Cauim

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Cauim

AS CAUINAGENS

Nos primeiros anos do século XVI, tribos indígenas do Novo Mundo, especialmente os Tupinambás,
apreciavam o cauim, um tipo de bebida fermentada à base de mandioca, milho e frutas, elaborada pelos
próprios nativos.

"Numa fogueira ao lado da maloca, um grupo de nativos, postados ao redor das chamas, estavam à
espera das mulheres indígenas que traziam, em grande quantidade, a bebida branca e espumante,
servindo assim, os guerreiros ávidos de comemoração." As cauinagens estavam presentes como um dos
mais tradicionais festejos dos Tupinambás - era uma espécie de "combustível" para comemorações sobre
vitórias frente ao "inimigo do outro lado da montanha". Estes inimigos, quando derrotados, eram
capturados e tidos como principal ingrediente da antropofagia indígena.

Costumeiramente, o processo de colonização européia no Brasil apresentou confrontos culturais e lutas,


por parte dos recém chegados, contra várias manifestações dos nativos. As cauinagens também faziam
parte das "manias" que, segundo os colonizadores, precisava ser eliminada.

A forma com que os Tupinambás consumiam bebidas era muito diferente dos europeus, que encaravam
as cauinagens como um processo de embriagues voluntário e, sobretudo, pecaminoso. Vendo os nativos
cambaleando, alegres e proferindo discursos "iluminados" - os europeus não tiveram dúvidas em afirmar
que os índios estavam possuídos por uma força demoníaca, que alias, provinha dos jarros que abrigavam
a "maldita" bebida. Isto era um desafio inesperado para quem pretendia colonizar corpo e mente dos
Tupinambás.

O fato é que os índios possuíam pleno entendimento com respeito ao que seria uma bebida de qualidade.
Basta lembrarmos da oferta de vinho proferida pela esquadra de Pedro Álvares Cabral aos nativos que,
sem pensar, recusaram de imediato, como relatou o escrivão Pero Vaz de Caminha, "trouxeram-lhes
vinho numa taça, mal lhe puseram a boca, não gostaram nada, nem quiseram mais". Não é de se
entranhar a determinação dos índios em recusar a bebida. Muito provavelmente, a qualidade e o sabor do
vinho, a esta altura, já tenham sido sensivelmente alterados pela longa viagem dos portugueses.

O cauim era mais suave em comparação com as iguarias etílicas dos portugueses. Muitos viajantes
estrangeiros aportados no Brasil, e também descendentes nascidos em terras tupiniquins, não
enxergavam problemas com respeito ao sabor do cauim, muito pelo contrário, demonstravam satisfação
ao experimentar a bebida. O padre francês Yves d´Evreux, estado no Maranhão entre 1613/1614 disse
ser muito saborosa à cerveja nativa devido seu continuo calor, comparada ao vinho e aguardente.

Ainda sim, não podemos nos ater aos elogios mencionados. Os europeus ficaram estarrecidos ao
conhecer o processo de elaboração do cauim - a massa, de milho ou mandioca - era mastigada pelas
mulheres e depois, cuspida nos jarros para posterior fermentação. Um dos opositores das cauinagens,
José de Anchieta, deixou claro sua aversão à iguaria nativa, descrevendo assim em 1584, sua fabricação,
"este vinho fazem as mulheres, e depois de cozidos as raízes ou o milho, os mastigam porque com isso
dizem que lhe dão mais gosto e o fazem ferver mais".

Mesmo diante deste cenário, há depoimentos favoráveis, e um tanto quanto irônicos comparando o
processo de fabricação do cauim ao do vinho - visto que os vinhateiros se utilizavam dos pés, muitas
vezes calcados de botas, para "esmagar" as uvas. Sabe-se lá o que se passou por estes pés durante o
referido processo...

O impacto negativo causado pelo processo de elaboração do cauim foi pequeno em comparação às
conseqüências de seu consumo por parte dos Tupinambás.

A embriagues resultante das cauinagens incomodava demais os colonizadores europeus, vindos, em sua
maioria, do mundo católico. A falta de controle causada pela bebida aos nativos causava pânico. Segundo
os europeus, este tipo de comportamento era um incentivo a pecados graves como a luxuria e a
antropofagia.
Os colonizadores perceberam (há algum tempo) que os índios, quando bebiam não comiam e vice -
versa, diferentemente do costume europeu que, sempre bebiam durante as refeições.

Perceberam também - o comportamento sexual presentes nestes festejos - visto que as mulheres
participavam das cauinagens. Por outro lado, muitos missionários ficaram mais impressionados com a
embriagues do que com a antropofagia ali praticada.

