Vanessa Cristina de Abreu Torres Hrenechen
(Organizadora)
Comunicação e Jornalismo: Conceitos e
Tendências 3
Atena Editora
2019
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Comunicação e jornalismo: conceitos e tendências 3 [recurso
eletrônico] / Organizadora Vanessa Cristina de Abreu Torres
Hrenechen. – Ponta Grossa (PR): Atena Editora, 2019. –
(Comunicação e Jornalismo: Conceitos e Tendências; v. 3)
Formato: PDF
Requisitos de sistemas: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7247-388-0
DOI 10.22533/at.ed.880191206
1. Comunicação social. 2. Democratização da mídia.
3.Jornalismo. I. Hrenechen, Vanessa Cristina de Abreu Torres.
II.Série.
CDD 303.4833
Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422
Atena Editora
Ponta Grossa – Paraná - Brasil
www.atenaeditora.com.br
[email protected]
APRESENTAÇÃO
Este e-book apresenta uma série de pesquisas sobre o papel do jornalismo
na sociedade e as mudanças que ocorreram na comunicação ao longo da história a
partir do ambiente virtual e das novas ferramentas tecnológicas. Neste volume, o leitor
poderá compreender as características dos textos publicados nos jornais no início do
século XX, época em que o ofício se dividia entre o jornalismo e a literatura.
Dentre os estudos, autores discutem a dimensão crítica, especificamente
a jornalística, na formação de cidadãos mais conscientes em relação às mídias e
trazem a diferenciação entre os termos alfabetização midiática, mídia-educação e
educomunicação. Ao encontro deste tema, outa pesquisa analisa a contribuição do
ombudsman na elucidação de um fato socialmente relevante.
Artigos abordam a prática jornalística contemporânea neste momento de pósverdade e a sua adaptação às novas plataformas, assim como, revelam a transformação
nos modos de produção impulsionada pela internet e o uso de big data. Além disso,
também é possível compreender como o jornalismo se apropria de conversações,
interações e mensagens que circulam em sites de redes sociais para a construção
da notícia. Esta obra reúne reflexões teóricas importantes para aqueles que são
pesquisadores,profissionais e estudantes da área.
Vanessa Cristina de Abreu Torres Hrenechen
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 ................................................................................................................ 1
A CONTRIBUIÇÃO DA COLUNA DE OMBUDSMAN PARA A COMPREENSÃO DO ACONTECIMENTO
NO CASO DA MORTE DO REITOR CANCELLIER
Diana de Azeredo
DOI 10.22533/at.ed.8801912061
CAPÍTULO 2 .............................................................................................................. 12
A CRÍTICA DA MÍDIA ATRAVÉS DAS PRÁTICAS JORNALÍSTICAS
Cristine Rahmeier Marquetto
DOI 10.22533/at.ed.8801912062
CAPÍTULO 3 .............................................................................................................. 24
AGÊNCIAS INDEPENDENTES DE JORNALISMO E A PRÁTICA DO BIG DATA: CREDIBILIDADE E
REVITALIZAÇÃO DO ETHOS PROFISSIONAL
Leonel Azevedo de Aguiar
Claudia Miranda Rodrigues
DOI 10.22533/at.ed.8801912063
CAPÍTULO 4 .............................................................................................................. 36
APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO DE ETNOJORNALISMO
Mônica Panis Kaseker
DOI 10.22533/at.ed.8801912064
CAPÍTULO 5 .............................................................................................................. 46
ENGAJAMENTO E CIDADANIA NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA:
UM ESTUDO DE CASO SOBRE A PRODUÇÃO NARRATIVA DO SOS IMPRENSA
Ana Carolina Kalume Maranhão
Marcos Amorozo
Rafiza Varão
DOI 10.22533/at.ed.8801912065
CAPÍTULO 6 .............................................................................................................. 57
JORNALISMO E LITERATURA NO INÍCIO DO SÉCULO XX: UMA LEITURA COMPARATIVA ENTRE
LIVROS E REPORTAGENS DE JOÃO DO RIO
Aline da Silva Novaes
DOI 10.22533/at.ed.8801912066
CAPÍTULO 7 .............................................................................................................. 69
NOTÍCIAS ELABORADAS A PARTIR DE SITES DE REDES SOCIAIS NO CASO MARIELLE FRANCO
Ingrid Cristina dos Santos
DOI 10.22533/at.ed.8801912067
CAPÍTULO 8 .............................................................................................................. 80
PÓS-VERDADE E FAKE NEWS: O JORNALISMO NA CONTEMPORANEIDADE
João Marcos Maia de Santana da França
Mayara Souza Suzart
Daniela Costa Ribeiro
DOI 10.22533/at.ed.8801912068
SUMÁRIO
CAPÍTULO 9 .............................................................................................................. 88
PROCESSOS DE CONVERGÊNCIA E REORGANIZAÇÃO EM REDAÇÕES JORNALÍSTICAS: UM
OLHAR SOBRE A ESTRUTURA E A PRODUÇÃO DE NOTÍCIAS EM CIBERMEIOS BRASILEIROS
Jonas Gonçalves
DOI 10.22533/at.ed.8801912069
CAPÍTULO 10 .......................................................................................................... 100
SOBRE AS CAPAS: NOTÍCIAS E PRODUTOS À VENDA NA PRIMEIRA PÁGINA
Karenine Miracelly Rocha da Cunha
DOI 10.22533/at.ed.88019120610
CAPÍTULO 11 .......................................................................................................... 113
VISÕES MÍTICAS NA POÉTICA DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN E O EFEITO
CASSANDRA EM DISCURSOS MIDIÁTICOS
Gisele Centenaro
DOI 10.22533/at.ed.88019120611
SOBRE A ORGANIZADORA................................................................................... 134
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
A CONTRIBUIÇÃO DA COLUNA DE OMBUDSMAN
PARA A COMPREENSÃO DO ACONTECIMENTO NO
CASO DA MORTE DO REITOR CANCELLIER
Diana de Azeredo
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Florianópolis (SC)
RESUMO: Com este artigo, a proposta é refletir
acerca da contribuição da coluna de ombudsman
para a compreensão do acontecimento,
entendido a partir da perspectiva de Quéré
(2005; 2013). Não se trata de defender o papel
da mídia na construção do acontecimento,
mas de pensar sobre o potencial desse texto
opinativo assinado por um jornalista na função
de crítico e ouvidor. Como esse fragmento da
publicação maior (o jornal) ajuda a proporcionar
a elucidação de um fato socialmente marcante?
Além dessa aproximação entre o conceito de
acontecimento e crítica, é feita a análise da
repercussão do suicídio do reitor Luiz Carlos
Cancellier de Olivo na coluna da ombudsman
Paula Cesarino Costa, do jornal Folha de S.
Paulo.
PALAVRAS-CHAVE:
jornalismo;
acontecimento; ombudsman; crítica; Cancellier.
CASE OF RECTOR CANCELLIER’S DEATH
ABSTRACT: With this article, the proposal is
to reflect about the contribution of the news
ombudsman column to the understanding of
the event, conceptualized from the perspective
of Quéré (2005; 2013). It is not a matter
of defending the role of the media in the
construction of the event, but to think about the
potential of this opinionated text signed by a
journalist in the role of critic and ombudsman.
How does this fragment of the larger publication
(the newspaper) help elucidate a socially striking
fact? In addition to this approximation between
the concept of event and media criticism, the
analysis of the repercussion of the suicide of the
rector Luiz Carlos Cancellier de Olivo is made in
the news ombudsman Paula Cesarino Costa’s
column of the newspaper Folha de S. Paulo.
KEYWORDS:
journalism;
event;
news
ombudsman, media criticism, Cancellier.
1 | PERSPECTIVAS CONCEITUAIS SOBRE
ACONTECIMENTO
Como
THE CONTRIBUTION OF THE NEWS
OMBUDSMAN COLUMN TO THE
UNDERSTANDING OF THE EVENT IN THE
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
já
publicado
anteriormente
(AZEREDO, 2018), o que se pretende é utilizar,
neste artigo, o conceito de Quéré (2005; 2013),
compreendido e aplicado por França (2012;
2013), Silva (2014) e Silva e Simões (2014).
Capítulo 1
1
São essas ideias que, melhor explicitadas a seguir, vão nortear a linha de raciocínio
na tentativa de dialogar com outros conceitos como “ombudsman” e “crítica de mídia”.
Busca-se averiguar o potencial dos textos publicados na coluna de ouvidoria quando
se trata de auxiliar na compreensão do acontecimento que, na cobertura midiática,
emerge em sua segunda vida. Mas, o que seria, primeiramente, acontecimento?
O acontecimento é um tipo de entidade, não havendo qualquer problema em
considerá-lo como um indivíduo observável (ainda que ele não tenha substância).
Com efeito, um acontecimento é uma unidade temporal relativamente bem
delimitada (pelo menos quando é considerado de um certo ponto de vista), não
sendo difícil separá-lo de outras unidades similares. (QUÉRÉ, 2013, p. 23).
França (2012, p. 12) explica que são “os fatos e as ocorrências que se destacam
ou merecem maior destaque”. Seguindo a mesma perspectiva do sociólogo francês,
ela propõe entender o acontecimento em seu poder hermenêutico e de afetação, que
rompe com uma linearidade. São esses elementos, aprofundados na sequência, que
constituem o acontecimento.
São fatos que ocorrem a alguém; que provocam a ruptura e desorganização, que
introduzem uma diferença. Eles fazem pensar, suscitam sentidos, e fazem agir
(têm uma dimensão pragmática). E tais ocorrências curto-circuitam o tempo linear;
ocorrendo no nosso presente, eles convocam um passado e re-posicionam o
futuro. (FRANÇA, 2012, p. 14).
A ordem hermenêutica do fenômeno ocorre porque, segundo Quéré (2005, p.
60-61), “por um lado, ele pede para ser compreendido (...) por causas; por outro, ele
faz compreender as coisas. (...) a principal origem da compreensão do acontecimento
está no próprio acontecimento”. A explicação das causas e o poder de esclarecimento
do acontecimento intervêm, conforme o autor, na organização da conduta.
Ao ser apreendido sob diferentes pontos de vista, o “acontecimento passará a
projetar um sentido novo sobre o mundo. Sentido do qual ele será a origem” (QUÉRÉ,
2005, p. 67). Por tratar-se de um fenômeno hermenêutico, “pode ser palco de encontro,
interação, confrontação, determinação recíproca” (QUÉRÉ, 2005, p. 68). Quéré
(2005, p. 69) segue definindo que o acontecimento “abre um horizonte de sentido, em
particular introduzindo novas possibilidades interpretativas, relativas tanto ao passado
como ao presente e ao futuro”.
Essa atribuição de sentido ocorre a partir de um processo identificado como
individualização. Em relação ao fenômeno, Quéré (2013, p. 15) afirma que a
individualização “o separa, circunscreve, estrutura, totaliza dando-lhe uma unidade
e uma coerência internas, dota-o de uma identidade e de uma significação”. “O
acontecimento não tem uma individualidade intrínseca: esta emerge de um processo
de individualização” (QUERÉ, 2013, p. 23).
França (2013) esclarece que a identidade de um acontecimento não é
estabelecida de dentro para fora, já que ele não possui uma natureza que o particularize
intrinsecamente, não apresenta uma essência própria capaz de estabelecê-lo. A
singularidade do acontecimento é fornecida pelas práticas que o configuram e pelos
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 1
2
discursos que o nomeiam. “Ele é individualizado quando se determina aquilo que
o especifica, quando ganha uma significação – e aí, sim, uma identidade – como
acontecimento particular” (FRANÇA, 2013, p. 66).
De acordo com a autora, o processo de individualização (ou individuação)
pode ser dividido em cinco etapas: descrição, narrativização, dimensão pragmática,
problema público e normalização. A primeira refere-se à inscrição do acontecimento
em quadros de sentido, a segunda está relacionada à intriga e à temporalidade, a
terceira tem a ver com os efeitos e as ações, a quarta remete ao interesse público e às
questões problemáticas de uma sociedade e a quinta diz respeito à possibilidade de
inscrever o acontecimento dentro de uma normalidade.
a) uma descrição, que promove uma categorização do acontecimento: ele é
nomeado, filiado a um gênero (...) b) a narrativização (mise en intrigue), que é a
articulação de seus vários momentos, a estruturação de sua temporalidade. (...)
c) um pano de fundo pragmático, ou seja, a composição do acontecimento com
práticas e ações que lhe seriam adequadas. (...) As maneiras como percebemos
e nos comportamos face a uma situação ou acontecimento se incorporam na
individuação deste acontecimento. (...) d) a caracterização como um problema
público, ou seja, alguns acontecimentos são revistos sob um registro específico,
que lhes atribui um alcance societal. (...) e) por último, sua normalização, que é
a redução de sua contingência e indeterminação, através de sua inscrição num
contexto causal e social, tornando manifesto seu caráter típico. (...) Trata-se da
redução do estranhamento e de seu entranhamento na estrutura do vivido (campo
da experiência)”. (FRANÇA, 2013, p. 67-68).
Silva e Simões (2014, p. 36) mantêm a divisão em cinco etapas, mas enfatizam
a “recepção pública” como um momento constitutivo do acontecimento.
Individualização é um processo e, como tal, pode ser decomposta em etapas,
estreitamente ligadas umas às outras: a descrição (nomeação, enquadramento); a
narração (as temporalidades e ações que constroem a intriga); a recepção pública
(a constituição de públicos cujas práticas e discursos contribuem para constituir
e nomear o acontecimento); a dimensão pragmática (ações e reações próprias
daquele tipo de acontecimento); a configuração de problemas públicos (potencial
de certos acontecimentos para criar, revelar ou modificar problemas coletivos); e
a normalização (a redução da indeterminação do acontecimento, o tratamento da
ruptura provocada, a recomposição do fluxo normal da experiência).
“A individualização do acontecimento assim apreendido excede o momento
da sua ocorrência: o acontecimento continua, de fato, a ocorrer e a singularizar-se
enquanto produzir efeitos sobre aqueles que afeta” (QUÉRÉ, 2005, p. 67). Os afetados
vão seguir atribuindo sentido (s) ao fenômeno, descrevendo-o, narrando-o, agindo em
relação a ele, debatendo acerca dos problemas públicos que ele faz emergir e, por
fim, tentando reduzir as possibilidades de que um acontecimento semelhante venha,
novamente, a provocar uma ruptura.
Sobre o poder de afetação, França (2012, p. 13) sintetiza: “um acontecimento
acontece a alguém; ele não é independente nem autoexplicativo, não são suas
características intrínsecas que fazem o seu destaque, mas o poder que ele tem de
afetar um sujeito – uma pessoa, uma coletividade”. Para Quéré (2013), o acontecimento
produz um conflito entre ele próprio e o sujeito. Esse processo tem continuidade com
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 1
3
a descoberta de implicações imediatas e de médio prazo, ambas geradas pelo que
aconteceu.
O acontecimento proporciona uma transação e, a partir daí, dá lugar a uma
experiência. Experiência ‘tida’ (para falar como Dewey), que é fonte de identidade, ao
mesmo tempo para o acontecimento e para quem, por ele, é atingido. A experiência
é, pois, aquilo pelo que um sujeito e um mundo se constituem, confrontando-se
com acontecimentos, na articulação mais ou menos equilibrada de um saber e
de um agir. (...) Acontecimento e sujeito surgem, assim, em conjunto, ligados
inextrincavelmente: a singularidade do acontecimento e a ipseidade daqueles que
o sentem são tecidas em conjunto, até porque é através da sua apropriação por
indivíduos ou por coletivos que o acontecimento adquire a sua identidade e a sua
significação próprias. (QUÉRÉ, 2005, p. 70).
Além dessas duas possibilidades de articulação de identidade (tanto do
acontecimento quanto do sujeito afetado pelo acontecimento), é importante apresentar
aspectos relacionados à ruptura provocada por este fenômeno. Ele “introduz uma
descontinuidade, só perceptível num fundo de continuidade” (QUÉRÉ, 2005, p. 61),
fazendo emergir um passado que não existia até então.
Silva e Simões (2014, p. 36) reforçam que o “acontecimento é algo que provoca
uma ruptura na experiência de indivíduos ou coletividades; que interpela os atores a
agir para recompor o fluxo normal da experiência; que revela situações problemáticas
da vida coletiva”. Ao romper com essa linearidade e impelir os afetados à recomposição
da normalidade, o acontecimento tem sua dimensão temporal e espacial definidas e
ampliadas.
Ele “tem um início, um fim e uma certa duração. Pode ser situado e datado com
precisão (...). Poderá ter sido esperado e, quando produzido, satisfazer ou desfazer as
esperanças, validar ou contrariar as previsões, preencher ou desiludir as expectativas”
(QUÉRÉ, 2005, p. 67). Mas, extravasa esse presente, “porque se alonga para o futuro
e para o passado” (QUÉRÉ, 2005, p. 69).
É necessário dizer ainda que o acontecimento, na concepção do sociólogo
francês, possui duas vidas, profundamente interligadas, separadas apenas para efeitos
de compreensão. A primeira, conforme França (2012, p. 14), “é da ordem do existencial
– trata-se do acontecimento que percebemos, que nos toca, que congestiona o nosso
cérebro, dificulta nossa respiração, acelera o nosso coração. A segunda vida é o
acontecimento tornado narrativa, tornado um objeto simbólico”.
Nesse aspecto, Quéré (2005, p. 72-73) defende que “o papel dos media é, sem
dúvida, decisivo enquanto suportes, por um lado, da identificação e da exploração
dos acontecimentos, por outro, do debate público através do qual as soluções são
elaboradas ou experimentadas”. Além de colaborar para trazer à luz essa segunda vida
do acontecimento, a mídia proporciona um espaço onde o processo de individualização
também pode ocorrer. Nos veículos de comunicação circulam versões, opiniões e
dúvidas acerca do fenômeno.
Esses comentários constituem uma das formas de desenvolvimento do inquérito
que explora o potencial de esclarecimento e discriminação dos acontecimentos, já
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 1
4
que problematizam as situações discordantes por estes criadas ou reveladas com
vista a uma resolução. (QUÉRÉ, 2005, p. 74).
O objetivo, por meio deste artigo, é refletir acerca da contribuição da coluna de
ombudsman para a compreensão do acontecimento, sendo ela um dos locais onde
essa problematização (por meio da narração) é feita. Trata-se de uma publicação
que reúne questionamentos, diferentes pontos de vista e esclarecimentos acerca de
algo que afeta a coletividade, a partir de uma crítica à cobertura midiática. Importante
dizer que é nessa cobertura que o acontecimento emerge em sua segunda vida, ou
seja, recebe uma dimensão simbólica. Ao criticar essa veiculação, a coluna traz novos
elementos e contribui para dar significado ao fenômeno.
2 | OMBUDSMAN E CRÍTICA DE MÍDIA
Conforme conceituação aprofundada em trabalho anterior (AZEREDO, 2016),
cabe ressaltar neste artigo que o cargo de Ricksdagens Justitieombudsman (nome
original, posteriormente abreviado para ombudsman) surge na Suécia, em 1809, para
indicar as atribuições do representante do povo perante a monarquia. Com o passar
do tempo, a função passou a ser exercida em outros países e em outras áreas.
Na imprensa dos Estados Unidos, o primeiro jornal a tornar públicas as
reivindicações recebidas dos leitores foi o The Washington Post em 1970. Serviu de
inspiração para que, em 1989, a Folha de S. Paulo instituísse o primeiro ombudsman
na mídia latino-americana. Atualmente, a jornalista Paula Cesarino Costa é a 12ª
ouvidora da empresa.
Em suas colunas, publicadas aos domingos, no jornal impresso e no site, ela,
a exemplo de seus antecessores, realiza a crítica da cobertura jornalística semanal.
Apresenta, no texto, dúvidas, elogios e reclamações dos leitores, explicações de
colegas (quando questionados ou reprovados), posicionamentos institucionais e
análises próprias acerca do tema.
Para além das conceituações (LOURES, 2008; CHRISTOFOLETTI, 2008) e
das problematizações possíveis acerca da função de ombudsman (BRAGA, 2006;
FAUSTO NETO, 2008), importa frisar que se trata de um jornalista fazendo, a partir
de informações coletadas por meio de observação, entrevista e pesquisa documental,
a crítica da empresa e dos colegas de profissão. Também seria possível chamar
de autocrítica, pois o ouvidor é funcionário do veículo e compartilha os valores
profissionais do jornalismo, ainda que nem sempre esse veículo ou os colegas de
profissão concordem com a crítica publicada.
Mas a abordagem da coluna não se restringe à crítica da prática jornalística,
quanto ao trabalho de apuração, edição e publicação de informações, nem ao
resultado da interação com os leitores. Ao fazer a autocrítica, o ouvidor, apresenta,
no seu texto, dados informativos acerca do acontecimento narrado pela mídia. Em
sua análise, reconstitui determinados aspectos do acontecimento a fim de criticar a
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 1
5
cobertura desse fenômeno.
3 | A CRÍTICA NA COMPREENSÃO DO ACONTECIMENTO E O CASO DO SUICÍDIO
DO REITOR
Exemplo dessa reconstituição, que vai além da crítica da cobertura e das
interações com o público, trazendo novos dados informativos sobre o acontecimento,
ocorre na coluna de Costa (2017). Na publicação veiculada no site da Folha de S.
Paulo, abaixo do título, está uma galeria com nove fotos, acompanhadas de legenda.
Esses pequenos textos, em formato de retrospectiva, contêm data, nome de envolvidos
e outras informações sobre a operação Ouvidos Moucos e o suicídio do então reitor
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo,
ocorrido em 02 de outubro de 2017.
A análise, de 70 linhas, reconta a história a partir do que foi narrado anteriormente
pelo próprio jornal, nomeando personagens e momentos principais. “É preciso
reconstituir o episódio”, reconhece Costa (2017, s/n). E é por meio dessa reconstituição
que ela realiza a crítica da cobertura e contribui com outros elementos que ajudam a
compreender e interpretar o acontecimento.
Executada pela Polícia Federal, a operação Ouvidos Moucos investigava desvios
de verbas de um programa de bolsas na modalidade Educação a Distância (EaD). A
iniciativa havia recebido, no total, R$ 80 milhões da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação vinculada ao Governo Federal. O
valor desviado teria sido de R$ 3 milhões e o crime teria ocorrido entre os anos de
2011 e 2015, antes da gestão de Cancellier.
O ex-reitor foi preso, em 14 de setembro de 2017, acusado de tentar prejudicar
as investigações. Negou que tenha agido com essa finalidade, mas, apesar de solto,
foi proibido de ter acesso à UFSC. Em 02 de outubro de 2017, cometeu suicídio,
deixando um bilhete com a seguinte frase: “A minha morte foi decretada quando fui
banido da universidade!!!”. Nesses 17 dias entre sua prisão e sua morte, Cancellier foi
citado, em matérias jornalísticas, como participante e/ou líder do grupo que desviou
R$ 80 milhões.
Ou seja, foi um erro triplo: nenhuma investigação havia sido concluída (portanto,
nenhuma acusação havia sido oficializada), o desvio não era de R$ 80 milhões e o
ex-reitor nem sequer esteve entre os suspeitos de ter desviado a quantia (que teria
sido de R$ 3 milhões, em episódio ocorrido em duas gestões anteriores). Na Folha de
S. Paulo, duas matérias foram publicadas cometendo erros nesse sentido. A primeira
(Imagem 1) está no site, datada de 14 de setembro de 2017, e a outra foi veiculada na
edição impressa do dia 15 (Imagem 2).
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 1
6
Imagem 1 – Matéria publicada na versão online da Folha de S. Paulo
Fonte: Imagem captada pela autora a partir do site da Folha de S. Paulo
Imagem 2 – Matéria publicada na versão impressa da Folha de S. Paulo
Fonte: Imagem captada pela autora a partir do site da Folha de S. Paulo
Como é possível perceber, já a partir do título da matéria publicada em versão
impressa, a compreensão do acontecimento fica comprometida com essas duas
versões. O engano prossegue mesmo após o suicídio do reitor, na edição impressa de
03 de outubro de 2017, quando novamente Cancellier é anunciado como suspeito de
desviar R$ 80 milhões (Imagem 3).
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 1
7
Fonte: Imagem captada pela autora a partir do site da Folha de S. Paulo
Imagem 3 – Matéria publicada na versão impressa da Folha de S. Paulo
A coluna de Costa (2017) foi publicada cinco dias depois, em versão impressa e
online (Imagem 4). Nela, o erro é denunciado e o acontecimento recebe nova tentativa
de compreensão. Dessa vez, não se trata mais de um reitor sendo investigado por
desviar R$ 80 milhões, nem de um suicídio cometido por uma figura notória. Ao descrever
e narrar o que aconteceu, trazendo outras informações, a ombudsman demonstra
as falhas da cobertura jornalística e oferece novos elementos para compreender o
fenômeno.
