Senac - Os Sabores Da América
Senac - Os Sabores Da América
Senac - Os Sabores Da América
7 | Nota do editor
21 | Os aruaques e os caribes
25 | Cuba
61 | Jamaica
89 | Martinica
123 | México
167 | Glossário
179 | Agradecimentos
NOTA DO EDITOR
10
Os sabores da América
A COZINHA ECLÉTICA DO NOVO MUNDO
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Os sabores da América
Beneficiados pela bula assinada pelo papa Alexandre VI, espanhóis e
portugueses dividiram as novas terras. Descontentes, Inglaterra, França e
Holanda iniciaram uma disputa ferrenha pela posse e pela expansão de seus
impérios nas Antilhas. A França compra Martinica e Guadalupe, e a
Inglaterra, a Jamaica. À Espanha restaram, entre outras, Cuba e Porto Rico.
O Atlântico transformou-se, então, em um mar de caravelas car-
regando e descarregando mercadorias; rota principal do comércio colonial
triangular e da pirataria nos mares do Caribe e do Atlântico. Nesses cinco
séculos, a América Latina cultivou a cultura da diversidade, na qual se
conjugaram resquícios da cultura indígena, a superposição de etnias de
diferentes culturas, fatores que se encarregaram de formar os hábitos
alimentares dos povos da América.
O comércio colonial triangular, unindo os vários continentes, foi
decisivo para o conhecimento, a troca e a incorporação de novos ingredientes,
e deu origem a uma profícua revolução gastronômica entre os colonizadores
e as colônias. Mercadorias chegavam à América vindas da Europa, da África
e da Ásia e, na contramão, embarcavam o índigo, o tabaco, o milho, o cacau,
a baunilha e o açúcar.
A produção colonial de sistema escravagista e a circulação de mer-
cadorias, operacionalizada pelo incremento das atividades comerciais,
determinaram o afluxo de capital para as metrópoles. Os grandes mercadores
e banqueiros flamengos, italianos e alemães aliaram-se aos espanhóis e aos
portugueses e, interessados na produção e no promissor comércio de matérias-
primas do Novo Mundo, financiaram os engenhos de açúcar em meados do
século XVI. A Espanha perdeu para a Inglaterra, a Holanda e a França o
monopólio do comércio do cacau mexicano, cuja produção se estendeu para
as ilhas do Caribe.
Plantas e animais, cujos sabores eram considerados exóticos, paula-
tinamente adentraram na culinária européia. Os novos produtos foram
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A cozinha eclética do Novo Mundo
decisivos durante as crises econômicas e de abastecimento, que de tempos
em tempos afligiam o Velho Continente europeu. Os camponeses aderiram
ao milho por necessidade, faziam uma polenta dura, que cortavam com
barbante, em substituição ao pão de trigo. O tomate foi utilizado pela primeira
vez em Nápoles na preparação de molhos.
Foi apenas no século XVIII que se iniciou a lenta assimilação desses
ingredientes. Pouco a pouco, o milho, o feijão, o tomate, a pimenta, o pimentão
e a baunilha, de origem mexicana, propagaram-se pelo Velho Continente.
Somente o chocolate caiu no gosto da realeza e tomou conta das cortes
européias. Levado por Hernán Cortés para a Espanha, foi rejeitado devido
ao seu sabor amargo. Anos depois, foi adoçado com açúcar e perfumado
com baunilha, mas a fórmula de seu preparo permaneceu um segredo da
corte de Carlos V, da Espanha. Tempos depois conquistou a Europa. As
receitas se sofisticaram; na Itália perfumavam com essência de jasmim, em
outros países substituíram a água pelo leite. Ao longo do século XIX, depois
de numerosas invenções, a industrialização permitiu a democratização do
chocolate.
A cozinha regional baseada nos produtos autóctones é própria de Cuba,
Jamaica, Martinica e México. O milho é o principal alimento de toda a
América Latina. Foram encontrados no México antigos vestígios de milho
selvagem que remontam a mais de 6 mil anos. Muitas lendas maias relatam
que os deuses, depois de criar o homem de barro e de pedra, não tiveram
sucesso, então, fizeram-no de milho, e este saiu perfeito. Forte, bonito e
eficiente, este “homem de maís” povoou o mundo. E o milho, a “comida
dos deuses” como chamavam os maias, abasteceu as civilizações indígenas.
O clima tropical e a riqueza da fauna e da flora foram determinantes
para a gastronomia local. Os ensopados e as sopas espessas – herança
espanhola – fazem parte das predileções dos latino-americanos, combinados
com os produtos da terra: milho, mandioca, batata-doce e abóbora.
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Os sabores da América
O arroz e o feijão compõem a base da alimentação e consistem nos
melhores acompanhamentos para carnes e peixes, além da banana frita, assada
ou cozida.
A incorporação da banana, do coco, da manga, do tamarindo e do
curry, que vieram da Ásia, está obrigatoriamente presentes na variedade de
pratos à base de carne e frutos do mar.
Os refrescos, as raspadinhas, a água-de-coco, as comidas de rua,
consideradas “comidas baratas”, vendidos nos tabuleiros ou carrinhos à beira
da calçada, são carimbos populares da América Latina, personalizados pelos
seus vendedores.
As mulheres foram as responsáveis pela transmissão dos conhe-
cimentos acumulados da culinária desses povos. Foi graças à criatividade
dessas boas mãos que ingredientes foram substituídos e receitas, diversi-
ficadas diante da falta dos produtos utilizados nas receitas originais trazidas
pelos europeus.
O sotaque francês na culinária da Martinica, a influência inglesa na
da Jamaica, a afro-hispânica na de Cuba e a perpetuação da cultura indígena
no México conferiram originalidade às respectivas cozinhas.
Posteriormente agregaram-se outros sabores introduzidos por dife-
rentes grupos migratórios que substituiriam a mão-de-obra escrava nas
monoculturas da cana-de-açúcar, do cacau e do café. Trabalhadores assala-
riados provenientes da Índia e da China e imigrações espontâneas advindas
da Europa, das Ilhas Canárias e do próprio Caribe foram marcantes para
essa miscelânea tropical!
O aporte sucessivo de ingredientes e a transmissão oral de geração
para geração, aliados aos fatos históricos, criaram a culinária crioula, com
diferentes nuanças em cada país latino-americano.
A sociologia cultural permite analisar a vida cotidiana e os hábitos
alimentares de cada povo. O objetivo deste trabalho é mostrar as mudanças
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A cozinha eclética do Novo Mundo
e as permanências alimentares que ocorreram por influência das culturas
indígenas, dos escravos africanos e das diferentes imigrações européias e
asiáticas, dando origem à cultura das Américas.
Segundo Claude Fischler, “as sociedades tendem à perenização das
práticas alimentares”,1 principalmente em países cujos produtos da terra são
determinantes. A cultura alimentar é resistente às mudanças, sobretudo nas
zonas rurais. Os camponeses utilizam os produtos autóctones e preparam
seus alimentos artesanalmente, em oposição ao que acontece nos grandes
centros urbanos, onde os alimentos são majoritariamente industrializados.
Esses aspectos da vida diária são manifestações sociais de cada povo, pois o
tipo de alimento consumido e sua forma de preparo refletem as diferenças
de consumo de país para país e entre as classes sociais.
A cozinha crioula vem confirmar a teoria de Fischler e, apesar do
amálgama de várias tradições culturais, mantém sua originalidade e seus
códigos sociais, expressão de uma culinária artesanal rica e variada.
O patrimônio culinário da América Latina é reconhecido por ele-
mentos homogêneos, baseados nos mesmos ingredientes, na mesma maneira
de preparo dos alimentos e muitas vezes na repetição de receitas. Esse fator
de coesão encontra-se em vários pratos, como na preparação do calalú, dos
tamales, dos frutos do mar, dos guisados ou cozidos e dos molhos muito
picantes.
1
Claude Fischler, L’Homnivore: le goût, la cuisine et les corps (Paris: Éditions Odile Jacob, 2001), p. 154.
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Os sabores da América
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A cozinha eclética do Novo Mundo
OS ARUAQUES E OS CARIBES
Ilhas, ilhas, ilhas... Das grandes, das mínimas, das ariscas e das brandas
[...]. Mais de cinco mil ilhas rodeiam, segundo as crônicas dos venezianos,
o grande reino de Cipango. Logo, estou nas imediações desse grande
reino... E, no entanto, à medida que transcorrem os dias, vejo afastar-se
a cor do ouro, porque, se bem que o metal continue aparecendo, aqui,
acolá, sob formas de adornos [...] tudo isso não deixa de ser migalhas.
Irritado perante esses índios que não me entregam seus segredos, que já
ocultam suas mulheres quando nos aproximamos de seus povoados por-
que nos têm por gente desonesta e luxuriosa; perante esses desconfia-
dos e atrevidos que já, de vez em quando, nos disparam flechas – em-
bora sem nos causar maiores danos, para dizer a verdade –, deixo de
vê-los como os seres inocentes, bondosos, inermes, tão incapazes de
malícia como a de ver a nudez como indecorosa, que idilicamente pintei
a meus amos no regresso da primeira viagem. Agora lhes vou dando,
cada vez mais amiúde, o nome de canibais – embora jamais os tenha
visto alimentar-se de carne humana. A Índia das Especiarias vai-se trans-
formando para mim na Índia dos Canibais.2
2
Alejo Carpentier, A harpa e a sombra (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987), pp. 122 e 123.
Entre o mar do Caribe e o oceano Atlântico avistam-se infinitas ilhas
com paisagens variadas: cordilheiras, vulcões, florestas densas e praias de
areia branca. As cidades sedutoras, de construções coloniais, são testemunhas
históricas de um passado cruel e da escravidão imposta pelos colonizadores
espanhóis aos nativos.
Provavelmente, o povoamento das Grandes e das Pequenas Antilhas
se deu por meio de migrações provenientes das Américas do Sul e Central,
de países como Venezuela, Colômbia e Guatemala, e da península de Yucatán,
entre o golfo do México e o mar das Antilhas.
Os habitantes do continente pescavam animais marinhos nas águas
frias do mar do Caribe. Devido ao aquecimento dessas águas, os pescadores
distanciaram-se mais e mais da costa, rumo a mares longínquos, até se
depararem com o arquipélago do Caribe.
Os tainos-aruaques ocuparam as Grandes Antilhas, as ilhas de
Hispaniola (atual Haiti e República Dominicana), Porto Rico, Jamaica e a
região oriental de Cuba. Eram detentores de uma cultura e organização
social desenvolvidas, trabalhavam em um regime econômico de produção
coletiva e suas mercadorias eram comercializadas à base de trocas. Praticavam
agricultura de “montones”, isto é, cumulativa, proporcionando maior
produtividade nas roças de milho e de mandioca.
Alimentavam-se da caça, da pesca e da coleta de frutos. Cultivaram
muitas espécies transportadas da América Central, como o milho, a calabaza
(espécie de abóbora), a batata-doce, a mandioca e o feijão. Moravam em
choças construídas com palha e folhas de palmeira, distribuídas em círculo.
No centro, o grande pátio era destinado ao jogo de pelotas, uma tradição
maia, e às cerimônias religiosas.
Análises comparativas evidenciam similitudes entre as culturas do
continente e as insulares. Coincidentemente, a arte cerâmica – atividade originária
da bacia amazônica e da península de Yucatán – decorada com figuras
antropomórficas e zoomórficas, de usos distintos, corresponde ao período neolítico.
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Os sabores da América
Entre os séculos VII e VIII, os calinas (guerreiros), mais conhecidos
por caribes, também se deslocaram da foz do Orinoco e ocuparam as
Pequenas Antilhas. Durante a segunda viagem de Colombo para a ilha de
Guadalupe, os caribes, desconfiados, se escondem dos homens brancos. Em
Hispaniola, a esquadra do almirante reage com armas de fogo e aniquila um
grande número de nativos.
Os caribes, belicosos e guerreiros, praticavam o canibalismo e eram
conhecidos como índios predadores, viviam em bandos, raptavam mulheres
e crianças e matavam os homens das tribos inimigas.
Aruaques e caribes foram subjugados e obrigados a trabalhar nas
plantações de tabaco, cacau e índigo, sendo paulatinamente eliminados por
doenças e maus-tratos. As plantações e colheitas foram abandonadas, e a
fome se instalou entre a população indígena. Muitos sobreviventes rebelaram-
se refugiando-se pelo interior das matas e florestas.
As tentativas de colonização das Pequenas Antilhas foram inúmeras,
mas a resistência dos caribes e tainos levou Colombo a abandonar as ilhas,
tampouco despertou interesse ao colonizador espanhol, já que a prioridade
era a exploração e apropriação dos territórios e dos metais preciosos. Os
espanhóis abrem espaço para franceses, ingleses e holandeses tomarem posse
das ilhas.
Apesar da sua importância, as culturas taino-aruaque e caribe
praticamente desapareceram, vítimas de um dos maiores genocídios da
história: condições desumanas com que eram realizados os trabalhos forçados
nas minas e no campo, fome e doenças adquiridas dos brancos. Muitos
fugiram para as montanhas e outros reagiram a tamanho massacre com o
suicídio.
23
Os aruaques e os caribes
Cuba
CUBA
3
Alejo Carpentier, A harpa e a sombra, cit., p. 103.
26
Os sabores da América
papagaios aos reis. Oferece a Fernando e Isabel espigas de milho, que
denominara grão-turco, resultado do seu equívoco, visto que ainda estava
convencido de que aportara nas Índias. Nas quatro viagens às Índias
Ocidentais, o navegador promoveu intenso intercâmbio de sabores
difundidos pela Europa, Ásia e África. Levou ao conhecimento dos reis
católicos vários produtos do Novo Mundo, como mandioca, milho, batata-
doce e chile, cujo ardor fez com que a batizasse de pimenta.
A princípio, o milho foi disseminado pela Andaluzia, Galícia e
Catalunha. Desprezado pelas classes nobres, somente no século XVIII foi
alimento de camponeses famintos nas crises de abastecimento ocorridas
naquele período na Europa.
A segunda viagem
27
Cuba
Sobre os peixes dos mares cristalinos do Caribe, diz Colombo: “São
tantos e tão diferentes dos nossos que suscitam aos olhos maravilha; são das
mais finas cores, azuis, amarelos, vermelhos”.
Depois de dezoito anos, em 1510, o conquistador Diego Velázquez e
seus soldados iniciam a exploração de Cuba, mas encontram grande
resistência do cacique Hatuey, queimado na fogueira pelos espanhóis. Em
1512 foi fundada a primeira vila, Baracoa.
Os conquistadores, movidos pela ambição e sede de poder, saquearam
a nova terra com uma única finalidade: o lucro sem escrúpulos. Os nativos,
submetidos ao trabalho forçado, foram gradativamente exterminados pela
penúria da fome e das doenças. O desaparecimento da população nativa foi
decorrente do impacto da nova cultura imposta pelos invasores.
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Os sabores da América
recipiente que retirava todo o suco tóxico do tubérculo. A polpa era exposta
ao sol ou levada ao fogo para secar, resultando em farinha.
Tanto Bartolomé de Las Casas como Hernán Cortés foram proprie-
tários de terras e de escravos indígenas na ilha de Cuba. Cortés liderou um
exército de soldados espanhóis com destino à costa do golfo do México, em
busca do Eldorado, arrasando o império asteca.
Las Casas, revoltado com a exploração da mão-de-obra nativa,
renunciou às suas posses e entrou para a Ordem dos Dominicanos. Condenou
e denunciou as atrocidades e a “destruição das Índias” e lutou contra a
exploração da mão-de-obra indígena.
Frei Tomás Berlanga, outro religioso benfeitor das causas caribenhas
que também tomou o partido dos habitantes do Novo Mundo, chegou a
essas paragens em 1514 e trouxe consigo uma variedade de mudas de bananeira
das ilhas Canárias, que se adaptaram perfeitamente nos trópicos. A origem da
banana é indomalaia, mas, de acordo com o naturalista alemão Alexandre von
Humboldt, havia pelo menos duas variedades do fruto nas Américas.
As leguminosas secas, como o feijão e o milho, constituíam a base
alimentícia dos povos caribenhos e foram fartamente utilizadas na
alimentação dos conquistadores como substitutas do grão-de-bico e da
lentilha, em sopas, cozidos e guisados e, por essa razão, tornaram-se
imperativos na nova cozinha colonial.
O gofio era fartamente utilizado nas refeições como substituto do pão
ou como acompanhamento de cozidos – herança dos imigrantes das ilhas
Canárias. Em Cuba, era preparado com grãos de milho, que, depois de
debulhados e torrados, eram colocados em panelas de barro para secar sobre
o fogo. Mexiam-se os grãos sem parar a fim de que a secagem fosse uniforme.
O passo seguinte consistia em triturá-los manualmente em moinho de pedra.
No período colonial, a alimentação dos trabalhadores do campo era
composta de feijão, arroz e carne de porco. Os frijoles negros (feijões-pretos),
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Cuba
por exemplo, estão presentes em todas as refeições, provavelmente desde os
tempos pré-colombianos. É ampla a variedade de preparo, mas todas obedecem
a uma só regra: o feijão deve ser novo para se obter um caldo espesso e saboroso.
Os ilhéus têm por hábito amassar alguns grãos para engrossar o caldo.
Igualmente importante é o toque especial que cada cozinheiro dá
ao tempero; em geral usam-se coentro, louro, toronja (da mesma família
da grapefruit) ou vinho branco seco. Os pratos mais populares preparados
com feijão-preto são os moros y cristianos – símbolo da culinária cubana.
