como método para
abarcar um conteúdo obrigatório do ensino básico, valorizamos a dimensão educativa da
interdisciplinaridade, incentivando os alunos a desenvolver um diferente processo
formativo. Utilizando de um aspecto geográfico, biológico e cultural é construída uma visão
mais ampla que conecta os acontecimentos históricos com causas outras que não
explicadas no molde padrão; hábitos alimentares, relação causal entre questões geográfica

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e climática, as técnicas de cultivo decorrentes desses aspectos, e a relevância da


alimentação para estabelecimento do colonizador e seus empreendimentos na América
Portuguesa.
Todavia, a alimentação na Colônia não se deu unicamente da relação de adaptação
entre português e nativo, mas também contou em grande parte com a presença do escravo
africano e sua influência. A culinária africana em contato com a cozinha colonial
acrescentou sabores distintos dos familiares e temperos, atuando além da introdução de
condimentos e frutos variados, mas transformando os alimentos e receitas dos portugueses
e indígenas (PANEGASSI, 2008).
As fontes utilizadas para relatos são escassas, principalmente pelo fato de que as
fontes do período são emanadas do poder, o que torna mais difícil qualquer tipo de análise,
todavia não impossível. Assim, a partir de pequenos registros encontrados no livro de Luís
Câmara Cascudo, serão trabalhadas a dieta e cotidiano alimentar dos escravos na América
Portuguesa.
A precariedade da alimentação dos negros dá-se pela alimentação insuficiente em
quantidade e qualidade, e esse fator esclarece a baixa vitalidade e expectativa de vida que
muitos escravos tinham vivendo sob condições desumanas. A alimentação dos escravos
difere no decorrer dos séculos e regiões habitadas, todavia, até o XVIII a base continuava
a mesma, farinha de mandioca ou milho, e complementos opcionais, se o tivessem.
Registros mostram que, apesar de ambos alimentos serem amplamente presentes
no Novo Mundo, o milho constituiu o principal alimento da população, principalmente
população negra. Sem sofrer grandes alterações no decorrer dos séculos o milho era a
escolha barata. Ademais, segundo Câmara Cascudo o milho americano e o encontrado na
África não divergiam muito no paladar, sendo de fácil adequação para alimentação dos
escravos. Elemento de subsistência o milho era utilizado em variações para suprir a
necessidade básica diária da população negra.
Citado em fontes posteriores, na região de Minas vê-se também que os escravos
praticavam a caça para complementar a alimentação, buscando em sua maioria aves para
tal. Segundo Scarano (1990/1991, p. 78): “As autoridades afirmam que os pretos "...têm os
alimentos que dá o mato." As peculiaridades da região e da economia local eram de molde
a trazer inúmeras circunstâncias favoráveis a uma relativa liberdade de ação”.
A semelhança entre as espécies do Novo Mundo para os africanos auxiliou na
incorporação de novos elementos a velhas receitas. As papas eram comuns na alimentação
dos negros, feita de féculas, e o acompanhamento de toda refeição, a pimenta. A presença
da carne era mais comum quando de caça, a criação de gado era evitada, e não sendo
familiarizados com ensopados ou guisados, fazia-se este elemento assado. A preparação
da carne era feita com gorduras, óleos e ou tipos de vinho, assemelhando-se a preparação
do porco. (LOPES, 2009; p.18)
Ao parecer dos doces, as índias não dominavam a arte da culinária com açúcar,
agregando para desvalorização da cunhã - cozinheira indígena nas lides domésticas
coloniais - e a chegada das mucamas, as escravas negras que encheram as cozinhas
coloniais. (LOPES, 2009; p.17) E somente a partir da introdução dos escravos na América
Portuguesa o desenvolvimento da arte do doce ocorreu, pois, o preparo destes requer
tempo. Apesar das poucas receitas desenvolvidas no período, algumas delas foram feitas
com coco, farinha de milho e amido de milho. Os doces portugueses levavam ingredientes
pouco escolhidos na América Portuguesa, entre eles ovos, leite de vaca, manteiga e farinha
de trigo. A troca destes elementos foi feita por goma de mandioca, ovos, e leite de coco.
De acordo com Carneiro (2005), o costume alimentar pode revelar a eficiência
produtiva e reprodutiva, conservação, gêneros de primeira necessidade ou de luxo de uma
sociedade, bem como a natureza das representações políticas e religiosas. Logo, por essa

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perspectiva também se deu a escolha de tratar por meio da história da alimentação um


conteúdo escolar.
Visto o exposto, quanto a utilização de fontes históricas em sala de aula como
recurso didático não deve ser pensada na premissa de documento como prova. O ensino
de história com o uso dos documentos auxilia suspendendo esse viés de prova e servindo
para mostrar a complexidade da construção do conhecimento histórico. (PEREIRA;
SEFFNER. 2008) O uso de fontes possibilita a aproximação dos estudantes com as
especificações da constituição do processo histórico, e dá ao aluno a chance de se tornar
um “micro historiador” partindo do que lhe é entregue e progredindo por meio da pesquisa.