Imagem 4 – Coluna publicada na versão online da Folha de S. Paulo
Fonte: Imagem captada pela autora a partir do site da Folha de S. Paulo
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 1
8
Considerando o processo de individualização do acontecimento (exposto
anteriormente), é possível afirmar que a nova descrição (realizada pela ombudsman) é
feita pela perspectiva da tragédia. “O corpo no chão do shopping tornou-se trágico sinal
de alerta”, começa Costa (2017, s/n). A injustiça descrita na coluna da ouvidora teria
sido resultado da postura errada dos jornalistas (que não apuraram, nem publicaram
corretamente as informações) e exagerada dos agentes públicos responsáveis pela
operação. Cancellier é descrito como vítima.
Na etapa de narrativização, a ombudsman apresenta, na sequência, os momentos
que marcaram o acontecimento, a partir da própria narrativa que foi construída pela
imprensa em geral e pela Folha em particular. Relata trechos da matéria publicada
quando a prisão ocorreu, o artigo em que o ex-reitor se defende e se diz amedrontado
com a suspeita, o suicídio, a nota de quatro linhas em que a Folha admite o erro
de informação e a reportagem com a publicação de uma carta do então corregedor
da UFSC (denunciando pressões oriundas da reitoria, na intenção de impedir as
investigações). Menciona outros envolvidos no caso: a delegada da Polícia Federal, a
juíza que decretou a prisão, os ex-reitores (que estavam na gestão da UFSC quando
teria ocorrido o desvio e que não foram investigados), o advogado do reitor e os colegas
responsáveis pela cobertura (editor de Cidades, Eduardo Scolese, e secretário de
Redação, Vinícius Mota).
As outras três etapas do processo de individualização (dimensão pragmática,
caracterização como problema público e normalização) requerem uma análise mais
aprofundada para serem percebidas (o que nem seria possível, tendo em vista as
limitações do objeto empírico selecionado para este artigo). Importa dizer que,
ao descrever e narrar o fenômeno e ao fazer a crítica do modo como a imprensa
o descreveu e narrou, a ombudsman contribui para constituir a segunda vida do
acontecimento, atribuindo sentido a ele.
“O que interessa é refletir sobre a maneira como a mídia tem lidado com
operações policiais que buscam holofotes em investigações ainda em andamento”,
argumenta Costa (2017, s/n). Segundo ela, a publicação da nota de quatro linhas foi
uma reação insuficiente diante desse acontecimento. A ouvidora explicita problemas
coletivos que emergem do fenômeno: a espetacularização de ações da Polícia Federal,
a postura precipitada do jornalismo e o ambiente de condenação e punição instaurado
na sociedade.
A ombudsman também associa esse acontecimento a outros anteriores. “Esse
comportamento não é exclusivo desse caso. Tem sido rotineiro diante de tantas
investigações”, alerta Costa (2017, s/n). Por fim, emite opiniões e sugere correções
na postura de colegas, chamando a atenção para valores sociais como coragem,
autovigilância e responsabilidade e expectativas em relação à profissão como precisão
e pluralidade.
Entende-se que a ouvidora participa do processo de individualização, junto com os
demais agentes jornalísticos (profissionais, veículos etc.), tendo em vista que ajudou a
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 1
9
separar, estruturar e dotar o acontecimento de identidade e significação. Ao contrariar
as expectativas e os valores da comunidade acadêmica, jornalística e social, o suicídio
de Cancellier fez pensar e fez agir, provocando uma ruptura e gerando possibilidades
interpretativas.
Essas tentativas de compreensão aparecem na publicação da ombudsman
quando menciona a tragédia, a incorreção da cobertura jornalística, a falha da operação
policial e a admissão de erro ineficiente. Nesse espaço, ela cobra da mídia a revisão
de procedimentos para uma colaboração mais efetiva no trabalho de identificação
do(s)acontecimento(s) e de discussão pública sobre eles.
4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Importante frisar que esse acontecimento (suicídio do ex-reitor) não pode ser
entendido unicamente por meio da coluna analisada neste artigo (nem só a partir das
matérias publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo – como demonstrado). A compreensão
do fenômeno, em sua totalidade, requer outros pontos de vista (não apenas de veículos
de comunicação, mas da versão de outros atores como comunidade acadêmica,
membros do Poder Judiciário, Executivo e Legislativo, que se manifestaram sobre
o caso). O objetivo, por ora, foi apenas verificar como o texto de ombudsman pode
auxiliar na compreensão do que aconteceu. Por meio do relato apresentado, Costa
(2017) ajudou a compor a interpretação do ocorrido.
No texto da coluna, pode-se perceber que o acontecimento tem um presente
localizável (suicídio no dia 02 de outubro de 2017), porém extravasa esse presente,
fazendo emergir um passado (prisão, erros na divulgação das informações) e propondo
um futuro (correções de postura por parte de jornalistas, atenção a valores sociais e
profissionais). Nessa publicação da ouvidora, a segunda vida do acontecimento segue
sendo constituída, colaborando para a narrativa do fenômeno.
Cumpre-se, portanto, o objetivo do artigo de propor um diálogo entre esses
dois conceitos (ombudsman e acontecimento). São, novamente, reconhecidas as
limitações dessa análise, mas aponta-se a possibilidade de aprofundar a pesquisa
dando continuidade a esse raciocínio. É reconhecida a importância da concepção de
acontecimento para refletir sobre valores sociais e da crítica de mídia para pensar
a respeito de valores profissionais. A aproximação de ambas ideias, em trabalhos
futuros, tende a contribuir para aprimorar o entendimento que se tem acerca de suas
potencialidades e limitações como teorias no jornalismo e na comunicação, dialogando
com a sociedade.
REFERÊNCIAS
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Capítulo 1
10
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em: 27 jun. 2018.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 1
11
CAPÍTULO 2
A CRÍTICA DA MÍDIA ATRAVÉS DAS PRÁTICAS
JORNALÍSTICAS
Cristine Rahmeier Marquetto
MEDIA CRITICISM THROUGH
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos
JOURNALISTIC PRACTICES
São Leopoldo – RS
RESUMO: Este artigo apresenta as colocações
iniciais da pesquisa de doutorado em
andamento que tem como tema a crítica da
mídia, especificamente a jornalística, e o seu
relacionamento com sujeitos sociais. A intenção
é ofertar maneiras de os sujeitos interpretarem
os conteúdos jornalísticos com discernimento
e autonomia. Existem estratégias para formar
cidadãos mais conscientes em relação à mídia
e que são voltadas para educação para mídia
– alfabetização midiática, mídia-educação e
educomunicação. Trazemos uma diferenciação
entre esses termos e evidenciamos a dimensão
crítica como essencial. Mas não se faz
crítica sobre o que não se conhece. A prática
jornalística é composta por procedimentos de
controle que determinam sua forma de agir, e
os sujeitos precisam conhecer essas práticas
para poder fazer inferências críticas sobre elas.
PALAVRAS-CHAVE:
Crítica
da
mídia;
Educação para mídia; Autonomia Interpretativa;
Práticas Jornalísticas; Procedimentos de
Controle.
ABSTRACT: This article presents the initial
settings of the doctoral research in progress that
has the theme of media criticism, specifically
journalism, and its relationship with social
subjects. The intention is to offer ways for the
subjects to interpret the journalistic contents
with discernment and autonomy. There are
strategies for building more media-conscious
citizens who are focused on media education media literacy, media education, and educational
communication (“educomunicação”). We draw
a distinction between these terms and point out
the critical dimension as essential. Journalistic
practice is composed of control procedures that
determine how they act, and subjects need to
know these practices in order to make critical
inferences about them.
KEYWORDS: Media criticism; Media education;
Interpretive Autonomy; Journalistic Practices;
Control Procedures.
1 | INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta as colocações
iniciais
da
pesquisa
de
doutorado
em
andamento que tem como tema a crítica da
mídia, especificamente a jornalística, e o
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 2
12
relacionamento dos sujeitos sociais com a mídia. A intenção é ofertar maneiras de
os sujeitos interpretarem os conteúdos jornalísticos com discernimento e autonomia,
favorecendo as democracias modernas. Nesse cenário de sobrecarga de informações,
fake news e desinformação, o assunto da educação para mídia começa a ser debatido
com mais frequência, utilizando-se ultimamente o termo da alfabetização midiática.
Existem estratégias para formar cidadãos mais conscientes em relação à mídia
e que são voltadas para educação para mídia – além da alfabetização midiática,
mídia-educação e educomunicação mais regularmente. Esses conceitos não estavam
suficientemente esclarecidos para que fosse possível dar sequência à pesquisa, o
que ocasionou uma busca exploratórias dos termos, que será apresentada. O que
encontramos de mais essencial nas iniciativas observadas foi a questão da crítica:
sem ela, as abordagens ficam superficiais ou meramente didáticas de uma maneira
linear de se relacionar com a mídia jornalística e seus conteúdos. Não seria possível
pensar em autonomia interpretativa dos sujeitos.
Mas para que seja viável fazer crítica, é preciso conhecer o objeto a ser criticado.
Não se faz crítica sobre o que não se conhece, sobre um assunto cujo qual não se
está familiarizado. A prática jornalística é composta por procedimentos de controle
(e de resistência) que determinam sua atuação, sua forma de agir. Os sujeitos
precisam conhecer essas práticas para poder fazer inferências críticas sobre elas.
Este artigo vai apresentar essa trajetória, buscando construir pilares para a pesquisa
em desenvolvimento e também contribuir para uma melhoria do relacionamento da
sociedade com a mídia jornalística, aprimorando os dois lados da questão.
2 | A DESINFORMAÇÃO
Em entrevista à David Letterman, o ex-presidente dos Estado Unidos, Barack
Obama, discutiu, entre uma série de outras questões, as últimas eleições americanas
e o escândalo da influência russa na manipulação da eleição de Donald Trump.
Os russos teriam auxiliado a influenciar os votos através da mídia, de fake news, e
monitoramentos online (coletando informações sobre os adversários, invadindo e-mails
e contas em redes sociais, usando informações de grandes páginas de relacionamento,
etc.). Obama disse que a Rússia, na verdade, se usou de algo que já fazia parte da
rotina americana. Para ele, vivemos em “universos de informações completamente
diferentes”, ou seja, dependendo de onde o cidadão busca as informações, ele vai
entender as situações de um jeito ou de outro. “ If you watch Fox News, you are living
on a diferent planet than you are if you listen to NPR1”, disse o ex-presidente.
A preocupação com as notícias falsas vem aumentando cada vez mais, mas
teve um alerta maior devido a esse caso da eleição americana. A eleição francesa
em 2017, que levou Macron a criar uma lei de combate a fake news em disputas
1 “Se você assiste à Fox News, você está vivendo em um planeta diferente de quem escuta à NPR (Rádio Pública
Nacional). Tradução livre da autora.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 2
13
eleitorais, também atentou para a manipulações de notícias, bem como o referendo
da Catalunha pela independência, no mesmo ano. Esses casos levaram a Comissão
Europeia a criar o High Level Group, em janeiro de 2018, com 39 membros entre
jornalistas, pesquisadores de comunicação, escritores e organizações. O objetivo foi
elaborar um documento para combater as notícias falsas, por entenderem o risco que
representam para as democracias.
Além de estabelecer três frentes de atuação e apresentar 10 princípios
fundamentais para as plataformas de jornalismo seguirem, o documento se baseia
em cinco pilares principais: melhorar a transparência das notícias online; promover a
alfabetização de mídia e de informação; capacitar usuários e jornalistas; salvaguardar
a diversidade e a sustentabilidade dos meios de comunicação europeus; e promover
pesquisas contínuas sobre o impacto da desinformação.
Essa onda de notícias falsas tem preocupado estudiosos de comunicação
e outras áreas. Mas essa situação pode ser vista como uma oportunidade para
ampliar as discussões sobre o relacionamento das pessoas com as mídias, mais
especificamente, das sociedades com o jornalismo. A pesquisadora em jornalismo
Nuria Fernández afirma que é preciso empoderar os cidadãos para que tenham as
competências necessárias para se relacionar com a mídia, e, assim, “a democracia
sairá reforçada de todo esse processo, ao contribuir para uma cidadania informada, que
possa tomar decisões livremente” (FERNÁNDEZ, 2018). A pesquisa que Fernández
realiza relaciona-se às fake news e a como ser crítico para diferenciar notícias falsas
de verdadeiras, mas, para ela, trata-se de um movimento que pode resultar em um
aprimoramento da alfabetização midiática.
Reforçando a importância da cidadania informada, o instituto de pesquisa social
britânico Ipsos Mori investigou os níveis de desinformação sobre a realidade em que
vivem os habitantes de 38 países, totalizando quase 30 mil entrevistados. Neste
estudo, divulgado pelo jornal Zero Hora, o pesquisador questionava a percepção dos
indivíduos sobre alguma situação específica, como por exemplo: qual a cidade mais
violenta do país? Qual o percentual de mulheres entre 15 e 19 anos que dão à luz a
cada ano? E assim, os pesquisadores comparavam as respostas com as estatísticas.
No resultado final, o Brasil teve desempenho espantoso: ocupamos o segundo lugar
em pior percepção da realidade, ficamos atrás apenas da África do Sul. No intuito
de tentar apontar caminhos para a solução desse impasse, a reportagem entrevista
o líder do grupo de pesquisa do instituto de Londres, Bobby Duffy, que afirma que a
mídia tem um papel muito importante na distorção das percepções. “O que precisamos
é ensinar as pessoas a selecionar a informação certa – o que torna uma espécie de
alfabetização em mídia e em notícias mais importante do que uma educação geral”
(ZERO HORA, 2018, p. 12).
Nos parece importante, visto a situação de desinformação em que se encontra
o país, discutir maneiras de empoderar os sujeitos, de muni-los das ferramentas
necessárias para se relacionarem com a mídia jornalística com discernimento e
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 2
14
autonomia nas interpretações. Em um primeiro movimento exploratório, investigamos
as alternativas de educação para mídia que tratam da alfabetização midiática e
encontramos outros termos correlacionados, como mídia-educação e educomunicação.
Esses conceitos ainda se misturam e se confundem, o que torna o trabalho de
pesquisa difuso. Identificamos a necessidade de compreende-los melhor no intuito de
selecionar uma abordagem metodológica para tratar do tema. Serão apresentados a
seguir as tentativas de discernir os termos apresentados com o intuito de perceber
suas nuances e diferenças, visando avançar nas questões do relacionamento entre
mídia jornalística e os sujeitos sociais.
3 | EDUCAÇÃO PARA A MÍDIA
A educação para mídia é alvo da atenção de educadores e comunicadores
desde os anos 60 e muitos trabalhos e convenções voltados para o tema já foram
realizados. Entretanto, as mudanças desejadas quanto às políticas públicas, currículos
pedagógicos e práticas midiáticas não ocorreram de forma tão contundente quanto a
esperada (BÉVORT; BELLONI, 2009; ZANCHETTA, 2009). Ainda há dificuldades em
delimitar termos e processos de trabalho que se voltam para essas práticas, como os
mais recorrentes educomunicação, mídia-educação e alfabetização midiática.
Buscando compreender as circunstâncias do conceito de educomunicação,
identificamos que a preocupação gira em torno das melhorias e aperfeiçoamentos
dos processos pedagógicos, no sentido de integrar as mídias dentro da sala de
aula, auxiliando a educação. Para Soares (2011), a comunicação é vista como um
componente do processo educativo, onde a comunicação se torne um eixo central na
educação para educar através dela. A ideia é capacitar os estudantes da educação
básica, fazê-los compreender como a mídia funciona e poderem atuar com mais
propriedade nas mídias. Mas fica claro em alguns textos de pesquisadores da área
(BACCEGA 2011; FIGARO 2011; TODA y TERRERO 2011) que o foco está em uma
metodologia da educação, voltada aos meios, na ideia de repensar práticas de sala de
aula que contemplem a mídia e sua utilização por professores e alunos.
Em outra oportunidade, Soares (2014) também evidencia que os objetivos
da educomunicação, em sua visão, direcionam o olhar para os educadores e para
a forma como lidam com os impactos da mídia, relacionando diretamente esses
estudos com os de recepção. A meta da educomunicação seria de “transformar a
comunidade educativa em um ecossistema comunicativo aberto” (SOARES, 2014, p.
22), e identificar novas formas de ensinar e aprender. “Interessa-nos a comunicação
no trabalho do educador, no trabalho do estudante e nos meios materiais utilizados”
(APARICI, 2014, p. 38). Kaplún (2014) também é um estudioso da educomunicação
e costuma refletir sobre a educação formal, muito mais do que sobre os aspectos
da comunicação, voltando suas pesquisas para as maneiras de ensinar através da
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 2
15
comunicação, concluindo sobre a importância da expressão e da produção nos meios
de comunicação para a construção dos sujeitos e da cidadania.
A preocupação dos aspectos teórico-metodológicos de mídia-educação, segundo
Fantin (2011), é com as mediações escolares também. A ideia é trazer a temática
das mídias para ser problematizada na escola, potencializando as práticas escolares.
Essas mediações pedagógicas
visam capacitar crianças e professores para uma recepção ativa e uma produção
responsável que auxilie na construção de uma atitude mais crítica em relação ao que
assistem, acessam, interagem, produzem e compartilham, visto que a precariedade
da reflexão sobre linguagens, conteúdos, meios e interesses econômicos impede
uma compreensão mais rica (FANTIN, 2011, p. 28).
A autora afirma que ainda não há um consenso acerca do termo mídiaeducação, mas que os objetivos da educação para as mídias se aproximam da ideia
de formar usuários ativos, críticos e criativos de todas as tecnologias de comunicação
e informação. Apesar de referir-se às tecnologias, não se reduz a esses aspectos
instrumentais, configurando-se como a adoção de uma postura crítica e criadora, e de
avaliar eticamente e esteticamente o que está sendo oferecido pelas mídias. Também
não se trata, conforme foi abordado no início das pesquisas sobre mídia-educação
na década de 1960, de proteger as crianças dos meios, mas capacitá-las a analisar e
refletir sobre suas interações com a mídia e participar de forma ativa e consciente. A
busca é a formação de espectadores críticos através de um fazer educativo.
Fantin (2005) situa a mídia-educação no âmbito das ciências da educação e
do trabalho educativo, considerando as mídias como um recurso para a formação.
Também afirma, em outra oportunidade, que a mídia-educação “constitui um espaço
de reflexão teórica sobre as práticas culturais e se configura como um fazer educativo
numa perspectiva transformadora [...]” (FANTIN, 2011, p. 30). As mídias seriam, então,
um recurso para a educação formar melhor seus alunos, formar cidadãos. É como
se a comunicação fosse um objeto do campo mídia-educação, que pode aparecer
como metodologia de trabalho, análise de texto, análise do consumo, entrevistas,
etnografia, etc. A ideia de transformar a escola está muito presente, reconduzindo-a
para a centralidade da problemática.
A importância da mídia-educação pode ser conferida nas razões apontadas por
Silveira (2011, p. 798):
É uma área chave no que toca à formação de cidadãos melhor informados e mais
esclarecidos, trata-se de um dos terrenos centrais dos direitos dos cidadãos, não
se esgota na investigação, já que pretende atuar na promoção de uma cidadania
interveniente; e a proliferação das novas redes, plataformas e ferramentas digitais
coloca em evidência necessidades básicas ao nível da alfabetização e formação
de todos os cidadãos [...].
Muito significativas, as ações de mídia-educação refletem um cuidado com os
currículos educativos e com um aprimoramento pedagógico. Esse não é, entretanto,
o cerne da questão desta pesquisa. Outro termo, mais usado no século XXI devido
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 2
16
em grande parte à adoção pela UNESCO, é alfabetização midiática. O termo se refere
às capacidades e habilidades de encontrar, selecionar, analisar, avaliar e armazenar
informações, independente dos códigos e técnicas envolvidas. A pesquisadora suíça
Feilitzen (2014, p. 15) descreve:
Alfabetização midiática, ou o termo mais em voga, alfabetização midiática e
informacional, refere-se a conhecimentos, habilidades ou competências que nós
devemos adquirir em relação à mídia. Já a educação midiática – ou educação
para mídia, educação para comunicação, etc. – refere-se a um dos processos para
obter alfabetização midiática. Assim, enquanto alfabetização midiática é o objetivo,
educação midiática é um meio para atingir esse objetivo.
No entanto, a pesquisadora enfatiza que os significados entre estes termos são
comuns em âmbito internacional, pois tanto um quanto outro “sugerem que todas as
pessoas devem ter acesso à mídia, entender como a mídia atua e opera na sociedade,
devem ter condições de analisar e refletir criticamente sobre os conteúdos presentes
na mídia, e participar da produção midiática ou comunicar-se numa série de contextos”
(FEILITZEN, 2014, p. 15). O entendimento de Media Literacy, ou alfabetização
midiática como é traduzido, é tido como “understanding how mass media work,
how they construct reality and produce meaning, how the media are organized, and
knowing how to use them wisely2” (JACQUINOT-DELAUNAY et al., 2008, p. 21). O
autor afirma que a alfabetização midiática parece empoderar as pessoas criticamente
e criativamente, pois “the meadialized symbolic environment we live in today largely
shapes the choices, values and knowledge that determine our everyday lives3” (Ibid., p.
22), e que a “Media Literacy helps to strengthen the critical abilities and communicative
skills that give human meaning and enables the individual to use communication for
change4”.
Os termos apresentados têm em comum a relação entre educação e comunicação
e a intenção de promover ações de educação para mídia. As mídias são os meios para
a informação, para a cultura, para cidadania e, mais do que nunca, é preciso aprender
a questionar suas mensagens, mas não apenas isso: para garantir uma democracia
representativa, é preciso munir os sujeitos das ferramentas para que se expressem e
participem socialmente. O mundo globalizado e tecnológico implica mudanças, e entre
elas estão as múltiplas alfabetizações, principalmente a voltada para mídia.
Dentre as abordagens que Kellner e Share (2008) apresentam como pertencentes
ao campo da pedagogia midiática nos Estados Unidos, muito principiante na visão dos
autores, existe um aspecto que deve ser evidenciado. Existe a abordagem protecionista,
que vê as audiências como passivas e a mídia como perigosa; outra que sugere uma
educação para a “arte midiática”, voltada para as questões estéticas da arte criativa e
2 “ Entender como a mídia de massa trabalha, como ela constrói a realidade e produz significado, como a mídia é
organizada e saber como usá-la sabiamente” tradução livre da autora.
3“ O ambiente simbólico midiatizado em que vivemos hoje molda em grande parte as escolhas, valores e conhecimentos que determinam nossas vidas cotidianas”, tradução livre da autora.
4 “A Alfabetização Midiática ajuda a fortalecer as habilidades críticas e as capacidades comunicativas que dão significado humano e permitem o indivíduo usar a comunicação para a mudança”, tradução livre da autora.
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Capítulo 2
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da mídia; a alfabetização midiática é uma das abordagens que consiste em uma série
de competências comunicativas, como as habilidades de acessar, analisar, avaliar e
comunicar. Apesar de terem seus prós e contras, todas contribuem para avanços na
questão da educação para a mídia.
Os autores utilizam a metáfora do iceberg para explicar a alfabetização midiática,
que, segundo eles, costuma analisar apenas a ponta óbvia dos processos midiáticos.
O que é intelectual, histórico e analítico não é contemplado, e a análise da mídia, sem
abordar a parte “submersa”, seria superficial e mecânica.
O componente crítico da alfabetização midiática deve transformar a alfabetização
em uma exploração do papel da linguagem e da comunicação para definir relações
de poder e dominação, pois abaixo da superfície da água, naquele iceberg,
vivem noções ideológicas profundamente embutidas, de supremacia branca,
patriarcalismo capitalista, classicismo, homofobia e outros mitos opressivos
(KELLNER; SHARE, 2018, p. 701).
Rejeitar a ideia de informações neutras ou livres de valores é parte essencial para
o questionamento crítico que pode intervir na injustiça social e na desigualdade a qual
somos submetidos. Sem a parte crítica, as iniciativas de educação para mídia correm
o risco, segundo os autores, de se tornar um manual de ideias convencionais. Por
isso eles propõem uma “alfabetização crítica da mídia”, com foco na crítica ideológica
e análise política das representações de dimensões essenciais, como gênero,
raça, classe, sexualidade, economia, entre outros. Interessa a crítica aos modelos
hegemônicos e tendências atuais de abordagem da alfabetização, constituindo então
um projeto político para a mudança social democrática.