Trata-se de uma mistura de arroz com feijão-preto, cozidos juntos,
acompanhados de carne de porco, torresmo e banana frita. Em algumas
receitas agregam-se cubinhos de presunto ou torresmo. O menocal, que
constitui a base de um sofrito, é refogado com tomate; o Ricardo é o prato
em que se juntam mexilhões ao feijão, e o Valdés Fauly é aquele em cujo
preparo se acrescentam vinagre, açúcar branco e pimentão. Uma
curiosidade: o prato preferido do cantor e compositor cubano Bola de
Nieve era feijão temperado com vinho tinto.
Na Guatemala, depois de cozido, o feijão é transformado em um
purê espesso, temperado com manteiga ou azeite de oliva. O refrito (refogado)
é servido com queijo ralado ou creme de leite. Na Venezuela, são famosas as
caraotas negras, prato similar aos moros y cristianos. Na República Dominicana,
preparam-se recaítos, feijão temperado com molho de tomate, coentro e
presunto, e o sancocho de habichuela negra, cozido de feijão-preto com arroz,
é servido com inhame e banana em rodelas.
A preferência dos cubanos são as carnes de porco e de frango. Os frutos
do mar são consumidos com parcimônia. O pargo, o peixe-serra, o cherne,
além de outros de sabor excelente, como o atum e a liça (de água doce) são os
mais solicitados. Entre os crustáceos reinam a lagosta, os camarões e ostiones,
uma espécie de ostra do mar do Caribe. No restaurante El Floridita, o escritor
norte-americano Ernest Hemingway degustava lagosta, camarão e filé de peixe
30
Os sabores da América
grelhados e temperados com suco de limão e sal – seu prato preferido. Em
sua homenagem batizaram-no de Gran Plato Hemingway.
A papaia, o ananás, a goiaba e a guanabana (uma espécie de fruta-do-
conde), frutas tropicais prazerosas ao paladar, são utilizados nos refrescos,
em doces e compotas. O tamarindo, a manga e o coco foram trazidos pelos
conquistadores espanhóis e por piratas. Rapidamente incorporadas por todos
os habitantes da ilha, essas frutas são consideradas nativas.
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Cuba
Outra herança hispânica é o picadinho a habanera. Preparado de
maneira bem diferente do original espanhol, seus ingredientes principais
são carne de vaca ou de porco picada e refogada, pimentão, tomate, azeitona
e uva passa. Acompanha arroz branco, banana e ovos fritos.
Não podem faltar na dieta diária dos cubanos a roupa velha, a vaca
frita e o picadinho de carne. Mas, sem dúvida, o destaque é o ajiaco; prato
emblemático da culinária cubana, preferência dos colonizados, é hoje
consumido por todas as classes sociais. De longa tradição, mereceu a
reverência de poetas e romancistas. Fernando Ortiz, no texto “Los factores
humanos de la cubanidad”, de 1940, faz uma ode ao ajiaco crioulo e à
formação do povo cubano:
Cuba es un ajiaco [...] La imagen del ajiaco criollo nos simboliza bien la
formación del pueblo cubano. Sigamos la metáfora. Ante todo una
cazuela abierta. Esa es Cuba, la isla, la olla puesta al fuego de los
trópicos [...] Cazuela singular la de nuestra tierra, como la de nuestro
ajiaco, que ha de ser de barro y muy abierta. Luego, fuego de llama
ardiente, y fuego de ascua y lento, para dividir en dos la cocedura [...]
Y ahí van las sustancias de los más diversos géneros y procedencias. La
indiada nos dio el maíz, la papa, la malanga, el boniato, la yuca, el ají
que lo condimenta y el blanco xaoxao del casabe [...] Los castellanos
desecharon esas carnes indias y pusieron las suyas. Ellos trajeron, con
sus calabazas y nabos, las carnes frescas de res, los tasajos, las cecinas
y el lacón [...] Con los blancos de Europa llegaron los negros de Africa
y éstos nos aportaron guineas, plátanos, ñames y su técnica cocinera. Y
luego los asiáticos, con sus misteriosas especies de Oriente [...] Con todo
ello se ha hecho nuestro ajiaco [...] Mestizaje de cocinas, mestizaje de
razas, mestizaje de culturas, caldo denso de civilización que borbollea
en el fogón del Caribe.4
4
Fernando Ortiz, “Los factores humanos de la cubanidad”, em revista Bimestre Cubana, 21 (2), Havana, mar.-
abr. de 1940, pp. 161-165. “Cuba é um ajiaco [um cozido crioulo] [...] A imagem do ajiaco simboliza bem a
formação do povo cubano. Sigamos a metáfora. Antes de tudo uma caçarola aberta. Essa é Cuba, a ilha, a
panela posta ao fogo dos trópicos [...] Caçarola singular a de nossa terra, como a do nosso cozido, que tem de
ser de barro e bastante aberta. Em seguida chama de fogo ardente, e fogo de brasa, lento, para dividir em dois
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Os sabores da América
O ajiaco é um cozido à base de carne de porco e com as mais diversas
viandas (designação cubana para os tubérculos feculentos) que integram a dieta
crioula. Os cubanos contam com uma variedade de ajiacos, resultado dos
produtos regionais com modificações nos ingredientes e condimentos: o ajiaco
de monte, receita cuja origem remonta ao século XIX, é uma sopa ou cozido em
cuja composição entram três tipos de carne: tasajo de carne de boi, tasajo de
carne de porco defumada e frango ou galinha fresca; o ajiaco bayamés, o de
Cárdenas e o de Porto Príncipe. Da composição desse farto cozido fazem parte
as viandas, a mandioca, os plátanos verdes, a cebola, o chile, o alho, os tomates, o
cominho, o sal, o inhame, as malangas branca e amarela, a batata-doce, a abóbora
e o milho fresco, além das carnes usuais de porco e de boi e o tasajo (charque).
Muito apreciadas também são as ollas cubanas, uma adaptação da olla
podrida, prato típico espanhol. Nos primeiros tempos da colonização eram
preparadas com grão-de-bico, carne de porco, toucinho, vianda e hortaliças.
O jigote, oferecido em banquetes e em comemorações importantes, é
uma sopa colonial. Trata-se de um caldo substancioso preparado com uma
galinha caipira gorda com todos os seus pertences, mesmo os ossos e os
miúdos. Depois de coado, o caldo fumegante é servido em taças de consomê
e recebe uma gema crua ou um ovo cozido picado.
Muitos habitantes das ilhas Canárias emigraram para as Antilhas e
deixaram deliciosas heranças culinárias, como a sopa islenha, um ensopado
de peixes variados como pargo, cherne e dourado, cozidos em molho de
tomate maduro, azeite de oliva e ají verde doce, servido com gofio de milho
ou de amêndoa torrada e moída. Os antigos pescadores das Canárias levavam
o cozimento [...] E aí entram produtos dos mais diversos gêneros e procedências. Os índios nos deram o
milho, a batata, a malanga, a batata-doce, a mandioca, o ají (pimenta) que o condimenta e o xaoxao branco do
casabe (pão) [...] Os castelhanos deixaram de lado esses alimentos indígenas e puseram os seus. Eles trouxeram,
com suas abóboras e nabos, as carnes frescas de gado, os charques, os defumados e o presunto [...] Com os
brancos da Europa chegaram os negros da África, e estes nos trouxeram galinhas-de-angola, bananas, inhames
e seu modo de preparar os alimentos. Em seguida vieram os asiáticos, com suas misteriosas especiarias do
Oriente [...] Com tudo isso se fez o nosso ajiaco [...] Mestiçagem de cozinhas, mestiçagem de raças, mestiçagem
de culturas, caldo grosso de civilização que borbulha no fogão do Caribe.”
33
Cuba
à mesa uma vasilha com gofio, e cada comensal colocava a farinha em um
prato fundo e sobre ela derramava a sopa de peixe.
Outros guisados e sopas são típicos do campo. É freqüente o consumo
de sopa de plátanos verdes, cozidos em caldo de galinha até formar um purê.
Nas festas típicas camponesas, não podem faltar o ajiaco, a banana frita e o
leitão crioulo, prato preparado peculiarmente em cada região da ilha: a carne
pode ser temperada com alho, sal, orégano, cominho, pimenta e toronja e
assada na vara ou na grelha. Para assá-la sob a terra, faz-se uma grande cova
com folhas e pau de goiabeira, ateia-se fogo e, quando se forma a brasa,
coloca-se o leitão, coberto com folhas de bananeira. Algumas horas são
necessárias para que a carne fique no ponto!
A mescla de sabores cubanos conta também com uma modesta
influência chinesa. Da Ásia chegaram colonos assalariados com contratos de
oito anos para trabalhar nos latifúndios de cana-de-açúcar, tabaco, café e
algodão. Todo esse contingente humano teve de se adaptar à nova cultura
alimentar. Terminado o contrato, os chineses migraram para Havana a fim
de trabalhar como artesãos, comerciantes, sorveteiros, vendedores de rua e
proprietários de tabernas ( fondas). A comida servida nas tabernas era muito
simples: o sabor era oriental, mas com acento crioulo. Foram eles os
responsáveis pela introdução das frituras, do sorvete e de uma variedade de
ensopados. Até hoje o bairro chinês abriga restaurantes típicos, armazéns de
secos e molhados com produtos chineses e casas de infusão.
Tanto nas tabernas como nos mercados ainda são servidas vigorosas
sopas aos boêmios. Para o preparo dessas sopas, utilizam-se galinha, carne
de porco, osso de presunto, peixe e camarão secos e cozidos em fogo lento.
Reduz-se o caldo pela metade, com a panela destampada. Ao caldo forte e
suculento resultante, adicionam-se verduras, feijão-chinês, cebolinha e
gengibre. O prato é servido com molho de soja. Certamente, ao sorver o
caldo, os boêmios têm a ressaca curada!
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Os sabores da América
A cozinha afro-cubana
35
Cuba
o que os ajudava a enfrentar a longa jornada de mais de dezesseis horas de
trabalho no campo. Também mascavam cana e ingeriam açúcar mascavo,
um bom energético, que os mantinha de pé.
Um artigo do Regulamento de Escravos, promulgado em 1842,
especificava a ração diária que os senhores deveriam oferecer aos trabalha-
dores da terra: seis a oito bananas ou o equivalente em inhame, mandioca ou
batata-doce; oito onças (225 g) de carne-seca ou bacalhau salgado, quatro
onças (115 g) de arroz ou farinha de milho. A alimentação era parca, com-
posta sobretudo de carne-seca e bacalhau, de difícil deterioração e fácil
armazenamento.
O bacalhau de segunda, desprezado pelo exigente mercado europeu,
que o considerava de péssima qualidade, era depositado no Caribe e no
Brasil, onde se destinava à alimentação dos pobres. Segundo Mark Kurlansky,
em seu livro Bacalhau: a história do peixe que mudou o mundo, “a única exigência
do mercado caribenho era de que o bacalhau salgado fosse seco para resistir
ao clima tropical”.5
Muitos escravos trabalhavam no interior das amplas casas dos patrões,
em especial na cozinha. Habilidosas no fogão, as africanas preparavam na
senzala o bacalhau inferior, que não comparecia à mesa dos patrões. Os
arrogantes fazendeiros, porém, degustavam-no às escondidas para não se
humilhar diante da escravaria.
A carne-seca deu vazão a inúmeras criações na cozinha crioula, como
os croquetes de batata-doce recheados com carne-seca e o arroz com carne-
seca à moda camagüeyana.
A banana, fruta preferida dos escravos, estava nitidamente associada
às embarcações inglesas de escambo durante a travessia dos mares do
Atlântico, na transação comercial de negros para as Antilhas e nos carre-
gamentos de açúcar, algodão e tabaco para a Europa. Conta-se que a palavra
5
Mark Kurlansky, Bacalhau: a história do peixe que mudou o mundo (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000), p. 77.
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Os sabores da América
inglesa com que se chamavam os negros para comer – food – transformou-
se, ao ouvido dos negros, em fufú, prato que consiste de purê de banana
recheado com carne de porco, um dos mais populares da culinária cubana.
Do Congo herdaram a forma de preparar a banana frita, conhecida
como chatino, tostone ou plátano a puñetazos. A banana verde ou macho é
cortada em rodelas com cerca de dois centímetros, que em seguida são
douradas em óleo, envolvidas em papel-toalha e comprimidas com o punho.
Após esse processo, as rodelas de banana são fritas novamente. Trata-se de
um hábito entre os cubanos, que preparam tanto a batata como a batata-
doce da mesma maneira, frigindo-as duas vezes, por achar que ficam mais
saborosas.
Na culinária da ilha, como as frituras são bastante apreciadas, é enorme
a quantidade de croquetes e bolinhos fritos: churritos de malanga, frituras de
bacalhau, de milho, de inhame, de grão-de-bico, bolinhos de batata-doce e
mandioca e os chicharrones, ou torresmo de porco.
6
Carlos Fuentes, O espelho enterrado: reflexões sobre a Espanha e o Novo Mundo (Rio de Janeiro: Rocco, 2001),
p. 199.
37
Cuba
costumes e a alimentação. Na culinária ioruba, por exemplo, há manifestações
religiosas que perpassam gerações com os aportes alimentares que remontam
ao século em que os negros chegaram à América. Nessa culinária, o arroz,
produto muito apreciado, é cozido com urucum e um leve toque de pimenta
– condimento utilizado somente pelos seguidores da santería. A cozinha
picante não agrada ao paladar dos ilhéus, pois o clima tropical quente e
úmido não permite abusar de condimentos fortes.
Existem vários pratos cubanos de origem africana, como o calalú,
encontrado em várias ilhas do Caribe. Seu nome deriva das folhas comestíveis
da malanga, tubérculo de origem filipina, que podem ser substituídas por
hortaliças como o espinafre e a acelga. A malanga, cujo sabor é um misto de
batata e castanha, apresenta formato ovóide, é recoberta por uma película
marrom, e sua carne é branca ou amarelada; depois de cozida, no entanto,
assume um tom vermelho violáceo.
A comida dos orixás é o guiso de quimbombó, deliciosa mistura de
produtos do mar e da terra. O quimbombó, ou quiabo, faz parte da comida
ritual da religião africana ofertada a Xangô em dia de festa. É também
utilizado em pratos como o arroz à crioula com carne-seca ou com carne de
porco, presunto e banana.
O fato de o arroz estar presente em todas as refeições dos cubanos é
herança espanhola. Os grãos são largos e inteiros e, depois de cozidos e bem
soltinhos – nada de arroz empapado –, são refogados em gordura de porco. O
hábito na ilha é combinar o arroz com todos os tipos de feijão, pretos, brancos
ou coloridos, e com uma variedade de grãos, como lentilha, grão-de-bico ou
ervilha. Se preparado à moda chinesa, o arroz é cozido somente em água.
38
Os sabores da América
externo, participaram dessa economia atlântica piratas e flibusteiros franceses,
ingleses e holandeses, que realizavam a troca ilegal de mercadorias.
O arquipélago das Antilhas foi foco de discórdia entre as coroas inglesa,
francesa e holandesa, que travaram inúmeras disputas para abocanhar as
ilhas dos espanhóis. E, nesse périplo de naus, Havana foi ocupada pelos
ingleses em 1762, que lá permaneceram por onze meses. Nesse período,
houve um aumento do contingente de escravos, o que, em conseqüência,
impulsionou a produção açucareira. Os ingleses estabeleceram a exportação
de matérias-primas – como a cana-de-açúcar e o tabaco, com as quais
beneficiavam suas colônias.
Depois da saída dos ingleses, iniciou-se uma relação conflituosa entre
a Coroa espanhola e os colonizadores, representados pelos crioulos lati-
fundiários. Estes defendiam o direito de posse da terra contra a imposição
da Metrópole acerca do monopólio sobre o comércio das colônias. Instalou-
se, assim, o espírito nacionalista. José Martí iniciou, em 1895, a luta pela
independência, mas o processo foi bastante lento. Somente com o Tratado
de Paris, assinado em dezembro de 1898, Cuba se tornou uma república.
39
Cuba
cubanos abrem suas casas para servir refeições aos turistas e oferecem uma
comida caseira e simples – a melhor forma de conhecer e saborear a autêntica
cozinha da ilha. Nas províncias, por sua vez, a ênfase é dada à cozinha
regional, muito simples, baseada no frescor dos produtos.
O escritor Eça de Queirós, cônsul de Portugal em Cuba, freqüentava
o Columnata Egipciana, conhecida casa de infusão, lugar de tertúlias dos
intelectuais. Além dos chás, serve-se o café cubano, que é notadamente forte
e vem acompanhado de um copinho com água.
Cada restaurante tem seu prato típico e receitas exclusivas; assim, o
frango com molho pode ser degustado no Rancho Luna, o arroz à
marinheira, no Boca de Jaruco, e o arroz com mariscos, no Bellamar. El
Floridita é reconhecido pela lagosta grelhada ou a casuela colonial, uma sopa
de frutos do mar; para aguçar as papilas, o El Faro prepara a deliciosa
batata recheada.
A Casa de Água Tinaja é uma instituição. Durante a construção da
nova Havana, os colonizadores fizeram um ponto de captação de água
potável, que passou a ser freqüentado pela população, que lá ia beber água.
Esse hábito foi incorporado pelo povo e atualmente a casa vende água em
copo.
A doçaria
40
Os sabores da América
Os engenhos forneciam melado e açúcar mascavo para o sustento dos
escravos, que criaram uma gama de doces simples e caseiros: a rapadura, a
melcocha (alfenins de açúcar), o manjarete, doce preparado com milho tenro
ralado, leite e açúcar, a cremita de leche, o doce de goiaba e a natilla, feita
com creme de maisena, servida com calda de caramelo e coberta com
merengue. Mas o melhor mesmo é a goiabada, habitualmente acompanhada
de queso crema (similar ao cream cheese), receita introduzida pelos búlgaros.
