Embora não se fale nisso, a verdade é que a LITERATURA PORTUGUESA, no campo LÍRICO/POÉTICO sofreu grandes influências do período em que o povo e a civilização árabes se estabeleceram na Península Ibérica.
Há anos, fez parte do programa de Português dos 10ºs anos uma leitura abrangente e extensiva de alguns poetas á rabes, que li com os meus alunos e ajudei a interpretar, com o maior gosto e profissionalismo. Descobri uma Poesia linda, doce e comovente no tratamento da Mulher, como hoje não vejo, em muitos países. A temática lembrava a do “Cântico dos Cânticos”, do ANTIGO TESTAMENTO, que, segundo a lenda e/ou alguns estudiosos, é atribuído ao REI SALOMÂO, mas que outros dizem ser do século IV A.C.
Voltemos à poesia árabe: alguns dos poetas estudados, com seus poemas menos difíceis de interpretar, foram: IBN SARA (nascido em SANTARÉM, em 1123), IBN AMM-ar( SILVES,1031),AL- MU TAMID( BEJA,1040),IBN –Sid( SILVES,1052), AL –Kumait al Garbi(Xi) e tantos outros…Pelas datas de nascimento se pode ver que viveram e poetaram ainda a tempo de influenciarem a poesia trovadoresca portuguesa, que mais se aperfeiçoou dos séculos XII a XIV.
Há, na temática da Poesia Árabe peninsular –ou hispano/árabe - como também se diz- dos primeiros tempos da península ibérica, duas culturas distintas. Por um lado, lembrando as suas origens geográficas, os poetas árabes trataram a imensidão do deserto e dos seus areais e dunas, escaldantes durante o dia e gélidas durante a noite, o fascinante céu estrelado e luarento, as horas de cavalgadas dramáticas à procura de oásis, as lutas entre tribos e senhores, tanto pelo poder, como pelo orgulho autóctone e, inclusivamente, por motivos religiosos.
Por outro lado, os poetas árabes demonstram, aberta e declaradamente, o seu amor pela Natureza-MÃE e pelos quatro elementos da formação do mundo (TERRA, AR, FOGO e ÁGUA); aludem com respeito à fauna e à flora, às montanhas verdes, ao mar, etc
( É claro que ,nesses tempos não havia plásticos, papéis e excursões a tudo quanto é sítio, com as consequências para o meio ambiente, que nós tão bem conhecemos…)
Assim sendo, por exemplo no amor, a amada era a gazela graciosa ou a flor cheirosa que embriagava os sentidos, a separação dos apaixonados era um corvo negro, a morte era a flor murcha pela passagem do tempo…o rei era o leão forte e poderoso…
Os temas poéticos são de todos os tempos… com um enquadramento histórico e cultural diferente, como é claro! Não faltava, nessa poesia, o encontro fortuito dos apaixonados sob as estrelas, os raios de luar, a beira do deserto, a tenda do guerreiro e a beira das águas de rios ou lagos e/ou mesmo o mar; ainda o pôr –do- sol, o som das cimitarras dos combates, o quentinho de uma fogueira nas noites gélidas do deserto…
De tal modo as paisagens europeias impressionaram os povos árabes que os seus poetas, absorvendo os nossos motivos poéticos- os europeus!-poetizaram tudo, como já atrás disse, à moda do “Cântico dos Cânticos”! Ali, nesse poema do Antigo Testamento, tudo é imagético e/ou metafórico e muitas Imagens nele existentes geraram uma temática árabe igual.Recorde-se, também, que por esses tempos, grande parte da população árabe movimentava-se por todos os espaços, nomeadamente pelos desertos do Egipto e da Península arábica, bem como pelos vales de Jericó e do Líbano. Assim sendo e dado que o seu profeta MAOMÉ conhecia muito bem a Biblia, os seus ensinamentos ajudaram que estes povos espalhassem a sua cultura e os seus usos, costumes, tradições e ideias, religiosas e não só. Não conheço a moderna POESIA ÁRABE; lamento, porque amo esta civilização. Deste modo, transcrevo, neste artigo, “um CHEIRINHO” da poesia árabe que eu li e estudei, por gosto próprio.
“A AMADA”
Ela é uma frágil gazela:
Olhares de narciso
Acenos de açucena
Sorriso de margarida.
E se seus brincos se agitam
Quedam-se os braceletes* na escuta
Da música no requebro da cintura.
*”braceletes “ era do género masculino, na era medieval.
Ibn’AMM-ar
“Um AMOR CASTO”
Quantas vezes a amada me veio ver;
Negra era a noite como o seu cabelo.
Junto a mim ficou até ao romper da alva
Tão refulgente como o seu rosto claro.
(…)
Mas permaneci casto,
Homem senhor da sua força:
Só tem virtude verdadeira
Quem a si se vence no vigor.
IBN-SARA
BIBLIOGRAFIA
David MOURÂO- FERREIRA, “Imagens da Poesia Europeia”, ARTIS (1970)
ALVES, Adalberto- “O Meu Coração é Árabe”---?
DINIZ, Mª Augusta (1994): “A Literatura Popular: uma forma de sabedoria, CadNº8, OUTUBRO
MOISÉS , Massaud (1974)- “A Literatura Portuguesa”, S. Paulo,ED. CULTRIX
NOTA: ficaria muito feliz ,se pudesse fazer uma abordagem da POESIA HEBRAICA.Mas não encontrei nada ,nas livrarias, sobre este assunto.