4 | ALFABETIZAÇÃO EM JORNALISMO: CONHECENDO OS PROCEDISMENTOS
DE CONTROLE
Diante do debate acima, é preciso questionar quais seriam os processos que
os sujeitos podem se envolver para adquirir as competências para ter um bom
relacionamento com a mídia, para que usem as informações em favor de seus próprios
interesses. Para Braga (2002, p. 36), um sistema crítico oferece uma diversidade de
vozes capaz de “estimular uma cultura de opções pessoais e de grupos que qualifique os
usuários a fazerem a própria crítica por sua conta e risco”. Defendendo uma sociedade
culturalmente desenvolvida, e um melhor relacionamento dos sujeitos sociais com a
mídia, o autor afirma que é preciso “dispor de critérios e procedimentos de interação
de modo que seja possível selecionar, criticar e interpretar – sempre com diversidade
e autonomia – de modo a criar espaços de interatividade exigente e qualificadora”
(BRAGA, 2002, p. 39).
A crítica se apresenta como um fator chave para pensar os processos que
envolvem a educação para mídia, mas também os de enfrentamento ao jornalismo.
A dedicação desta pesquisa é em compreender as maneiras possíveis de aprimorar
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 2
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a crítica social, desenvolver o pensamento crítico, prover discernimento. Parece ser
essa a tentativa das ações descritas que se voltam para o ensino de mídia. Mas é fato
que, pelo menos nacionalmente, não experimentamos mudanças significativas neste
setor (BÉVORT; BELLONI, 2009; ZANCHETTA, 2009).
Talvez um dos motivos seja o fato de que pretendemos ensinar a crítica sobre
um assunto o qual os sujeitos não dominam. É difícil pensar, por exemplo, em fazer
crítica jurídica sem compreender a prática jurídica. Como é possível fazer uma crítica
a um procedimento médico sem conhecer a prática da medicina? Da mesma forma,
estamos tentando ensinar uma postura crítica frente a mídia jornalística sem oferecer
uma base sobre o que está sendo criticado. Talvez resida aí uma das dificuldades da
educação para mídia, e também um caminho norteador dos processos de crítica à
mídia.
A prática jornalística, segundo contextualiza Marocco (2015) apropriando-se de
conceitos foucaultianos, pode ser compreendida/analisada a partir dos procedimentos
de controle. Segundo a autora, podemos percebe-los como externos, internos e não
totalmente externos nem internos. Os externos se referem aquilo que se pode dizer e o
que é interditado na sociedade, em uma determinada época, e suas táticas discursivas
para tanto. Esses procedimentos refletem uma vontade de verdade, ou seja, tudo
aquilo que torna o jornalismo “neutro”, “objetivo”, “imparcial”, e então, fiel à verdade.
Os procedimentos internos se referem ao comentário, o autor e a disciplina. O
comentário incide sobre os textos primeiros e caracteriza, no jornalismo, o Ombudsman.
A autor é diluído no coletivo do jornal, enquanto a disciplina abrange as regras que dão
uniformidade à produção. Já os procedimentos nem externos nem internos se referem
às hierarquias estabelecidas dentro de uma redação, onde as várias vozes do jornal
(repórteres, colunistas, editores) estabelecem um jogo de poder em que determinada
pessoa pode abordar determinado assunto e outra não. São procedimentos de controle
relativos a distribuição de prestigio e privilégios no ambiente de trabalho, que são, de
certa forma, externos e internos.
Faz parte da prática jornalística alguns movimentos de resistência a esses
controles, dentre eles a questão de assumir a autoralidade no trabalho jornalístico,
através dos livros de repórter, por exemplo, e também optar por uma abordagem com
princípios de alteridade, que não impõe uma verdade sobre o outro e busca escutar
os sujeitos mais do que fazê-los falar sobre o que interessa para a matéria. Mas
talvez a essa resistência do sujeito jornalista se possa somar a uma ação crítica do
público a quem se destina o jornalismo. A leitura crítica proposta pelas investigações
de educação para a mídia seria potencializada, ao nosso ver, a partir da abordagem
não só do texto, mas das práticas jornalísticas – e seus procedimentos de controle.
A crítica das práticas jornalísticas é exercida por acadêmicos e profissionais da área,
mas que poderiam ganhar um aliado poderoso. Como resultado de uma sociedade
bem informada e crítica, seria possível até mesmo modificar a produção dos conteúdos
midiáticos, pluralizando as vozes a serem ouvidas e debatendo outros temas,
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 2
19
avançando democraticamente.
Não se trata de fazer com que os sujeitos resistam à mídia, pois isso não garante,
segundo Braga (2006) as melhores interpretações ou melhores usos. A necessidade
de “ensinar o usuário” é sentida, mas isso pode levar a conclusões prontas, e não
a uma autonomia interpretativa. “O desenvolvimento de competências do usuário
parece exigir processo sociais mais complexos do que apenas ‘ensinar uma postura
crítica’ em perspectiva didática” (BRAGA, 2006, p. 62). Para o autor, são três questões
principais a serem observadas: como as pessoas selecionam os produtos de mídia;
como e em que condições os sujeitos adquirem competências interpretativas; e o que
é necessário para o desenvolvimento da autonomia interpretativa.
Como seria possível oferecer, para o sujeito submerso na exposição e acesso à
mídia, um ponto de apoio para uma interpretação independente e consciente?
Não se trataria, portanto, de “ensinar o usuário a se defender da mídia”, ou dizerlhe como deve interpretar (com o risco consequente de levar ao usuário em geral
interpretações prontas, assumidas como verdadeiras, elaboradas pelos setores
intelectuais e políticos “críticos”); mas sim [...] estimular uma cultura de opções
pessoais e de grupos que qualifique os usuários a fazerem sua própria crítica,
por sua conta e risco. Esse trabalho crítico, difuso e variado, desenvolvido pela
sociedade, seria o componente mais relevante e o indicador mais precioso de um
bom e sólido sistema de interações sociais. (BRAGA, 2006, p.63).
Para além de fazer julgamento simplista acerca dos conteúdos veiculados e de
apresentar uma didática de postura crítica aos sujeitos, precisamos oferecer maneiras
de qualificar os sujeitos a fazerem a crítica autonomamente. As perguntas que
possibilitam um movimento heurístico na pesquisa se direcionam para as estratégias
voltadas para uma alfabetização para uma leitura do jornalismo. Como que se debatem
os procedimentos de controle com os não jornalistas? Para que a população tenha
consciência da matéria a ser criticada é preciso desnudar as práticas jornalísticas e
torna-las acessíveis. Alfabetizar para o jornalismo implica fazer conhecer o sistema em
que opera o jornalismo e assim tornar a crítica possível.
5 | HEURÍSTICAS EM ANDAMENTO
A proposta de fazer uma alfabetização em jornalismo ainda é incipiente, mas
diverge em certa medida das propostas de alfabetização midiática, mídia-educação
e educomunicação. Vimos que a educomunicação e a mídia-educação, apesar de
representarem um escopo de atividades relevantes e aprimoradas, não convergem
exatamente com os objetivos desta pesquisa. Quando voltamos a atenção para a
alfabetização midiática, vimos que ela por si só não representaria os avanços
necessários para um melhor relacionamento com a mídia sem o componente crítico
do processo. A alfabetização crítica da mídia seria uma alternativa mais aproximada
com o objetivo das interpretações autônomas.
Entretanto, não se trata tanto de ensinar a ser crítico de forma didática quanto
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 2
20
de lançar luz sobre as lógicas internas dos sistemas operantes para que, aí sim,
as interpretações sejam únicas e personalizadas, de acordo com as vivências e
experiências de cada sujeito, que, a partir do conhecimento da prática, podem
estabelecer seus critérios de observação. Isso seria uma autonomia interpretativa, na
visão desta pesquisa. O objetivo principal da alfabetização em jornalismo seria o de
fazer conhecer as práticas jornalísticas, principalmente os procedimentos de controle,
para que assim os sujeitos tivessem as condições necessárias para realizar a crítica.
Os caminhos da pesquisa ainda não foram selados. Existem propostas de
educação para mídia em vários grupos de pesquisa acadêmicos e ações escolares.
Alguns chamam a atenção devido ao seu caráter crítico com o jornalismo. Outras
práticas podem ser identificadas em contextos internacionais com esse viés de crítica
à mídia ou alfabetização crítica da mídia. Uma das intenções seria a de observar as
práticas desses grupos e identificar de que maneiras explicitam as práticas jornalísticas,
se abordam (e de que forma) questões dos procedimentos de controle, buscando
fazer inferências sobre as maneiras de fazê-lo. Seria possível identificar se existe a
falta dessa contextualização ou se ela se faz de fato presente, e de que forma. Outra
intenção seria uma aproximação com dispositivos críticos midiáticos que estabeleçam
uma crítica das práticas jornalísticas, voltadas para os procedimentos de controle, e
entender como poderiam, em determinada medida, servir como alfabetização dessas
práticas para o público leigo.
Se dentro da situação atual de fake news, desinformação, crise do jornalismo,
novas tecnologias, ameaças às democracias, à representatividade, participação e
acesso, vem se falando cada vez mais em educação para mídia, vem se dando cada
vez mais valor para a alfabetização midiática. Mas sem a crítica, todas as iniciativas
voltadas para esse propósito parecem se enfraquecer. Para fazer crítica é preciso,
então, conhecer o objeto da crítica. Por isso propomos que, antes de buscar o ensino
de uma postura crítica, devemos oferecer o material a ser criticado: o jornalismo, e não
somente os seus produtos. Se isso pode representar um avanço no relacionamento
dos sujeitos com a mídia jornalística, pode também representar um avanço para as
democracias modernas, midiatizadas e interpretativas.
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Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 2
23
CAPÍTULO 3
AGÊNCIAS INDEPENDENTES DE JORNALISMO
E A PRÁTICA DO BIG DATA: CREDIBILIDADE E
REVITALIZAÇÃO DO ETHOS PROFISSIONAL
Leonel Azevedo de Aguiar
PUC-Rio, Programa de Pós-graduação em
Comunicação
PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo; agências
independentes; ethos profissional; objetividade;
big dat.
Rio de Janeiro - RJ
Claudia Miranda Rodrigues
PUC-Rio, Programa de Pós-graduação em
Comunicação
Rio de Janeiro - RJ
INDEPENDENT JOURNALISM AGENCIES
AND THE BIG DATA PRACTICE:
CREDIBILITY AND RENEWAL OF THE
PROFESSIONAL ETHOS
RESUMO: A transformação nos modos de
produção impulsionada pela internet favoreceu
arranjos que impactam a centralidade das
organizações midiáticas (ANDERSON et al.,
2013). Amparadas no uso de big data, expandem
seu território, nas plataformas virtuais, agências
de jornalismo independente sem fins lucrativos
e com a política de compartilhamento de
notícias. Pautadas pelos valores intrínsecos
do campo jornalístico (TRAQUINA, 2013),
organizações como ProPublica, The Bureau
of Investigative Journalism e Agência Pública
reforçam o paradigma de bem público,
exatidão e transparência, a partir do recurso
do jornalismo de dados (LEWIS; WESTLUND,
2014). Nomenclaturas como data journalist
e programador-jornalista compõem equipes
multimídias e apontam a emergência de
um novo ciclo que resgata a importância da
objetividade (SCHUDSON, 2010) a partir da
precisão na apuração respaldada no big data.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
ABSTRACT: The transition in the production
manner boosted by the internet favored
arrangements that impact the centrality of the
media organizations (ANDERSON et al., 2013).
Sustained by the use of big data, independent
non-profit journalism agencies expand their
territory on virtual platforms under news sharing
policy. Guided by the values of the journalistic
field (TRAQUINA, 2013), organizations such
as ProPublica, The Bureau of Investigative
Journalism and Agência Pública reinforce
the paradigm of public interest, accuracy and
transparency, adopting the data journalism
as a tool (LEWIS; WESTLUND, 2014).
Nomenclatures such as data journalist and
programmer-journalist are part of multimedia
teams and indicate the emergence of a new
cycle that rescues the importance of objectivity
(SCHUDSON, 2010) with the precision assured
by the big data.
KEYWORDS: Internet; digital journalism;
Capítulo 3
24
objectivity; big data; ethos.
1 | INTRODUÇÃO
O advento da web 2.0 desencadeou uma mudança de paradigma nas formas
de produção e circulação de notícias na esfera digital que facilitou novos arranjos
interacionais e profissionais (AGUIAR, 2009; CASTELL, 1999; GILLMOR, 2006,
MEIKLE, 2003 JENKIS et al., 2013; DEUZE, 2014, MORAES, 2013). Por outro lado,
as TCIs (Tecnologias de Informação e Comunicação) impactaram a centralidade
das grandes organizações midiáticas (ANDERSON et al.) com reflexos no modelo
de negócios da indústria jornalística e, consequentemente, aumento nas demissões,
encolhimento dos postos de trabalho e precarização do exercício da profissão
(DEUZE, 2009; MOSCO, 2009; ADGUIRNI; RIBEIRO, 2001; KONIECZNA, 2014,
MORETZSOHN, 2014).
O jornalismo das grandes redações vive “uma crise de valores, uma crise de
identidade e crise financeira (PEREIRA, 2011, p. 40). Relatório do Pew Research
Center, informa que, nos Estados Unidos, houve uma queda de 4% na circulação
domiciliar e de 7% na circulação semanal. A queda nas receitas de publicidade chegou
a 8%, a maior taxa desde 2009. Os últimos 20 anos registraram uma redução em 20
mil profissionais de jornais – um patamar de 39% – e menos 126 periódicos entre
2014 e 2004. Redações foram incorporadas às empresas corporativas transnacionais,
com cortes orçamentários e diminuição no entusiasmo da direção pelo jornalismo
investigativo (CHOMSKY; HERMAN, 2002, p.27).
A realidade americana é uma tendência mundial. No Brasil, de 2012 a 2017,
foram demitidos 2123 jornalistas, dos quais 51% trabalhavam em jornais, 24% em
radio e TV e 15% em revistas e 10% em meios online, conforme dados da agência
independente Data Volt em “A Conta dos Passaralhos”, em abril de 2017. O maior
número de demissões ocorreu no Infoglobo, subsidiária do Grupo Globo, que demitiu
30 profissionais em função da fusão entre os jornais O Globo e Extra; também
aconteceram demissões na Rede Bandeirantes, na Editora Abril e no portal Terra.
Levantamento da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) contabiliza 15 veículos
fechados, incluindo jornais impressos, rádios, TVs, sites de notícias e blogs. Com 189
anos de existência, o Jornal do Commércio deixou de circular em 2016. A Editora Abril
anunciou, no mesmo ano, o encerramento das atividades de revistas longevas como
Capricho e Playboy (LASERI et al., 2017).
As transformações estruturais enfrentadas pela profissão afetam a credibilidade
da mídia e provocam o empobrecimento da notícia (ADGHIRNI, 2005; NEVEU,
2010; PEREIRA et al., 2008). Em 2002, o ex-editor do New York Times, Max Frankel
já observava a predominância de pautas acerca de violência, esportes, sexo e
entretenimento na proporção direta em que os veículos buscam atrair audiência na
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 3
25
internet (CHOMSKY; HERMAN, 2002). Atualmente, a cultura do clique prioriza matérias
que resultem em compartilhamento por parte da audiência com ajuda de softwares
como google analytics que contabiliza, em tempo real, o consumo do público.
Se a tecnologia pode resultar em uma outra perspectiva para os profissionais
da área de Comunicação, é evidente um aumento exponencial de organizações de
notícias nas plataformas digitais que apontam possíveis reformulações nos modos
de fazer jornalismo. Diante deste cenário, evoca-se a pergunta sobre qual o futuro do
jornalismo e dos jornalistas em um cenário onde o acesso profissional é altamente
limitado (DEUZE, 2015, 22). Anderson (2011) chega a falar em explosão das redações
que não pressupõe total extinção, mas uma redefinição de centralidade. Deuze (2015)
aponta, neste sentido, outra questão.
O pertencimento, no jornalismo, não é apenas determinado por estar em uma sala
de redação ou ficar fora dela (…). Há um alto grau de fluxo, o que borra os limites
do dentro e do fora da redação e do seu ambiente. Nós precisamos rever a nossa
compreensão das redações e, mais do que isso, nós precisamos entender o seu
papel para além do trabalho que é feito dentro de seus limites (DEUZE, 2015, p.
16).
As plataformas digitais se constituem espaço aberto. Jornais, revistas, TVs
e até agências internacionais tem seus portais. Dados do Instituto Verificador de
Comunicação (IVC Brasil) apontam, em 2013, crescimento de 7,5% das assinaturas
digitais de jornais – com um salto de 118%, de 228.944 para 500.370 – contra uma
queda de 7,6% nas vendas avulsas. Entretanto, a editora-chefe do britânico The
Guardian, Katharine Viner, assinala a falência do modelo de negócios dos periódicos,
uma vez que Facebook e Google estão “engolindo a publicidade digital”, enquanto
editores publicam histórias mais “estridentes, sem verificar os fatos, para aumentar
os cliques em busca de qualquer público”. Viner assume que é urgente responder à
pergunta: “qual nosso papel, jornalistas, na sociedade?”.
Tanto no exterior quanto no Brasil, observa-se a multiplicação no número de
agências de jornalismo independente nas plataformas digitais. Deuze (2016) percebe
um “contramovimento” na direção de um jornalismo mais interessado na qualidade
e profundidade que na velocidade do breaking news (DEUZE, 2016, p.12). Algumas
organizações jornalísticas seguem tendências comuns na indústria de software com
equipes menores que incluem profissionais multimídia com adoção do modelo sem
fins lucrativos – uma resposta à falta de empregos que, ao mesmo tempo, aponta
vitalidade no campo do jornalismo (DEUZE, 2016, p.207).
Levantamento do PEW Research Center (2013) confirma a tendência de
crescimento da produção digital neste segmento. Dos 50 estados americanos, apenas
nove não tem pelo menos uma organização sem fins lucrativos. Neste universo, a
maioria investe em nichos de agenda, com prioridade para o jornalismo investigativo
(21%) e assuntos relacionados ao governo (17%) em detrimento da agenda da mídia
mainstream. De acordo com o centro de pesquisa, ao contrário da realidade da grande
imprensa, 40% manifestaram intenção de aumentar a equipe e 81% mantinham a
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 3
26
confiança em sua sustentabilidade. Entretanto, relatório da Knight Foundation
demonstra como é forte a dependência em financiamentos por parte de fundações
– em 2013, correspondiam a 58% do total de fundos que amealhados por estas
organizações.
Entre as iniciativas que pululam, destacamos agências com conteúdo segmentado,
dedicadas ao jornalismo de interesse público com foco no trabalho investigativo.
Fundadas por jornalistas egressos de grandes veículos, encaixam-se neste caso a
agência americana ProPublica e a britânica The Investigative Bureau of Journalism que
adotam news sharing, compartilhamento de reportagens em veículos da grande mídia.
No Brasil, a Agência Pública, a Gênero e Número e a Data Volt coadunam-se dentro do
mesmo perfil. Lançam mão do recurso do jornalismo de dados que reforça a exatidão
e a credibilidade (ANDERSON et al., 2014; HOWARD, 2014; PARASIE, 2013). Este
tipo de organização quer revelar estórias que importam e fomentar ações efetivas –
uma noção recorrente na seção em que a “missão” destes veículos é explicitada. Em
comum, foram fundadas por jornalistas – egressos de veículos da chamada “grande
imprensa” –, contam com a participação crescente de programadores, designers e
empregam formatos multimídia em boa parte das reportagens (CANAVILHAS et al.,
2016).
Com uma equipe de 75 jornalistas, a ProPublica investe na investigação e em
denúncias por entender que assuntos de “força moral” são negligenciados em função
da restrição imposta pelo modelo de negócios dos meios de comunicação. Do volume
total de investimento global na mídia, apenas 2% se destina ao jornalismo investigativo
(KAPLAN, 2013). Fundada em 2008, a agência coleciona prêmios de jornalismo –
inclusive o Pulitzer, conquistado em 2010 pela reportagem The Deadly Choices at
Memorial sobre mortes induzidas de vítimas do furacão Katrina no Memorial Medical
Center, em Nova Orleans. –, tem como meta provocar mudanças sociais e incentiva
outras publicações a “roubarem” ou republicarem seu material.
Ao redor do mundo, um número crescente de jornalistas de dados faz mais do que
publicar visualizações de dados e mapas interativos. Eles usam estas ferramentas
para revelar esquemas de corrupção e responsabilizar poderosos. Talentosos
membros da tribo do jornalismo estão engajados em longas investigações buscando
evidências e repostas para a pergunta mais fundamental que um jornalista pode
fazer: “por que isso está acontecendo?” (HOWARD, 2014, p.14).
A agência brasileira Gênero e Número se define como uma organização de
mídia que recorre aos dados para qualificar o debate sobre equidade de gênero. Com
dez editorias, publicou extensa reportagem em parceria com a Associação Brasileira
de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) sobre assédios e violência contra mulheres
jornalistas no exercício da profissão. Com o slogan “fuja das fakes news”, a agência
oferece uma newsletter política, ao custo de R$ 11,99 por mês, e disponibiliza dados
de bolso com a provocação: “leve dados de bolso para sua rede”.
Com 30 prêmios amealhados, a Agência Pública – uma das organizações
pioneiras neste segmento – realiza concursos para fornecer bolsas para produção de
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 3
27
reportagens investigativas com apoio de entidades como a Conectas Direitos Humanos.
A Data Volt – “data driven news agency” – produz sob encomenda, levantamentos,
banco de dados e análises para organizações de mídia – a partir do cruzamento de
dados no Data Rio com o Fogo Cruzado, o Data Volt inferiu que 50% das escolas do
Rio já foram alvo de tiroteios – e entidades.
Usar dados como fonte de informação não é uma novidade no jornalismo. Gray,
Chambers e Bounegru (2012) assinalam que o jornal The Guardian recorreu, pela
primeira vez, aos dados em reportagem publicada em 1821 que levantou quantos
alunos eram beneficiados pela educação gratuita e a dimensão dos desfavorecidos
nas cidades de Manchester e Salford, na Inglaterra. O acesso às informações
governamentais com a criação de portais de transparência favoreceu a cultura big data.
A reportagem Panamá Papers – denúncia sobre envolvimento de figuras públicas e
empresas no esquema de paraísos fiscais no exterior conduzido pelo ICIJ (Consórcio
Internacional de Jornalismo Investigativo, em português) – foi um marco que mostrou
o potencial da combinação entre dados abertos e investigação.
A precisão na apuração – base do jornalismo de dados – tangencia o ideal das
agências digitais de mídia independente: produzir, com autonomia, jornalismo de
qualidade que aborda agenda de interesse público e serve de antídoto contra notícias
mal produzidas. A metodologia que se apoia no big data teve sua origem na RAC
(Reportagem Assistida por Computador, em português) e ampara o princípio de rigor
e de exatidão – no que tange à veracidade – no relato dos fatos.
Se pensarmos nas formas tradicionais do fazer jornalístico, é evidente que o
campo passa por uma grande transformação nos modos de fazer com o respaldo de
novos dispositivos e ferramentas tecnológicas. Deuze (2016) pontua, entretanto, que
é valioso entender que os valores fundamentais que orientam o jornalismo e com os
quais os jornalistas se identificam ao definir seu trabalho – e, para muitos, aquilo que
dá sentido à profissão – não são diferentes dos valores compartilhados há mais de
cem anos (DEUZE, 2016, p 207).
2 | JORNALISMO DE DADOS COMO VALOR PROFISSIONAL
Diante de um campo fragmentado pela internet, o jornalismo adquire múltiplas
facetas espraiado nas plataformas digitais. Entretanto, mesmo antes do advento
das redes sociais, nunca foi possível dizer que existe um jornalismo. Este não é um
conceito estático, único e determinista. As práticas jornalísticas inscrevem-se em
um percurso histórico desde os seus primórdios no século XVII, com padrões que
não se manifestam necessariamente, de forma cronológica, mas estão vinculados a
parâmetros de finalidade. Em última análise, o papel do jornalismo está imbricado a
um marco imaginário, que extrapola fronteiras de tempo e espaço, determinado por
valores profissionais (NEVEU, 2010; SCHUDSON, 2010).