Frutas tropicais, como a papaia verde e a manga, eram conservadas
em calda de açúcar. Os doces cubanos são tão açucarados, tão doces, que
chegam a engasgar os forasteiros não habituados a essas gulodices.
41
Cuba
lá se encontram para se deliciar com um rizado de fresa e chocolate. Os
sorvetes são todos preparados com leite – mesmo os de fruta.
O almendrado é o carro-chefe da sorveteria cubana, em forte disputa
com os populares rizados – combinação de dois sabores – de creme e
chocolate, de laranja e morango, adornados com casquinhas glaçadas do
mesmo cítrico ou, ainda, uma miscelânea de cinco a sete sabores diferentes,
para refrescar os mais acalorados.
42
Os sabores da América
e os dois foram amigos durante todo o tempo em que o escritor viveu na
ilha. O grande desafio de Hemingway era pescar o merlin azul, também
conhecido como peixe-agulha. Ele freqüentava o restaurante Terraza, onde
tomava grandes pileques – seu copo nunca ficava vazio. Pela manhã, chegava
com sua máquina de escrever portátil e pedia um Havana Club. Gregorio
ancorava o barco em frente ao restaurante e, antes de partirem em busca do
merlin azul, Hemingway ordenava: “Capitão, encarregue-se de prover o
departamento etílico”.
O bar mais famoso de Havana é o La Bodeguita del Médio, cuja
especialidade é leitão assado. O romancista norte-americano passava por lá
diariamente e imortalizou o mojito, o coquetel nacional, preparado com rum
carta blanca, água gaseificada, suco de limão ou de laranja, açúcar e um
galhinho de yerbabuena (hortelã). Depois de tomar alguns mojitos,
Hemingway saía em direção ao bar El Floridita para sorver outros tantos
daiquiris.
O fundamental para um bom coquetel de verão é a combinação de
frutas refrescantes, baixo teor alcoólico e uma boa mão para entornar o copo,
que deve ser longo. Há uma infinidade desses coquetéis para aplacar o forte
calor da ilha:
Cuba libre – talvez seja o mais conhecido internacionalmente; é
preparado com rum carta blanca, coca-cola, suco de limão e bastante
gelo. Para decorar o copo, uma rodela de limão.
Mulata – similar ao daiquiri, é preparado com rum envelhecido e
creme de cacau.
Havana special – rum carta blanca, marrasquino, suco de limão,
abacaxi e gelo.
Piña colada – rum carta blanca, leite de coco, suco de abacaxi e
muito gelo picado.
Cuba bella – rum carta blanca e rum envelhecido, creme de menta,
granadina, suco de limão e gelo.
43
Cuba
Cubanito – rum carta blanca, suco de limão, sal, molho inglês,
um pouquinho de tabasco ou molho picante e gelo.
Isla de pinos – açúcar, suco de toronja, vermute vermelho, rum
carta blanca e gelo.
Manhattan – rum carta oro, vermute vermelho, angostura e gelo.
High Ball – rum carta blanca, soda ou ginger e gelo.
Presidente – curaçau vermelho, vermute Amat ou Chamberry, rum
carta blanca, uma cereja e casca de laranja para decorar.
Saoco – rum carta blanca, água de coco e gelo.
A cerveja local, a Hatuey, é uma bebida tradicional, com diversos
graus alcoólicos. Uma infinidade de acepipes a acompanha: maripozas (chips
de banana), torresmo, frituras de malanga, plátanos e mandioca.
Toda a história da ilha revela-se por meio de sua autêntica culinária,
expressão do somatório de muitas etnias, que, em contrapartida com a
nostalgia da terra natal, trouxeram a alegria, a dança e a música. O
multiculturalismo resultante da convergência de diferentes etnias e culturas
manifesta-se nas crenças, na mestiçagem, na religião – e também no fundo
do prato, a compor o acervo culinário nacional.
44
Os sabores da América
Salgados
RECEITAS DE CUBA
Sopa de calabaza
Sopa de abóbora
1 kg de abóbora
1 litro de caldo de carne
½ cebola picadinha
100 ml de creme de leite fresco
sal e pimenta-da-jamaica a gosto
folhas de hortelã
1 papaia
1 manga
1 colher (sopa) de coentro fresco picado (opcional)
1 colher (sopa) de cebola roxa picada
1 colher (sopa) de pimentão vermelho sem casca e sem semente
pimenta-da-jamaica moída na hora
2 colheres (sopa) de azeite de oliva
suco de 1 limão
sal a gosto
45
Cuba
Ensalada de mango y aguacate
Salada de manga e abacate
2 abacates
2 mangas
2 colheres (sopa) de azeite de oliva
pimenta-da-jamaica moída na hora
suco de 1 limão
sal a gosto
½ cebola vermelha bem picadinha
folhas de agrião
Casuela criolla
Caçarola crioula de frutos do mar
46
Os sabores da América
Colocar o azeite em uma panela grande e refogar a cebola, o alho, a cebolinha
e o tomate. Cozinhar em fogo lento. Adicionar o caldo de peixe e o vinho
branco e temperar com sal e pimenta dedo-de-moça. Reduzir o caldo,
adicionar a lagosta, os mariscos e o robalo e deixar cozinhar sem que a carne
do peixe se desmanche. Por último acrescentar os camarões. Colocar em
uma travessa o peixe e os frutos do mar e regar com o caldo do cozimento.
Decorar com as amêndoas.
Servir com arroz branco.
Camarones borrachitos
Camarões flambados ao rum
47
Cuba
Ajiaco cubano
Cozido cubano
48
Os sabores da América
Aporreado de tasajo
Carne-seca
1 kg de carne-seca
2 cebolas
3 dentes de alho
8 tomates sem pele e sem semente, cortados em cubos pequenos
1 pimentão vermelho sem pele e sem semente, cortado em tiras finas
2 cravos-da-índia
1 colher (chá) rasa de açúcar
óleo
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Cuba
Cerdo con quimbombó
Lombo de porco com quiabo
300 g de quiabo
suco de 1 limão
400 g de lombo de porco em cubos
óleo para refogar
1 cebola picada
2 dentes de alho picados
4 colheres (sopa) de purê de tomate concentrado
½ colher (sopa) de vinagre
½ xícara (chá) de vinho branco
sal e pimenta-do-reino a gosto
50
Os sabores da América
Arroz con pollo
Arroz com frango
CALDO DE FRANGO
3 sobrecoxas
1 cebola média inteira
1 cenoura cortada ao meio
1 buquê de salsinha e cebolinha amarrado
2 ½ xícaras (chá) de água
51
Cuba
Ropa vieja
Roupa velha
1 kg de lagarto
2 dentes de alho inteiros
½ litro de vinagre
2 folhas de louro
1 litro de água
1 pimentão vermelho
3 colheres (sopa) de azeite de oliva
1 cebola cortada em rodelas finas
orégano a gosto (optativo)
2 colheres (sopa) de salsinha picada
sal a gosto
52
Os sabores da América
Moros y cristianos
Feijão-preto com arroz branco
250 g de feijão-preto
2 xícaras (chá) de arroz
200 g de carne de porco ou costelinha de porco
100 g de bacon ou toucinho
1 cebola grande picada finamente
2 dentes de alho amassados
1 pimentão verde ou vermelho cortado em tiras finas, sem semente
4 colheres (sopa) de óleo ou azeite de oliva
2 folhas de louro
tomilho, orégano e sal a gosto
53
Cuba
Tostones
Banana frita
banana-nanica verde ou
banana-da-terra verde
óleo para fritar
sal a gosto
Cortar as bananas em rodelas muito finas. Fritar em óleo quente por cerca de
2 minutos. Retirar as fatias com uma escumadeira, escorrer e colocar em
papel-toalha. Fritar novamente as rodelas de banana na mesma gordura, bem
quente, até dourar. Colocar no papel-toalha para secar e temperar com sal.
Podem ser servidas como aperitivo ou acompanhamento de diversos pratos.
½ kg de mandioca
3 dentes de alho
suco de 1 laranja ácida
azeite de oliva quente
sal a gosto
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Os sabores da América
Doces
Flan de leche a cubana
Pudim de leite à cubana
CARAMELO
2 xícaras (chá) de açúcar
1 xícara (chá) de água
55
Cuba
Natilla
Creme com suspiro
56
Os sabores da América
Arroz con leche de coco
Arroz-doce com leite de coco
Levar ao fogo o arroz com a água quente. Deixar cozinhar em fogo brando
até que o arroz fique al dente. Escorrer a água e reservar o arroz.
Ferver o leite por cerca de 15 minutos, em fogo baixo, com a canela (coloque
um pires no fundo da panela para o leite não grudar). Retirar o pires e
acrescentar o leite de coco, o arroz e as raspas de limão. Deixar no fogo, até
que o arroz termine de cozinhar – não deixe o arroz secar completamente.
Quando estiver cozido, incorporar o açúcar e a baunilha. Colocar em taças
individuais e polvilhar com a canela em pó.
57
Cuba
Bebidas
Cuba libre
1 boa dose de rum carta oro
suco de ½ limão
coca-cola
gelo
1 rodela de limão para decorar
Daiquiri
1 ½ dose de rum carta blanca
açúcar a gosto
suco de ½ limão
gotas de licor Marrasquino
cubos de gelo
58
Os sabores da América
Mojito
6 folhas de hortelã
1 dose de rum carta blanca
açúcar a gosto
1 colher (chá) de suco de limão
club soda
cubos de gelo
2 raminhos de hortelã para enfeitar
Presidente
1 dose de vermute vermelho
1 ½ dose de rum carta blanca
gotas de licor de romã
cubos de gelo
1 cereja e casca de laranja para decorar
Saoco
2 doses de rum carta blanca
125 ml de água de coco
cubos de gelo
Em uma jarra, colocar a água de coco, o rum e o gelo. Mexer bem e servir.
59
Cuba
Jamaica
JAMAICA
[...]
– Ora, vejamos – tornou Cubissa correndo os olhos pelos cestos. Uma
perna de cabrito montês assada. É bom para fazer boca. Que mais? Um
par de lagostas, dois pombos-trocazes e uma galinha-do-mato. Muito
bem. Quem está encarregado do café e do açúcar?
– Eu, capitão! – exclamou um deles, mostrando com ar vitorioso os
utensílios necessários para a preparação da bebida.
– Fogo, e depressa! – ordenou Cubissa em tom de bom humor. Junta-
ram-se folhas e ramos secos, o isqueiro trabalhou e no mesmo momento
vívidas chamas se elevaram na lareira improvisada. Um triângulo de
ferro colocado sobre dois ramos em forma de forquilha serviu para sus-
tentar duas vasilhas de cobre por cima do braseiro. Os pombos e a
galinha, depenados e chamuscados, foram divididos em pedaços e dei-
tados na vasilha maior, onde lhe fizeram companhia as lagostas e tam-
bém uma parte da perna de cabrito. Um punhado de sal, um pouco de
água, algumas fatias de arum e de calalu, e um pouco de pimentão
serviram de tempero. Quaco, que fazia de cozinheiro-chefe, declarou
ao fim de algum tempo que a gamelada a ferver furiosamente estava no
ponto. Foi logo disposta sobre a relva uma baixela completa feita de
casca de tartaruga e cuias. Herberto e o capitão serviram-se daquele
guisado, que deitava um cheiro delicioso. Seguindo o seu exemplo, os
homens sentaram-se formando grupos e banquetearam-se à parte. O
banquete não consistia só na panelada. Também lhe juntaram as coste-
las do javali caçado havia pouco, e uma porção de bananas e coco
assados sobre as cinzas, que faziam as vezes do pão. Nunca as mais
belas chávenas de Sèvres contiveram mais delicioso café que o que en-
cheu as cuias dos quilombolas! [...] 7
7
Thomas Mayne Reid, Os plantadores da Jamaica (Lisboa: Impreza Horas Românticas, 1877), p. 128.
A especiaria de muitos aromas
62
Os sabores da América
A diversidade étnica
63
Jamaica
Os indianos, contratados para trabalhar nas novas culturas, embar-
caram com a magia da mistura de várias especiarias, resultando no curry,
uma tradição ancestral dos povos da Índia.
Os três séculos de dominação inglesa asseguraram o sabor dos bolos
de frutas, célebre símbolo inglês, das carnes estufadas de carneiro e das
geléias de pimenta e gengibre. A influência inglesa foi determinante em
costumes como o tea, nome com que na Jamaica se designam todas as bebidas
quentes – infusão de ervas, chá com leite, chá com rum ou temperado com
especiarias.
64
Os sabores da América
acidentada de Cockpit, localizada a oeste da Jamaica, e em Moore Town e
Portlan. Formaram grupos independentes e eram chamados pelos ingleses
de marrons ou jerks. No ano de 1739, firmaram um tratado de paz com os
ingleses que lhes concedeu a liberdade e constituíram um governo próprio,
regido por um administrador geral.
Os ingleses incrementaram as plantações de algodão, cacau e tabaco,
expandiram a cultura canavieira, devido à crescente demanda de açúcar pelos
mercados europeus, e aceleraram o escambo de negros para o trabalho nos
latifúndios. Entre os séculos XVIII e XIX, mais de 600 mil escravos
chegaram à Jamaica, originando uma das maiores concentrações ocorridas
nas colônias ultramarinas.
Violentos levantes precederam a reposição dos escravos no início do
século XIX, e os movimentos anticolonialistas e de libertação duraram longo
tempo. Entre rebeliões e guerras, os escravos tornaram-se o símbolo da
resistência negra nas Antilhas. Emancipados em 1834, a maioria desertou
das plantações e assentou-se nas montanhas, cultivando pequenos lotes de
terra. Muitos anciãos permaneceram nas fazendas como trabalhadores
assalariados; outros foram trabalhar como artesãos ou montaram seu próprio
negócio. Posteriormente à abolição dos escravos, os ingleses contrataram a
baixo custo trabalhadores assalariados de origem chinesa e indiana para o
cultivo do café.
65
Jamaica
Os indianos mesclaram o curry aos condimentos locais. Um prato
muito popular é o carneiro ao curry, acompanhado de arroz cozido com
feijão-vermelho, receita que remonta ao século XIX.
A cozinha jamaicana é um amálgama de várias influências étnicas.
Os africanos, de tradição arraigada, não abandonaram seus hábitos ali-
mentares. Um bom exemplo é o duckunoo, espécie de massa de pamonha
feita com batata-doce e leite de coco cozida no vapor em casca de bananeira.
O assado mais característico da Jamaica é o jerk de porco. Os escravos
fugitivos se alimentavam da caça de animais selvagens, como o porquinho
selvagem, bem como de raízes, tubérculos e frutos nativos. Cortavam a carne
do porco em tiras e secavam-nas ao sol. Em seguida, defumavam-nas em
um leito de galhos de pimenteira ou goiabeira.
A técnica dos grelhados, característica das camadas mais pobres,
continua muito popular entre os ilhéus. O modo de preparo é simples, mas
exige paciência. A carne defumada deve ser marinada por horas em uma
vinha-d’alho bem condimentada, composta de cebola, pimenta-da-jamaica,
canela, noz-moscada, tomilho, pimenta vermelha e um suco de fruta ácida,
como a laranja. O cozimento deve ser lento, em baixa temperatura, a fim de
selar a carne para que não perca seu suco natural. O melhor de tudo é que o
aroma da madeira da pimenteira ou da goiabeira penetra lentamente no
assado.
Nas praias e na beira das estradas, vendedores ambulantes preparam
ao ar livre aves, carnes, peixes e crustáceos, que impregnam as ruas com o
aroma dos suculentos grelhados. Também assam inhame, mandioca e fruta-
pão. É comum avistar as cabanas de barbecue, pequenas tendas nas quais os
assadores fazem seu trabalho, instalados na única rua de Monte Diablo,
uma montanha escarpada, antigo esconderijo dos escravos. Muitos chur-
rasqueiros não revelam o segredo da composição da marinada, na qual chegam
a combinar mais de trinta ingredientes.
66
Os sabores da América
O assado de porquinho de leite (de apenas três meses), desossado e
recheado com arroz, temperado com pimentas e tomilho, misturado com
coco ralado e farinha de milho, é um concorrente dos jerks.
A economia rural está igualmente presente à mesa dos jamaicanos:
apesar de os grelhados desempenharem o papel principal, os cozidos são
sempre enriquecidos com suculentos tubérculos e legumes.
As hortas e os pomares fornecem os sabores naturais – a folha do
dasheen (malanga); o cho-cho (chuchu); o ackee; o quiabo; o pimentão; o
inhame; a banana-legume (plantain), frita ou cozida; a fruta-pão; a abóbora;
a batata-doce; e o coco –, favorecendo a combinação dos guisados e das
sopas. Além do mais, há uma variedade de ervas medicinais que conta
também com o gengibre e o alho e várias espécies de pimenta, que compõem
os ardentes molhos utilizados na cozinha jamaicana.
O inhame, descoberto por Cristóvão Colombo na África, fez escala
em Cuba e foi adotado não só em toda a América Latina como na Índia.
Essa raiz de grande prestígio faz parte da vida social e religiosa desses povos.
O mar é outra fonte de inspiração culinária. Os nativos capturavam
os peixes com arpão ou flecha – os antilhanos pescavam com anzol de osso.
Na Jamaica, a lagosta é a rainha dos crustáceos, benefício da região. De
preparo particularmente delicado, deve ser apresentada cozida ou grelhada
– método que conserva seu sabor natural –, sem mascará-la. Os ilhéus
saboreiam peixe frito, camarões com molho apimentado, mero com leite de
coco e o fish tea, que consiste em uma tigela de sopa quente preparada com
peixe recém-pescado. Os camarões em geral são grelhados e servidos com
chutney de manga e papaia, ou com red snapper (pargo-vermelho) no vapor
com molho curry e laranja ou com vinagrete de gengibre.