4 CONCLUSÃO
O estudo da história das ciências com foco na história da alimentação torna-se
fundamental por alargar o conhecimento histórico, indo além do tradicional. Este foi o
principal motivo para a escolha desta temática para trabalhar na educação básica, já que
raramente é apresentado nos materiais didáticos e muitos aspectos interessantes podem
ser abordados a partir dela.
A busca histórica do ser humano por alimentação não se baseia apenas na
necessidade de sobrevivência. Envolve também questões de prazer alimentar,
possibilidades ritualísticas e até mesmo de “classe”1. Sendo assim, a partir da cultura
alimentar de um grupo podemos entender aspectos mais profundos de sua visão de mundo.
Isto é que buscamos ao transmitir o conteúdo do período colonial da América Portuguesa
(BRACHT; CONCEIÇÃO; SANTOS, 2013, p. 358-359).
Por envolver questões de prazer alimentar, ao sair de sua terra natal, o ser humano
tende a querer reproduzir em terra estrangeira hábitos alimentares anteriores. Foi o que
ocorreu tanto com os portugueses quanto com os escravos no período colonial.
Os colonizadores buscaram trazer plantas da Europa para os trópicos a fim de
aclimatá-las na colônia e em vários registros escritos da época, suas observações sobre o
mundo natural e a respeito dos alimentos encontrados na região, podemos perceber
sempre a busca dos europeus por comparar frutas e animais aqui existentes com aquilo
que eles já conheciam em sua terra original (RIAL, 2005, p. 87-88).
Os escravos (e isto se refletia mais nas escravas domésticas, que cozinhavam),
trouxeram da África tanto alimentos e condimentos até então desconhecido de indígenas e
europeus quanto técnicas novas de preparar os alimentos sendo que, por vezes,
misturavam alimentos naturais da terra ou provenientes da Europa com técnicas de
cozimento africanas (MASCARIN, 2015, p. 64).
Já os indígenas, embora possuíam técnicas de produção dos alimentos e uma
cultura alimentar própria quando se inicia a colonização, por conta do intenso contato com
os colonizadores e escravos, a troca se tornou inevitável, influenciando-se mutuamente. Ou
seja, a alimentação brasileira é, até os dias de hoje, caracterizada por esta mistura de
alimentos e técnicas de processamento de três culturas diferentes2 (KATZ, 2008, p. 1).
Nossa ideia com esta proposta de aula é fazer com que os alunos compreendam a
importância do estudo de história para entender o presente brasileiro, inclusive o que se
apresenta cotidianamente em suas mesas.
Além disso, temos o propósito de buscar a desconstrução de diversos preconceitos
existentes entre o senso comum e que são reproduzidos em vários meios sociais a respeito

1
Um exemplo disso na América Portuguesa era o pão, produzido com trigo da Europa. O pão branco era
destinado aos que tinham mais recursos enquanto os mais escuros, considerados de qualidade inferior, mas
mais baratos, era destinado aos de recursos mais escassos.
2
Não podemos nos esquecer que embora falamos de forma generalista, os povos destas “três culturas”
(europeia, africana e indígena), são diferentes entre si, apresentando várias subdivisões em etnias e culturas.

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dos nativos brasileiros e africanos. Em um momento de ataques constantes em terras


indígenas por madeireiros, mineradores e latifundiários, além dos ataques à comunidade
negra no Brasil, cremos que este tema é fundamental de ser trabalhado na sala de aula.
Portanto, nossa proposta é a busca pela compreensão da cultura do “outro” a partir
da história da alimentação e, por ser um aula-oficina, a busca é para que o aluno tenha total
protagonismo na produção do conhecimento, partindo a aula de seus conhecimentos
prévios para saber como trabalhar melhor o conteúdo, visando o entendimento deste
período da História do Brasil.

Referências
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servem o ensino e a escrita da História?. In: GONÇALVES, Márcia de Almeida et al
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PANEGASSI, Rubens Leonardo. Alimentação no Brasil Colonial: a economia,
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XI EPCC
Anais Eletrônico

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