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 3
28
Uma mudança de paradigma impõe ao jornalismo, no século XIX, a função de
fornecer fatos. Com “autonomia relativa”, jornalistas desenvolvem técnicas específicas,
um saber especializado e também uma identidade profissional – um ethos que constitui
uma “comunidade interpretativa”. Entre dois polos dominantes no campo jornalístico
– o comercial e o ideológico – emerge a identificação da imprensa como elemento
fundamental da teoria democrática. Dentro desta lógica, a imprensa – nomenclatura
que então abarcava o campo jornalístico – deve atuar como veículo de informação que
faculta ao cidadão ferramenta para exercer seu direito e expressar suas preocupações.
Cabe ao membro daquela comunidade – comprometido com os valores da profissão
– buscar a notícia de forma desinteressada promovendo a vigilância constante e a
defesa dos ideais democráticos (TRAQUINA, 2012, p. 127-131).
Sob a égide do Positivismo, o jornalista deve agir como uma máquina fotográfica
“apesar de uma orientação editorial” e cumprir seu dever de “fornecer a verdade
exata” (TRAQUINA, 2012, p.52). Essa visão reforça a importância do profissional da
imprensa para a democracia e do jornalismo como “Quarto Poder” ou contrapoder.
Como assinalam Silveirinha e Camponez, Lippman enxerga as limitações da função
ao mesmo tempo em que pontua “honra peculiar”.
A observação tem de preceder qualquer atividade e o observador público (o
repórter) é um homem de valor crítico. Qualquer dinheiro ou o esforço que se gaste
para colocar o homem certo neste trabalho nunca será mal gasto, pois a saúde
da sociedade depende da qualidade da informação que recebe (SILVERINHA &
CAMPONEZ, 2012, p. 51).
Nos Estados Unidos, as últimas décadas do século XIX foram marcadas pela
“era do repórter” (SCHUDSON, 2010, p.80). Socialmente, o repórter – aquele que
corre atrás da notícia – surgiu nos anos 1880 e 1890. Os penny papers foram os
primeiros a contratar repórteres. A guerra civil americana fomentou o crescimento do
mercado – os jornais de Nova York gastaram de 60 a 100 mil dólares anuais em
reportagens sobre o front; o Herald tinha mais de 40 correspondentes. Mas o status
social e o prestígio profissional só vieram perto da virada do século XIX para o XX
(SCHUDSON, 2010, p.83-85).
A busca pela notícia unia a classe que se atribuía importância e compartilhava
de ideias comuns sobre como realizar o trabalho de reportagem (SCHUDSON, 2010,
85-88). O jornalismo é uma invenção do século XIX e as práticas e estratégias que o
caracterizam foram inventadas nos Estados Unidos e, em menor grau, na Inglaterra
(CHALABY, 2003, p.30). “Progressivamente, o discurso jornalístico tornou-se um
gênero distinto de textos cujos métodos foram adotados por outros países” (ibidem).
Neste sentido, Schudson (2010) radiografa a formação do ethos e a forma como
o contexto social daquela época exalta a ciência a partir do domínio do interesse
positivista. O jornalismo se contaminou e, nesta atmosfera, jornalistas se consideravam
cientistas. O historiador Robert Brenner ressalta que havia uma demanda pública
pelos fatos: “fatos acumulados até o ponto da certeza nua e crua, era o que realmente
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 3
29
desejava o povo norte-americano” (SCHUDSON, 2010, p. 89).
Lippman, por sua vez, (1965) sustenta que a adoção de um método cientifico é
o meio mais eficaz para a prática de um jornalismo profissional baseado nos fatos.
Contudo, nas décadas de 20 e 30, as estratégias e ingerências de um novo ofício
– o profissional de relações públicas – interferem na produção jornalística que se
tornou imprecisa e manipulada. A disseminação desta cultura da propaganda – que
envolveu campanhas políticas relacionadas à Primeira Guerra Mundial – redundou na
impossibilidade do repórter, em sua rotina diária, moldar os fatos (LIPPMAN, 1965,
p. 218), um dos fatores que minou a confiança na mídia e a crença na objetividade
jornalística naquele momento.
Os conceitos de Lippman sobre a propaganda nos fornecem argumentação
que sustenta a lógica da objetividade como um ideal do jornalismo. Evoca hábitos
do realismo objetivo do cientista – o desapego, o altruísmo e a maturidade – e a
capacidade de não se pautar pelos próprios gostos e desejos na compreensão
do mundo. Schudson (2010), entretanto, percebe que, se os jornalistas, em 1890,
acreditavam nos relatos realísticos, nos anos 30 já existe, mesmo entre aqueles
comprometidos com a objetividade, a consciência dos perigos da subjetividade.
Embora vulnerável a questionamentos – da mesma forma que a neutralidade e a
imparcialidade – a ideologia da objetividade persiste como um dos valores profissionais.
No lugar de uma simples “fé cega” aos fatos, os jornalistas lançam mão de regras e
procedimentos para assegurar a credibilidade da informação. E também produziram
um “ritual estratégico”, como estabelece Gaye Tuchman (1999), que consiste em um
conjunto de convenções concretas já consolidadas a fim de responder às críticas e
fortalecer a credibilidade das notícias produzidas. O uso de aspas, a apresentação de
provas auxiliares e de vários lados da questão – ao ouvir mais de uma fonte – fazem
parte do método objetivo.
Para além da objetividade, associar a notícia à revelação dos fatos tornou-se
um mote, especialmente com a percepção da imprensa sobre a manipulação das
notícias por parte dos profissionais de relações públicas e de fontes do governo.
Essa consciência fez brotar uma cultura crítica nos Estados Unidos, na década de 60,
alimentada por uma crise de representatividade que só fazia aumentar a desconfiança
da população a respeito da política e do governo que para 67% dos americanos
beneficiava pequena parcela privilegiada (SCHUDSON, 2010, p.207). Nas grandes
redações, jornalistas e editores foram influenciados pela tradição muckraking, o
que motivou o crescimento de reportagens investigativas nos principais jornais e,
consequentemente, maior concorrência entre eles. Cabe ressaltar que o movimento
muckraker – que se originou antes da Primeira Guerra Mundial – marcou a veiculação
de relatos jornalísticos precisos que denunciavam corrupção e efeitos sociais danosos
do processo de industrialização. A tradição muckraking – de forma conotativa –
denomina a atuação de jornalistas progressistas com postura crítica ao governo que
denunciam a corrupção política.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 3
30
A busca por uma apuração acurada e confiável foi a fonte de inspiração, na
década de 70, para o repórter e professor Philip Meyer – autor do manual Jornalismo
de Precisão – sistematizar uma metodologia quantitativa conhecida como CAR
(Reportagem Assistida por Computador), conceito-chave precursor do big data
(HOWARD, 2014). Meyer (2017) salienta que, diante de fontes menos confiáveis, os
jornalistas devem apreciar os benefícios do jornalismo de dados. Mas destaca que,
como método científico, constitui-se de uma ferramenta que requer hipótese, análise
de correlação e apuração in loco.
Autores como Parasie (2015) e Howard (2015) destacam a ideia estabelecida
que os dados, sem o manuseio, não tem valor em si, e que as normas jornalísticas
se mantêm válidas a partir da verificação da exatidão dos dados e da comparação
cruzada da apuração junto a várias fontes. Na transição da RAC para o big data, há
uma percepção que os próprios dados podem guiar o repórter (data-driven) e revelar
uma história inesperada, ou seja, o profissional não teria, necessariamente, uma
liderança compulsória no processo da reportagem (PARASIE, 2015, p.13).
No cruzamento entre jornalismo tradicional e jornalismo de dados, Bradshaw
(2012) observa a união entre o tradicional “faro jornalístico” e a capacidade de narrar
uma estória de forma envolvente com fornecimento de muitos dados e acesso aos
mesmos. Como exemplo, Canavilhas cita a reportagem “Bicho de Sete Cabeças”, da
Agência Pública publicada em 16 de abril de 2014, que denuncia divergências nos
dados sobre transferências de recursos federais para a educação nas cidades-sede
da Copa do Mundo a partir de dados coletados no portal do Ministério do Esporte e no
Portal da Transparência, sobre a Controladoria-Geral da União (CGU). As bases de
dados contribuem para estruturar a narrativa e demonstram a dificuldade de encontrar
dados fidedignos para elucidar o “bicho de sete cabeças”.
Para compor esta nova tessitura textual, as organizações recorrem às equipes
multimídias, a exemplo do que ocorre em grandes redações. Pesquisa realizada nas
redações de O Globo, Zero Hora e Diário do Nordeste, no Brasil, e Correio da Manhã,
Expresso e Público, em Portugal, sobre a crescente influência de “tecnoatores” nas
redações online apontam para hibridismo profissional com a manutenção da primazia de
repórteres e editores na condução das principais diretrizes de trabalho. Charbonneaux
e Gkouskou-Giannnakou argumentam que a fragmentação no campo profissional não
impede o processo de extensão do domínio da profissionalização (CHARBONNEAUX;
GKOUSKOU-GIANNAKOU, 2015).
Mais do um simples método, Marchetti (2000) propõe que o jornalismo de dados
se constitui um novo “objetivo de lutas simbólicas em torno da própria definição da
atividade jornalística” (MARCHETTI, 2000, p.37). Ao abordar o JD como uma prática
investigativa na Grécia e Alemanha, Juliette Charbonneaux e Pergia GkouskouGiannakou (2015) formulam que, nos dois países, as primeiras experimentações de
jornalistas de dados se destacaram em um contexto de crise econômica e desconfiança
dos gregos em relação às instituições públicas e tentativas de dar visibilidade a temas
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 3
31
como ação de grupos neonazistas e a ineficácia dos serviços públicos alemães
(CHARBONNEAUX; GKOUSKOU-CHIANNAKOU, 2015, p. 268).
Como base para normas e valores, padrões éticos desempenham um papel
fundamental na orientação dos jornalistas especialmente para buscar promover
precisão, transparência e serviço público, entre outros ideais. (…) a ética está
associada ao profissionalismo e seu poder em delimitar fronteiras, delineando
insiders e outsiders e incentivando jornalistas a se distanciar de práticas
consideradas inferiores ou pouco familiares à profissão (LEWIS, 2015 p.13).
Se a delimitação do campo jornalístico se encontra evidentemente impactada,
Traquina pressupõe que os profissionais da mídia conseguiram demarcar uma
identidade profissional vinculada a papéis sociais definidos. Entre os atributos desta
cultura profissional estão a liberdade, a autonomia, e competência profissional – um
monopólio de saberes (BORDIEU, 1998). Estudo realizado, na década de 1990,
em cinco diferentes comunidades (Estados Unidos, Itália, Alemanha, Reino Unido e
Suécia) por Paterson e Donsbach apontou, como função consensual, dar a conhecer
e publicitar problemas (PATTERSON; DONSBACH, 1998).
3 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da premissa de Chalaby (2003), assinalamos que o jornalismo angloamericano modula estratégias e práticas jornalísticas e nos amparamos em Schudson
(2010) para expor uma hipótese de quatro ciclos em que as rotinas produtivas são
guiadas pelo rigor na metodologia como forma de legitimar a produção jornalística e,
consequentemente, ampliar a credibilidade da notícia.
O primeiro ciclo, no século XIX, é marcado pela invenção do repórter e o
fortalecimento de um jornalismo calcado na precisão, na apuração com rigor científico,
influência do positivismo e da ciência. É quando começa a se delinear o ethos
profissional e valores de uma comunidade interpretativa (SCHUDSON, 2010).
O segundo ciclo ocorre nas décadas de 1920 e 30 – com a ascensão da ingerência
da propaganda – quando Lippman, em seu clássico livro lançado em 1922, percebe
a objetividade como ideal do jornalismo. O método científico nas rotinas jornalísticas
é visto como meio de atingir a credibilidade arranhada pela manipulação das notícias
(SCHUDSON, 2010).
Um terceiro ciclo se estabelece na década de 1960 com a cultura crítica que
se espraia nas redações e reforça a necessidade de desconfiar das fontes e dá
combustão ao jornalismo investigativo. Há uma revitalização do movimento muckraker
pautado pela preocupação social e empenho em denunciar corrupções e desgovernos.
A função do profissional de relações públicas está consolidada e, entre repórteres,
cresce o questionamento sobre linha editorial, autonomia e imparcialidade.
Reconhecemos um quarto ciclo que se delineia nas plataformas digitais a partir
da atuação das agências de jornalismo independente – que se enquadram no polo
ideológico do jornalismo. Buscam autonomia – dentro do modelo sem fins lucrativos
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 3
32
– qualidade e exatidão – apoiadas na apuração com rigor e no rigor metodológico do
big data. Ao investir em pautas investigativas, promovem a revitalização do repórter
transmutado em jornalista de dados.
A metodologia do jornalismo de dados serve de antídoto contra a produção
jornalística de qualidade duvidosa. A “objetividade” é garantida pela abundância de
informações na web (CHARBONNEAUX; GKOUSKOU-GIANNAKOU, 2015, p.275).
Cabe uma pergunta: as equipes multimídias que se constituem neste cenário estão
conseguindo revigorar o papel social da mídia? Qual o alcance destas agências no
cenário de produção digital?
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Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 3
35
CAPÍTULO 4
APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO DE
ETNOJORNALISMO
Mônica Panis Kaseker
Universidade Estadual de Londrina, Departamento
de Comunicação
Londrina - Paraná
RESUMO:
Propõe-se neste artigo uma
discussão sobre o conceito de etnojornalismo,
termo que vem sendo utilizado pelos movimentos
indígenas para caracterizar a produção e
veiculação de notícias e informações pelos
povos originários, mas que ainda carece de
reflexão teórica no campo jornalístico. Partese de algumas definições clássicas sobre o
que caracteriza o jornalismo como: atualidade,
periodicidade,
universalidade,
difusão,
credibilidade e imparcialidade, passando pela
discussão sobre como a internet impulsionou
novos fazeres jornalísticos que colocam
em xeque esses pressupostos. Encontrase aproximações do etnojornalismo com
outros conceitos como jornalismo alternativo,
comunitário e cidadão.
PALAVRAS-CHAVE:
Etnojornalismo;
indígenas; interculturalidade; jornalismo.
NOTES ON THE CONCEPT OF
ETHNOJOURNALISM
ABSTRACT: This article proposes a discussion
on the concept of ethnojournalism, a term that
has been used by indigenous movements
to characterize their own production and
dissemination of news and information by
indigenous people. There is still little theoretical
reflection regarding this term in the journalistic
field. Some characteristics of journalism such
as actuality, periodicity, universality, diffusion,
credibility and impartiality are discussed,
reflecting on how the internet stimulated new
practices that challenge these standards.
Ethnojournalism approaches other concepts
such as alternative, communitarian and citizen
journalism.
KEYWORDS: Ethnojournalism; indigenous:
interculturality; journalism.
1 | INTRODUÇÃO
O termo etnojornalismo vem sendo utilizado
pelos movimentos indígenas para caracterizar a
produção e veiculação de notícias e informações
pelos povos originários, fenômeno que se
expandiu com a popularização da Internet e
dos dispositivos móveis.
Considerando que
este conceito ainda carece de reflexão teórica
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 4
36
no campo jornalístico, este artigo parte da discussão sobre algumas definições
clássicas do jornalismo como: atualidade, periodicidade, universalidade, difusão,
credibilidade e imparcialidade para, em seguida, revisitar as definições apresentadas
pelos comunicadores indígenas sobre o etnojornalismo. Ao final reflete-se sobre as
aproximações do termo com os conceitos de jornalismo alternativo, comunitário e
cidadão. O objetivo é contribuir para uma definição conceitual sobre o etnojornalismo
e promover reflexão sobre a prática jornalística a respeito dos povos indígenas.
2 | O QUE É MESMO O (ETNO)JORNALISMO?
Podemos pensar no jornalismo como a mera produção de notícias para jornais,
revistas, meios eletrônicos e digitais. A retratação objetiva da realidade, difundida em
escala industrial, a partir do uso de tecnologias de reprodutibilidade técnica. Como
problematiza Ana CarolinaTemer (2015, p.21-34), passando pelas definições de
autores cânones como Beltrão (1960), Belau (1966), Lage (1992), Marques de Melo
(1991), Marcondes Filho ( 2000) e Otto Groth (2011) entre outros, trata-se de um
conceito complexo que vai além do papel de mero transmissor de informações, pois
a imprensa é “um elemento ativo na sociedade, que pode atuar tanto para reproduzir
outros saberes quanto para degradá-los” (TEMER, 2015, p.23).
Nas definições clássicas do jornalismo alguns pressupostos são destacados
como a atualidade, periodicidade, universalidade e publicidade/difusão. No entanto,
no modelo capitalista/industrial, que se desenvolveu ao longo do Século XX, os
constantes esforços pela audiência e por anunciantes colocaram em xeque a
credibilidade do jornalismo, o próprio capital simbólico desse campo. Ana Carolina
Temer enumera várias estratégias utilizadas pelas empresas jornalísticas para
legitimar sua credibilidade, como rapidez na cobertura, qualidade visual dos materiais,
celebrização dos profissionais e, especialmente o discurso da objetividade.
No entanto, o princípio de objetividade/imparcialidade também mascara os limites
do jornalismo e reafirma a importância da técnica (no caso, a técnica da redação
jornalística), consequentemente reforçando a importância do jornalismo como
espaço privilegiado para a exposição dos fatos efetivamente importantes para os
receptores. (TEMER, 2015, p.29)
A autora também ressalta que, como o jornalismo e a sociedade estão em
constante transformação, novos tipos de conteúdo, veículos e práticas jornalísticas
vão surgindo. Um exemplo disso tem sido o protagonismo de organizações sem fins
lucrativos ou canais alternativos no jornalismo investigativo, como foi o caso da Mídia
Ninja, que ganhou repercussão após as manifestações de 2013 no Brasil. Indígenas
On Line, Rádio Yandê (webrádio), Povos Indígenas do Brasil são algumas referências
a serem mencionadas no caso do midiativismo indígena, mas há também blogs,
canais no You Tube e perfis nas redes sociais produzidos por indígenas das mais
variadas etnias.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 4
37
São exatamente essas transformações impulsionadas pela internet que fizeram
surgir o que vem sendo chamado de etnojornalismo. O termo vem sendo utilizado
especialmente pelos movimentos indígenas em seus sites, blogs e redes sociais:
“Etnojornalismo é a atividade que consiste em lidar com notícias, dados factuais e
divulgação de informações. Também define-se o etnojornalismo como a prática de
coletar, redigir, editar, publicar informações sobre eventos atuais”, explica o blog de
comunicação elaborado pelo grupo Indígenas On Line que existe desde 2006 (PETEI
XE RAJY, 2018). Essa definição se estabelece a partir de pontos em comum com o
jornalismo tradicional. Mas então qual seria o diferencial do etnojornalismo? A jornalista
indígena Renata Tupinambá explica:
A grande mídia serve a interesses dos grupos empresariais e políticos que a
mantém, o que impossibilita certas pautas importantes dentro da questão indígena.
Infelizmente a falta de informação sobre os povos faz reproduzir muitos estereótipos,
imagens associadas a conflitos apenas, exploração do exótico, equívocos sobre as
culturas e realidade indígena contemporânea (in NONADA, 2018)
A jornalista ressalta que ainda falta o reconhecimento da comunicação como
um direito dos povos originários. Como coordenadora da Rádio Yandê, uma webrádio
produzida colaborativamente pelos povos indígenas, Renata tem se destacado
no combate ao que ela chama de colonização da mídia. No Brasil, o Ministério da
Cultura tem pelo menos 70 iniciativas desse perfil cadastradas em editais de incentivo.
(NONADA, 2018) Nessa linha, Renata Tupinambá define: “o etnojornalismo traz para
os conteúdos produzidos visões de mundo dos comunicadores, suas etnias e culturas,
contribuindo para a descolonização dos meios de comunicação” (in NONADA, 2018).
Ela conta que no Brasil um o pioneiro em protagonizar uma comunicação indígena
foi Ailton Krenak com o Programa de Índio. De 1985 a 1990 ele foi apresentador do
programa produzido pela UNI – União das Nações Indígenas e apresentado pela Rádio
USP (JORNALUSP, 2018). O acervo de quase 200 programas de rádio está disponível
no site Programa de Índio. Em todo o mundo coletivos e projetos de diferentes etnias
vem trabalhando essa questão. A maioria dos projetos brasileiros, segundo Renata,
ainda são realizados junto com não indígenas, mas cada vez mais indígenas buscam
autonomia e real protagonismo em suas iniciativas.
No campo acadêmico ainda pouco se abordou a temática da comunicação
indígena, ainda mais especificamente sob a perspectiva do etnojornalismo. Como
ainda temos proporcionalmente poucos indígenas graduados e ainda menor número
de pós-graduados, tomaremos aqui a liberdade de mencionar jovens pesquisadores
que começaram a discutir essa definição. Na Universidade Estadual de Londrina, o
primeiro jornalista indígena formado no Paraná, Osias Sampaio, em seu Trabalho
de Conclusão de Curso, em 2010, discutiu as diferentes abordagens do jornalismo
indígena e jornalismo indigenista, ambos voltados a dar voz aos povos originários,
porém somente o primeiro com o protagonismo e autonomia dos indígenas.
O jornalismo indígena e indigenista é desconhecido de setores da sociedade
ocidental, mas é de importância fundamental para os povos ameríndios,
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 4
38
considerando a necessidade de refutação às notícias distorcidas e
improcedentes da mídia corporativa; considerando também o princípio da
liberdade de expressão e os direitos indígenas nacionais e internacionais
ratificados em várias instâncias, conquanto muitas vezes ignorados nas
políticas e nos setores anti-indígenas das sociedades ocidentais. (SAMPAIO,
2010, p. 19)
Sampaio destaca que o jornalismo indígena está focado na defesa, denúncia
e também na divulgação da cultura, não tendo por objetivo o lucro e, portanto,
independente da publicidade. Ele constata que no Brasil essas práticas ainda estão
em fase de expansão e capacitação, a produção é “feita por iniciantes, com redação
incipiente, desajustada aos padrões da escrita noticiosa. Neste trabalho está sendo
legitimada como jornalística toda atividade informativa praticada pelos indígenas,
ainda que seja amadora e local.” (2010, p.65)
Já Mayra Wapichana, em seu Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo da
Universidade Federal de Roraima (UFRR), retoma a discussão em 2015, já utilizando
o termo desde o título Etnojornalismo, estratégias de comunicação e o protagonismo
indígena: um estudo de caso no Conselho Indígena de Roraima.
Para Wapichana,
“o etnojornalismo tende a ser um agente dinâmico na busca pelo reconhecimento
das nossas reivindicações, principalmente, aqui no Brasil, onde não encontramos a
ressonância necessária na grande mídia” (2016, p.60). Ela coloca a formação superior
e profissional como um desafio aos indígenas:
na medida em que nós indígenas nos desafiamos a atuar nesse campo do
jornalismo, estamos dando respostas de que é possível, sim, exercer a função
em prol de uma coletividade étnica. Ou seja, hoje, não só eu enquanto indígena
que busca a formação superior na área do jornalismo, como muitos indígenas em
diversas Universidades do Brasil também se desafiam a concluir ou já concluíram
a formação e exercem a função como jornalistas indígenas (2016, p.19)
No artigo Comunicar mais para ser mais: O Etnodesenvolvimento como uma
perspectiva para o Etnojornalismo, Cristina Oliveira, pesquisadora não indígena, já
havia abordado o termo como um tipo específico de comunicação, cuja definição envolve
“agente, processo, produto ou meio de comunicação” (2014, p.19). Nessa definição,
podemos entender que o etnojornalismo seria um jornalismo produzido por indígenas,
em um processo de construção de sentido que se insere nas formas de se relacionar e
narrar histórias de cada etnia, mas também de produtos e meios de comunicação que
têm características específicas em relação à seleção de temas, critérios de relevância,
fontes pertinentes e até mesmo estéticas e linguagens próprias. Outra menção ao termo
etnojornalismo é feita por Vizeu (2010, p.234) em uma abordagem bastante diferente,
ao tratar sobre métodos de pesquisa do newsmaking. O autor se refere ao uso da
etnografia para observar as práticas de produção de notícias nos veículos noticiosos.
Neste caso, com observação participante no dia a dia das redações, entrevistas não
diretivas e outras técnicas, a metodologia visa compreender os processos produtivos
de notícias, o que o autor chama provisioriamente de etnojornalismo. Porém, não é
nessa perspectiva que estamos considerando o conceito.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 4
39
3 | ALTERNATIVO, POPULAR, COMUNITÁRIO E CIDADÃO
O uso do termo etnojornalismo pelos movimentos indígenas se refere a práticas
que apresentam pontos em comum com outras modalidades, como o jornalismo
alternativo, independente, popular, comunitário e cidadão. Passamos então a
problematizar essas interfaces em busca de estabelecer o que se agrega de novidade
a esse termo.