A típica refeição jamaicana começa com uma sopa espessa, o pepperpot,
à base de folhas de malanga, quiabo e vários cortes de carne de porco
temperados com especiarias e açúcar mascavo. Esse era o prato de resistência
67
Jamaica
dos trabalhadores rurais, que muitas vezes, obrigados a passar a noite nas
plantações, levavam em suas marmitas uma comida substanciosa.
Outro prato muito apreciado é o guisado de frango, cozido com
cenoura, inhame em cubos, cebola, tomate e pimenta e refogado em óleo de
coco refinado. O acompanhamento ideal é o arroz com pois de Angola –
feijão do tamanho de uma ervilha – ou com feijão-vermelho seco.
As tradicionais empanadillas, vendidas em todos os cantos, na praia,
nos bares e em restaurantes, também estão presentes da dieta dos jamaicanos.
São pequenos pastéis assados, recheados com refogado de carne de vaca,
porco, frango ou peixe muito bem temperado com gengibre, cominho,
pimenta, cardamomo e tomate.
A cozinha rastafari
68
Os sabores da América
crustáceos, cujo consumo é proibido. Não usam farinha de trigo, somente de
mandioca ou de milho, e preferem o leite de coco ou de soja ao de vaca. Ervas
e especiarias são utilizadas em profusão para realçar os sabores dos pratos.
Os alimentos devem ser apenas cozidos e não podem conter
conservantes. Os alimentos naturais são denominados aï-tal. Preparam arroz
integral ital com feijão; sopa ital de amendoim com caldo de verdura; um
cozido com banana, mandioca; calabaza (abóbora); e dumplings, tipo de
nhoque de farinha de milho com farinha integral e água. Antes da preparação
de qualquer alimento os rastafáris se lavam, a fim de purificar o corpo e o
espírito.
O blue mountain
69
Jamaica
fatores gerou grãos aromáticos e doces, considerados um dos melhores do
mundo. A produção do país é pequena, e o segredo do bom café jamaicano
está no seu acondicionamento. Outrora, utilizavam-se barris de madeira
nos quais o rum era envelhecido. Atualmente, são exportados em tonéis de
carvalho, pois dizem os especialistas que o perfume da madeira passa para
os grãos de café, produzindo uma bebida de sabor diferenciado.
Delicioso é o café caribenho, preparado com café blue mountain quente,
uma pequena dose do licor Tia Maria, rum jamaicano, chantilly e raspas de
chocolate.
70
Os sabores da América
A cerveja de gengibre, a red stripe, servida com muito gelo picado, é uma
receita familiar.
A variedade de frutas existentes na Jamaica gerou infinitas combi-
nações de refrescos e sucos artesanais, perfeitos para o clima tropical. Em
bares ou na praia, o ting, refrigerante nacional à base de toronja, é misturado
com uma dose de rum e muito gelo.
As raspadinhas, preparadas com gelo ralado e xarope de fruta, são
vendidas nos carrinhos dos ambulantes que passeiam pelas praias.
Tentações tropicais
71
Jamaica
A jaca, também originária da Malásia, chegou com muitos outros
produtos. Pode ser consumida crua, assada, cozida ou em calda. A melhor
maneira de abri-la é jogando-a no chão, pois não é aconselhável usar facas
ou metais. Para evitar que o leite da fruta grude nas mãos, deve-se untá-las
com óleo. Os jamaicanos preferem degustá-la assada na brasa envolta em
papel-alumínio. Depois de uma hora de cozimento, regam-na com manteiga
derretida e sal.
Os colonizadores serviam aos escravos uma alimentação econômica,
baseada em raízes, legumes e frutas, como a jaca e a fruta-pão, de textura
farinhenta.
O bolo de frutas secas, de origem inglesa, em geral é oferecido na
Páscoa, no Natal e em festas de casamento. Trata-se de um bolo úmido,
salpicado de especiarias, adoçado com açúcar mascavo e regado com uma
boa dose de rum. Outra especialidade inglesa, adotada na Jamaica, são as
geléias para acompanhar carnes, como a peper ou ginger jellies.
O pudim aromatizado com licor de café é irresistível, assim como a
banana assada com calda de goiaba e o pudim de batata-doce e leite de coco,
temperado com canela, noz-moscada e baunilha.
Tanto a cozinha como a língua foram marcadas pelos colonizadores
ingleses e pelos africanos. O talento aventureiro e inventivo da cultura indiana
impregnou igualmente os paladares locais, sem renunciar à sua identidade.
Na terra do movimento rastafari, do reggae de Bob Marley, do café blue
mountain, da pimenta-da-jamaica, do rum e dos licores de café e chocolate, a
culinária da Jamaica tem o sabor apimentado e o alegre colorido de seu
povo.
72
Os sabores da América
Salgados
RECEITAS DA JAMAICA
Callaloo
Sopa de espinafre
1 maço de espinafre
125 g de carne de porco salgada em cubos
125 g de carne-seca em cubos
1 litro de caldo de frango (ver p. 51)
1 cebola pequena picada
1 dente de alho picado finamente
2 raminhos de tomilho
125 ml de leite de coco
sal e pimenta-do-reino a gosto
73
Jamaica
Empanadillas jamaicanas
Pastéis de forno jamaicanos
MASSA
½ kg de farinha de trigo
125 g de manteiga gelada em pedacinhos
1 colher (café) de sal
cerca de 2 colheres (sopa) de água gelada
2 ovos batidos para pincelar
RECHEIO
2 colheres (sopa) de óleo
1 cebola picada finamente
2 dentes de alho picados
1 pimenta vermelha picada sem semente (opcional)
½ kg de patinho ou frango moído
2 raminhos de tomilho picados
4 tomates sem pele e sem semente em cubos
½ colher (café) de cúrcuma moída
1 colher (chá) de gengibre ralado
½ colher (café) de cominho (opcional)
1 colher (café) de pimenta-da-jamaica moída na hora
1 colher (sopa) de rum dourado jamaicano
2 raminhos de salsinha picada
2 cebolinhas picadas
sal a gosto
2 ovos para pincelar a massa
74
Os sabores da América
Preaquecer o forno a 200 ºC.
Abrir a massa e cortar em discos de 10 centímetros de diâmetro. Colocar o
recheio de um lado do disco, dobrar a massa ao meio e juntar as beiradas;
apertar bem com os dedos. Pincelar as empanadas com os ovos batidos.
Colocar os pastéis em uma assadeira untada e enfarinhada. Assar em forno
médio de 20 a 30 minutos ou até que estejam dourados.
75
Jamaica
Steamed salmon in shaddock sauce
Salmão ao vapor com molho de grapefruit
1 kg de filé de salmão
½ litro de água
suco de 1 limão
1 cebola pequena espetada com 4 cravos-da-índia
1 talo de salsão
1 alho-poró (a parte branca)
sal a gosto
MOLHO
suco de 2 grapefruits
100 g de manteiga gelada em pedacinhos
100 ml de creme de leite fresco
sal a gosto
76
Os sabores da América
Barbecued chicken
Frango à bucaneira
77
Jamaica
Hare in rhun and allspice
Coelho ao rum e pimenta-da-jamaica
1 coelho em pedaços
2 dentes de alho picados finamente
pimenta-do-reino a gosto (opcional)
½ copo (americano) de rum branco
½ copo (americano) de vinho branco seco
1 cebola picada
1 talo de salsão
1 cenoura em cubos
1 buquê garni (salsinha, cebolinha e tomilho)
3 a 4 grãos de pimenta-da-jamaica moídos na hora
Esfregar sal nos pedaços de coelho. Temperar com alho e pimenta. Regar a
carne com o rum e o vinho. Cobrir e levar à geladeira por 12 horas.
Retirar os pedaços de coelho da marinada, coar e reservar o caldo.
Levar uma panela ao fogo, de preferência uma panela de ferro, esquentar o
óleo e dourar os pedaços de coelho. Juntar à marinada a cebola, o salsão, a
cenoura, o buquê garni e a pimenta-da-jamaica. Cozinhar com a panela
tampada. Retirar do fogo quando a carne estiver macia.
Servir com chutney e arroz branco.
78
Os sabores da América
Curried lamb
Carneiro ao curry
79
Jamaica
Christmas ham
Presunto de Natal
1 presunto tender
½ litro de vinho branco
4 cenouras em pedaços
1 cebola cortada ao meio
3 folhas de louro
2 galhinhos de tomilho
3 cravos-da-índia
½ garrafa de rum
500 ml de suco de abacaxi
ABACAXI GLACEADO
30 g de manteiga
7 colheres (chá) de açúcar cristal
1 abacaxi em fatias redondas
cravos-da-índia para dornar o presunto
80
Os sabores da América
Rice with shaddock zestes
Arroz com zestes de grapefruit cristalizadas
81
Jamaica
Mango and papaya chutney
Chutney de manga e papaia
82
Os sabores da América
Doces
Christmas fruit cake
Bolo de frutas secas
3 ovos
1 xícara (chá) de açúcar
1 cálice de rum jamaicano
60 g de manteiga derretida
1 colher (sobremesa) de canela em pó
1 colher (café) de cravo-da-índia em pó
1 colher (café) de gengibre em pó
1 pitada de noz-moscada
1 pitada de sal
1 ¼ de xícara (chá) de farinha de trigo
1 colher (chá) de fermento em pó
1 colher (café) de bicarbonato de sódio
200 g de uva passa (clara e escura)
200 g de nozes
200 g de frutas cristalizadas
83
Jamaica
Jamaican pudding coffee
Pudim de café jamaicano
500 ml de leite
500 ml de creme de leite
150 g de açúcar
3 colheres (sopa) de café solúvel
1 cálice de licor de café
3 ovos inteiros
3 gemas
CARAMELO
120 g de açúcar
50 ml de água
84
Os sabores da América
Baked banana in guava sauce
Banana assada com calda de goiaba
85
Jamaica
Mangoes in orange sauce
Manga com calda de laranja
86
Os sabores da América
Bebida
Jamaican coffee
Café jamaicano
87
Jamaica
Martinica
MARTINICA
Os franceses
90
Os sabores da América
corsários e navios negreiros entre as colônias do Oriente, da África e da
América, conhecidas como comércio triangular. Os navios aportavam na
África e enchiam seus porões; passavam pelas Antilhas, onde trocavam negros
por produtos tropicais. Os colonizadores demandavam alimentos originários
da terra natal, como farinha de trigo, carne salgada, azeite, barricas de
aguardente e tonéis de vinho.
Com a falência dessa segunda companhia, Guadalupe e Martinica
foram vendidas a prósperos proprietários de terra e produtores de açúcar,
respectivamente em 1649 e em 1650, e, assim, os franceses redescobrem o
encanto da “ilha das flores”.
Após resistir a inúmeros conflitos com os colonizadores, os nativos
se renderam e assinaram um tratado de paz, foram subjugados e obrigados
a trabalhar nas plantações de tabaco, cacau e índigo e, pouco a pouco,
foram eliminados por doenças e maus-tratos. Os sobreviventes rebelados
refugiavam-se no interior das matas e florestas. A cultura indígena da
Martinica foi praticamente extinta; restaram somente os produtos da terra:
frutas tropicais e uma variedade de tubérculos e leguminosas típicas da
região.
A fertilidade da terra e o interesse dos colonizadores em permanecer
nas Antilhas favoreceram o desenvolvimento de novas culturas, notadamente
a da cana-de-açúcar, que fora levada para Guadalupe e Martinica no fim do
século XVII, estendendo-se para Cuba, Jamaica e São Domingos. A
monocultura da cana transformou a paisagem da ilha.
A cruel dominação tinha como atores os escravos, que compunham a
mão-de-obra, e os colonizadores, e como pano de fundo as grandes
propriedades. Os inúmeros engenhos foram financiados por banqueiros e
comerciantes, na maioria holandeses. A economia era fundada em um regime
de produção colonial escravagista, que servia exclusivamente aos interesses
econômicos europeus.
91
Martinica
A população africana cresceu rapidamente, acompanhando o
desenvolvimento das novas culturas do açúcar e do café, transplantadas para
o Novo Mundo. Transformadas em monoculturas de exportação, absorveram
uma força de trabalho numerosa, que resultou em uma população predomi-
nantemente negra sobre a minoria branca, composta pelos proprietários da
terra.
Revoltados com o trabalho forçado e com a ração limitada que
recebiam, sem poder plantar nem comer o que estavam habituados em sua
terra natal, muito cedo os escravos promoveram rebeliões coletivas, as
marronuages, e os fugitivos escondiam-se nas montanhas. O historiador
Fernand Braudel, em As estruturas do cotidiano, conclui: “As colônias
açucareiras não podem alimentar-se a si próprias já que a cana deixa pouco
espaço aos raros ‘quintais’ de culturas hortícolas”.8
No curso de sua história, a população islenha passou por numerosos
períodos de penúria. A trempage, hoje um prato típico da costa norte do
Atlântico, é uma invenção daqueles tempos difíceis. Preparada com lascas
de bacalhau, engrossada com farinha de mandioca umedecida e espalhada
sobre o pão amanhecido picado, fatias de banana e abacate, a iguaria era
servida sobre a folha de bananeira, da qual os comensais pegavam os bocados
com as mãos. O bacalhau seco ou salgado está presente em vários pratos
típicos da Martinica, como a chiquetaille de morue (migalhas de bacalhau), o
féroce de abacate condimentado com pimenta e o gratinado de bacalhau.
O calalou também fazia parte das refeições servidas aos escravos. É
uma sopa de folhas de malanga, um tubérculo de origem asiática, que podem
ser substituídas por espinafre. As folhas são cozidas com pedaços de carne
de porco salgada e gombô ou quiabo, que aportou na Martinica com os
escravos.
8
Fernand Braudel, As estruturas do cotidiano, vol. 1 (São Paulo: Martins Fontes, 1997), p. 201.
92
Os sabores da América
De todos os cantos do mundo chegavam novos animais e novas plantas.
Da África, o inhame e uma variedade de bananas, cultivadas nas hortas de
mandioca e batata-doce. A fruta-pão e a jaca alimentavam os negros na grande
travessia do continente de origem em direção ao Caribe. Do Oriente, outras
novidades foram incorporadas à culinária local: a carambola, o tamarindo, o
coco e a manga.
A Revolução Francesa de 1789 ecoou pelas colônias caribenhas, e a
ela se seguiu uma série de sublevações, tanto na Martinica como em São
Domingos. Em 1794, devido à pressão dos revolucionários, deu-se a
primeira abolição de escravos nas colônias francesas. Contudo, em 1802,
Napoleão Bonaparte, influenciado e pressionado pela imperatriz Josefina,
filha de um promissor proprietário com negócios na Martinica, restabeleceu
a escravidão.
Após os traumáticos levantes dos escravos em 1804, São Domingos
torna-se independente. O som da liberdade ressoa por todo o arquipélago e
os levantes se multiplicam.
A economia colonial andava mal, pois seu principal produto, o açúcar
de cana, estava perdendo a supremacia para o açúcar de beterraba, cuja
produção européia crescera a partir do início do século XIX. Nesse novo
contexto, a mão-de-obra escrava deixou de ser interessante, mas a pressão
econômica da Inglaterra e dos colonos latifundiários, que defendiam
unicamente seus interesses, fez a França recuar e manter o regime de servidão.
O ano de 1848 finalmente marca a segunda abolição dos escravos
para todas as colônias francesas, com o apoio de Victor Schoelcher, deputado
da Martinica e de Guadalupe e defensor dos abolicionistas. É de sua autoria
o decreto de abolição da escravatura de 27 de abril daquele ano.
Entra em cena a monocultura cafeeira, cuja mão-de-obra era composta
por trabalhadores assalariados contratados na China e nas feitorias das Índias
Orientais.
93
Martinica
Os hindus presentearam a culinária da ilha com seus sabores picantes
e o perfume das especiarias. O pó-de-colombo – que em nada difere do
garam massala ou do curry indiano – oferece aos comensais um leque de
perfumes voluptuosos e envolventes de ervas e especiarias aromáticas, sem
as quais as carnes de frango, de carneiro ou de porco seriam desprovidas da
sua magia. A preparação ideal requer equilíbrio nas porções e deve provocar
a sensação de harmonia ao paladar. Na sua composição entram gengibre,
semente de coentro, cravo-da-índia, mostarda, pimenta em grão, canela,
feno-grego e cúrcuma. O segredo para preservar o perfume está em tostar
os grãos das especiarias e triturá-los no almofariz, dessa forma os aromas são
liberados com mais intensidade.
Para paladares mais adocicados, adicionam-se ao pó-de-colombo pitadas
de anis e açafrão. Para aqueles mais fortes, acrescentam-se alho e uma
quantidade maior de cravo-da-índia. A cúrcuma é considerada o açafrão-da-
índia. Sua raiz, após ser moída, confere cor amarelada e sabor picante ao cari.
Depois do término dos contratos nas plantations, muitos hindus
optaram por permanecer na ilha, refugiando-se no interior. Formaram uma
comunidade isolada, que manteve as tradições culinárias e religiosas.
94
Os sabores da América
aromatizado com tomilho, louro, cebola, buquê garni e pimenta vermelha.
O court-bouillon de peixe preparado na Martinica é diferente do tradicional
francês. Trata-se do cozimento de certos peixes e frutos do mar em molho
de tomate.
Também fazem sucesso os caranguejos recheados e a lagosta grelhada
regada com suco de limão e pimenta, flambada com rum. O peixe grelhado
com molho chien (vinagrete) e a sopa z’habitant (preparada com espinafre,
ervas, salsão e alho-poró, com presunto em cubos) são pratos bastante
populares.
