Foi há quase 50 anos, mas, vez por outra, me vem à lembrança a figura daquele padre. E de tão entranhada a lembrança, nos meus ouvidos sinto como se ainda ressoassem as suas palavras. Eu devia estar com 15/16 anos, estudava em Fortaleza e hóspede de uma pensão no centro da cidade. Acho que vi aquele padre 5, 6 vezes, talvez nem isso. E sempre pelas imediações dos Correios e do Banco do Brasil, o que me faz supor que morasse ali por perto. Gordo, estatura de mediana para alta, usava óculos e talvez chapéu. Uns 60 e poucos anos. E sempre que nos encontrávamos, ele esboçava um certo sorriso, que não era um sorriso de amabilidade. De ironia? Podia ser. Mas hoje tenho pra mim que era o sorriso de alguém que não tinha o juízo perfeito. Àquele padre faltava, não um, mas alguns parafusos . As palavras que me disse na última vez em que nos vimos reforça essa convicção. Me incomodava aquele sorriso, tanto quanto me causava repulsa aquela figura. E quase toda vez que andava por aqueles lados, lá aparecia o diabo do padre - o sorriso inseparável ao passar por mim.
Eu estava um dia no saguão do Banco do Brasil. Creio que tinha ido receber uma ordem de pagamento enviada por um irmão. Me recostara à parede, se bem me lembro, de frente para os caixas. De repente me viro para a entrada do prédio e vejo o padre olhando na minha direção. Cadê o sorriso? Ali grudado nos lábios, como sempre. Não viera resolver negócio coisa nenhuma. Certamente me vira entrar e , supondo que iria me demorar, não quisera perder a oportunidade de me aporrinhar a paciência, como das vezes anteriores. Daquela vez, no entanto, tinha algo a me dizer. Veio ao meu encontro e, ao chegar perto de mim, disparou estas palavras: "Você não vai viver muito". Falou baixinho, para não ser ouvido por alguém próximo a mim. E virou-se e foi embora. Pode ser que, antes de sair, tenha se voltado e esboçado aquele incômodo sorriso. Pode ser. Só que não me lembro. Me lembro, sim, que, de tão aturdido por suas palavras, me faltaram as minhas para lhe perguntar em que se baseava a sua "profecia". "Por que o senhor está dizendo isso"? Era o que devia ter perguntado àquele padre maluco, mas não: fiquei mudo. E o pior. Por muito tempo aquelas palavras não me saíram dos ouvidos. "Você não vai viver muito". E, então, deixei de andar por aquela área. Não queria mais encontrar aquele traste. E nunca mais o vi. Ainda tenho dúvida, no entanto, se se o visse, teria coragem de perguntar por que ele me dissera aquilo.
Como afirmei, esse fato ocorreu há quase 50 anos. Durante algum tempo me preocupei com as palavras do padreco. Depois, à medida que os anos passavam e eu não batia a caçoleta, deixei de me preocupar. Mas aqui-acola "vejo" aquele velho maluco de batina e "ouço" as suas palavras. Abrenúncio!