No Brasil, identifica-se a presença da imprensa alternativa nos pasquins
irreverentes e panfletários que já existiam no período da Regência, com seu apogeu
por volta de 1830, assim como nos jornais anarquistas na virada dos Séculos XIX e
XX. Mas, segundo Kucinski, o jornalismo alternativo ganha força no país durante a
ditadura militar, como forma de resistência. No período de 1964 a 1980, havia cerca
de 150 periódicos com este perfil, considerando jornais políticos, satíricos, feministas,
ecológicos e culturais. Ele distingue quatro características desse tipo de jornalismo:
não está ligado à política dominante, se posiciona antagonicamente, representa uma
saída para uma situação difícil e o desejo de protagonizar transformações sociais.
(KUCINSKI, 1991, p.5)
Peruzzo também problematiza sobre as semelhanças entre os conceitos de
comunicação alternativa, popular e comunitária. O alternativo se dá em relação ao
estabelecido, ao comercial, diferenciando-se pelos conteúdos de abordagem crítica e
pelos modos de organização e de produção.
Houve um tempo em que produzir e difundir boletins, panfletos, jornais etc.,
significava grande risco de prisão e condenação política. Assim, no contexto do
regime militar, produzia-se comunicação alternativa clandestinamente, pois havia
controle estatal e censura. (PERUZZO, 2009, p.132)
Em sua definição, trata-se de uma contracomunicação, feita pelos movimentos
populares e comunidades, com os seguintes objetivos: exercitar a liberdade de
expressão, oferecer conteúdos diferenciados, conscientizar e democratizar a
informação, assim como contribuir para a transformação social. No entanto, a autora
conclui que com o tempo, o uso do termo “alternativo” tornou-se insuficiente para
definir um conjunto de práticas muito diversas.
Há para Peruzzo uma distinção entre comunicação popular e comunitária,
comunicação alternativa e imprensa alternativa. A comunicação popular e comunitária
seria aquela produzida pelos movimentos sociais populares e comunidades, sem fins
lucrativos, educativa, cultural e mobilizadora, com a participação ativa horizontal do
cidadão, para atender suas demandas. Já a comunicação popular alternativa é feita
com a participação de segmentos populares. Em geral, motivada ou viabilizada por
organizações não governamentais (ONGs) e outras instituições, como universidades.
Já a imprensa alternativa refere-se a processos de comunicação basicamente
jornalísticos, destoantes dos padrões dos meios de comunicação convencionais e
dos setores dominantes. Neste caso, outras diferenciações específicas são propostas
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 4
40
por Peruzzo como: jornalismo popular alternativo, jornalismo alternativo colaborativo,
jornalismo alternativo autônomo (produzido por indivíduos isoladamente ou por
microempresários), jornalismo político-partidário e ainda jornalismo sindical. (2009,
p.140-143)
De qualquer forma, nas chamadas mídias alternativas, o público exerce o
papel de audiência ativa, ou seja, pessoas que mantém uma relação dinâmica com
os movimentos sociais participam da construção de uma esfera pública alternativa,
superando os interesses, operam e recriam os meios e os agentes sociais, retirando
da mídia sua caracterização meramente mercadológica (DOWNING, 2002)
Atton lamenta o fato de que os cursos de jornalismo “ignoram a ética e as práticas
do jornalismo alternativo, ou então os apresentam como estudos de caso “extremos””.
Ele propõe métodos de educação em jornalismo que questionem a epistemologia
dos valores notícia e objetividade, enfatizando a construção social dos “fatos” e do
conhecimento e desenvolvendo o pensamento crítico e a reflexividade. O jornalismo
alternativo seria uma via de ação fora da divisão corporativa do trabalho e do capital.
Atton sugere incorporar o estudo do jornalismo alternativo nos currículos, com os
seguintes propósitos: “1) funcionar como uma crítica através da práxis de formas de
jornalismo institucionalizadas e rotineiras; 2) sugerir “outras formas” de fazer jornalismo;
e (3) oferecer habilidades - e abrir possibilidades - para aqueles que possam querer
trabalhar em “mídias de cidadãos”. (ATTON, 2003, p. 271)
Podemos estabelecer também uma conexão do termo etnojornalismo com o
que Traquina e Mesquita chamam de jornalismo cívico ou público (2003, p. 9-27), um
movimento surgido nos Estados Unidos no final dos Anos 80 em resposta à insatisfação
dos leitores. Há muita discussão sobre a nomenclatura, pois outros autores abordando
a mesma temática se referem a essa prática como jornalismo público, comunitário e até
mesmo cidadão. O termo cívico remeteria ao período da ditadura militar, assim como
o público poderia dar a conotação de que é produzido por uma instância pública de
comunicação (ligada ao Estado), assim como o jornalismo comunitário teria a conotação
de ser totalmente produzido pela comunidade. (BARCELLOS; ALVETTI, 2007). Sobre
o jornalismo cívico, conforme a nomenclatura utilizada por Traquina, a experiência
inicial se deu no Columbus Ledger Enquirer que “abandonou o seu papel tradicional
de observador desligado e assumiu um papel de activista na tentativa de melhorar a
qualidade de vida na comunidade” (TRAQUINA in TRAQUINA e MESQUITA, 2003,
p.11). Na prática, o periódico passou a promover encontros e pesquisas com seus
leitores numa tentativa de aproximar sua cobertura dos interesses da comunidade.
Outros jornais passaram a aderir a essa ideia de maior proximidade com as demandas
do público. Merritt define as linhas condutoras do jornalismo cívico:
1) ir para além da missão de dar as notícias para uma missão mais ampla de ajudar a
melhorar a vida pública; 2) deixar para trás a noção do “observador desprendido” e
assumir o papel de “participante justo”; 3) preocupar-se menos com as separações
adequadas e mais com as ligações adequadas; 4) conceber o público não como
consumidores, mas como actores na vida democrática, tornando assim prioritário
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 4
41
para o jornalismo estabelecer ligações com os cidadãos. (cit por TRAQUINA in
TRAQUINA; MESQUITA, 2003, p.13)
Para Mesquita, o jornalismo cívico se contrapõe às práticas fragmentárias do
jornalismo tradicional que pula de um acontecimento a outro com superficialidade.
Profundidade e voz ativa do cidadão para deliberar sobre o que é relevante à vida
comunitária caracterizariam esse jornalismo. O aspecto comunitário dessa abordagem
poderia ser um antídoto à apatia política e ao desinteresse pela participação política
(in TRAQUINA; MESQUITA, 2003, p. 21-22). Já Rosen critica a noção fundamental
de objetividade que caracteriza o jornalismo dos Estados Unidos, que por sua vez
influenciou a prática jornalística no mundo todo. Nessa perspectiva, em nome da
objetividade, o jornalista perdeu sua independência e sua voz. Em nome do equilíbrio,
passou a expor os argumentos de uma verdade, para em seguida ouvir o outro lado,
cuja verdade que discordará completamente da primeira. E sugere que a objetividade
seja substituída por algo melhor (in TRAQUINA; MESQUITA, 2003, p. 75-77).
Embora encontrem algum valor na abordagem crítica desse jornalismo, o fato
deste ser exercido dentro do mercado “impede que ele ensaie qualquer desafio rigoroso
ao profundo estrutural, institucionalizado e relações de poder profissionalizadas dos
meios de comunicação de massa” (ATTON, 2003, p.273).
Outro termo que vem sendo utilizado no Brasil é o de jornalismo cidadão para as
participações do público nos noticiários, enviando imagens de acidentes, informações
sobre o trânsito e denúncias sobre problemas de infraestrutura nos bairros. Moretzsohn
discute esse jornalismo “cidadão” ou “participativo”, considerando um “equívoco de se
apontar um confronto entre “nós” (os cidadãos ansiosos por comunicar livremente) e
“eles” (os jornalistas empenhados em preservar discricionariamente seus “privilégios”
sobre o poder de informar)” (2014, p. 249). A autora considera que a responsabilidade
na apuração e divulgação das notícias exige uma qualificação, sem negar o direito
constitucional à liberdade de expressão e de comunicação que se amplia com o
acesso às novas tecnologias. Reitera o caráter profissional do jornalismo como um
mediador e aponta para os riscos em adotar o senso comum como fonte de “verdade”.
Além disso, constata que as empresas de comunicação têm utilizado a fórmula do
“repórter cidadão” como uma simulação de que o “povo” fala, embora não edite. Com
esses quadros, “obtém matéria-prima a partir de uma mão de obra informal, que ao
mesmo tempo se comove com a súbita valorização e retribui com sua audiência fiel.”
(MORETZSOHN, 2014, p. 263)
Numa análise mais otimista, Renó e Dankosky consideram que o jornalismo
cidadão significa diversidade de opinião e equilíbrio entre dois olhares: o dos meios
e o do povo. Além disso, representa divergência cultural e tecnológica em relação às
práticas tradicionais. Para os autores, ambos são importantes: “o jornalismo cidadão
é, em diversos casos, um agente regulador dos meios tradicionais” (in BRONOSKY;
CARVALHO, 2014, p.181), já o jornalismo tradicional pode cumprir a função de legitimar
as informações difundidas pelos grupos cidadãos.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 4
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4 | CONSIDERAÇÕES
Com base nas experiências relatadas como práticas de etnojornalismo, surgidas
com o acesso às tecnologias digitais e à internet, e nas discussões sobre a epistemologia
do jornalismo e os conceitos de jornalismo alternativo, popular, comunitário, público e
cidadão, é possível propor uma definição ao termo.
O etnojornalismo é um jornalismo alternativo na medida em que adota modos de
produção, expressão e distribuição diferentes dos padrões dos meios de comunicação
convencionais e dos setores dominantes. É popular e comunitário por ser elaborado de
forma participativa e democrática dando voz diretamente aos membros de determinada
comunidade.
Há também aproximações com algumas características do jornalismo cívico ou
público como ir para além da missão de dar as notícias para ajudar a melhorar a vida
pública, assumir o papel de participante e conceber o público não como consumidores,
mas como atores na vida democrática. Também tem semelhanças com o chamado
jornalismo cidadão, na medida em que o público pode “falar” nas produções. No
entanto, o etnojornalismo se afasta tanto do jornalismo cívico/público como do cidadão
pelo fato destes serem praticados dentro das estruturas do mercado midiático.
Em síntese, consideramos o etnojornalismo como um jornalismo alternativo,
com vocação popular e comunitária, engajado e independente, trazendo como
especificidade a questão étnica. Nesse sentido, pressupõe-se que é produzido com o
protagonismo de indígenas, com a adoção de valores próprios na seleção de temas,
fontes e enquadramentos, resultando em produções que traduzam traços culturais
e étnicos em sua técnica, ética e estética, que serão veiculados em mídias livres,
engajadas e ativistas em suas causas e, quem sabe, possam também ser divulgadas
por meios de comunicação que promovam essa abertura em sua linha editorial.
A partir dessas delimitações conceituais iniciais, vislumbra-se a necessidade de
novas pesquisas que possam se aprofundar nas reflexões sobre a interculturalidade
nas práticas jornalísticas, as particularidades das mídias que se propõem o processo
de descolonização, assim como sobre o papel do jornalista não índio na intersecção
com essa problemática e esses saberes.
REFERÊNCIAS
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(ECA-USP. São Paulo. Ano 02– Volume 02 Edição 04. 2011.
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Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 4
45
CAPÍTULO 5
ENGAJAMENTO E CIDADANIA NA UNIVERSIDADE DE
BRASÍLIA:
UM ESTUDO DE CASO SOBRE A PRODUÇÃO
NARRATIVA DO SOS IMPRENSA
Ana Carolina Kalume Maranhão
Professora da Faculdade de Comunicação,
Universidade de Brasília (UnB). Doutora em
Comunicação. Professora Colaboradora do
Programa de Pós-Graduação em Design da
Universidade de Brasília.
Email:
[email protected].
PALAVRAS-CHAVE: Cidadania, Jornalismo,
SOS Imprensa, Universidade de Brasília,
Tecnologias da Informação e Comunicação.
1 | INTRODUÇÃO
Marcos Amorozo
Vive-se, hoje, um rápido aumento no uso
Graduando em Jornalismo, pela Faculdade de
Comunicação, da Universidade de Brasília (UnB).
Email:
[email protected].
das Tecnologias de Informação e Comunicação
Rafiza Varão
computadores pessoais, internet e televisão
Professora da Faculdade de Comunicação,
Universidade de Brasília (UnB). Doutora em
Comunicação.
E-mail:
[email protected].
RESUMO: O presente trabalho tem como
objetivo analisar a produção narrativa online
empreendida pelo projeto de extensão SOS
Imprensa, realizado por alunos da Faculdade
de Comunicação, da Universidade de Brasília,
como forma de identificação e análise da
construção do papel cidadão. A pesquisa
busca identificar quais temas provocam mais
engajamento no SOS Imprensa. Para isso,
foram perscrutados os temas empreendidos pelo
projeto e a participação cidadã na construção
dos textos produzidos pela equipe de extensão.
(TICs) na sociedade. Este fato pode ser atribuído,
segundo Selwyn (2003), à emergência dos
digital. A convergência desses meios faz com
que estejamos vivendo em uma “sociedade em
rede”. Castells esclarece que:
É claro que a tecnologia não determina
a sociedade. Nem a sociedade
escreve o curso da transformação
tecnológica, uma vez que muitos
fatores, inclusive criatividade e
iniciativa empreendedora, intervêm
no processo de descoberta científica,
inovação tecnológica e aplicações
sociais, de forma que o resultado final
depende de um complexo padrão
interativo (CASTELLS, 1999 p. 43).
A influência dos meios é capaz de
promover um processo de transformação além
da transmissão de informações dos media para
a população, ou da construção majoritária da
sociedade por estes. Com as TICs e as novas
linguagens narrativas proporcionadas pela
web, foi possível à população uma participação
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 5
46
cidadã além das eleições e cumprimento das leis; as mídias alternativas surgidas com
essas tecnologias deram margem para que os indivíduos pudessem ter mais voz e
interagir com a informação como nunca antes. As novas formas de construir narrativas
propiciadas pelas TICs passaram a influenciar a vida humana, o tempo e o espaço.
Entre as transformações causadas, podemos observar as relações do cidadão com
a imprensa e com a mídia, destacando as relações da cidadania frente aos meios de
comunicação.
Os media são cada vez mais influentes na maneira com que adquirimos,
interpretamos e transmitimos informações. Dessa maneira, é necessário que se
analise as suas produções, de modo a entender seus impactos e desenvolver, junto
aos cidadãos, uma relação mais crítica e consciente dos meios de comunicação.
Como exemplo, podemos utilizar a falta de arrojos de regulação, ou autogestão dos
veículos, de iniciativa estatal ou da sociedade no jornalismo brasileiro; mesmo que haja
instituições como a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira
de Emissora de Rádio e Televisão (Abert), que zelam, de certa forma, pela qualidade
da produção jornalística (SILVA, L. M. & PAULINO, F., 2016).
Nesse contexto de observação da imprensa e de mídia alternativa, destacase o SOS Imprensa, projeto de extensão da Faculdade de Comunicação (FAC) da
Universidade de Brasília (UnB) que pode ser tratado como participante destas duas
categorias. Com produção realizada por graduandos em Comunicação Social e
Jornalismo, o SOS exerce o papel de oferecer a sociedade, representada pelo seus
leitores, um olhar mais profundo das produções veiculadas nos meios de comunicação,
que podem ajudar na formação de cidadãos capazes de consumir criticamente as
informações que recebem e reproduzi-las com maior qualidade. Essa influência é
exercida através de produções textuais realizadas pelos extensionistas cujo objetivo
é analisar criticamente as produções mediáticas, apontando os conflitos éticos e suas
possíveis influências na construção social de quem as consome. Além deste serviço
de fiscalização e conscientização, são produzidos conteúdos de cobertura jornalística
de eventos relevantes para a comunidade da UnB, chamado de #SOSNews, que
dificilmente seria realizada pela grande mídia.
Verifica-se, então, que o SOS Imprensa exerce um papel motivador na construção
da cidadania na comunicação no mundo digital, sendo utilizado como objeto de
estudo neste trabalho para análise da relação entre o engajamento e interação do
público conforme o conteúdo presente nelas. A partir disso, o presente trabalho tem
como objetivo verificar como as interações e audiência das produções no Blog e no
Facebook, varia conforme o conteúdo de suas pautas. Busca-se também destacar,
através dos números, a importância deste trabalho frente à comunidade da UnB, que
se identifica com a proximidade dos conteúdos apresentados. Estes fatores juntos são
responsáveis por garantir engajamento às publicações do projeto no blog e Facebook
do projeto. Ao final desta investigação,verifica-se o vínculo estreito entre a repercussão
das produções e o potencial de transformações cidadãs contidos nelas.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 5
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Centrados numa análise de conteúdo simples dos textos blog do SOS Imprensa,
foi definido, primeiramente, o período a ser observado: agosto a dezembro de 2017,
período em que o projeto retomou as análises críticas da mídia como foco principal.
Posteriormente, foram selecionadas as três publicações mais acessadas no blog e no
Facebook em cada mês para análise. Em seguida, com base no que se espera de uma
cobertura cidadã, classificamos os textos em três gêneros de conteúdo: entretenimento,
cidadania e #SOSNews. A partir destes vértices, procuramos compreender se quanto
mais cidadão se caracterizar o assunto tratados no texto, maior o engajamento e
interação do público com eles.
2 | CIDADANIA E ENGAJAMENTO
Voltar-se ao passado é o modo mais comum quando se busca entender as
abstrações conceituais na evolução humana, conforme suas épocas e sociedades.
Com a cidadania não é diferente. A fim de entender melhor o conceito de cidadania e
tecer um fio condutor do pensamento, a busca pode ser centrada na autoconstrução
humano, no que é o ser humano. Este ser humano, como ser histórico e social, não é
imutável; ou seja, ele se molda conforme as condições e percepções ao seu redor. A
totalidade deste indivíduo é sempre o resultado das atividades humanas, como trabalho,
sociabilidade, consciência, liberdade e universalidades, características próprias e
essenciais do ser social. Essas determinações também surgem dos atos humanos,
mas se diferem das demais não por sua imutabilidade, mas sim pela maior unidade
e continuidade. O trabalho, por sua vez, tem por natureza a possibilidade de produzir
de forma cada vez mais ampla, mais complexa; criando outros tipos de problemas e
necessidades que complexificam o ser social e suas relações (TONET, 2005). Para
tentar garantir liberdade e igualdade dentre os dentre os partícipes do corpo social,
foram criados conceitos de cidadania que evoluíram conforme o contexto histórico,
desde a antiguidade até o encontrado na sociedade ocidental contemporânea.
Em suma, a cidadania é a expressão do conjunto de direitos que dá à pessoa a
possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não
tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões,
ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social (DALLARI, 1998).
Este valor é construído constantemente e não pode ser considerado permanente. A
relação estreita de ideais e temporalidade com os direitos humanos, causa algumas
interpretações errôneas de seu significado. Essa confusão pode causar deturpação
do termo e de seus derivados: cidadão é utilizado comumente como substantivo a
qualquer indivíduo desconhecido, e cidadania como sinônimo de direitos humanos,
do consumidor, etc. Deve-se entender que a cidadania é fruto de lutas por direitos,
liberdade, garantias individuais e coletivas sobre o Estado ou outras instituições
dominantes. A cidadania pressupõe também certos deveres para os intervenientes, a
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 5
48
fim da manutenção de uma vida em comum agradável à todos. O cidadão só assim o é
quando participa com efetividade das atividades políticas e sociais de sua comunidade,
exigindo direitos e cumprindo os deveres cuja responsabilidade lhe cai. Quando todos
os elementos apresentam-se em equilíbrio, é possível o bem comum.
Os estudos em Comunicação constatam que os media influem e são influenciados
pelas mudanças da sociedade. A cidadania como conceito mutável, participa desta
interposta dinâmica mediática. Segundo KELLNER (2001),
A cultura de mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem
o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de
“nós” e “eles. [...] A cultura veiculado pela mídia fornece o material que cria as
indentidade pelas quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas
contemporâneas, produzindo uma nova forma de cultura global (p. 9-10).
A partir disso, o acesso aos canais de comunicação é fundamental para perpetuar
o exercício da cidadania e pressupõe-se que, a partir disto, os indivíduos acessem
diferentes informações, construa suas ideias e participe ativamente do debate, de
maneira a protagonizar suas ações e ser capaz de desenvolver integralmente e
participativamente a incubencia de cidadão. A atuação ativa da audiência, pela internet
e novas linguagens narrativas, possibilita aos adeptos das mídias sociais uma nova
maneira de interação e participação, onde os indivíduos podem se apropriar desses
meios para produzir conteúdos de transformação social, além dos meios tradicionais,
engajando uma audiência mais alinhada e interessada em seus conteúdos.
Segundo REZ (2016), engajamento no contexto das mídias sociais é a interação,
relacionamento e envolvimento de pessoas e perfis com a página. Este vínculo vai
além do número de seguidores ou likes em uma postagem. Brian Haven, da consultoria
Forrester, definiu alguns dos medidores de sentimentos entre os apreciadores e as
contas produtoras de conteúdo. São eles: 1) Envolvimento, medido pelo número de
visitas, tempo gasto por página e número de páginas vistas; 2) Interação, através
de pedidos de informações, discussões em fóruns e outras ações que caracterizam
iniciativa do usuário em entrar em contato com a página; 3) Intimidade, visão,
opinião e sentimentos dirigidos à página através das mídias sociais; e, por fim, 4)
Influência, probabilidade da pessoa influenciar o seu grupo de contato a consumir o
conteúdo oferecido. Estes critérios podem ser aplicados também quando se analisa o
desempenho de uma marca, produto ou artista frente aos usuários das redes sociais.
A utilização das mídias sociais para alcançar diferentes públicos é uma
possibilidades para mídias alternativas que desenvolvem trabalhos importantes para
a sociedade, como o SOS Imprensa, observatório da mídia e projeto de extensão da
Universidade de Brasília, que publica pequenos posts teasers1 de seus conteúdos na
plataforma com links para a produção completa em seu blog.
1 Publicações com poucos caracteres que buscam atrair o público com uma pequena amostra do que é o produto
final
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 5
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3 | REDES SOCIAIS E DIVULGAÇÃO DE CONTEÚDO
As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) correspondem a todas as
tecnologias que interferem e medeiam os processos informacionais e comunicativos
dos seres. Ainda, podem ser entendidas como um conjunto de recursos tecnológicos
integrados entre si, que proporcionam, por meio das funções de hardware, software
e telecomunicações, a automação e comunicação dos processos de negócios, da
pesquisa científica e de ensino e aprendizagem. As TICs, em especial os softwares
colaborativos disponibilizados por meio da internet fazem parte da rotina da
sociedade da informação, que, para MATTELART e VITALLIS (2015), era sinônimo
de Sociedade Pós-Industrial. Segundo GOUVEIA e GAIO (2004), esta sociedade
recorre predominantemente às TICs a fim de trocar informações e interagir com outros
indivíduos e instituições em formato digital, cuja prática e métodos são construídos de
maneira permanente. Nas últimas décadas, o uso destas tecnologias tem apresentado
um rápido aumento, atribuído à disseminação dos aparelhos que permitem conexão
com a web.
Este universo é capaz de dar visibilidade e possibilidades maiores às mídias
alternativas, devido a variabilidade de ferramentas disponíveis para o uso (vídeo, texto,
imagem, transmissões ao vivo, etc.) e a possibilidade de alcance além das fronteiras
regionais. O conceito de Mídia Alternativa surgiu para dar nome aos canais ou veículos
de comunicação que não fossem os tradicionais, ou seja, toda comunicação que não
fosse veiculada em jornal, revista, rádio ou televisão seria veiculada em uma mídia
alternativa. A necessidade de inovação aliada à criatividade fez com que as mídias
alternativas conquistassem mais espaço e se tornasse mais uma opção de veiculação
e não apenas uma “alternativa” caso não houvesse verba.
A web 2.0 - considerada como 2ª geração da internet - caracteriza-se por fortalecer
as diversas formas de publicação, de divulgação e organização das informações,
além de possuir capacidade de ampliar locais de interatividade entre o processo e os
participantes. Ela tem reverberações sociais importantes, como potencializadora de
processos de trabalho coletivo, de produção, troca afetiva e circulação de dados, de
construção social de conhecimento apoiada pela informática (PRIMO, 2007).