O norte da Martinica tem uma culinária marcante. Adentrando a
floresta, seguindo a mítica trilha dos jesuítas – a “route de la Trace” –, em
direção a Morne-Rouge, alcança-se o pequeno vilarejo ao pé da montanha
Pelée (Saint-Pierre, centro econômico e antiga capital da ilha, destruída pela
erupção do vulcão Pelée, em 1902). Nessa parte da ilha, as mulheres
cozinham em barracas as iguarias que no passado eram populares e que
hoje fazem parte da mesa da burguesia. Os ciriques recheados e as verdadeiras
accras de camarão são oferecidos na rua. Os ciriques ou caranguejos, catados
em terras alagadas, são mantidos em barris e alimentados com manga e
banana, frutas que tornam sua carne mais saborosa e tenra.
O outro lado de Morne-Rouge, sobre a costa dos mares do Atlântico,
é dominado por gigantescas falésias, onde se formam não só lagoas e rios
como também há terras férteis, nas quais se encontram campos de plantação
de abacaxi, banana e cana-de-açúcar, para a fabricação do rum.
O bacalhau não perdeu o seu reinado: sua presença é marcante na
cozinha antilhana. As accras são preparadas com lascas de bacalhau
empanadas numa massa pouco líquida à base de farinha de trigo, ovos e
leite. Fritas em óleo, são servidas como tira-gosto para acompanhar drinques,
ou como guarnição de saladas de legumes crus ou de um boudin creole
(chouriço). Essas pequenas frituras apelam para a imaginação do cozinheiro,
95
Martinica
pois podem ser igualmente feitas com todo tipo de legumes, peixes, lagosta
ou arenque defumado.
Quanto às carnes, os preparos mais reputados são o colombo de cabri
(carneiro de leite) ou de porco, assim como aves e frangos, que têm seu
sabor realçado pelas especiarias que despertam o olfato e o paladar.
Essas carnes demandam um longo preparo. Primeiramente, ela é
marinada por horas em uma mistura de vinho branco, ervas, pó-de-colombo
e hortaliças. O segredo está no assar: na grelha ou no forno o cozimento
deve ser lento para que o perfume dos temperos penetre devagar na carne.
Para acompanhar tais iguarias, nada melhor que legumes como
berinjela e christophine (um tipo de chuchu com polpa esbranquiçada)
gratinados com queijo gruyère. Os purês de inhame, abóbora, fruta-pão,
jaca, ti-nain ou banana-legume imprimem originalidade à cozinha crioula.
O bébélé ou dobradinha é servido como prato único. Substancioso,
mais parece um grande cozido, pois em seu preparo entram cenoura, abóbora,
batata, banana, inhame, fruta-pão, carne de porco, tripa e os mais variados
temperos.
O café
96
Os sabores da América
Anos depois, floresceram centenas de cerejas, que foram distribuídas
primeiramente para Guadalupe e São Domingos. Em menos de um século,
a cultura cafeeira desabrocharia por todo o Caribe, chegando até a América
Central.
Até fins do século XVIII, as bebidas quentes – como o chá da China,
o café da Arábia e o chocolate do México – freqüentavam somente os palácios
da nobreza européia. No início dos Novecentos, em Veneza, Paris e Viena,
passam a ser servidas nos salões de chá, nas confeitarias e nos cafés, pontos
de encontro de intelectuais e burgueses, que aderiram às extravagantes
beberagens quentes, consideradas excitantes, reconfortantes e prazerosas tanto
ao paladar como ao corpo.
Em Istambul, na Turquia, já no século XVI, os vendedores ambulantes
de refrescos acrescentaram o café aos seus tabuleiros. O mesmo se deu em
Veneza com os ambulantes de água e em Paris, onde os vendedores se
equipavam com todos os utensílios necessários para o preparo do café.
Honoré de Balzac faz referência, em seu romance La fille aux yeux
d’or, aos vendedores ambulantes de café na Paris do século XIX: “no
Boulevard de Montmartre, de manhãzinha [...] uma senhora vendia
aguardente e café aos operários, aos rapazotes, aos hortelões, a toda esta
população parisiense que começa sua vida antes do romper do dia”.9 Por
uma medida de economia, o café servido nas ruas, preparado com leite, era
excessivamente doce. A venda ambulante de café persistiu até o século XX,
quando a bebida tornou-se acessível e popularizou-se.
No século XVIII, com a ascensão da burguesia comercial, as novidades
do Oriente e do Novo Mundo transformaram o sabor da culinária, e os
gostos pelos sabores exóticos começaram a prevalecer na Europa. França e
Holanda disputavam acirradamente o comércio internacional de produtos
da América. Segundo Piero Camporesi, em Hedonismo e exotismo, “entre os
9
Honoré de Balzac, La fille aux yeux d’or (Paris: Mille et Une Nuits, 1998), p. 89.
97
Martinica
Seiscentos e os Setecentos, a Holanda importa das terras do Oriente e do
mar das Caraíbas um mostruário inédito de mercadorias desconhecidas do
velho sistema econômico alimentar”.10
Nessa competição pelo mercado exportador, os proprietários de terra
desenvolvem novas plantations, com campos frutíferos de banana e de abacaxi,
destinadas à Europa. Os ingleses cultivam na Jamaica, a partir de 1730, o café
blue mountain, considerado um dos melhores do mundo. O Brasil entra em
cena para tornar-se um dos maiores produtores mundiais e passa a disputar
com outros países das Américas do Sul e Central o mercado cativo europeu.
A fruticultura
10
Piero Camporesi, Hedonismo e exotismo (São Paulo: Unesp, 1990), p. 50.
11
Giuseppe Baretti, apud Piero Camporesi, Hedonismo e exotismo, cit., p. 104.
98
Os sabores da América
Nas festas natalinas, um dos pratos principais é o imprescindível
presunto defumado glaceado com açúcar e rum, acompanhado de abacaxi
fatiado. Muitas frutas são utilizadas no preparo de saladas; o abacate e o
chadec, que vem a ser uma laranja muito parecida com o grapefruit, guarnecem
as entradas de camarão, lagosta e lula.
O souskaï é um modo de preparar frutas verdes, como a manga e a
papaia. Após serem maceradas com suco de limão, sal, alho e pimenta, são
servidas como aperitivo.
A milenar banana, originária da Ásia, foi introduzida nas Antilhas no
fim do século XVI. Chegou nos navios negreiros como alimento dos escravos
na travessia do Novo Mundo. Foi somente no século XVIII, porém, com o
incremento da bananicultura pelos colonizadores, que essa fruta se tornou
produto de exportação.
As bananas fazem parte da dieta diária dos ilhéus, que as degustam
como prato doce ou salgado, como acompanhamento ou como sobremesa.
Há uma variedade delas na ilha, servidas e preparadas como legume, purê,
fritas, assadas ou flambadas ao rum.
Consumida como legume, há a banana plantain, não açucarada,
que, empregada verde, cozida, assada ou frita, acompanha carnes e peixes,
e a ti-nain, também utilizada verde (quando madura, é chamada de
banana-figo). A variedade macanguia, conhecida como banana-amarela,
a fressinette, pequena e muito doce, e a figue pomme, igualmente doce,
cuja forma é alongada, com 8 a 12 centímetros, são consumidas maduras,
como frutas.
Para preparar a banana celeste como uma gostosa sobremesa, é preciso
recheá-la com creme de leite, salpicar açúcar e canela, cobrir com requeijão
e levar ao forno para dourar.
99
Martinica
A bebida dos piratas
100
Os sabores da América
operação natural. O rum branco alcança teor alcoólico de 40 ºGL a 62
ºGL, e o envelhecido, de 43 ºGL a 50 ºGL.
O padre Labat dizia que “o rum é o ‘fogo do diabo’: dá força aos
homens e alegria às mulheres”.
O carnaval é uma festa em que essa bebida não pode faltar; puro,
com água para refrescar ou em coquetéis de frutas, o rum anima as festas
pagãs e populares, nas quais, relembrando as raízes africanas, se reverencia
o rei Vaval, confeccionado de papel machê. Seus súditos, fantasiados com
cores extravagantes, dançam e cantam para o rei, que, na Quarta-Feira de
Cinzas, é queimado em praça pública. Nessa ocasião, os carnavalescos
devoram gulosamente accras de frutos do mar, peixe grelhado com molho
chien e outras iguarias vendidas nas ruas.
Coquetéis tropicais
101
Martinica
cristal. As zestes de laranja amarga e da bergamota devem ser cortadas
finamente, sem nenhum traço da polpa branca. Em seguida, são adicionados
açúcar, canela, noz-moscada, cravo-da-índia e, por fim, rum branco. Deixa-
se macerar por pelo menos duas luas cheias.
102
Os sabores da América
e o creme brûlée tropical, untuoso e de sabor agradável, é uma combinação
do aroma de coco, ovos, baunilha e canela.
Do casamento entre o mar e a terra, a cozinha da Martinica tem o
sabor dos descobrimentos. Como fonte de inspiração encontram-se os
generosos produtos autóctones, doação e sutileza da ilha. Fundem-se
ingredientes, receitas, temperos e técnicas, tudo isso resulta em uma culinária
variada com influências de diversas etnias a impregnar o paladar dos islenhos
com a mescla de sabores africanos, com o perfume das especiarias da Índia
e o refinamento e as técnicas francesas.
103
Martinica
Salgados
RECEITAS DE MARTINICA
Accras de morue
Bacalhau empanado
200 g de bacalhau
1 xícara (chá) de farinha de trigo
1 colher (café) de fermento em pó
2 ovos batidos
2 claras em neve
½ colher (chá) de bicarbonato de sódio
leite suficiente para diluir a massa
1 cebola picada finamente
1 dente de alho picado finamente
2 colheres (sopa) de salsinha picada
pimenta-do-reino a gosto
sal se necessário
óleo para fritar
104
Os sabores da América
Féroce d’avocat et morue
Salada de abacate e bacalhau
350 g de bacalhau
1 cebola picadinha
1 dente de alho amassado
1 pimenta vermelha sem semente picadinha
1 tomate em cubos pequenos
3 colheres (sopa) de vinagre de cidra ou de maçã
6 colheres (sopa) de azeite de oliva
2 abacates amassados
100 g de farinha de mandioca
sal a gosto
Colocar o bacalhau para dessalgar de véspera. Untar uma fôrma com azeite
e grelhar o bacalhau. Retirar a pele e as espinhas e desfiar o bacalhau em
lascas grossas.
Adicionar a cebola, o alho, a pimenta, o tomate, o vinagre e o azeite e misturar
bem.
Colocar o abacate em uma vasilha funda, juntar a farinha de mandioca e
misturar. Incorporar o bacalhau e provar o sal. Levar à geladeira até a hora
de servir.
105
Martinica
Poisson au lait de noix de coco
Peixe ao leite de coco
106
Os sabores da América
Crabes farcis
Caranguejos recheados
107
Martinica
Bisque de crevette
Bisque de camarão
50 g de manteiga
1 cebola pequena picada
1 dente de alho amassado
2 cenouras cortadas em rodelas
1 talo de salsão cortado
2 copos de vinho branco seco
100 ml de molho de tomate
1 buquê garni (salsinha, cebolinha e tomilho)
1 pimenta dedo-de-moça (inteira) sem semente
sal a gosto
1 litro de água
200 g de camarões pequenos (sem casca)
½ copo de rum envelhecido
100 ml de creme de leite fresco
108
Os sabores da América
Pó-de-colombo
3 dentes de alho
folhas de tomilho
1 pimenta vermelha sem semente (opcional)
½ colher (café) de grãos de coentro
½ colher (café) de cravo-da-índia moído
½ colher (café) de cúrcuma
½ colher (café) de pimenta-da-jamaica moída
½ colher (café) de anis-estrelado em pó
1 colher (café) de açafrão em pó
1 colher (café) de gengibre em pó
1 colher (café) de cominho (opcional)
1 colher (café) de mostarda em grão ou em pó
109
Martinica
Blaff de poisson
Blaff de peixe
1 litro de água
250 ml de vinho branco
1 buquê garni (salsinha, tomilho, cebolinha, louro)
1 cebola
1 dente de alho
raspas de 1 limão
1 pimenta vermelha pequena
3 grãos de pimenta-da-jamaica
2 grãos de pimenta-do-reino
2 cravos-da-índia
1 ½ kg de peixes variados de carne branca (robalo, badejo, pargo-vermelho,
dourado) em postas
sal a gosto
MOLHO DE LARANJA
100 ml de creme de leite fresco
4 colheres (sopa) de raspas de laranja
1 colher (sopa) de suco de laranja ácida
1 colher (sopa) de cebola picadinha
1 colher (café) de mostarda em pó
1 colher (café) de pó-de-colombo
1 colher (sopa) de folhas de coentro
sal a gosto
110
Os sabores da América
Court-bouillon de poisson
Court-bouillon de peixe
MARINADA
½ litro de vinho branco seco
2 dentes de alho amassados
suco de 2 limões
sal a gosto
½ pimenta dedo-de-moça sem semente
111
Martinica
Fricasée de chatrou
Polvo ao vinho tinto
112
Os sabores da América
Langouste à la sauce chien
Lagosta com molho vinagrete
3 lagostas
1 litro de court-bouillon (ver p. 111)
azeite de oliva a gosto
MOLHO
1 cebola bem picada
1 dente de alho bem picado
½ pimenta dedo-de-moça sem semente picada finamente
2 tomates firmes sem semente em cubos
2 ramos de cebolinha picados
suco de 2 limões
4 colheres (sopa) de azeite de oliva
sal e pimenta-do-reino a gosto
113
Martinica
Colombo de porc
Colombo de porco
MARINADA
10 ml de vinagre de vinho
10 ml de vinho branco seco
10 ml de azeite de oliva
1 buquê garni
cravo-da-índia a gosto
vinagre a gosto
sal a gosto
114
Os sabores da América
Patate douce glacée
Batata-doce glaceada
115
Martinica
Gratin de igname
Gratinado de inhame
116
Os sabores da América
Doces
Bananes flambées au rhum
Bananas flambadas ao rum
6 bananas
suco de 1 limão
100 g de açúcar
manteiga sem sal
canela em pó a gosto
rum envelhecido da Martinica
Dissolver a gelatina em água fria. Amornar o leite de coco, sem que ferva,
adicionar o açúcar e a gelatina. Mexer com um batedor de arame até a gelatina
incorporar. Deixar esfriar, mexendo de vez em quando para não formar
película no creme. Reservar.
Bater o creme de leite em ponto de chantilly e juntar delicadamente à mistura
reservada.
Molhar forminhas individuais ou uma fôrma de pudim com água, despejar
o creme e levar à geladeira por 5 a 6 horas ou até endurecer.
Servir a musse com calda de frutas vermelhas ou de goiaba.
117
Martinica
Gâteau au chocolat
Bolo de chocolate
118
Os sabores da América
Crème brûlée au lait de noix de coco
Creme brûlée de coco
4 ovos
200 g de açúcar
1 colher (chá) de canela em pó
1 colher (chá) de noz-moscada
500 ml de leite de coco
500 ml de creme de leite fresco
açúcar mascavo
119
Martinica
Bebidas
Planteur
½ litro de rum
suco de 1 limão
250 ml de suco de laranja
250 ml de suco de goiaba
250 ml de suco de abacaxi
2 colheres (sopa) de açúcar
1 pitada de canela em pó
1 pitada de noz-moscada
Ti-punch
1 dose de rum
½ limão cortado em pedaços
açúcar a gosto
gelo
Ti-punch de coco
250 ml de rum
suco de 1 limão verde
500 ml de leite de coco
1 colher (sopa) de açúcar
1 pitada de canela em pó
1 pitada de noz-moscada
Os maias e os astecas
12
Octavio Paz, O labirinto da solidão (3a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992), p. 83.
com outras civilizações, os casamentos, os nascimentos e as mortes. O desapa-
recimento desse império ocorreu por volta do século IX, e, acreditam os
estudiosos, as cidades teriam sido abandonadas devido a uma epidemia que se
disseminou por toda a população ou por um levante de escravos contra nobres
e sacerdotes. Em todo caso, sua cultura milenar foi transmitida aos toltecas.
Cultores da aritmética, da astronomia e da astrologia, os maias e os
toltecas calculavam o tempo, regido por um calendário solar pelo qual eram
definidas as estações do ano, as festas rituais e o culto aos deuses, ou seja, por
meio dele se organizava a vida cotidiana desse povo. O calendário marcava
para toda a comunidade não só a época da semeadura, do cultivo, da colheita
e da comercialização dos grãos e alimentos, como também o tempo de guerrear
e o da aparição das divindades, enfim, era ele quem regia o destino desse povo.
As sociedades indígenas eram bastante supersticiosas, faziam conjuros
e orações para obter êxito em todas as suas atividades. Consta que enterravam
seus mortos em urnas, acompanhados de todos os objetos de estimação.
Os deuses eram senhores e reguladores do tempo: Tláloc, o deus da
chuva, abençoava a superfície da terra; Xipe Totec verdejava os campos; e
Xilonen fazia florescer o milho.
O primeiro mês do calendário sagrado correspondia ao nosso mês de
março, época em que preparavam a terra para receber as primeiras chuvas.
Na primeira comemoração do ano, homenageavam o deus Tlaloques e lhe
pediam um ano fértil. No mês de setembro (ochpaniztli), comemoravam a
festa da colheita de milho, feijão, abóbora, chile, cacau, tomate e baunilha.
