sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Texto escrito por uma amiga do Facebook, com 98 anos! Obrigada, Maria Reis Santos!

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Naquela grande e moderna cidade africana, que eu amava, o crepúsculo era de breve duração. Chegava quando declinavam as longas tardes de ouro e azul, o sol já muito baixo mal aflorando as águas tranquilas da baía. Era sempre uma aguarela maravilhosa, com tons de violeta e coral a esbaterem-se em lilases e róseos suavíssimos, que as sombras da noite depressa apagariam. Era uma hora especial, ungida de beleza, a beleza inefável que penetrava a alma, dando-lhe asas para voar para mais perto de Deus, e afagava a sensibilidade como se tivesse mãos invisíveis macias de ternura.
A cidade não demorava a iluminar-se toda, trepidante de outra vida que recomeçava para os mistérios da sua vida secreta. E a noite inicial trazia as primeiras constelações, a cintilação fascinante do Cruzeiro do Sul. Mas na varanda daquele oitavo andar onde eu morava, debruçada sobre a baía, eu nem sequer alongava o olhar sobre as silhuetas das palmeiras da Marginal, completamente envolvida no encanto da hora crepuscular ouvindo as minhas gravações :: do quarteto de cordas A Cotovia, de Hydn, da Pastoral de Beethoven.
Aqui, nesta pequena e bonita cidade provinciana agachada num vale estreito, a que o destino me trouxe, onde os dias e as noites me parecem sempre demasiado longos e sempre iguais, o crepúsculo é diferente, demorado, mas também belíssimo. E quando a tarde começa a esmorecer, o sol está prestes a chegar à hora vermelha da sua agonia, no perfil da montanha há levíssimas pinceladas de um ruivo quase inexistente e do alto azul vem descendo, sobre a cidade e o vale, uma luz subtil, doce, que doura levemente os ramos mais altos das árvores esbeltas da beira-rio, eu penso que seria precisa uma paleta singular e o pincel de um grande pintor -talvez de um Monet? de um Sisley? - para captar a extraordinária beleza dessa hora mágica.
Aqui, como lá, na grande cidade africana que eu amava, o crepúsculo atinge o superlativo de belo ,a transcendência, o misticismo que nos conduz a alma para as Alturas, à procura dos braços de Deus e quase, quase subverte a nossa pobre humanidade. E é de tudo isto que o meu coração doente guardará, até que a luz da vida se apague definitivamente nos meus olhos, uma saudade imensa, uma saudade que dói...
Vale de Cambra,13/01/2021

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