A utilização desse tipo de tecnologia tem permitido a construção de novos
espaços de construção de conhecimentos e tem permitido alargar o tempo em
que as aprendizagens podem ocorrer (COUTINHO; BOTTENTUIT apud RAUPP &
EICHLER, 2012). Se comparados, blogs e redes sociais possuem laços estreitos para
a expansão da área de influência dos conteúdos independentes, uma vez que a sua
relação está cada vez mais próxima. Essa associação permite que os blogs utilizem
das redes sociais para divulgar e difundir os conhecimentos e informações produzidos
em pequenos posts, que levam o interlocutor por um link ao conteúdo completo.
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4 | O SOS IMPRENSA
O SOS Imprensa nasceu em 1996, na Faculdade de Comunicação da
Universidade de Brasília (FAC/UnB) como projeto de pesquisa intitulado “Formas de
apoio às vítimas da Imprensa”, onde era dado suporte a pessoas que tiveram prejuízos
morais, mesmo que sem má fé, de jornalistas e organizações de comunicação. Devido
a uma visão pejorativa advinda deste foco, pouco tempo depois mudou-se a ideia de
ajuda para “Formas de apoio aos usuários da Imprensa”, na qual a mídia era vista
como serviço público que deveria ser lido de maneira crítica mas não como vilão.
Inspirado nos ideais de O Direito Achado na Rua2, de Roberto Lyra Filho, e do projeto
coordenado por José Geraldo de Souza Júnior, na Faculdade de Direito, o SOS criou
uma espécie de “disque-denúncia”, em que os interessado ligavam e esclareciam suas
dúvidas com os extensionistas de cada área. Por razões desconhecidas, o “DisqueImprensa” não teve longa duração.
A partir de 2000, passou a ser um projeto de extensão na modalidade de “ação
continuada” e mantém este caráter até os dias atuais. Em seus trabalhos, destacase uma leitura crítica da mídia, questionando os abusos, falta de representatividade,
antieticidade, esclarecimento sobre a mídia, entre outros diagnósticos sobre a produção
comunicacional do país. Os debates sobre os impasses éticos e profissionais dos
media são voltados mais aos estudantes do que à comunidade externa, contrariando,
de certa forma, o conceito de participação comunitária dos projetos de extensão. Essa
particularidade pode ser vista de maneira benéfica se contarmos as participações
em congressos e o desenvolvimento de pesquisas pelos participantes (PARENTE &
PINTO, 2016). Além disso, com a utilização das mídias sociais, em especial o Facebook,
existe a possibilidade de atingir a comunidade externa de maneira mais ampla que em
programas televisivos locais, como realizado anteriormente pelo projeto.
Rafiza Varão, professora da Faculdade de Comunicação, assumiu a coordenação
do SOS Imprensa após a aposentadoria de seu fundador, Luiz Martins, no primeiro
semestre de 2017. Segundo ela, é um “trabalho mais alinhado à produção de crítica da
mídia, no sentido de fornecer uma literacia capaz de fazer com que a comunidade seja
instruída acerca da linguagem dos meios de comunicação e de suas estratégias”3.
Frente à realidade nacional de poucos espaços para debate sobre os meios de
comunicação e a conscientização do direito e função social por trás deles, o SOS
Imprensa exerce papel fundamental de fomento crítico para discussões, mesmo que
ainda de maneira restrita e pouco participativa com a sociedade. Na tentativa de
alcançar maiores públicos e atingir mais efetivamente a população, o projeto utiliza as
redes sociais, em especial o Facebook, para conquistar e engajar público.
2 O Direito, nesta concepção, pode ser entendido como uma liberdade militante que se constrói dentro da justiça
histórica e da convivência social dos indivíduos e coletivos, num processo e modelo de liberdade conscientizada.
Os Direitos humanos tem centralidade neste pensamento lyriano que possui conexão com outros movimentos jurídicos, como o Pluralismo Jurídico, Direito Insurgente e o Direito Alternativo.
3 Entrevista concedida em 18 de março de 2018, na Universidade de Brasília.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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5 | CIDADANIA E ENGAJAMENTO: O CASO DO SOS IMPRENSA
Os conteúdos do SOS Imprensa são disponibilizados, hoje, no blog do projeto4,
no Twitter5 e no Facebook6 com uso e repercussão maior deste último –, e buscam
contemplar, como especificado no tópico anterior, temas como representatividade e
dilemas éticos. Entre agosto e dezembro de 2017, quando o projeto retomou o foco
quase que totalmente à criticidade da produção mediática, foram publicados 42 textos
- uma média de oito por mês - com mais de 1230 visitantes mensais. Dentre os textos
publicados neste período, destacam-se as produções do SOS News7 (cobertura de
eventos factuais) e as análises que envolvem conteúdos de entretenimento e cidadania.
Lorena Fraga, aluna do 4º semestre de jornalismo, assumiu como extensionista bolsista
neste mesmo período de mudança de análises do projeto, após dois semestres como
extensionista. Sobre o projeto, a aluna afirma: “Meu sonho é que o projeto cresça de tal
modo que as pessoas venham até nós com pautas porque sabem que ali, elas podem
confiar. A mídia, em um país com os índices educacionais como o Brasil, acaba sendo
a principal responsável por educar os cidadãos e é por isso que aqui nós, jornalistas/
comunicação, temos que ter tanto cuidado com o conteúdo que produzimos”.8
Em agosto, quando o projeto iniciou a produção depois das férias, sete textos
foram produzidos, cujo maior foco foram as pautas de cidadania (4), seguidos pelo
SOS News (2) e entretenimento (1). #SOSNews Ficção dentro da realidade: websérie
Arena estreia na UnB, de Melissa Duarte, teve 253 visualizações no blog; 5.539
pessoas alcançadas, 147 cliques e 201 reações, comentários e compartilhamentos
no Facebook. A redação centra-se na apresentação do projeto Arena9 e na cobertura
do evento de lançamento, o que a configura como uma pauta factual e não análise
da mídia. Não que isso desmereça a importância da postagem, uma vez que dá voz
a um assunto de destaque para os alunos e seguidores que dificilmente apareceria
nos meios tradicionais. Em segundo lugar, aparece o #SOSNews: O bom filho à FAC
torna, de Marcos Miranda, com 119 visualizações no blog; 132 interações, 51 cliques
e 2.243 pessoas alcançadas.
Em oposição ao mês anterior, setembro possuiu oito textos de análise do
entretenimento e mais que o dobro de produções no total (15) no mesmo período.
Apesar do aumento de trabalhos, o número total de visualizações do blog subiu apenas
apenas 1,56%, de 1.922 para 1.952. O texto de João Miguel Bastos, Jeitosinha e o
cinema na contramão, foi o de maior engajamento do SOS Imprensa neste mês, com
Plataforma wordpress. Disponível em: <sosimprensa.wordpress.com>
Disponível em: <twitter.com/sosimprensa>
Disponível em: <facebook.com/sosimprensa>
Coberturas de eventos ultralocais com critério de noticiabilidade pouco definido. Podem acontecer
através de textos ou transmissões ao vivo no Facebook.
8 Entrevista concedida em 26 mai 2018.
9 Arena é uma WebSérie feita por alunos da Universidade de Brasília (UnB) que cursam Comunicação,
Artes Plásticas e Artes Cênicas. O projeto possui apoio da FAC (Faculdade de Comunicação) e retrata
situações do dia a dia de personagens inspirados na realidade da UnB.
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Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 5
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alcance de 7.191 pessoas e 289 interações no Facebook; e 264 visualizações
no blog. A publicação chama a atenção para o conteúdo raso e preconceituoso de
Jeitosinha, longa-metragem exibido na 50ª edição do Festival de Cinema de Brasília.
Com 91 visualizações, o texto #SOSNews: Assembléia sobre a crise orçamentária na
UnB chama atenção de alunos, de Pollyana Fonseca e Isabella Machado movimentaram
61 interações e alcançou 3.355 pessoas na rede de Mark Zuckerberg. Com apenas
duas visualizações a menos no blog, mas com números mais expressivos no Facebook
- 4.374 pessoas alcançadas e 139 interações -, aparece a análise sobre o caso do
Queermuseu10, em Porto Alegre, intitulado Arte como ferramenta da moral e dos bons
costumes, de Lorena Fraga e Marcos Miranda. Neste caso é possível perceber que,
apesar de muito próximas, as relações entre o engajamento das redes sociais e o
acesso ao blog podem ser diferentes quanto aos números totais.
Diferentemente dos meses anteriores, em outubro de 2017, o texto do
#SOSNews:Festival Piauí de Jornalismo, de Victor Barbosa, não teve grande
repercussão, nem ficou entre os mais lidos, contabilizando apenas 15 visualizações,
36 interações e 2.424 pessoas alcançadas. Esta situação pode ser justificada devido
à cobertura ser centrada no Festival GloboNews de Jornalismo e não a um assunto
próximo a comunidade da UnB, majoritária entre os seguidores do projeto, presentes
nos trabalhos deste gênero nos meses anteriores. O destaque de audiência deste
mês fica por parte do texto de Bruna Yamaguti e Giulia Soares, Agro é tech?, com
título em referência à propaganda veiculada exaustivamente na Rede Globo à época,
cuja crítica foca nas contradições entre os benefícios e malefícios do agronegócio e a
maneira com que são abordados na mídia. Entre reações a favor e contrárias, 14.378
pessoas foram alcançadas com a publicação no Facebook, com 329 interações e 299
visualizações no Blog. Outro destaque deste mês é que das 13 postagens, apenas
uma não aborda diretamente o exercício da cidadania, O que a blogueira tem?, de Ana
Luísa Araújo, com 51 visualizações no blog e alcance de 4.674 pessoas.
Novembro e dezembro, por coincidirem com o período de provas e fim do
semestre, respectivamente, apresentaram uma produção modesta. Mesmo assim, o
11º mês do ano apresentou 2.425 visualizações, crescimento de 31% em relação a
setembro e maior audiência do blog no período estudado. Melissa Duarte, instigada
pela massificação do caso do romance, iniciado aos 13 anos, de Paula Lavigne com
Caetano Veloso, levantado pelo Movimento Brasil Livre (MBL) grupo ideológico e
político escreveu o texto Amor ou pedofilia? A polêmica relação de Caetano Veloso e
Paula Lavigne. Foram 1.553 visualizações apenas no site e no Facebook os números
foram ainda mais expressivos. 34.243 pessoas alcançadas e 484 interações, com
destaque para os 172 comentários e 228 curtidas. Segundo a autora, “eu escrevi
10 Exposição composta por um total de 263 obras de 85 artistas brasileiros, desde meados do século
XX, que abordavam a cultura LGBT e, principalmente, o movimento queer. Devido à reação de parte
da população e de grupos de influência conservadores, foi rechaçada em redes sociais e, por pressão,
o Banco Santander, patrocinador da mostra, decidiu encerrá-la antes do tempo, o que causou grande
repercussão em todo o país.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 5
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esse texto pela necessidade de falar sobre esse assunto, de maneira a abordar a
repercussões, principalmente as divulgadas pelo MBL quando havia poucas produções
com essa análise. O debate é o saudável e esse texto causou grandes discussões.
E a principal mensagem que queria passar era: os veículos de comunicação querem
mesmo debater a pedofilia ou apenas usar ela para cliques e vendas?”. 11
Apenas dois textos foram publicados em dezembro: Infância sob os holofotes, de
Fernanda Araújo, e Longe de Momo, de Rafiza Varão. Este último, apesar de pouca
repercussão - 17 visualizações e 435 pessoas alcançadas -, devido ao esvaziamento
do final de semestre, talvez seja o que mais possa definir o que foi a retomada da
observação da mídia e do papel do SOS Imprensa no fortalecimento da cidadania.
Segundo Rafiza Varão, no segundo semestre de 2017, foram 32 textos publicados entre
setembro e dezembro, uma média de oito por mês. Desses, apenas um foi escrito por
um profissional formado em Comunicação/Jornalismo. “Todo o restante nasceu das
mentes, corações e mãos ágeis de estudantes, extensionistas do SOS, que cumprem
uma função formativa que não é menos relevante que a publicação e circulação dos
escritos que produzimos.12 Comparados apenas os 10 textos mais acessados no blog,
em seus respectivos meses de publicação, temos os seguintes destaques:
Título
Acessos no
blog
Alcance
Facebook
Mês de
publicação
#SOSNews Ficção dentro da realidade: websérie Arena
estreia na UnB
253
5.539
Agosto
#SOSNews: O bom filho à FAC torna
119
2.243
Agosto
Jeitosinha e o cinema na contramão
264
7.191
Setembro
Arte como ferramenta da moral e dos bons costumes
89
4.374
Setembro
#SOSNews: Assembléia sobre a crise orçamentária na
UnB chama atenção de alunos
91
3.355
Setembro
Agro é tech?
299
14.378
Outubro
O que a blogueira tem?
51
4.674
Outubro
Há alguma novidade na ideia de fake news?
139
5.850
Outubro
Somália existia ou acabamos de inventá-la
104
12.520
Outubro
Amor ou pedofilia? A polêmica relação de Caetano
Veloso e Paula Lavigne
1.553
34.243
Novembro
Tabela 1. Textos e repercussão
Fonte: Elaboração dos autores.
6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados empíricos apresentados anteriormente, é observável que uso
11 Entrevista concedida em 25 mai 2018.
12 Disponível em: <https://sosimprensa.wordpress.com/2017/12/24/longe-de-momo/#more-14586>.
Acessado em: 28 mai 2018.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 5
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das TICs como plataformas de divulgação e produção de conteúdos, no caso do
SOS Imprensa, é responsável pela relevância de consumo de seus trabalhos, já que
as informações têm potencial de alcance de público muito grande, principalmente de
jovens universitários, público alvo do projeto de extensão. As questões levantadas
por esta análise do SOS Imprensa demonstram também que blog e demais mídias
sociais, juntamente com as produções por eles veiculados, podem classificar o projeto
de extensão como mídia alternativa. Somente por veicular conteúdos que fogem do
viés e características de um meio tradicional (jornal, revista, rádio, televisão) já poderia
ser encaixado nesta categoria. Mas a inovação e criatividade do uso das ferramentas
digitais, além da proximidade e comprometimento com o interesse público, para a
fiscalização dos médias e conscientização crítica do público, o caracterizam como
mediador de uma cidadania digital; consolidando a natureza em comparação.
Como apresentado no corpo deste trabalho, os textos mais acessados do SOS
Imprensa - que, consequentemente, possuem maior engajamento nas mídias sociais
-, entre agosto e dezembro de 2017, período em que a produção de análises críticas
da mídia foram intensificadas, apresentam pautas cujo interesse público está voltado
à: proximidade, como nas coberturas ultralocais realizadas pelo #SOSNews; ou à
apreciação da influência midiática na construção social, classificadas neste artigo como
pautas cidadãs. Os pareceres que tratam de música e entretenimento - parcela menor
da produção dos extensionistas - representaram números modestos de interações,
visualizações e comentários se comparados aos relatados anteriormente. Desta
maneira, pode-se concluir que as pautas que abordam cidadania e as do #SOSNews
acarretam mais engajamento e audiência que as demais, localizando-se estas duas
quase que no mesmo patamar.
As tecnologias e mídias sociais além de baratear as produções, aumentam
as oportunidades de interação do público através de comentários, likes, reações e
compartilhamentos, possibilitando a pluralidade de assuntos e número de publicações.
Estas ações em conjunto são as responsáveis pelo aumento do engajamento e do
alcance total das publicações, além de possibilitar maneiras de interação bilateral
deste processo comunicacional. Neste contexto, a interação dos utentes com o projeto
acontece através dos diálogos proporcionados pelas novas linguagens narrativas
presentes nos meios digitais. Com base nisso, o engajamento online no SOS imprensa
está estritamente ligado à temática das produções realizadas pelos alunos, nas quais
a proximidade e a cidadania encabeçam a preferência de leitura. Esta afirmação
confirma a hipótese proposta no início deste artigo, comprovando que o projeto deve
investir nestes conteúdos para alcançar cada vez mais públicos e engajá-los com os
propósitos do projeto de extensão.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 5
55
REFERÊNCIAS
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PARENTE, C. & PINTO, M. SOS Imprensa: 20 anos de exercício de cidadania e educação. Braga:
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TONET, I. Cidadania ou emancipação humana. In: Revista Espaço Acadêmico - Nº 44. Maceió:
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2018.
VITALIS, André; MATTELART, Armand. De Orwell al Cibercontrol. Espanha: Gedisa, 2015.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 5
56
CAPÍTULO 6
JORNALISMO E LITERATURA NO INÍCIO DO SÉCULO
XX: UMA LEITURA COMPARATIVA ENTRE LIVROS E
REPORTAGENS DE JOÃO DO RIO
Aline da Silva Novaes
JOURNALISM AND LITERATURE AT THE
Centro Universitário Ibmec-RJ/ Universidade
Estácio de Sá
BEGINNING OF THE TWENTIETH CENTURY:
Rio de Janeiro
A COMPARATIVE STUDY BETWEEN BOOKS
AND REPORTS BY JOÃO DO RIO
RESUMO: Este artigo volta-se para o início do
século XX, época em que os textos publicados
em jornais eram escritos pelos “homens das
letras”, cujo ofício se dividia entre o jornalismo
e a literatura. Busca-se, portanto, destacar a
relevância do jornalismo, que construía sua
própria linguagem, e do escritor, que se travestia
de repórter para narrar os acontecimentos
de uma época caracterizada por mudanças,
tensões e contradições. A partir disso, nosso
foco será realizar um estudo comparativo de
reportagens e livros publicados por João do
Rio, pseudônimo utilizado por Paulo Barreto. Ao
não se limitar a transferir seus textos – ainda
que homônimos – de um suporte para outro,
acredita-se que João do Rio marcou sua posição
como homem de imprensa e como escritor.
PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo; Jornalismo
e Literatura; João do Rio; livro-reportagem;
jornalista-escritor.
ABSTRACT: This article focuses on the early
twentieth century, a period in which texts
published in newspapers were written by the
“men of letters,” whose office was divided
between journalism and literature. It seeks,
therefore, to highlight the relevance of journalism,
which constructed its own language, and the
writer, who transforms himself as a reporter to
narrate the events of an era characterized by
changes, tensions and contradictions. From
this, our focus will be on a comparative study of
articles and books published by João do Rio, a
pseudonym used by Paulo Barreto. Since João
do Rio did not simply transfer his texts – though
homonyms – from one support to another, it is
believed that he marked his position as a press
man and as a writer.
KEYWORDS: Journalism; Journalism and
Literature; João do Rio; report book; journalistwriter.
1 | INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta algumas reflexões
suscitadas durante meu pós-doutoramento,
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 6
57
realizado no Departamento de Letras da PUC-Rio, com financiamento do CNPq. É
importante salientar que se trata de uma pesquisa interdisciplinar dos campos de
conhecimento Jornalismo e Literatura. Essa relação está presente, também, em minha
formação acadêmica: sou bacharel em Jornalismo e licenciada em Letras, com mestrado
em Comunicação Social e doutorado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade.
Essa formação me estimula a trabalhar com questões que conectam os dois campos.
E assim será neste artigo ao analisar a série As religiões no Rio e as colunas PallMall Rio e Os dias passam..., publicadas em jornais, comparando-as com os livros
homônimos, produções de Paulo Barreto.
É inegável que, em um primeiro momento, os livros do autor parecem
ser simplesmente a reunião de textos publicados nas colunas e série de títulos
semelhantes, o que estimula a investigação. No entanto, um estudo aprofundado revela
distanciamento entre as publicações. Nesse sentido, surgem alguns questionamentos:
quais as diferenças entre as produções jornalísticas e literárias? Quais os critérios
adotados pelo escritor para a não inserção (e inserção) de textos de jornais em livros
homônimos? O que Paulo Barreto entende por jornalismo e por ser jornalista? E em
relação à literatura e ao ofício de escritor?
Com a intenção de investigar as questões levantadas nesta breve apresentação,
a proposta é, inicialmente, compreender o marco temporal deste estudo e a importância
de João do Rio nesse contexto, bem como de seu exercício enquanto jornalista e
escritor. Em seguida, realizaremos uma análise dos corpora selecionados. O objetivo
é perceber as aproximações e distanciamentos entre o jornalismo e a literatura no
início do século XX a partir de um estudo comparativo entre os textos jornalísticos
publicados em jornais da época e livros-reportagem de títulos semelhantes.
2 | O RIO E PAULO BARRETO OU O RIO DE PAULO BARRETO
O final do século XIX e início do XX, denominado pelo historiador Eric Hobsbawm
de período finissecular, foi um momento de profundas mudanças urbanas, sociais,
culturais e políticas em diversas partes no mundo. No que se refere ao Brasil, o Rio de
Janeiro, a então Capital Federal, passava pelo “bota-abaixo”, uma tentativa de fazer
da cidade uma Paris. Essas operações que visavam à transformação de uma cidade
colonial em uma urbe moderna foram idealizadas pelo antigo prefeito Pereira Passos.
A intenção era adequar o Rio de Janeiro a uma nova organização do próprio espaço,
mas também social.
No tocante à literatura e ao jornalismo, pode-se afirmar que a cidade já se
revelava um lugar fértil para os escritores, Machado de Assis acabara de fundar a
Academia Brasileira de Letras, em 1896. Foi grande também o número de produções
presente nos periódicos da época. Nesse sentido, vale ressaltar que eram os “homens
das letras” que escreviam nos jornais (Machado de Assis, José de Alencar, apenas
para citar alguns nomes). João do Rio, atento às questões de seu tempo, indaga em
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 6
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sua série O momento literário, publicada na Gazeta de Notícias, de 13 de março a
28 de maio de 1905: “O jornalismo, especialmente no Brasil, é bom ou mau para a
arte literária?”. A partir dessa enquete, derivam outras questões como, por exemplo,
o exercício da escrita, a influência de autores em produções da época e o próprio
momento literário.
João Paulo Alberto Coelho Barreto, nome de batismo do escritor, nasceu no Rio
de Janeiro em cinco de agosto de 1881 e estreou na imprensa antes de completar
seus 18 anos. Durante a carreira profissional, além dos 26 livros publicados, colaborou
em diversos jornais e revistas da época. Em seus textos, abordava diversos assuntos.
A peculiaridade, no entanto, deu-se em virtude dos relatos que fazia da cidade
incorporada na denominação que o eternizou: João do Rio. Esse pseudônimo, João
do Rio, aparece pela primeira vez em 26 de novembro de 1903 na página da Gazeta
de Notícias com a publicação do texto intitulado “O Brasil lê”. Estudiosos da obra do
escritor apontam que a inspiração seria Jean Lorrain, do francês Paul Duval. A certeza
é a de que “Daí por diante, o nome que fixa a identidade literária engole Paulo Barreto.
Sob essa máscara publicará todos os seus livros e é como granjeia fama. Junta ao
nome o nome da cidade” (GOMES, 2005, p. 17).
É o espaço urbano, “campo da própria significação”, como refletiu Julio Ramos
em Desencontros da Modernidade na América Latina (2008), que Paulo Barreto trazia
em seu pseudônimo, que acabou por o eternizar. A cidade seduzia o escritor, que era
também repórter, e o convidava para vagar sem destino pelas ruas. Eis aqui o motivo
da sedução e a razão dos textos já marcados pelo que, anos depois, a Teoria do
Jornalismo concebeu como critérios de noticiabilidade.
O fato é que, para assinar suas publicações, Paulo Barreto pouco usou seu
nome de batismo, optava pelos fictícios. Essa adoção de pseudônimos marca com
veemência a multiplicidade do escritor, que: “Disperso em seus duplos, multiplicou-se
em nomes falsos para ver as facetas também múltiplas duma cidade que se impostava
de moderna e escondia seus escombros” (GOMES, 1996, p. 109). Nesse sentido, vale
registrar algumas observações a respeito de sua produção. A coluna Cinematographo
era assinada por Joe e a obra homônima por João do Rio. Com o último, publicou
todos os seus livros, além de algumas séries e colunas, por exemplo, As religiões
no Rio e O Momento Literário. Para escrever a coluna Pall-Mall Rio, usava o nome
José Antônio José. Em A profissão de Jacques Pedreira (1911), Godofredo de Alencar
é personagem da narrativa e, anos depois, marca presença no título de Crônicas e
frases de Godofredo de Alencar (1916).