Os astecas
124
Os sabores da América
Deveriam encontrar uma águia pousada sobre um nopal – planta da família
das cactáceas – devorando uma serpente e ali se estabelecer. O nopal
representava a terra; a águia, o ar; e a serpente, a água – três elementos
essenciais para a sobrevivência dos astecas. Nessa empreitada para chegar à
terra prometida, os astecas extraíam das folhas espinhosas do cacto a seiva
para matar a sede e a fruta da tuna (figo-da-índia) para apaziguar a fome.
(Atualmente, utilizam-se as folhas de cactos no preparo de saladas ou como
legume cozido. Suas folhas macias são colhidas enquanto pequenas e
empregadas após a retirada dos espinhos.)
Depois de muito peregrinar, avistaram no lago Texcoco o símbolo
indicado pelo seu deus. Havia ali uma ilha de difícil acesso, onde ergueram,
em 1325, a cidade sagrada de Tenochtitlán, atual Cidade do México. Apesar
das hostilidades do entorno e das disputas pelo poder, os astecas conquistaram
a supremacia militar e submeteram a maioria das sociedades tribais do vale
central ao pagamento de tributos e de sacrifícios humanos. Formou-se uma
tríplice aliança entre México-Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopan, cidades
associadas que dividiam a administração das províncias subjugadas e
fortaleciam-se contra o jugo dos inimigos, estendendo o domínio econômico
por todo o vale central. A despeito de estarem permanentemente em guerra,
essas diferentes tribos tinham algum parentesco e falavam o mesmo idioma.
Também os costumes e a vida religiosa eram semelhantes.
A cidade flutuante de Tenochtitlán, construída sobre um lago, era o
centro do mundo asteca. Na época em que alcançou seu apogeu, a população
chegou a 200 mil habitantes. Duas pirâmides foram edificadas, o Templo
do Sol e o da Lua, entre outros santuários. A religiosidade asteca era dirigida
pelos sacerdotes, uma casta poderosa encarregada de orientar e educar os
nobres, bem como de reger as cerimônias rituais e a prática dos sacrifícios.
O derramamento de sangue e a oferenda do coração de animais e de seres
humanos eram ritos imprescindíveis.
125
México
Os astecas tinham pouco conhecimento sobre a cultura da terra, mas
assimilaram as técnicas agrícolas dos povos civilizados do vale. Construíram
ilhas artificiais flutuantes, as chinampas, serpenteadas por canais. Formadas
por plataformas de junco, eram fixadas por limo e gramíneas, encravadas com
colunas de madeira no fundo do pântano. No entorno plantavam arbustos e
salgueiros para melhor fixar o solo. Cultivavam flores, hortaliças e leguminosas.
Com essa técnica desenvolveram sua economia de subsistência – plantações
de milho, nopal, jitomate, frijoles, cacau, tabaco, chile, pimentos e pomares de
frutas como maracujá, baunilha, cacau, abacate, papaia, fruta-do-conde, cabaça,
uma espécie de abóbora, e a tuna, conhecida como figo-da-índia.
A visão que o soldado Bernal Díaz del Castillo (1500-1581) reproduz
sobre a cidade de Tenochtitlán encontra-se em um manuscrito transcrito e
publicado em 1632 – “A verdadeira história da conquista da Nova Espanha”.
Sobre um grande lago reinava Tenochtitlán, circundada por outras cidades.
A circulação de mercadorias e a comunicação entre as cidades davam-se por
canoas, ou por pontes levadiças feitas de madeira.
O néctar do imperador
126
Os sabores da América
o espírito. Um dia, porém, foi invadido pelo desejo de se tornar um deus.
Pediu a um feiticeiro que preparasse uma poção da eterna juventude, da
imortalidade. O rei, entretanto, morreu envenenado, mas antes de morrer
teria balbuciado “Eu retornarei...”. Anos e anos se passaram; os toltecas
continuaram a cultuar o deus Quetzalcóatl e a transmitir aos seus herdeiros
astecas o culto aos deuses e a adoração à natureza.
Montezuma II cultivava a arte de comer bem. Refestelava-se em lautos
banquetes, em que eram oferecidos mais de trezentos pratos, todos muito
sofisticados e apimentados com chile. Serviam-se tomates e pimentões
recheados, tamales, rãs com molho de chile verde, peixes fresquíssimos,
trazidos especialmente das costas mexicanas, aves e caças regadas com molhos
suculentos à base de frutas. Após as refeições, um dos grandes prazeres do
imperador era sorver seu chocolate espumante, perfumado com baunilha,
servido frio em taças de ouro.
Com o passar do tempo, algumas técnicas de preparo do chocolate
foram desenvolvidas pelos astecas. O atextli, por exemplo, era uma
combinação de cem grãos de cacau torrados e moídos com o nixtamal,
aromatizado com os pequeninos grãos de baunilha. Para maias e astecas, a
comida fazia parte da idéia de paraíso. Era por eles apreciada e lhes dava
muito prazer. Tlacualli, que significa “comida”, era sinônimo de cualli, “o
belo e o bom”, tudo aquilo que faz bem ao ser humano.
Mas nos conventos do México a bebida se transformou. As freiras
associaram o amargo chocolate ao mel mesclado com canela. Algum tempo
depois, o açúcar é trazido das Canárias, e os colonizadores rapidamente
combinam o chocolate e o açúcar, e o perfumam com baunilha, mas guardam
segredo da nova receita.
Hernán Cortés, em seu retorno à Metrópole em 1528, leva uma nova
receita e os utensílios necessários para o preparo do chocolate espesso e doce. A
corte e a nobreza espanholas não podiam mais viver sem o fumegante chocolate.
127
México
Monopólio da Espanha, demorou um século para que o chocolate
seduzisse toda a Europa. Tornou-se moda na corte francesa graças à união
de Ana da Áustria, filha de Filipe III, rei da Espanha, com Luís XIII,
soberano da França. Na Itália, o néctar afrodisíaco e excitante foi difundido
por Antonio Carletti em 1606, ano em que retornou das Antilhas. E o sucesso
do chocolate ultrapassou fronteiras: Viena, Alemanha e Inglaterra tiveram o
privilégio de provar e aprovar a bebida, que chegou até o paladar dos czares
russos.
Duas correntes se debatiam no preparo do chocolate: a espanhola,
em cuja composição entravam canela, baunilha, cravo-da-índia e açúcar, e a
francesa, em que o chocolate era derretido com água e batido à maneira
asteca, o que o tornava bastante espumoso.
Na Europa do século XVII, o chocolate não era concebido sem o
perfume da baunilha. A fórmula do chocolate quente adoçado com açúcar era
segredo dos reis de Espanha, roubado pelas cortesãs e divulgado rapidamente
para outras cortes européias. No século seguinte, o chocolate quente, o chá e o
café conquistaram a burguesia, que passara a freqüentar os elegantes cafés
para saborear esse néctar, celebrando os rituais sociais da elite.
Os europeus se rendem ao prazeroso sabor da bebida, segundo Piero
Camporesi, em Hedonismo e exotismo: “O chocolate se torna instrumento de
insinuação religiosa, de penetração edificante, delícia nova oferecida ad
maiorem Dei gloriam. O panorama culinário se complica apresentando um
coquetel de arcaísmo e modernidade exótica”.13
A invasão espanhola
13
Piero Camporesi, Hedonismo e exotismo, cit., p. 50.
128
Os sabores da América
armaduras prateadas e elmos emplumados, montados em animais de quatro
patas, o que impressionou os astecas. “O nosso deus Quetzalcóatl retornou!”,
diziam os nativos.
Os conquistadores foram bem recebidos pelo imperador Montezuma II,
que acolheu Cortés como se fosse Quetzalcóatl, venerado deus do povo asteca,
cobrindo-o de colares de ouro e pedras preciosas. Cortés marchou soberano
em direção a Tenochtitlán, tendo sido recepcionado com honrarias reais:
“Tereis aqui tudo aquilo que vos for necessário, estais em vossa casa, em
vosso país natal”, esse foi o convite que lhe fez Montezuma para participar
de um banquete digno da riqueza asteca. Para arrematar a grande comilança,
ofereceu-lhe uma taça de ouro com o espesso chocolate, símbolo de
hospitalidade. Mesmo não sendo agradável ao paladar, pois era terrivelmente
amargo e muito condimentado com chile, o sagaz Cortés percebeu o valor
do cacau.
O que mais chamou a atenção dos invasores foi o mercado de
Tlatelolco. Ocupava uma grande praça, com mais de 5 mil barracas
permanentes, por onde transitavam diariamente cerca de 60 mil pessoas
entre compradores e vendedores. Nessa imensa feira, comercializavam-se
desde produtos agrícolas, caças, aves e peixes até comidas prontas, pedras
preciosas, ouro, utensílios de cerâmica e roupas. As muitas frutas ali expostas,
empilhadas, davam um colorido vivo ao cenário e representavam abundância
e felicidade.
Bernal Díaz, que já conhecia os mercados de Constantinopla e Veneza,
nunca havia visto tal concentração de pessoas, mercadores e compradores
provenientes de outras províncias que negociavam seus produtos no mercado.
A intensa atividade comercial era realizada por mercadores pro-
fissionais, que, transitando por uma imensa rede de estradas, dominavam
grande parte da América Medial. Circulavam bens luxuosos e sofisticados,
como plumas, jade e ouro, uma abundância de alimentos e muitos outros
129
México
produtos, roupas e utensílios de cerâmica. As sementes de cacau eram
utilizadas como moeda de troca nas negociações de compra e venda de
mercadorias.
A administração dessas transações era feita segundo um sistema de
tributação de mercadorias, cujo pagamento era efetuado em espécie. Os
tributos, guardados nos grandes palácios, mantinham o fausto do imperador
e alimentavam os povos em tempos de guerra e de escassez de alimento.
Dizem que Cortés foi avisado de que as paredes dos aposentos do
palácio real eram revestidas de ouro. Ávidos e gananciosos, os espanhóis
prenderam o imperador e o obrigaram a jurar obediência ao rei Carlos V.
Na noite de 30 de junho de 1520, num confronto que ficou
conhecido como Batalha da Noite Triste, os astecas expulsaram os espa-
nhóis de Tenochtitlán. Apesar das disputas sangrentas, das privações e
doenças, os astecas, sob o comando do novo imperador Cuauhtémoc, não
se renderam. No ano seguinte, porém, a cidade foi destruída e o imperador,
capturado pelo exército de Cortés. Assim se deu o desaparecimento do
Império Asteca.
As iguarias mexicanas
130
Os sabores da América
para seu consumo; além disso, seus vassalos traziam peixes dos mares do
Pacífico.
A caça e a pesca eram praticadas durante o ano todo, com mais
freqüência durante as comemorações e os rituais religiosos ou em festas de
casamento e batizado. Os cronistas do Velho Mundo relataram a destreza
dos caçadores nativos, que capturavam com arco e flecha as presas preferidas:
lebres, gusanos, veados, jaguares, avestruzes, tucanos, garças, pombas, perus-
do-monte, entre outras aves. O consumo de carne de caça era próprio da
corte e das castas religiosas.
Os nativos exploravam o maguey ou agave, gênero de planta que cresce
em estado silvestre e, como bem disse o padre Joseph de Acosta, é a “árvore
das maravilhas”, com um sem-número de utilidades. Seu talo produz fibra
têxtil; com o líquido extraído das folhas podem-se fazer xarope, vinagre e
azeite. Trata-se de excelente alimento, usado pelos indígenas em tempos de
seca para abrandar a sede e a fome. Com o mesmo líquido, prepara-se a
aguamiel, que, ao fermentar, produz o octil ou pulque, servidos nas festas
cerimoniais e nos rituais sagrados.
Nessas cerimônias e nos cultos às divindades, eram usados utensílios
de barro cozido, decorados com pigmentos coloridos. Para o uso cotidiano,
elaboravam cântaros para armazenar bebidas, pratos, bandejas e outras peças.
A arte cerâmica remonta ao período neolítico, quando as civilizações
mesoamericanas deixaram de ser coletoras e caçadoras e dedicaram-se à
agricultura.
Ao sul da Cidade do México, situa-se Xochimilco, com seus jardins
flutuantes onde se cultivam as mais belas plantas, que fazem parte das
reminiscências de tempos passados. Em volta do lago, uma frota de barcos
coloridos convida os passantes a um piquenique entre os canais que circundam
as ilhas. Oferece-se o que há de mais típico: salada de cacto e pimentão,
tamales, milho assado, quesadillas de flor de calabacita (tortilhas dobradas ao
131
México
meio e recheadas com um guisado de flores de abobrinha), guacamole e
tortilhas recheadas com peixe ou carne de porco, regadas com molho de
pimenta macerada no vinagre. Sobre as mesas dos barcos, há um variado
cardápio de pratos e uma garrafa de tequila.
O guacamole, por sua vez, é um prato conhecido internacionalmente.
Muito fresco e saboroso, é composto de um creme de abacate misturado
com cebola, suco de limão, tomate finamente picado e chile. Constitui-se no
acompanhamento ideal para as tortilhas.
O abacate, confundido pelos colonizadores com as grandes peras
espanholas, combina bem com camarões cozidos e no preparo de saladas.
Sua casca verde guarda uma polpa cremosa como manteiga e de sabor suave.
Considerada pelos indígenas uma fruta agradável e refrescante, foi preterida
pelos colonizadores, para os quais era indigesta e gordurosa.
O milho, além de se constituir na base alimentícia dos povos pré-
hispânicos, era considerado alimento sagrado. De fácil plantio, adaptava-se
aos terrenos e climas mais diversos. Apresentava algumas deficiências
nutritivas, porém a sabedoria ancestral desses povos o transformou em um
cereal de alto valor nutritivo.
O milho passa por um processo artesanal e caseiro, o nixtamal. Seus
grãos são colocados de molho em água com cal e em seguida cozidos a
80 °C. Quando a película que os envolve se desprender facilmente, o ponto
de cozimento terá sido atingido. Devem ser mantidos em repouso até o dia
seguinte, quando então, após serem lavados repetidas vezes, são dispostos
sobre o metate – pedras de moer acompanhadas da mó – com o objetivo de
eliminar sua cutícula. Desse processo resulta uma massa básica com a qual
se preparam várias comidas e bebidas.
Os pratos mais tradicionais da cozinha mexicana são preparados com
essa massa: as tortilhas e os tamales e bebidas como o atol e o pozol, que,
misturadas com ervas medicinais e chile, fortalecem e revigoram o ânimo.
132
Os sabores da América
Acreditavam os nativos que se tratava de bebidas curativas, extremamente
refrescantes, e também de excelente alimento.
Cada região mexicana tem seu próprio modo de preparar tanto as
tortilhas como os tamales. Os ingredientes e os recheios variam, mas, todos,
sem exceção, são bastante picantes.
As tlaxcalli ou tortilhas são consideradas o pão mexicano. Originárias
da cidade de Teotihuacán, difundiram-se no período asteca por todo o México
e foram incorporadas pela cozinha crioula. São de vários tamanhos, texturas,
espessuras e cores. Podem ser descritas como finas panquecas de farinha de
milho, de 15 a 20 centímetros de diâmetro, cozidas uma a uma sobre o comal
– disco de barro ou de ferro plano. Recheadas com carne de porco, frango
ou legumes: sem exceção, são muito picantes.
A massa dos tamales é feita com os grãos de milho, fervidos com cal
para que a casca se solte. Depois de cozidos, os grãos são moídos formando
uma massa homogênea e úmida. Os recheios podem variar: carne de porco,
frango ou de boi. O tamal é envolvido em folha de milho e cozido no vapor.
O manjar dos deuses é um fungo ou parasita negro muito raro e
apreciado: o huitlacoche, que cresce sobre as folhas da espiga de milho.
Com ele se faz uma excelente sopa, além de ser usado em suculentos
guisados ou como recheio das quesadillas. Pode-se dizer que é a trufa negra
da América.
Peixes, crustáceos e moluscos são abundantes no oceano Pacífico, no
golfo do México e nas águas turquesas do Caribe. Pescadores jogam suas
redes e recolhem-nas repletas de cações, sardinhas e huachinangos ou dourados,
o mais sofisticado dos peixes encontrados naquelas águas. Geralmente é
preparado inteiro com molho de laranja; à moda de Vera Cruz, recebe molho
de tomate, azeitona verde e alcaparra. Vieiras, camarões, ostras e uma
variedade de moluscos muito populares na costa do golfo são regados com
molho escabeche e... haja pimenta!
133
México
Apimentando o paladar dos colonizadores
A cozinha mexicana emprega grande variedade de chiles em seus pratos
típicos, com sabores muito distintos, desde as mais picantes até as doces.
Acreditam os mexicanos que a pimenta desperta o apetite e excita o paladar.
Considerado medicinal, se consumido sem excesso, é bom para o estômago
e para a saliva. Condimenta todos os pratos e bebidas: guisados, frutas,
chocolates, refrescos e bebidas alcoólicas. O chile jalapeño é o mais utilizado.
Seu similar, de cor verde-escura e consistência carnosa, é o cuaresmeño. O
poblano é o pimentão verde, tem sabor adocicado. O chile serrano é um dos
mais picantes, enquanto o seco é com freqüência empregado em sopas e
molhos. Há ainda outros, como o ancho, o poblano seco, o mulato e o guajillo.
Não podemos esquecer do achiote, uma pimenta gorda de Tabasco que
perfuma e dá um sabor picante aos pratos.
Carlos Fuentes, em La región más transparente, cita o odor característico
de uma pimenta defumada, muito conhecida dos mexicanos: “A fonda
resmunga um pequeno cheiro de chilpotles e de tortilla recém-esquentada e
depósitos de gordura e águas frescas”.14
A culinária do México conta ainda com ampla diversidade de moles.