Era extremamente comemorada a morte do inimigo e, a degustação de seu corpo. Tudo bem regado a
cauim. O jesuíta Fernão Cardim logo percebeu a associação contida entre as cauinagens e os rituais
antropofágicos. Não demorou muito para os jesuítas entenderem esta expressão cultural dos nativos
como algo que precisava ser combatido. Rituais como o casamento poligâmico, antropofagia e as
cauinagens eram ameaças para os colonizadores. Os festejos regados a cauim eram tidos como uma
excessiva expressão cultural dos nativos e, sobretudo, incontrolável.

Horrorizados com tal situação, os padres traçaram uma estratégia para extirpar o grave pecado da
embriagues voluntária causada pelo cauim e, como conseqüência, os rituais de antropofagia.

Para se obter sucesso, os padres contavam com uma ajuda fundamental: as mulheres. Sim, pois eram as
mulheres quem plantavam as raízes (milho ou mandioca), eram as mulheres que forneciam saliva para
fermentar a massa, eram as mulheres que colhiam as frutas, eram as mulheres que fabricavam as cuias,
jarros e talhas que abrigava a bebida. Eram elas também, que serviam os bebedores.

As nativas cristianizadas contribuíram eficazmente para o fim desta manifestação cultural dos
Tupinambás. Elas destruíam as talhas e outras "ferramentas" utilizadas na elaboração da bebida.
Algumas também proferiam discursos contra a bebedeira, etc.

Outra medida adotada foi a de estimular os meninos nativos, desde cedo, a não praticar as cauinagens.
Mas como se tratava de um pecado difícil de vencer, nem sempre resultava em sucesso. Por fim, depois
de muitos esforços, conseguiram eliminar as cauinagens dos Tupinambás.

Artigos de apoio
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História do cauim

O cauim é uma bebida alcoólica típica dos Tupinambá, que viviam ao longo da costa central do
Brasil, mas que era igualmente consumida por outras tribos do Brasil. Quando a armada de
Álvares Cabral chegou a Terras de Santa Maria, o seu escrivão, Pero Vaz de Caminha,
descreveu como os índios Tupinambás se recusaram beber mais do vinho que lhes fora
oferecido, já que estavam habituados ao gosto do cauim, mais suave e semelhante ao leite
azedo.
Na base da preparação do cauim, entram as raízes da mandioca ou do milho, segundo a época
do ano, e frutas silvestres diversas. O processo de preparação despertou desde cedo a
curiosidade e foi cuidadosamente descrito no século XVI, tanto por portugueses, como Fernão
Cardim, como por franceses como Jean de Léry. Começavam por cozinhar as raízes da
mandioca que depois ferviam até ficarem tenras deixando-as arrefecer em seguida. Mulheres e
raparigas virgens, de preferência, as mais bonitas, reuniam-se em redor do recipiente de barro e,
à vez, mastigavam a mandioca e cuspiam-na de novo para o recipiente. As enzimas contidas na
saliva atuavam sobre as fibras e transformavam-nas em açúcares fermentados. A tentativa por
parte dos Europeus de fabricar o cauim, omitindo esta fase da preparação, que lhes causava
grande aversão, revelou-se um fracasso. Depois a papa ia de novo ao lume e era mexida com
uma colher de pau. Por fim, ficava a fermentar em grandes recipientes de barro até à altura de
ser consumido. O mesmo processo era utilizado para fazer a bebida com milho. O cauim podia
ser fabricado em qualquer altura do ano, já que os ingredientes de base estavam sempre
disponíveis.

As cuinagens eram as reuniões durante as quais os Tupinambás bebiam o cauim. Por vezes,
também consumiam a carne dos inimigos capturados e engordados para a ocasião. Mas o
consumo da bebida podia ser também feito por uma ou duas pessoas, embora o mais comum
fosse em grupo, com dezenas ou centenas de pessoas de várias aldeias. Na ocasião, o cauim era
consumido quente e, para isso, as mulheres colocavam o recipiente de barro em fogo lento numa
fogueira no centro da aldeia. Enquanto mexiam a bebida opaca e espessa com uma colher de
pau, iam-na servindo aos homens que dançavam em círculo. Estes bebiam de uma só vez das
suas taças, ao contrário das mulheres que bebiam pausadamente, aos golos.
Os missionários jesuítas, para combater o que consideravam costumes infames e incontroláveis,
pois as cauinagens conduziam à embriaguez e à sexualidade desenfreada, optaram por converter
as mulheres, já que elas representavam um elemento primordial na preparação do cauim. A elas
cabiam todas as tarefas ligadas à preparação do cauim, desde a plantação das raízes da
mandioca ou do milho, à colheita dos frutos e fermentação da papa até ao fabrico dos
recipientes, as cuías onde se servia a bebida. Eram ainda as mulheres que serviam a bebida nas
cauinagens. Curiosamente, os atos de antropofagia praticados pelos Tupinambás
impressionaram menos os missionários do que os dois primeiros aspetos, a embriaguez e a
licenciosidade.

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