Neste momento, não é pretensão deste texto esgotar os exemplos tampouco
analisá-los, mas sim iniciar a discussão a respeito de um assunto que os permeia: a
autoria. Surgem, então, questões fundamentais para serem pensadas: o escritor João
do Rio destruiu a voz do jornalista Paulo Barreto?; quais são os diferentes “eus” que
lhe servem como máscaras?; de quem falamos quando falamos de João do Rio?; do
repórter ou do escritor?
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 6
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Roland Barthes no ensaio intitulado “A morte do autor” (1984) parte da novela
Sarrasine escrita por Balzac para dar início à discussão a respeito do papel daquele
que escreve. Pergunta, então, quem estaria falando sobre o “castrado disfarçado de
mulher” (BARTHES, 1984, p. 65) e logo aponta: “Jamais será possível saber, pela
simples razão que a escritura é a destruição de toda voz, de toda origem. A escritura
é esse neutro, esse composto, esse oblíquo aonde foge o nosso sujeito, o brancoe-preto onde vem se perder toda identidade, a começar pela do corpo que escreve”
(Ibidem, p. 65). Compreende-se, a respeito do pensamento de Barthes, que a escritura
só se inicia quando a voz perde a sua própria origem, ocorre assim o que ele denomina
“morte do autor”. É dessa forma que o filósofo francês questiona a importância dada
à autoria.
Nessa mesma perspectiva, Michel Foucault, em 1969, apresenta sua
comunicação na Société Française de Philosophie, publicada no mesmo ano no
Bulletin de La Société Française de Philosophie sob o título “Qu’est-ce qu’un auteur?”.
Primeiramente, compete ressaltar que o filósofo discorre acerca do autor em um
sentido restrito, “entendido como autor de um texto, de um livro ou de uma obra
a quem se pode legitimamente atribuir a produção” (FOUCAULT, 1992, p. 33). As
questões iniciais se fundamentam na individualização do autor na cultura, no estatuto
que lhe foi atribuído, na relação homem e obra, texto e autor que, por inúmeras vezes,
transcende o momento da escrita.
Assim como Barthes, Foucault defende a ideia de que o ato de escrever não
requer uma exaltação e encara esse processo de forma natural, do qual o sujeito
da escrita deve, sim, desaparecer. Sobre isso, afirma: “A obra que tinha o dever de
conferir a imortalidade passou a ter o direito de matar, de ser a assassina do seu autor”
(Ibidem, p. 36), a marca do escritor se torna, portanto, sua própria ausência. Trata-se
do desaparecimento, da morte do autor. Os textos, acrescenta o teórico, quaisquer que
sejam, comportam uma pluralidade de “eus” e a função do autor não se fundamenta
sequer em um destes. O exercício do autor se dá no deslocamento desses “eus”
simultâneos.
Em Ladrões de palavras: ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o pensamento,
Michel Schneider questiona: “De que é feita uma pessoa?”. E conclui: “Migalhas de
identificação, imagens incorporadas, traços assimilados, tudo (se é que se pode dizer
assim) formando uma ficção que se chama eu”.
No caso do nosso jornalista-escritor ou escritor-jornalista, como coloca Carlos
Drummond de Andrade em crônica intitulada João do Rio na vitrina, publicada em
13 de agosto de 1981, em sua coluna no “Caderno B”, no Jornal do Brasil, a ficção
se chama João do Rio e se desdobra em muitas outras. São elas: P. B.; Claude;
José Antônio José; Joe; Godofredo de Alencar; X.; X. de J.; P.; Paulo Alberto; José;
Paulo José; Simeão; Máscara Negra; João Coelho; Caran D’Ache; Z.; Flaming. Alguns
nomes existiram por anos, outros por pouco tempo, como por exemplo, Simeão, que
assinou textos publicados na Gazeta de Notícias de outubro de 1909 a fevereiro de
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 6
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1910, e Máscara Negra, autor da coluna “Notas de Teatro”, publicada em 1918 no
Rio-Jornal. É com Máscara Negra, em quatro de abril de 1918, que Paulo Barreto se
despede da multiplicidade de máscaras. Depois, opta por assumir exclusivamente a
identidade que criou para si: João do Rio, pseudônimo com o qual assina todos os
textos e livros até o falecimento, ocorrido em 1921.
3 | AS REPORTAGENS E OS LIVROS HOMÔNIMOS: APROXIMAÇÕES E
DISTANCIAMENTOS
A série As religiões no Rio foi publicada na Gazeta de Notícias, de 22 de fevereiro
a 21 de abril de 1904. Os 22 textos assinados por João do Rio versam sobre as diferentes
religiões que marcavam presença no Rio de Janeiro da época. Os relatos levam a crer
que, durante quase dois meses, o cronista-repórter ou, para usar o conceito de Julio
Ramos (2008), cronista-transeunte caminhou pelas ruas da cidade para desvendar
os mistérios dos rituais e da fé. Na mesma toada, ainda em 1904, organizou o livro
de mesmo nome. Composta por 23 reportagens, das quais 21 foram recolhidas da
série da Gazeta, além do prefácio e do texto intitulado “Irmãos e Adventistas”, ambos
inéditos, a obra aborda o movimento evangélico, espírita, o judaísmo, entre outros.
Publicada de 25 de junho a 12 de novembro de 1911, em sua maioria, na quinta
página da Gazeta de Notícias, a coluna Os dias passam... era assinada por Joe. Os
19 textos que a compõem tratam de assuntos da época, como a vida social, literária e
artística do Rio de Janeiro; comentam produções literárias; trazem questões da cidade
e do país, além de abordar acontecimentos internacionais. Parece mesmo, como já
indica o próprio título da coluna, que a proposta de Paulo Barreto é retratar o cotidiano
da sociedade carioca, reportar fatos do dia a dia. Após um ano, João do Rio lança o
livro homônimo, composto pelas seções “Dias de fantasia”; “Dias de milagre”; “Dias de
burla”; “Dias de observação”; “O fim do ano”, além do prefácio.
Um dado interessante a respeito da relação (ou ausência de relação) entre a
coluna e o livro Os dias passam... é que, apesar de terem o mesmo título, nenhum
texto da coluna foi publicado no livro. Para compor a obra, João do Rio selecionou
textos da Gazeta de Notícias e de A Notícia publicados entre os anos 1904 e 1911 (há
também crônicas de 1912, mas, certamente, nesses casos, as publicações do jornal
foram inspiradas no livro. Sendo, então, o processo inverso). Alguns foram recolhidos
das séries “Para o milagre/O jubileu de Congonhas” e “O balanço do milagre/O falso
espiritismo”, ambas da Gazeta. Outros eram publicações aleatórias dos periódicos
mencionados.
Compuseram Pall-Mall Rio, de José Antônio José, 216 textos, veiculados em O
Paiz, de 23 de setembro de 1915 a quatro de janeiro de 1917. A grande quantidade
de escritos sobre a vida na Frívola-City serviu a Paulo Barreto como matéria-prima
para a elaboração do livro de mesmo título, que, além de 99 textos da coluna, contém
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 6
61
crônicas da Revista da Semana, de A Notícia e O Paiz (que não fizeram parte da
coluna). No volume, constam, ainda, oito textos inéditos, redigidos exclusivamente
para a nova obra. Tal constatação foi, primeiramente, apresentada por Gomes em
João do Rio: vielas do vício, ruas da graça: “Nem todo material da coluna entra no
volume. A seleção vai compor o que indica o subtítulo: ‘Inverno mundano de 1916’”
(1996, p. 80).
Diante do exposto, torna-se importante, para esta pesquisa, o estudo desse
deslizamento de textos – das páginas de jornal para as do livro. Nesse sentido, cabe
lembrar que, ao se deparar com livros que receberam títulos homônimos a colunas
e séries publicadas em jornais é, no mínimo, natural pensar que existe uma grande
relação entre essas produções. A analogia acaba, de certa forma, colaborando para
o pensamento de que o livro é a coletânea de textos publicados em jornal. Raimundo
Magalhães Jr. consegue ser ainda mais radical ao considerar que João do Rio utilizava
esse artifício para produzir grande parte de suas obras.
Com base, inicialmente, em João do Rio: Catálogo Bibliográfico (1994), de João
Carlos Rodrigues, tonou-se possível observar quais textos publicados nos jornais foram
deslocados para o suporte livro. A constatação, no entanto, deu-se a partir da leitura,
fichamento e análise minuciosa de todos os textos. O estudo dos objetos confirma a
hipótese de que o escritor não se limita a essa prática para produzir suas obras. Ao
contrário da afirmação de Raimundo Magalhães Jr., as observações comprovam que
o critério de João do Rio não se restringia à transferência de seus escritos de um
suporte para outro. A proposta do autor, é importante pontuar, não era fazer de suas
obras apenas uma transposição das colunas e séries homônimas, pois demonstra ter
concepção do que é literatura e do que é jornalismo ao deixar fora de suas obras textos
publicados nas colunas e série de mesmo título. E, mesmo em casos de deslizamentos
de textos, há algumas questões que merecem ser colocadas.
Os trechos autônomos dos jornais que são deslocados para os livros, ao mudarem
de suporte, não estão vulneráveis ao consumo imediato e tampouco apresentam a
efemeridade dos textos jornalísticos. Apresentam-se de uma forma diferente; são
frações que vão ajudar a construir o significado de um todo, no caso, do livro. No novo
suporte, submete-se à linha condutora da obra, à organicidade interna do volume,
ganha autonomia para ser o que autor desejar. Os fragmentos, outrora possuidores
de significados distintos, agora se articulam construindo novos significados, são livrosreportagem.
No caso de Os dias passam..., fica ainda mais evidente o processo de construção
de narrativa e a consciência por parte do autor da distinção dos suportes jornal e
livro. Essas observações comprovam o que já foi sinalizado em As religiões no Rio
e reiterado em Pall-Mall Rio. Com a mudança de suporte material – do jornal para o
livro –, há, portanto, uma alteração de significados. Trata-se da tentativa explícita de
elaboração de uma obra que transcende a matéria jornalística e a cultura de massa. A
não inserção de textos da coluna Os dias passam... no livro de título semelhante revela
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 6
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que as obras de João do Rio não são simplesmente reuniões de textos publicados em
colunas e séries, como acreditavam alguns de seus biógrafos, já questionados Gomes
(1996).
Nessa articulação de fragmentos, nesse tecer de trechos no processo de
construção da narrativa, o prefácio dos livros do autor assume papel fundamental.
No caso de As religiões no Rio, não é diferente. Logo, nas primeiras palavras, Paulo
Barreto apresenta seu conceito de religião: “Um misterioso sentimento, misto de terror
e de esperança, a simbolização lúgubre ou alegre de um poder que não temos e
almejamos ter, o desconhecido avassalador, o equívoco, o medo, a perversidade...”
(RIO, 1904, s/n). Ao se deparar com essa definição nada comum, o leitor consegue
compreender o que motivou o escritor a penetrar nesse universo, na época, marcado
pela vastidão. Em cada esquina da cidade, segundo o escritor, é possível se deparar
com um templo. Há “swendeborgeanos, pagãos literários, physiolatras, defensores
de dogmas exóticos, autores de reformas da Vida, reveladores do Futuro, amantes
do diabo, bebedores de sangue, descendentes da rainha Sabá, judeus, schimaticos,
espíritas, babalaôs de Lagos, mulheres que respeitam o oceano” (Ibidem). A diversidade
de religiões revela o árduo trabalho do repórter, que fuçou lugares da cidade para dar
conta das crenças dos cariocas e dos que no Rio de Janeiro viviam.
Os dias passam... inicia com o texto “O que ensinam os dias...”, uma reflexão
sobre o passar das horas, que se apresenta de diferentes maneiras. A retórica de Paulo
Barreto, nesse prefácio, se assemelha à realizada em A alma encantadora das ruas. Se
antes a rua tinha alma, agora são os dias que a possuem: “há dias esplendorosos que
parecem viúvas quarentonas a caminho do cemitério, e dias de nuvens pardacentas
com os quais temos vontade de valsar e tomar champagne, quer seja no campo, quer
seja nas cidades” (1911, p. 13). E não para por aí, há os dias políticos, dias financeiros,
dias burgueses, dias maritais, dias poéticos, dia do amor, dia paraíso e muitos outros.
São os relatos do dia a dia da belle époque carioca que Paulo Barreto apresenta no
volume. O texto do autor se coloca à disposição dos acontecimentos, uma espécie de
crônica-reportagem que passa em revista os principais fatos da semana.
Em Pall-Mall Rio (1917), essa marca pode, também, ser observada: João do
Rio faz uma revista da estação, mais especificamente, do inverno de 1916, conforme
indica o próprio subtítulo “Inverno mundano de 1916”. No prefácio, utiliza como
estratégia discursiva o diálogo entre dois cavalheiros à porta de um chá elegante.
O inverno, percebemos, é a estação das festas, dos eventos sociais marcados pela
elegância, frequentados pela elite da época. Para alguns, apenas futilidade, como
parece acreditar Humberto de Campos ao escrever Pelle-Molle em O imparcial. Para
Paulo Barreto, algo muito importante para quem vive no Rio de Janeiro: “Se tu não és
totalmente frívolo, toma o paquete ou suicida-te. Quem não resolver perder o tempo
todo com tudo quanto é inútil, não viverá nesta cidade, dentro de muito pouco tempo”
(1917, p. 7). Assim, explica que a motivação do volume é narrar o cotidiano do inverno
carioca de 1916.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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A bem da verdade, são raras as reportagens deslocadas do suporte jornal para
o livro que não sofrem alterações. Em As religiões no Rio, verificamos que isso ocorre
apenas em “Os Batistas” e “A A. C. M.”. Em Os dias passam..., só acontece no caso de
“O leão do mercado”, publicado com o mesmo título em A Notícia no dia oito de agosto
de 1909. Pall-Mall segue a mesma linha em “Um chá tango no Jockey” e “O teatro em
sociedade”, eventos sociais frequentados pela elite da época.
No que diz respeito às diferenças observadas no deslizamento dos textos do
jornal para o livro, destacamos que o processo de edição se assemelha nas três obras
analisadas. Ao deslocar de suporte, há acréscimo, retirada e reescrita de trechos,
colocação ou troca de pontuação, mudança na divisão de parágrafos, entre outras
alterações, como veremos em alguns exemplos a seguir.
Ao ser transferida para o livro As religiões no Rio, a reportagem “Feiticeiros”
apresenta mais informações sobre o eubá, uma língua falada pelos africanos que
tem a mesma representação do inglês para os civilizados, e o fato dos cambindas
ignorarem a referida língua: “Só os cambindas ignoram o eubá, mas esses ignoram
até a própria língua, que é muito difícil. Quando os cambindas falam, misturam todas
as línguas... Agora os orixás e os alufás só falam o eubá” (RIO, 1904, p.2).
O mesmo acontece na reportagem “As Iauô” publicada no livro, que dedica
a página 16 e parte da 17 aos negros cambindas, trazendo detalhes que não têm
no jornal, como os seus santos e algumas cantigas. Nesse mesmo texto, vemos a
mudança na pontuação. O escritor, por duas vezes, substitui reticências pelo ponto
final. É nessa reportagem que ele narra como acontece a sessão de iniciação, com
rezas, corte de cabelo e danças.
Alterações também são observadas em “A casa das almas”; “Os novos feitiços
de Sanin”; “A igreja positivista”; “Os maronitas”; “A Igreja Metodista” e “O culto ao mar”.
Percebemos, nessas reportagens, parágrafos divididos de forma diferente. O trecho,
que está em um parágrafo no livro, aparece em dois no jornal. Ou o contrário.
No que se refere à pontuação, como já mencionado na análise de “As Iauô”,
também há distinção. Apresentam alterações as reportagens: “O espiritismo – entre os
sinceros”; “Os exploradores”; “As sacerdotisas do futuro” e “A missa negra”. Na maioria
dos casos, o ponto final do jornal é substituído pelas reticências no livro. Há também,
em “A missa negra”, a troca de ponto de interrogação por exclamação e de ponto final
por interrogação. Ao tomar conhecimento das hóstias vendidas a dez tostões por um
homem que as rouba na igreja, pergunta: “É boa?”. No livro, exclama: “É boa!”.
No deslocamento para o jornal, trechos das reportagens “Os exploradores” e “Os
satanistas”, por exemplo, são retirados. No caso de “Os exploradores”, publicada na
Gazeta como “O espiritismo falso”, a epígrafe “Estude antes o espiritismo falso” (RIO,
24 de fevereiro de 1904), presente no jornal, não é mencionada no livro.
Em relação ao acréscimo, temos no livro as seguintes palavras, que não
constam no jornal, e encerram a reportagem “Os novos feitiços de Sanin”: “Dinheiro,
mortes, e infâmia as bases desse templo formidável do feitiço!” (RIO, 1904, p. 57). Tal
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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estratégia de construção de narrativa é também notada em “A igreja positivista”; “Os
physiolatras”; “O espiritismo – entre os sinceros”; “As sinagogas”; “Os exploradores”
e “As sacerdotisas do futuro”. Na reportagem “O espiritismo – entre os sinceros” as
palavras acrescentadas revelam características do espiritismo e mencionam a doutrina
de Allan Kardec. Em “Os physiolatras”, temos o maior exemplo desse caso. No livro, o
escritor acrescenta mais de quatro páginas para explicar, detalhadamente, a aplicação
da orthologia (ou lógica universal) aos fatos da linguagem.
Em Os dias passam..., também é possível observar as estratégias de composição
utilizadas em As religiões no Rio. No texto de abertura O que ensinam os dias...,
publicado inicialmente na Gazeta de Notícias em dois de agosto de 1909, há colocação
de vírgulas e revisão de trechos. Em relação à troca de pontuação, o ponto final é
trocado pela exclamação: “a palestra!”. O trecho: “o homem não pensa que é apenas
um inconveniente, reflexo da fisionomia”, ao ser deslocado para o livro, aparece da
seguinte forma: “o homem não pensa que é apenas um inconsciente, reflexo da
fisionomia”. Há uma alteração da palavra “inconveniente” por “inconsciente”. Acredita-
se que, no jornal, ocorreu algum problema de revisão, já que o vocábulo utilizado no
livro parece fazer mais sentido. A construção da narrativa dos livros se apresenta,
portanto, como uma possibilidade de rever os escritos e lapidá-los.
É importante frisar o cuidado com a organização da edição final. A cronologia do
livro não obedece à do jornal. “Uma porção de mediuns”, por exemplo, assinado por
João do Rio, foi veiculado na Gazeta de Notícias em 12 de janeiro de 1908, enquanto
“Curandeiros” aparece em 30 de janeiro de 1908. No entanto, no novo suporte, “Uma
porção de mediuns” sucede “Curandeiros”, fato que acontece, também, com os demais
textos. Os três últimos textos do livro seguem a cronologia do jornal, como se pode
observar: “As pilhérias dos médiuns” foi publicado em 22 de janeiro; “Os médiuns
repetem-se” em 10 de fevereiro, por fim, “Fala o dr. Afrânio Coutinho”, encerrando a
série em 13 de fevereiro de 1908 e, também, a seção “Dias de burla”.
Ao recolher os textos da série no livro, Paulo Barreto, como vimos em outros
casos, prepara um novo material. Esse cuidado é evidenciado em diversos escritos
do livro em discussão. No texto “Os exploradores do espiritismo”, troca “em que” por
“sob a qual”. Em “Visita à fábrica de gás”, o escritor narra uma saída com M.mme
Córa Assumpção, M.lle Argemira da Costa e Barão Belfort. O objetivo da tarde era ver
como se faz o gás da iluminação. “Visita à fábrica de gás” é, claramente, inspirado em
“Os fornos da iluminação”, publicado no “Suplemento Ilustrado” da Gazeta de Notícias
em sete de agosto de 1904. Ao ocupar as páginas do livro, ganha outro título, sofre
alterações de ordens e acréscimo de trechos, além da mudança de parágrafos no
processo de deslizamento de suporte. O texto, que foi publicado em 1904, é um dos
que encerram o livro. Ao acrescentar fechamento ao texto, João do Rio aumenta o tom
crítico, uma de suas marcas, na fala de Belfort: “Minhas senhoras, não queiram nunca
ver o quanto custa o nosso conforto ao resto da humanidade. As senhoras vieram com
medo. A verdade apavora. Eu vim com o desejo de queimar a iluminação... Nunca
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 6
65
mais!” (RIO, 1912, p. 370).
Na mesma toada, vale tratar também de “Gente às janelas”, originalmente
veiculado em A Notícia no dia 19 de junho de 1910. Na crônica, por meio de um diálogo
com um estrangeiro, fala sobre a mania do carioca de ficar à janela. O estrangeiro
acredita que as pessoas estão esperando algo acontecer, João do Rio explica a razão
da mania: “a janela é a escápula do lar sem dele sair, é o conduto da rua sem os
seus perigos, é o óculos de alcance para a vida alheia, é a facilidade, a economia, o
namoro, o amor, o relaxamento, o fundamental relaxamento...” (Ibidem, p. 349-350).
No que se refere às alterações ao transferir a crônica para livro, notamos retirada de
trecho, troca de vírgula por ponto e vírgula e a oportunidade de consertar o que às
vezes não é possível no jornal.
A última seção do livro “O Fim do Ano” é composta por um único texto, de
mesmo título da seção. Inicialmente, parece tratar do tempo, mas logo notamos que,
na verdade, a intenção é discutir como nós, sujeitos de nossa vida e existência, lidamos
com o avanço das horas. Como mote, ele usou a expectativa em função da virada de
ano. O texto publicado na coluna Cinematographo da Gazeta de Notícias em dois de
janeiro de 1910 fala sobre a espera do ano 1910. Ao ser levado para o livro, o escritor
prefere não datar e a opção é a espera do “Novo Ano” (Ibidem, p. 421).
A análise de Pall-Mall Rio, publicado em 1917, reitera o que foi pontuado a respeito
do processo de construção dos outros corpora. Em “Na legação da Argentina”, texto
sobre recepção organizada para o ministro Sr. Dr. Leitão da Cunha, na rua Senador
Vergueiro, observamos a troca de “senhorita” por “senhorinha”, ao se referir a Vera
Barbosa e Astréa Palm. Na mesma linha, “Público de conferências”, quando publicado
no livro, não apresenta o seguinte trecho que consta em O Paiz, 27 de setembro
de 1915: “ela que aliás tanto brilha pela inteligência cultivada nos nossos salões”. A
correção do original também é realizada neste volume: “Arte da pupula” é substituído
por “arde na pupila”; o vocábulo “palavras” alterado por “palmas”: “Ao terminar a
conferência, entre as palavras a Cyro Costa, um amigo trava-me do braço” (jornal)/
“Ao terminar a conferência, entre as palmas a Cyro Costa, um amigo trava-me do
braço” (livro, p. 124).
“Hora do chá”, publicado no jornal em 20 de maio de 1916, trata do costume de
tomar chá às cinco da tarde. Ao percorrer as casas de chá, João do Rio observa a
elegância dos frequentadores: “Hoje, o chá é a hora do chá, é uma hora dilatável em
todos os relógios, é a hora especial em que as belezas se acentuam mais, em que o
internacionalismo dos costumes aquece de uma quase sinceridade urbana, é a hora
para as senhoras serem admiradas.” (1917, p. 169). Neste texto, “ou no tempestuoso
Rumlinos do Alvear” (Ibidem, p. 167) era na página de O Paiz: “ou no tempestuoso
Rumpelmeyer. E depois, para concluir, o chá com violinos do Alvear”.
Para apresentar nova versão de relato de uma sessão da Academia Brasileira de
Letras, também recorre aos recursos gramaticais. A vírgula do jornal é retirada no livro
em: “Quanto menos eleições melhor” (Ibidem, p. 267) e “Fora a noite era de veludo”
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(Ibidem, p. 268). O mesmo acontece em “A festa do patronato”, sobre a estreia da peça
“Um chá das cinco” no Teatro Municipal. No livro, há acréscimo do adjetivo amável
para caracterizar a senhorinha Odette Gasparoni e alteração da palavra “mesmo” por
“momento”: “Mas é o mesmo chá das cinco” (jornal)/ “Mas é o momento do chá das
cinco” (livro, p. 297).
4 | CONCLUSÃO
A partir do levantamento realizado, é interessante notar que a prática de adoção
de pseudônimos por parte de Paulo Barreto se faz presente nas produções para os
veículos de imprensa. Em seus livros, o autor não é Paulo Barreto, nome de batismo,
tampouco um dos demais pseudônimos. É João do Rio, identidade construída a partir
da relação com o espaço urbano.