O mais famoso é o mole poblano, um molho sui generis representante do
multiculturalismo gastronômico mexicano, pois nele se mesclam o jitomate,
os chiles e o chocolate nativos, bem como amêndoas, uvas passas, canela e
cravo do Oriente, trazidos pelos espanhóis. Há moles variados e de diversas
cores: verde, negro ou amarelo, dependendo dos ingredientes empregados.
A bebida popular
A tequila é uma espécie de aguardente mexicana, obtida da
fermentação do agave. Considerada “bebida de homem”, dizem que não dá
14
Carlos Fuentes, La región más transparente, edição crítica de Georgina García Gutiérrez (7a ed. Madri: Ediciones
Cátedra, 1999), p. 165.
134
Os sabores da América
ressaca se algumas regras forem obedecidas durante sua ingestão: o líquido
deve ser servido em copos pequenos e estreitos, denominados caballitos, e o
bebedor deve colocar uma pitada de sal no dorso da mão ou emborcar uma
pequena porção; em seguida deve espremer limão na boca e tomar a tequila
de um gole só. Esse ritual pode ser substituído por um gole de sangrita,
coquetel preparado à base de suco de tomate e laranja, temperado com
pimenta-caiena, ideal para curar todo tipo de bebedeira.
A margarita – coquetel criado por Margarita Sames, em 1948 –
ultrapassou fronteiras. Sua verdadeira receita leva Cointreau, que não pode
ser substituído por nenhum outro licor de laranja.
135
México
de Tenochtitlán um molho feito de um fruto vermelho, o tomate, mesclado
com pimentão, chiles verdes e semente de abóbora. O religioso achou o sabor
exótico e ao mesmo tempo delicioso.
O tomate – do náuatle tomatl – foi levado para a Espanha e, como
tudo o que era enviado da América para o Velho Mundo, era recebido com
profunda estranheza. O tomate – variedade da solanácea procedente das
regiões andinas do Peru, seu fruto pequeno e amarelo foi considerado nocivo
e perigoso à saúde. Alguns estudiosos atribuíram-lhe até propriedades
excitantes. Tornou-se conhecido na Europa no século XVIII, quando os
italianos começaram a cultivar o pomo d’oro e a preparar suculentos molhos.
Aparece no receituário napolitano como molho saboroso enriquecido com
ervas e especiarias. A utilização da espécie vermelha despontou na cozinha
napolitana com uma receita de molho de tomate “de estilo espanhol”. O
pequeno fruto dourado adornou jardins por mais de um século. Outras
espécies, como o pimentão, a pimenta, o milho, bem como frutas tropicais,
permaneceram por longo tempo em estufas e jardins da realeza, pois se
acreditava serem plantas de rara estranheza.
Quanto ao milho, foi por longo tempo ração de animais, adotado pelos
camponeses italianos nas crises de fome que assolavam a Europa cons-
tantemente. Experimentaram a farinha de milho no preparo da polenta, uma
vez que não tinham acesso ao pão de trigo, produto cujo preço era proibitivo
para os padrões plebeus.
Clemente Bondi, em La giornata villereccia, faz referência à polenta
dos pobres:
136
Os sabores da América
Por fim chegando o delicado anseio
A espicaçar a dama e o cavalheiro.15
15
Clemente Bondi, La giornata villereccia, apud Piero Camporesi, Hedonismo e exotismo, cit., p. 173.
137
México
A domesticação de animais limitava-se aos guajalotes ou pavos (dinde
para os franceses, turkey para os ingleses) e aos cachorros, chamados pelos
cronistas de “cachorros mudos”, pois não latiam nem tinham pêlo. Tanto
um como o outro serviam de alimento para os indígenas. A carne de peru
era a preferida das classes dominantes do Império Asteca. Originária das
terras mexicanas, hoje essa ave é saboreada no mundo todo.
Foi Cortés quem viu pela primeira vez o peru. Batizou-o de galo-da-
índia e o descreveu ao rei Carlos V como um animal semelhante a uma
galinha e tão grande quanto um pavão. Atualmente, o peru é ave de grande
prestígio, que permite elaborações culinárias requintadas, com complementos
e molhos que realçam o sabor delicado de sua carne. O segredo para que a
carne fique macia e saborosa depois de assada é embebedar a ave com vinho
branco ou cerveja antes de abatê-la.
Em A fisiologia do gosto, Brillat Savarin afirma que “o peru é certamente
um dos mais belos presentes que o Novo Mundo fez ao Antigo […] o peru
é a maior e, se não a mais fina, pelo menos a mais saborosa das nossas aves
domésticas”.16
Foi na Inglaterra que o peru iniciou sua surpreendente “carreira”
gastronômica, provavelmente por intermédio de mercadores turcos que
conduziam mercadorias para Sevilha e o comercializaram na ilha britânica.
Laura Esquivel, no livro Como água para chocolate, através de Tita, a
personagem principal, dá algumas dicas de como preparar um bom peru
regado ao mole poblano:
16
Brillat Savarin, A fisiologia do gosto (Rio de Janeiro: Salamandra, 1989), pp. 78 e 79.
138
Os sabores da América
etapas, moendo as especiarias no almofariz, picando alho e cebola.
Todos os ingredientes do guisado eram mesclados em uma panela de
barro, depois acrescentavam o peru banhado no mole de chocolate,
ingrediente importante para dar textura ao molho.17
As criações conventuais
17
Laura Esquivel, Como água para chocolate, trad. Olga Savary (São Paulo: Martins Fontes, 1997), p. 53.
139
México
ao sabor do prato. Enquanto o molho cozinhava lentamente, sacrificaram e
depenaram um peru e o colocaram para cozinhar. Apresentaram ao arcebispo
o peru com o delicioso molho à base de chocolate. O preparo original do
mole poblano constava de cem ingredientes, mas evidentemente o molho foi
simplificado, dando origem a muitas variantes.
As festividades
140
Os sabores da América
A artista plástica Frida Khalo oferecia um jantar aos amigos em
comemoração ao Dia da Independência. No livro de Guadalupe Rivera
Marín, Las fiestas de Frida y Diego, pode-se ler: “Como todos eram
nacionalistas e patriotas de verdade, Frida havia pedido a Eulalia – a excelente
cozinheira – que preparasse [...] a sopa de peixe, ‘o arroz tricolor’ e os chiles
en nogada, pratos que, em sua preparação e na hora de serem levados à mesa,
reúnem as cores da bandeira nacional”.18 Os chiles en nogada, prato típico da
cidade de Puebla, têm sua origem nos tempos da libertação mexicana, em
1821. Augustín de Iturbide, futuro imperador do México, passava triunfante
por Puebla com seu exército, quando as monjas do convento de Santa Mônica
lhe ofereceram um banquete em homenagem à liberdade recém-conquistada.
Como prato principal, serviram os chiles en nogada, pimentões verdes
recheados com um suculento refogado de carne moída, condimentado com
cebola, cenoura, tomate, manjericão, canela em pau, uvas passas, amêndoas
e pitadas de açúcar. Cobertos com molho branco e nozes moídas, são
decorados com grãos de romã. O verde do pimentão, o branco do molho
bechamel e o vermelho dos grãos de romã formam as cores da bandeira
nacional.
18
Guadalupe Rivera Marín & Marie-Pierre C. Corcuera, Las fiestas de Frida y Diego: recuerdos y recetas (México:
Promesa, 1994), p. 49.
141
México
carne, tacos, tortilhas e tamales. As espigas de milho grelhadas são igualmente
populares.
Houve uma mudança significativa na vida econômica e cultural do
país. Imigrantes franceses e italianos abriram hotéis nos grandes centros,
transformando lentamente o conceito e o funcionamento das hospedarias.
Os armazéns, que comercializavam apenas produtos importados, passaram
a vender açúcar, mel de abelha, queso panela (queijo fresco), além de víveres
da terra.
Os alemães chegaram ao México para instalar cervejarias e elegeram
como pratos preferidos os insuperáveis bifes de vitela à milanesa, acom-
panhados de couve, batata e beterraba. E, como não poderia deixar de ser,
esses imigrantes se adaptaram ao forte toque do chile chilpotle.
Contudo, esses imigrantes, vindos de várias partes da Europa, não
influenciaram os hábitos arraigados das famílias mexicanas. As refeições
continuaram as mesmas. Os produtos importados, como vinho, azeite e
enlatados em geral, não estavam ao alcance do povo. Somente as elites tinham
acesso a esses luxos, mas tampouco elas abriram mão de suas tradições
culinárias. Com ares cosmopolitas, as camadas mais abastadas serviam em
seus banquetes o champanhe e o pulque, o pão de trigo e a tortilha de milho,
e o chocolate superava o sabor do café.
A culinária mexicana é identificada pelo sabor picante. O seu
patrimônio culinário tem uma tradição enraizada, e os hábitos alimentares
de seu povo estão codificados em rituais das civilizações pré-colombianas,
pela Conquista e pelas culturas migratórias que subverteram o regime
alimentar dos povos do Novo Mundo. Em contrapartida, a cultura mexicana
também subverteu o Velho Continente.
142
Os sabores da América
Salgados
RECEITAS DO MÉXICO
Guacamole
2 abacates maduros e firmes
suco de 2 limões
2 cebolas médias picadas
2 tomates firmes sem semente em cubos
1 pimenta-de-cheiro ou dedo-de-moça sem semente picada finamente
1 raminho de coentro picado
3 raminhos de salsinha picados
sal a gosto
143
México
Tortillas rellenas con picado de vacuno
Tortilhas recheadas com carne moída
8 tortilhas*
RECHEIO
1 colher (sopa) de óleo
1 cebola picada
1 dente de alho picado
500 g de carne moída
4 colheres (sopa) de molho de tomate
1 pimenta vermelha sem semente bem picada (opcional)
1 cebola cortada em rodelas finas (opcional)
sal a gosto
144
Os sabores da América
Aguacate con camarones
Abacate com camarão
50 g de manteiga
leite suficiente para derreter o queijo
200 g de mussarela ou queijo cheddar
1 pimentão vermelho ou verde sem pele, sem semente e em tiras finas
sal e pimenta-do-reino a gosto
145
México
Pescado a veracruzana
Peixe à Vera Cruz
146
Os sabores da América
Huachinango con salsa de naranja
Robalo com molho de laranja
8 filés de robalo
1 colher (sopa) de manteiga
1 colher (chá) de azeite de oliva
1 dente de alho triturado
1 colher (sopa) de raspas de laranja
suco de 2 laranjas-pêra ou baía
1 colher (chá) de gengibre ralado
2 colheres (sopa) de salsinha picada
sal e pimenta-do-reino a gosto
147
México
Bacalao a la tampiqueña
Bacalhau à tampiquenha
1 kg de bacalhau
3 pimentões vermelhos
2 colheres (sopa) de azeite de oliva
1 cebola grande picada finamente
3 dentes de alho esmagados
2 chiles jalapeños em pó ou
½ pimenta dedo-de-moça picadinha
½ xícara (chá) de água
sal a gosto
1 limão em gomos para decorar
148
Os sabores da América
Pollo en cacahuate
Frango com molho de amendoim
149
México
Guajalote al mole poblano
Peru ao molho poblano
MOLHO
100 g de uva passa preta sem semente
4 dentes de alho picados finamente
1 cebola picada grosseiramente
1 pimenta dedo-de-moça sem semente picadinha
3 colheres (sopa) de óleo
100 g de amêndoas sem pele
2 colheres (sopa) de manteiga
50 g de amendoim sem casca
2 cravos-da-índia
2 grãos de pimenta-do-reino
1 canela em pau
½ colher (chá) de semente de anis-estrelado
1 barra de chocolate meio amargo
1 colher (sopa) de açúcar
1 kg de tomate sem pele e sem semente picado
2 pimentões vermelhos sem pele e sem semente picados
2 pimentões verdes sem pele e sem semente picados
4 colheres (sopa) de gergelim
sal a gosto
150
Os sabores da América
Dourar as amêndoas na metade da manteiga, juntar o amendoim, os cravos-
da-índia, os grãos de pimenta, a canela e as sementes de anis, saltear. Triturar
tudo em um processador e reservar.
Derreter o chocolate em banho-maria com um pouco de água. Adicionar o
tomate, os pimentões, os temperos batidos, as especiarias moídas e temperar
com sal. Levar ao fogo para cozinhar. Juntar o açúcar e, quando começar a
ferver, acrescentar ½ litro do caldo do peru. Tampar e cozinhar em fogo
brando, até que o molho fique espesso. Acrescentar o peru e a uva passa e
cozinhar por mais 10 a 15 minutos.
Em uma frigideira, colocar a manteiga restante e dourar o gergelim.
Servir o peru regado com o molho e polvilhado com o gergelim.
151
México
Chiles en nogada
Pimentão recheado com molho de nozes
RECHEIO
6 pimentões verdes
2 colheres (chá) de manteiga
½ xícara (chá) de amêndoas sem casca, perfiladas e tostadas
óleo para refogar
1 cebola picada finamente
2 dentes de alho picados finamente
½ kg de carne moída
2 tomates sem pele e sem semente picadinhos
1 pimenta dedo-de-moça pequena sem semente picadinha
1 xícara (chá) de uva passa
½ xícara (chá) de cidra ou mamão cristalizado em cubos
½ xícara (chá) de azeitonas verdes picadas
1 colher (chá) de açúcar
sal a gosto
MOLHO
1 xícara (chá) de nozes moídas
250 g de ricota
1 xícara (chá) de creme de leite fresco
1 pitada de canela em pó
1 colher (café) de açúcar (opcional)
sal a gosto
grãos de romã
salsinha picada
152
Os sabores da América
Esquentar o óleo e refogar a cebola e o alho até ficarem transparentes.
Acrescentar a carne moída e mexer. Depois que a carne estiver dourada,
juntar as amêndoas e os demais ingredientes. Cozinhar em fogo baixo, com
a panela destampada, por 15 minutos. Rechear os pimentões.
MOLHO | No liquidificador, bater as nozes, a ricota, a metade do creme de
leite, o açúcar, a canela e o sal até obter um molho homogêneo. Se o molho
ficar muito grosso, acrescentar aos poucos o restante do creme de leite.
Colocar os pimentões em uma travessa, regar com o molho de nozes e decorar
com os grãos de romã e a salsinha.
Arroz à mexicana
2 xícaras (chá) de arroz
2 tomates médios
¼ de xícara (chá) de azeite de oliva
2 dentes de alho finamente picados
1 cebola finamente picada
4 xícaras (chá) de caldo de frango
2 cenouras cortadas em rodelas
1 lata de ervilha escorrida
1 pimenta-cumari sem semente picada (opcional)
salsinha picada para decorar
sal a gosto
153
México
Frijoles refritos
Purê de feijão-preto
250 g de feijão-preto
1 colher (sopa) de óleo ou banha de porco
1 cebola picada finamente
queijo branco curado em cubinhos a gosto
tortilha em triângulos
tomate em gomos para guarnecer
sal a gosto
154
Os sabores da América
Doces
Torta del cielo
Torta do céu
Flan de elote
Pudim de milho verde
6 espigas de milho
1 lata de leite condensado
a mesma medida de leite
6 ovos
1 colher (chá) de essência de baunilha
manteiga para untar a fôrma
CALDA
200 g de morango
2 colheres (sopa) de suco de limão
2 colheres (sopa) de açúcar
1 colher (sopa) de licor de uísque
156
Os sabores da América
Torta de chayote
Torta de abóbora
MASSA
½ kg de farinha de trigo
1 pitada de sal
125 g de manteiga gelada em pedacinhos
1 colher (chá) de açúcar
2 colheres (sopa) de água gelada (se necessário, um pouco mais de água até dar o
ponto)
RECHEIO
150 g de purê de abóbora madura
½ xícara (chá) de açúcar
2 ovos ligeiramente batidos
1 lata de leite evaporado
1 colher (chá) de canela em pó
1 colher (chá) de gengibre em pó
1 pitada de cravo-da-índia em pó
157
México
Cocada de Puebla
Cocada à moda de Puebla
1 coco ralado
120 g de açúcar
250 ml de leite
125 ml de creme de leite fresco
4 gemas
6 colheres (sopa) de rum branco
manteiga para untar (sem sal)
1 colher (chá) de canela em pó
50 g de amêndoas sem casca e divididas ao meio
158
Os sabores da América
Bebidas
Chocolate con especias
Chocolate com especiarias
Margarita
160 ml de tequila
40 ml de Cointreau
suco de 3 limões
gelo picado
sal
159
México
Rompope
1 litro de leite
150 g de açúcar
1 fava de baunilha cortada no sentido longitudinal
3 cravos-da-índia
100 g de amêndoas sem casca moídas
12 gemas
¼ de litro de rum
Sangrita
suco de 2 laranjas ácidas
suco de 1 limão
250 ml de suco de tomate
pimenta-do-reino a gosto
galhinhos de salsão (parte branca)
Em uma jarra colocar os sucos e a pimenta. Mexer bem e servir com gelo,
decorar com o salsão.
