Falando uma vez aqui de filmes que vi na adolescência e que desejaria rever, citei, entre eles, Brinquedo Proibido/Jeux Interdits, que René Clément realizou em 1952. No final eu me perguntava se algum dia teria a oportunidade de rever aquele filme, do qual só me lembrava, vagamente, da presença de um casal de crianças. Pois não é que agora Brinquedo Proibido foi lançado em DVD, propiciando-me a realização do meu desejo!
Embora mostre o horror e o absurdo das guerras (no caso, a Segunda Guerra Mundial, em seus primeiros meses) , ceifando vidas humanas, Brinquedo Proibido mira, especificamente, na questão da morte e no efeito que ela causa a duas crianças, Michel (Georges Poujouly) e Paulette (Brigitte Fossey) . Mas esse efeito, pelo fato de se tratar de seres inocentes, adquire a dimensão de uma "brincadeira", levando os dois a "construir" um cemitério para animais, numa réplica do cemitério para os humanos, ao qual não falta a aposição de cruzes roubadas do cemitério da localidade.
Um reparo que se poderia fazer ao roteiro de Brinquedo Proibido (escrito por Clément, em parceria com Jean Aurenche e Pierre Bost) tem a ver com a atitude de Paulette em relação à perda dos pais, mesmo levando em conta a sua adoção (provisória) pela família de Michel. Ela demonstra não ter sido afetada por aquela morte, ao contrário do que ocorre com a do seu cachorrinho que levava quando são atingidos pelo bombardeio de aviões. Mas, por outro lado, talvez a intenção dos roteiristas fosse a de esvaziar a história de qualquer sombra de sentimentalismo, para evitar o risco do melodrama, em prejuízo da ênfase dada à pureza e à inocência da garota, que, entre outras coisas, desconhece o significado de uma cruz, o que lhe é ensinado por Michel, mais velho e mais esclarecido. Assim, a pureza e a inocência infantis são não apenas preservadas, mas repassadas de uma poesia simples, mas encantadora.
Outro dado a observar no filme é a amizade que se estabelece entre as duas crianças, amizade que talvez se transformasse em amor (aliás, a mãe de Michel chega a fazer uma insinuação a esse respeito) , se a ida de Paulette para uma instituição não frustrasse essa probabilidade. E é ao chegar ali que a garota parece, afinal, adquirir a consciência de perda, no caso a do amigo, quando ouve alguém chamar o nome "Michel". Pensando tratar-se da mesma pessoa, Paulette diz o nome e, pela primeira vez, grita pela mãe morta. Deixa o local onde está e, misturando-se à multidão, vai à procura daquele "Michel", sempre repetindo-lhe o nome. O filme encerra aí, deixando aberta a interpretação para o destino de Paulette.
Se Brinquedo Proibido não chega ao nível de uma obra-prima, mantém a integridade de um grande filme, mais de cinquenta anos depois de realizado. Na época, Clément gozava de um certo prestígio perante a crítica, que atingiu o auge com O Sol por Testemunha, em 1959. Mas nos anos seguintes ele foi perdendo o fôlego e nunca mais foi o mesmo de quando fez Brinquedo Proibido. E hoje parece estar quase inteiramente esquecido.