160
Os sabores da América
ÍNDICE DE RECEITAS
Cuba
SALGADOS
Arroz con pollo [Arroz com frango], 51
Tostones [Banana frita], 54
Casuela criolla [Caçarola crioula de frutos do mar], 46
Camarones borrachitos [Camarões flambados ao rum], 47
Aporreado de tasajo [Carne-seca], 49
Ajiaco cubano [Cozido cubano], 48
Moros y cristianos [Feijão-preto com arroz branco], 53
Cerdo con quimbombó [Lombo de porco com quiabo], 50
Yuca con mojo [Mandioca com molho], 54
Ropa vieja [Roupa velha], 52
Ensalada de papaya con mango [Salada de mamão com manga], 45
Ensalada de mango y aguacate [Salada de manga e abacate], 46
Sopa de calabaza [Sopa de abóbora], 45
DOCES
Arroz con leche de coco [Arroz-doce com leite de coco], 57
Natilla [Creme com suspiro], 56
Flan de leche a cubana [Pudim de leite à cubana], 55
BEBIDAS
Cuba libre, 58
Daiquiri, 58
Mojito, 59
Presidente, 59
Saoco, 59
Jamaica
SALGADOS
Rice with shaddock zestes [Arroz com zestes de grapefruit cristalizadas], 81
Curried lamb [Carneiro ao curry], 79
Mango and papaya chutney [Chutney de manga e papaia], 82
Hare in rhun and allspice [Coelho ao rum e pimenta-da-jamaica], 78
Barbecued chicken [Frango à bucaneira], 77
Curried red snapper [Pargo-vermelho ao curry], 75
Empanadillas jamaicanas [Pastéis de forno jamaicanos], 74
Christmas ham [Presunto de Natal], 80
Steamed salmon in shaddock sauce [Salmão ao vapor com molho de
grapefruit], 76
Callaloo [Sopa de espinafre], 73
DOCES
Baked banana in guava sauce [Banana assada com calda de goiaba], 85
Christmas fruit cake [Bolo de frutas secas], 83
Mangoes in orange sauce [Manga com calda de laranja], 86
Jamaican pudding coffee [Pudim de café jamaicano], 84
BEBIDA
Jamaican coffee [Café jamaicano], 87
164
Os sabores da América
Martinica
SALGADOS
Accras de morue [Bacalhau empanado], 104
Patate douce glacée [Batata-doce glaceada], 115
Bisque de crevette [Bisque de camarão], 108
Blaff de poisson [Blaff de peixe], 110
Crabes farcis [Caranguejos recheados], 107
Colombo de porc [Colombo de porco], 114
Court-bouillon de poisson [Court-bouillon de peixe], 111
Gratin de igname [Gratinado de inhame], 116
Langouste à la sauce chien [Lagosta com molho vinagrete], 113
Poisson au lait de noix de coco [Peixe ao leite de coco], 106
Pó-de-colombo, 109
Fricasée de chatrou [Polvo ao vinho tinto], 112
Féroce d’avocat et morue [Salada de abacate e bacalhau], 105
DOCES
Bananes flambées au rhum [Bananas flambadas ao rum], 117
Gâteau au chocolat [Bolo de chocolate], 118
Crème brûlée au lait de noix de coco [Creme brûlée de coco], 119
Mousse à la noix de coco [Musse de coco], 117
BEBIDAS
Planteur, 120
Ti-punch, 120
Ti-punch de coco, 120
165
Índice de receitas
México
SALGADOS
Aguacate con camarones [Abacate com camarão], 145
Arroz à mexicana, 153
Bacalao a la tampiqueña[Bacalhau à tampiquenha], 148
Pollo en cacahuate [Frango com molho de amendoim], 149
Guacamole, 143
Pescado a veracruzana [Peixe à Vera Cruz], 146
Guajalote al mole poblano [Peru ao molho poblano], 150
Chiles en nogada [Pimentão recheado com molho de nozes], 152
Frijoles refritos [Purê de feijão-preto], 154
Chile con queso [Queijo fundido com pimentão], 145
Huachinango con salsa de naranja [Robalo com molho de laranja], 147
Tortillas rellenas con picado de vacuno [Tortilhas recheadas com carne
moída], 144
DOCES
Cocada de Puebla [Cocada à moda de Puebla], 158
Gelatina de rompope con fresas [Gelatina de rompope com calda de moran-
go], 156
Flan de elote [Pudim de milho verde], 155
Torta de chayote [Torta de abóbora], 157
Torta del cielo [Torta do céu], 155
BEBIDAS
Chocolate con especias [Chocolate com especiarias], 159
Margarita, 159
Rompope, 160
Sangrita, 160
166
Os sabores da América
GLOSSÁRIO
168
Os sabores da América
calalou (Antilhas Francesas), calalú (Cuba) ou callaloo (Antilhas Britânicas):
sopa composta de folhas de malanga (sabor parecido com o espinafre),
legumes verdes e quiabo, carne de porco ou carne de caranguejo.
caraotas negras: feijão-preto.
cari: o mesmo que curry.
casabe: espécie de pão de origem indígena preparado com farinha de
mandioca.
casuela colonial (Cuba): sopa de frutos do mar.
catíbia (Cuba): tipo de farinha de mandioca utilizada para preparar papas e
mingaus.
cazuela de barro: panela de barro utilizada na América Latina para preparar
receitas tradicionais. No México, é utilizada no preparo de moles (molhos)
e guisados.
chadec (Martinica) ou shaddock (Jamaica): espécie de grapefruit de casca
verde, miolo alaranjado ou vermelho; sua pele branca, interna, é bastante
espessa.
chatino: ver tostone.
chatrou: pequeno polvo muito apreciado na cozinha das Antilhas Francesas.
chayote (México), christophine (Antilhas Francesas) ou cho-cho (Jamaica):
chuchu.
chi-chi-pó (Cuba): refresco de leite condensado, água gaseificada e suco de
limão.
chile ou chili: designação de uma variedade de pimentas, do gênero capsicum,
cujos sabores vão do doce ao mais picante. Os chiles podem ser frescos,
secos, defumados ou em pó. Para utilizar a pimenta fresca, devem-se
retirar as nervuras e os grãos, tornando-a mais suave.
chile ancho: é o chile poblano seco, utilizado em molhos.
chile chilpotle: é o chile jalapeño defumado e seco; é vermelho-escuro, aromático
e picante.
169
Glossário
chile en nogada: pimentão recheado com carne e coberto com molho à base
de nozes.
chile jalapeño: é a pimenta fresca. É a mais conhecida das pimentas mexicanas,
encontrada no mundo todo. Seu formato é longo, de 5 cm a
6 cm, cônica, variando do verde ao vermelho (quando madura). É
procedente de Jalapa, no estado de Vera Cruz.
chile poblano: pimentão verde.
chiquetaille (Martinica): prato preparado com bacalhau desfiado.
chirimoya: espécie de fruta-do-conde; sua pele é cheia de gomos e a polpa é
de cor cremosa.
christophine: ver chayote.
churritos de malanga: frituras de malanga.
cirique: pequeno caranguejo do mar; há também uma variedade de água
doce.
cohíba ou cojiba: tabaco enrolado.
colombo (Martinica): mistura de especiarias para condimentar pratos de
carnes, aves e frutos do mar, similar ao curry. É de origem indiana.
comal: originalmente era um disco delgado plano de barro cozido, com até
80 cm de diâmetro, onde se cozinhavam as tortilhas; atualmente o de
metal é de uso generalizado no México.
congrí: versão dos moros y cristianos preparado com feijão-vermelho e bacon.
corossol: da mesma família da fruta-do-conde.
court-bouillon: líquido aromatizado composto de água, vinho branco ou
vinagre aromatizado com cebola, salsão, cenoura e ervas aromáticas, em
que são cozidos vários tipos de carne, peixes ou legumes. Na Martinica,
o court-bouillon se diferencia daquele feito na França. Os peixes e frutos
do mar são cozidos em molho de tomate aromatizado com ervas e
condimentado com pimenta.
cremita de leche: pudim de leite.
170
Os sabores da América
cuaresmeño: o mesmo que jalapeño, designação da região central do México.
curry: originário da Índia, é uma mistura de muitas especiarias e ervas para
preparação de molhos, que condimentam pratos de carnes, frutos do mar
e aves.
dasheen (designação inglesa), dachine ou chou de Chine (Martinica), ou
malanga (Cuba): planta (rizoma) de origem indiana (Colocasia esculenta),
de 60 cm a 70 cm, de grandes folhas; produz um tubérculo ovóide,
recoberto com uma película marrom. As folhas (parecidas com as do
espinafre) são utilizadas para preparar sopas, e o tubérculo compõe os
cozidos.
duckunoo: espécie de massa de pamonha feita com batata-doce e leite de coco,
cozida em casca de bananeira no vapor.
dumplings: tipo de nhoque feito de farinha de milho misturada com farinha
integral e água.
elote: ver maís.
empanadillas: pastéis assados, recheados com refogado de carne de vaca,
porco, frango ou peixe, temperado com gengibre, cominho, pimenta,
cardamomo e tomates.
féroce: prato à base de abacate, bacalhau grelhado, farinha de mandioca e
pimenta.
figue ou figue pomme: variedade de banana doce, de tamanho médio; pode ser
consumida como fruta.
fish tea: sopa de peixe servida quente.
fonda: taberna, bar.
fressinette: variedade de banana doce, pequena, perfumada e de pele fina.
frijoles, alubias ou judías: leguminosa (Phaseolus vulgaris). Há diferentes
variedades provenientes da América do Sul, os astecas as denominavam
de ayacoti.
frijoles negros: feijão-preto.
171
Glossário
fruto de huevo: ver ackee.
fufú: purê de banana ou de inhame; pode-se juntar torresmo ou um refogado
de tomate e pimenta dedo-de-moça.
garapiña: refresco fermentado da casca do abacaxi, no Brasil é conhecido
como aluá.
ginger ale: bebida gasosa, doce, com sabor de limão e gengibre.
ginger jellie: geléia de gengibre para acompanhar carnes.
giraumon: nome da abóbora nas Antilhas.
gofio: mescla de farinha de milho com amêndoas ou amendoim. Chegou em
Cuba com os imigrantes das ilhas Canárias.
granadina: romã.
guacamole: purê de abacate, temperado com cebola, chile e coentro picados.
guajalote: peru, ave de origem mexicana.
guajalote al mole poblano: peru ao molho de ervas e chocolate.
guanabana: espécie de fruta-do-conde.
guayo ou guajillo: tipo de ralador plano, usado para ralar a mandioca na
preparação da farinha.
guiso de quimbombó: cozido de peixes, tubérculos e quiabo.
huitlacoche: fungo negro que nasce na espiga de milho, muito apreciado pelos
mexicanos em sopas e quesadillas.
jalapeño: ver chile jalapeño.
jerk: carne de porco selvagem defumada em um leito de galhos de pimenteira
ou goiabeira. A tradição da carne-seca, chamada pelos espanhóis de
charque, foi denominada pelos colonizadores ingleses de jerk ou jerky.
Também é o nome do prato preparado com carne de porco, frango ou
peixe, marinada e assada na grelha.
jitomate ou jitomatl (em náuatle): legume-fruta de origem peruana; a palavra
tomate é uma deformação de tomatl, de origem inca. No México há uma
variedade de frutos pequenos, verdes, designados de tomate. Jitomate é
uma referência ao fruto maior, de cor vermelha.
172
Os sabores da América
macanguia: variedade de banana, consumida madura.
maís: milho, produto básico da cozinha da América Latina. Assado ou cozido
é chamado de elotes pelos mexicanos.
malanga: ver dasheen.
maripozas ou mariquitas (Cuba): chips de banana.
melcocha: alfenim de açúcar, doce feito de melado de cana-de-açúcar em
ponto de bala. Enrola-se ou fazem-se figuras antes que endureça.
menocal: é uma versão do moros y cristianos refogado com tomate.
mescal ou mezcal: bebida destilada do agave ou maguey (cacto), de elevada
graduação alcoólica, produzida nos estados de Oaxaca e Guerrero, no
México.
metate: pedra vulcânica de superfície plana utilizada para moer grãos, como
milho, sementes e chiles. Para triturar os grãos, usa-se um rodillo de pedra.
mole: molho; os astecas designavam o molho de “molli” ou mole.
mole poblano: molho de Puebla, cidade do México. O mole poblano é um
molho espesso preparado com uma infinidade de ingredientes, entre eles
uma variedade de chiles, especiarias e chocolate, servido com o peru.
moros y cristianos: arroz cozido com o feijão-preto; prato-símbolo da culinária
cubana.
natilla: doce preparado com creme de maisena, calda de caramelo e coberto
com merengue.
ninameant: designação náuatle do ananás, que significa “fruto delicioso”.
nixtamal: processo de elaboração da massa de milho para confecção de tamales.
nogada: molho preparado com nozes.
nopal: cacto que cresce em terrenos secos; de suas folhas espinhosas brota
uma flor e depois uma fruta, a tuna ou figo-da-índia, delas também se
retira a água-mel.
octil ou octli: bebida das classes populares mexicanas, que depois da Conquista
passou a chamar-se pulque.
173
Glossário
olla: recipiente ou panela utilizada para cozinhar os alimentos.
olla podrida: cozido espanhol conhecido pelo mesmo nome nos países de
língua hispânica.
ortanique (Jamaica): da família dos cítricos, é um cruzamento de laranja
doce com tangerina.
ostione: ostra do mar do Caribe.
paella: prato típico da Espanha à base de arroz, carnes, legumes, peixes e
crustáceos.
peper jellie: geléia de pimenta para acompanhar carnes.
pepperpot: sopa picante preparada à base de folhas de malanga (ou espinafre).
pimenta-da-jamaica, allspice (Inglaterra) ou quatre-épices (França): a pimenta-
da-jamaica (Pimenta doica) é uma mescla de sabores: cravo, canela, noz-
moscada e pimenta-do-reino.
pimento: pimentão.
piña: abacaxi.
pistache: nome crioulo dado ao amendoim.
plantain: banana-legume utilizada verde, só deve ser consumida frita, cozida
ou assada.
plátano a puñetazos: ver tostone.
plátanos verdes: banana plantain.
pó-de-colombo: mistura de grãos de cominho, pimenta-do-reino, mostarda
em grão, cúrcuma, açafrão, pimenta-da-jamaica, coentro.
potaje: sopa.
pozol: bebida tradicional, à base de massa de nixtamal e água. É comum
deixá-la fermentar por uns dias e temperar com sal, chile, açúcar e
chocolate.
puchero: cozido espanhol, composto de carnes variadas, verduras, hortaliças
e legumes. Os colonizadores espanhóis o disseminaram por toda a
América, e em cada região é preparada com produtos autóctones.
174
Os sabores da América
pulque: bebida maia e asteca, ligeiramente alcoólica, feita a partir da
fermentação natural da água-mel, ou seja, do suco do maguey.
quesadillas de flor de calabacita: tortillas dobradas ao meio e recheadas com
um guisado de flores de abobrinha.
queso crema (Cuba): queijo similar ao cream cheese.
quimbombó: quiabo.
recaíto: feijão-preto temperado com molho de tomate, coentro e presunto.
red snapper: ver vivaneau.
refrito: refogado de cebola, alho, tomate.
rizado (Cuba): frisado de sorvetes de dois sabores.
rompope (México): licor preparado à base de gemas, açúcar, leite e algum
tipo de álcool.
saltfish and ackee: combinação de bacalhau cozido com cebola, tomate e
tomilho e ackee.
sancocho de habichuela negra: cozido de feijão-preto com arroz, inhame e rodelas
de banana frita.
shaddock: ver chadec.
shrub: licor macerado com cascas de frutas ácidas – laranja, limão e abacaxi
em calda de açúcar e rum.
sofrito: molho ou refogado; combinação de cebola, pimenta, ají fresco,
pimentões, tomates, coentro, urucum refogados em gordura de porco.
sopa islenha (Cuba): sopa de peixes variados.
tacos: tortillas com a mesma textura da panqueca, recheadas com carne, aves
ou peixe e enroladas.
tamales: especialidade de alguns países da América Latina, de origem
indígena. Massa de milho mesclada com gordura, recheada e condi-
mentada com carnes variadas, peixes e outros recheios, embrulhadas em
folha de milho e cozidas no vapor.
tasajo: charque, carne desidratada de vaca ou porco salgada e exposta ao sol
para secar.
175
Glossário
tequila: aguardente obtida da segunda fermentação do suco do agave. Os
mexicanos bebem a tequila pura, acompanhada de sal e suco de limão.
Também é usada para preparar a margarida e a tequila sunrise.
ti-nain: variedade de banana consumida verde nas Antilhas. Utilizada
somente depois de frita, cozida ou assada.
ti-punch: coquetel à base de rum, açúcar ou calda de açúcar e limão verde.
tlaxcalli: panquecas bastante picantes de farinha de milho, de 15 cm a
20 cm de diâmetro, cozidas uma a uma sobre o comal.
toronja: fruta parecida com a grapefruit; sua casca pode ser amarela ou rosada
e a polpa é rosada ou vermelha.
tortilla: pão de massa de farinha de milho mexicano; são discos redondos
cozidos no tamal e recheados a gosto. As tortillas cortadas em quatro são
dobradas e servem de colher; os mesmos triângulos assados ou fritos são
chamados de totopos.
tostone: banana verde frita em rodelas achatadas e refritas.
trempage (Martinica): caldo preparado com bacalhau e engrossado com
farinha de milho, servido sobre um leito de pão picado e pedaços de
banana e abacate.
tuna: figo-da-índia. Nascem nos cactos; sua pele é cheia de espinhos e a
polpa é vermelha.
ugli (Citrus sp.): híbrido de laranja amarga e tangerina.
viandas: designação cubana para todos os tubérculos feculentos, como a
mandioca, batata, batata-doce, etc.
vivaneau (Antilhas Francesas) ou red snapper (Antilhas Inglesas): pargo-
vermelho.
yerbabuena: hortelã.
z’habitant (Martinica): sopa preparada com legumes e ervas.
zapote: fruta de polpa vermelha e sabor suave; há outras variedades dessa
fruta: chicozapotes, zapote branco, zapote negro, etc.
zestes: tirinhas finas de cascas de cítricos.
176
Os sabores da América
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
178
Os sabores da América
AGRADECIMENTOS
(o.2) Ilustração de
pimentões em suas
diferentes fases de
amadurecimento.
(p.1) Variedade de tipos
de café da América
Latina.