A cidade do Rio de Janeiro, em transformação, apresenta-se como matéria-prima
para o cronista e – por que não dizer – também como palco de representação para um
artista que surge travestido de jornalista. Dessa forma, ao produzir como um homem
de imprensa, protege o homem de letras. Ou melhor, nas palavras de Renato Cordeiro
Gomes, “o pseudônimo-eu é um produtor de textos, um operário discursivo, que não
se confunde com o sujeito da obra. Assim, o cronista preserva o Artista” (2005, p. 16).
Para preservar João do Rio, surgem os “eus”, sobre os quais nos fala Foucault. E,
aqui, os “eus” têm nomes. E são muitos: Paulo Barreto; P. B.; Claude; José Antônio
José; Joe; Godofredo de Alencar; X.; X. de J.; P.; Paulo Alberto; José; Paulo José;
Simeão; Máscara Negra; João Coelho; Caran D’Ache; Z.; Flaming.
Ao analisarmos o processo de deslizamento de suporte dos textos escritos por
Paulo Barreto para jornais, além da questão da autoria, foi possível dimensionar e
observar a utilização de outros recursos na organização, especificamente, de seus
livros As religiões no Rio, Os dias passam... e Pall-Mall Rio. Assim, é possível perceber
a consciência crítica do autor em relação ao fazer jornalístico e literário. Percebemos,
mais uma vez, o trabalho criterioso de João do Rio ao deslocar textos de um suporte
para o outro. Antes de estarem na nova materialidade, as palavras são analisadas e
apenas permanecem se o escritor acreditar que assim deve ser. Caso contrário, como
vimos algumas vezes neste estudo, são modificadas, acrescentadas, suprimidas em
função da nova narrativa. Dessa maneira, evidencia o que entende por jornalismo e
por literatura. E, por fim, se revela homem de imprensa e escritor.
REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1984.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Vega, 1992.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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67
GOMES, Renato Cordeiro. João do Rio: vielas do vício, ruas da graça. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 1996.
GOMES, Renato Cordeiro. João do Rio / por Renato Cordeiro Gomes. Rio de Janeiro: Agir, 2005.
JOE. Cinematographo. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1907-1910. Semanal.
JOSÉ, Antônio José. Pall-Mall Rio. O Paiz, Rio de Janeiro, 1915-1917.
RAMOS, Julio. Desencontros da modernidade na América Latina: literatura e política no século 19.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
RIO, João do. As religiões no Rio, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1904.
RIO, João do. As religiões no Rio. Paris: Garnier, 1904.
RIO, João do. O momento literário. Paris: Garnier, 1905.
RIO, João do. Cinematographo: crônicas cariocas. Porto: Chardron de Lello & Irmão, 1909.
RIO, João do. Os dias passam.... Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1911.
RIO, João do. A profissão de Jacques Pedreira. Paris: Garnier, 1911.
RIO, João do. Os dias passam. Porto: Lello & Irmão, 1912.
RIO, João do. Crônicas e frases de Godofredo de Alencar. Lisboa: Bertrand, 1916.
RIO, João do. Pall-Mall Rio: o inverno carioca de 1916. Rio de Janeiro: Villas Boas, 1917.
RIO, João do. A alma encantadora das ruas: crônicas; organização Raúl Antelo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008.
RODRIGUES, João Carlos. João do Rio: catálogo bibliográfico. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal
de Cultura, Dep. Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1994.
SCHNEIDER, Michel. Ladrões de palavras: ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o pensamento.
Tradução de Luiz Fernando P. N. Franco. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 6
68
CAPÍTULO 7
NOTÍCIAS ELABORADAS A PARTIR DE SITES DE
REDES SOCIAIS NO CASO MARIELLE FRANCO
Ingrid Cristina dos Santos
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Florianópolis - SC
RESUMO: Este artigo busca compreender
como o jornalismo se apropria de conversações,
interações e mensagens que circulam em sites
de redes sociais para a construção da notícia. De
caráter descritivo-analítico, o estudo combina
técnicas qualitativas e quantitativas. A partir da
análise de publicações do website GaúchaZH a
respeito do assassinato da vereadora do Rio de
Janeiro Marielle Franco, são identificadas três
categorias de postagens em mídias sociais que
deram origem a pautas jornalísticas. Considerase que tais classificações podem ser embriões
de valores-notícia incorporados ao jornalismo a
partir das redes sociais na internet.
PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo; site de
rede social; valor-notícia; Marielle Franco;
GaúchaZH.
interactions and messages that circulate in social
networking sites for the production of news. The
study is descriptive-analytical and combines
qualitative and quantitative techniques. Based
on the analysis of news from the GaúchaZH
website regarding the murder of Rio de Janeiro
city councilor Marielle Franco, three categories
of posts in social media that have given rise
to journalistic agenda have been identified.
It is considered that such classifications may
be embryos of news-values incorporated into
journalism from social networks on the internet.
KEYWORDS: Journalism; social networking
site; value-news; Marielle Franco; GaúchaZH.
1 | A RELAÇÃO ENTRE JORNALISMO E
SITES DE REDES SOCIAIS
Os sites de redes sociais mudaram
diversos aspectos do jornalismo, como sua
relação com o público, os processos de apuração
da informação e até mesmo os critérios para
a escolha dos fatos que merecem tornar-se
NEWS ELABORATED FROM SOCIAL
notícia. Surgidas no início dos anos 2000 nos
Estados Unidos, essas plataformas digitais
NETWORKING SITES IN MARIELLE
converteram-se em canais de distribuição
FRANCO CASE
de conteúdo jornalístico. De acordo com o
ABSTRACT: This article intends to understand
how journalism appropriates conversations,
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
relatório do Instituto Reuters de 2018, 45%
dos americanos entrevistados para o estudo
afirmaram consumir notícias por mídias sociais.
Capítulo 7
69
No Brasil, a porcentagem dos usuários que disse acessar notícias por esses canais
foi de 66%.
Nos últimos anos, tornou-se frequente a publicação de fatos em primeira mão nos
sites de redes sociais, como a morte de Osama Bin Laden, divulgada primeiro por um
usuário do Twitter (SCOLARI, 2013) e depois noticiada por veículos de comunicação
de todo o mundo. Também tem sido comum a disseminação de informações falsas – as
chamadas fake news – em mídias sociais, interferindo em diferentes episódios, como
os rumos das eleições dos EUA e do plebiscito do Brexit, no Reino Unido. Diversas são
as situações em que a relação entre jornalismo e mídias sociais se mostra conflituosa
e, em outras tantas, benéfica para ambas as partes.Um dos pontos de tensão é a
existência do algoritmo, que determina o que deve ser exibido para cada usuário nos
diferentes sites de redes sociais. A existência desse filtro gera críticas em relação à
restrição das informações, que ocasionaria a formação de bolhas ideológicas. Além
disso, o algoritmo das mídias sociais, especialmente o do Facebook – maior site de
rede social do mundo – muda com frequência, e recentemente passou a diminuir o
alcance de publicações de marcas e de veículos de comunicação.
Por outro lado, mesmo com a redução do alcance de algumas postagens, é
inegável o potencial de disseminação global das informações publicadas em mídias
sociais digitais, seja por veículos jornalísticos, seja por indivíduos comuns. Foi com o
surgimento da internet e dos sites de redes sociais que os cidadãos passaram a também
produzir conteúdo, tornando-se “prosumers” ou “prosumidores” – termo cunhado
ainda em 1980 por Alvin Toflfer com a junção dos termos “produtor” e “consumidor”, ou
seja, um consumidor que produz conteúdos – e propiciando o surgimento da cultura
participativa descrita por Henry Jenkins:
A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a
passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre
produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados,
podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um
novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. Nem todos
os participantes são criados iguais. Corporações - e mesmo indivíduos dentro das
corporações da mídia - ainda exercem maior poder do que qualquer consumidor
individual, ou mesmo um conjunto de consumidores. E alguns consumidores têm
mais habilidades para participar dessa cultura emergente do que outros (JENKINS,
2009, p. 30).
No ambiente das redes sociais digitais, as notícias disputam a atenção dos
leitores com os conteúdos produzidos por cidadãos comuns, os “prosumers”. Para se
destacar na infinidade de informações disseminadas nesses espaços, o jornalismo
se apropria das conversações, interações e trocas de mensagens que ali ocorrem,
redefinindo a rotina produtiva na escolha das pautas.
Este artigo – cujo tema tem relação com a dissertação de mestrado da autora,
ainda em processo de elaboração – busca compreender de que maneira os sites de
redes sociais são utilizados pelo jornalismo na definição de fatos e temas noticiáveis,
possibilitando o surgimento de novos valores-notícia. Para isso, foram analisadas
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 7
70
publicações do site GaúchaZH a respeito do assassinato da vereadora do Rio de
Janeiro Marielle Franco. Buscou-se identificar marcas que demonstrassem o papel
determinante das mídias sociais digitais para a construção das notícias. Trata-se
de uma pesquisa de caráter descritivo-analítico que combina técnicas qualitativas e
quantitativas.
2 | PLATAFORMAS DIGITAIS DE CONVERSAÇÃO
Diversos autores fazem uso de diferentes denominações como “redes sociais
online”, “redes sociais digitais”, “redes sociais conectadas”, “mídias sociais”, entre
outras. Para fins deste trabalho, utiliza-se as definições de Raquel Recuero, Lucia
Santaella e Renata Lemos. Primeiramente, é importante distinguir “redes sociais” de
“sites de redes sociais”:
Enquanto a rede social é uma metáfora utilizada para o estudo do grupo que se
apropria de um determinado sistema, o sistema, em si, não é uma rede social,
embora possa compreender várias delas. Os sites que suportam redes sociais são
conhecidos como “sites de redes sociais”. Embora quase todas as ferramentas de
comunicação mediada pelo computador sejam capazes de suportar redes sociais,
Boyd e Ellison (2007) definem esses sistemas como aqueles que permitem a
publicização da rede social, como característica diferencial. Esses sites permitem,
assim, uma nova geração de “espaço públicos mediados” (Boyd e Ellison, 2007).
O conceito refere-se a “ambientes onde as pessoas podem reunir-se publicamente
através da mediação da tecnologia”. (RECUERO, 2009, p. 41).
Esses ambientes tiveram origem após a massificação da World Wide Web (WWW)
– aplicação de compartilhamento de informação que possibilitou à internet abarcar o
mundo todo, segundo Manuel Castells (2003). O pesquisador espanhol explica que “a
Internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de
muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global” (CASTELLS, 2003, p.
8).
Com a popularização da Web para a sociedade, a partir de 1995, surgem os sites
de redes sociais. A evolução dessas plataformas, com as modalidades diferenciais
de interação, é analisada por Lúcia Santaella e Renata Lemos, que as denominam
“redes sociais na internet”. As autoras caracterizam as redes em monomodais 1.0,
monomodais múltiplas 2.0 e multimodais 3.0:
Primeiramente, no início da segunda parte dessa década, realizou-se a possibilidade
pioneira de interatividade em tempo real para redes socialmente configuradas
(ICQ). Essa realização caracteriza as RSIs 1.0. Em seguida, o salto em direção às
redes sociais 2.0 foi dado a partir do compartilhamento em rede social de arquivos,
interesses etc. Entrávamos na era do Orkut, MySpace, LinkdIn etc. A partir de 2004,
com a criação do Facebook, entramos na era das RSIs 3.0, caracterizadas pela
integração com as outras redes e pelo uso generalizado de jogos sociais como o
Farmville e Mafiawars, assim como aplicativos para a mobilidades (SANTAELLA;
LEMOS, 2010, p. 58).
Neste artigo, utiliza-se os termos “sites de redes sociais”, “redes sociais na internet”
e “mídias sociais” como sinônimos, considerando-os espaços de conversação, que
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 7
71
permitem a apropriação para a sociabilidade. Assim, toma-se como exemplos de sites
de redes sociais, para fins deste estudo, Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.
Raquel Recuero (2009) classifica a relação entre redes sociais e jornalismo em
três categorias: redes sociais como fontes produtoras de informação; redes sociais
como filtros de informações e redes sociais como espaços de reverberação dessas
informações. A primeira classificação ocorre quando a informação é divulgada em
primeira mão na rede social, podendo posteriormente ser abordada por veículos de
comunicação. Também contempla situações em que jornalistas identificam, nos sites
de redes sociais, possíveis entrevistados para a realização de reportagens
No segundo caso, “as redes sociais vão atuar de forma a coletar e republicar as
informações obtidas através de veículos informativos ou mesmo de forma a coletar e
a republicar informações observadas dentro da própria rede” (Recuero, 2009, p. 47).
A autora cita como exemplos dessa categoria os compartilhamentos no Facebook e
retweets no Twitter.
A terceira categoria está relacionada ao debate a respeito das informações
difundidas, como nos Trending Topics do Twitter, possibilitando que as informações
jornalísticas sejam reverberadas e passem a integrar as conversas nos sites de redes
sociais.
Com formas de relação cada vez mais diversificadas, as mídias sociais digitais
passaram a fazer parte da rotina dos jornalistas, interferindo inclusive nos critérios de
noticiabilidade e valores-notícia.
3 | O QUE TORNA UM FATO NOTICIÁVEL
Diante da infinidade de acontecimentos do dia a dia, é preciso ter parâmetros
para distinguir quais deles devem ocupar o espaço e o tempo dos noticiários em
diferentes plataformas. Na busca por definir o que torna um fato ou tema noticiável,
vários teóricos estudam os conceitos de noticiabilidade e valores-notícia.
Wolf conceitua a noticiabilidade como o “conjunto de elementos através dos quais
o órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre
os quais há que selecionar as notícias” (2001, p. 195). Nesse contexto, para o autor
os valores-notícia são uma componente da noticiabilidade e “constituem a resposta à
pergunta seguinte: quais os acontecimentos que são considerados suficientemente
interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícias? ”
O teórico defende que os valores-notícia funcionam de maneira complementar,
combinando-se e relacionando-se no momento da seleção dos fatos. Além disso,
devem ser práticos e de fácil entendimento, a ponto de permitir a rotinização do
trabalho jornalístico, pois seria impossível aos profissionais ter que decidir a cada
momento como os eventos devem ser selecionados para se converterem em notícia.
O estabelecimento de determinados padrões também minimiza a ação subjetiva,
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 7
72
possibilitando a repetitividade dos procedimentos e a tomada rápida de decisões.
Os critérios devem ser fácil e rapidamente aplicáveis, de forma que as escolhas
possam ser feitas sem demasiada reflexão. Para além disso, a simplicidade do
raciocínio ajuda os jornalistas a evitarem incertezas excessivas quanto ao fato de
terem ou não efetuado a escolha apropriada. Por outro lado, os critérios devem
ser flexíveis para poderem adaptar-se à infinita variedade de acontecimentos
disponíveis; além disso, devem ser relacionáveis e comparáveis, dado que a
oportunidade de uma notícia depende sempre das outras notícias igualmente
disponíveis. (...). Finalmente, mas não menos importante, os critérios são orientados
para a eficiência, de forma a garantirem o necessário reabastecimento de notícias
adequadas, com o mínimo dispêndio de tempo, esforço e dinheiro. O resultado é
um vasto número de critérios e cada notícia pode ser avaliada com base em muitos
deles, alguns se opondo entre si. Para evitar o caos, a aplicação dos critérios
relativos às notícias exige consenso entre os jornalistas e, mais ainda, exige uma
organização hierárquica dentro da qual aqueles que possuem mais poder possam
impor a sua opinião acerca dos critérios relevantes para uma determinada notícia
(GANS, 1979, p. 82 apud WOLF, 2001, p. 197).
Traquina dialoga com Wolf ao defender que a noticiabilidade envolve diversos
fatores que tornam um acontecimento noticiável: “Podemos definir o conceito de
noticiabilidade como o conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de
merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia” (TRAQUINA,
2005, p. 63). Ele define os critérios de noticiabilidade como o conjunto dos valoresnotícia que “determinam se um acontecimento, ou assunto, é susceptível de se
tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria
noticiável e, por isso, possuindo “valor-notícia (newsworthiness)”. (TRAQUINA, 2005,
p. 63).
Tanto Wolf como Traquina consideram os valores-notícia componentes da
noticiabilidade, sem no entanto distinguirem claramente as definições de valoresnotícia e de critérios de noticiabilidade, empregando-os, por vezes, como sinônimos.
Ampliando o conceito de noticiabilidade, a teórica brasileira Gislene Silva abarca
em sua definição “todo e qualquer fator potencialmente capaz de agir no processo
da produção da notícia” (SILVA, 2005, p. 96), sejam relacionados ao controle e
administração das empresas jornalísticas ou às características intrínsecas aos
acontecimentos. A autora defende que os critérios de noticiabilidade sejam divididos em
três instâncias, que atuam de maneira concomitante na prática da produção noticiosa:
(a) na origem dos fatos (seleção primária dos fatos / valores-notícia), considerando
atributos próprios ou características típicas, que são reconhecidos por diferentes
profissionais e veículos da imprensa; (b) no tratamento dos fatos, centrandose na seleção hierárquica dos fatos e levando-se em conta, para além dos
valores-notícia dos fatos escolhidos, fatores inseridos dentro da organização,
como formato do produto, qualidade do material jornalístico apurado (texto e
imagem), prazo de fechamento, infra-estrutura, tecnologia etc, como também
fatores extra-organizacionais direta e intrinsecamente vinculados ao exercício da
atividade jornalística, como relações do repórter com fontes e públicos; (c) na
visão dos fatos, a partir de fundamentos éticos, filosóficos e epistemológicos do
jornalismo, compreendendo conceitos de verdade, objetividade, interesse público,
imparcialidade que orientam inclusive as ações e intenções das instâncias ou eixos
anteriores. (SILVA, 2005, p. 96).
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 7
73
Silva concorda com Wolf quando este afirma que os valores-notícia agem em
todo o processo de produção da informação jornalística (WOLF, 2001, p. 196), mas
enfatiza que a seleção engloba tanto a etapa primária quanto a fase de tratamento
do fato, definida por ela como a segunda instância dos critérios de noticiabilidade.
Para a pesquisadora, os valores-notícia são fruto de uma construção social e cultural,
definidos como um grupo de critérios que “cerca a noticiabilidade do acontecimento
considerando origem do fato, fato em si, acontecimento isolado, características
intrínsecas, características essenciais, atributos inerentes ou aspectos substantivos
do acontecimento”. (SILVA, 2005, p. 98).
Embora o cerne de muitos valores-notícia permaneça o mesmo ao longo dos
anos, Wolf ressalta o caráter dinâmico desses atributos noticiosos. Para o autor, apesar
de revelarem uma forte homogeneidade no interior da cultura profissional, os valoresnotícia não permanecem sempre os mesmos (WOLF, 2001). Traquina compartilha a
mesma reflexão:
Mas os valores-notícia não são imutáveis, com mudanças de uma época histórica
para outra, com destaques diversos de uma empresa jornalística para outra, tendo
em conta as políticas editoriais. As definições do que é notícia estão inseridas
historicamente e a definição da noticiabilidade de um acontecimento ou de um
assunto implica um esboço da compreensão contemporânea do significado
dos acontecimentos como regras do comportamento humano e institucional.
(TRAQUINA, 2005, p. 95).
A chegada da internet, a reconfiguração do jornalismo – atrelada ao surgimento
de diferentes modelos de negócio – e a presença de sites de redes sociais como
grandes responsáveis pela distribuição do conteúdo jornalístico influenciam os fatores
que consideram os acontecimentos noticiáveis e provocam mudanças nos valoresnotícia.
4 | FAKE NEWS E OUTROS ELEMENTOS NO CASO MARIELLE
O objeto empírico desta pesquisa é o website GaúchaZH, lançado no dia 21 de
setembro de 2017 com o intuito de integrar na internet as marcas de dois veículos de
comunicação do Grupo RBS: o jornal Zero Hora e a Rádio Gaúcha. Fundada em 1927,
a Gaúcha tornou-se o embrião do Grupo RBS ao ser adquirida em 1957 por Maurício
Sirotsky Sobrinho e Arnaldo Ballvé. Já Zero Hora, maior jornal do Rio Grande do Sul,
foi fundado em 1964 e estreou sua presença digital no ano de 2007, com ZeroHora.
com. A junção das duas marcas fez com que os seus perfis em sites de redes sociais
– Facebook, Twitter e Instagram – também fossem unificados.
A escolha de GaúchaZH como objeto empírico deste estudo se deu em razão de
sua forte atuação em sites de redes sociais, com a conquista por Zero Hora do prêmio
de Melhor Uso de Redes Sociais no Global Media Awards da International News Media
Association (INMA) em maio de 2017. O jornal também foi apontado como líder em
engajamento nas redes sociais pelo índice Torabit.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 7
74
Como corpus deste estudo, foram selecionadas inicialmente notícias publicadas
em GaúchaZH, classificadas com a tag “Marielle Franco”, no período de 14 de março
a 21 de abril de 2018. A opção por delimitar as publicações a temas relacionados ao
assassinato da vereadora Marielle Franco – morta a tiros no centro do Rio de Janeiro
no dia 14 de março – foi estabelecer um recorte no noticiário e debruçar-se sobre uma
cobertura específica.
Do total de 114 notícias publicadas com a classificação mencionada e no período
especificado, foram selecionadas as publicações que contivessem – nos campos da
cartola, título, linha de apoio, primeiro ou segundo parágrafo – pelo menos uma das
seguintes palavras-chave: “redes sociais”, “mídias sociais”, “fake news”, “internet”,
“Facebook”, “Twitter”, “Instagram”, “YouTube”. Essa opção foi feita pelo entendimento
de que, se determinada pauta foi elaborada a partir de informações que circularam em
sites de redes sociais, a notícia em questão provavelmente conteria algum dos termos
selecionados. Assim, chegou-se a uma quantidade de 29 notícias.
Entre as 29 notícias escolhidas, identificou-se que apenas três delas poderiam
ter sido produzidas sem informações extraídas de sites de redes sociais, ou seja, os
sites de redes sociais atuaram como complemento da pauta nesses três casos. Foram
eles: um perfil da vereadora, uma homenagem feita pela cantora Katy Perry à Marielle
durante um show e um texto de opinião sobre o assassinato.
Já as outras 26 notícias tiveram como fator determinante para sua existência
conversações, interações e circulação de mensagens que se deram em redes sociais
na internet. A partir desse levantamento, com o intuito de entender por que os fatos,
acontecimentos e temas abordados tornaram-se noticiáveis, essas 26 publicações
foram classificadas em três diferentes categorias, conforme o tipo de publicação em
sites de redes sociais que deu origem à pauta jornalística:
1. Um post feito por uma pessoa famosa, celebridade, autoridade, órgão oficial,
entidade ou pessoa comum que ocupe um lugar de destaque no momento
e contexto, como um familiar de Marielle Franco, por exemplo. Nessas
situações, a notícia é o conteúdo da publicação e por quem foi publicada.
2. Um post de uma pessoa comum que ganhou grande alcance, que “viralizou”,
teve muitos compartilhamentos. O foco é a mensagem disseminada.
3. Um post mentiroso, que contenha fake news, sobre um tema atual no
momento. Nesses casos, o veículo de comunicação busca desmentir,
denunciar, apontar os boatos em questão.
Dessa forma, encaixaram-se na primeira categoria 9 notícias:
Título da notícia
Relação com sites de redes sociais
Temer sobre morte de vereadora: ato de Manifestação do presidente feita no Twitter.
extrema covardia que não ficará impune
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 7
75
Nathalia Dill lamenta morte de Marielle Franco: Publicação da atriz feita no Instagram.
“Meu coração e minha esperança estão
dilacerados”
Após fake news, irmã de Marielle implora: Post feito por irmã de Marille em um site de
“Respeitem nossa dor”
rede social (notícia não especifica qual).
Sobrinha da vereadora assassinada no Rio faz Texto publicado pela sobrinha de Marielle no
apelo em rede social: “Não inventem mentiras” Facebook.
Marielle Franco: Anitta critica “ódio gratuito” de Publicação da cantora no Instagram.
fãs em caso de vereadora assassinada
Após desembargadora divulgar informações Post do CNJ em sua página no Facebook.
falsas sobre Marielle, CNJ faz alerta para fake
news
Além de boato sobre Marielle, desembargadora Postagem
no
Facebook
feita
pela
é criticada por post contra professores com desembargadora que disseminou mentiras
Down
sobre Marielle.
MC Carol lança música em homenagem a A música da cantora foi divulgada no YouTube.
Marielle Franco
FOTO: filha de Marielle faz tatuagem com o Foto da tatuagem de filha da vereadora foi
rosto da mãe
publicada no Instagram.
(Tabela 1 – Notícias classificadas na categoria 1 proposta neste estudo).
Fonte: Elaborada pela autora com informações das notícias disponíveis em < https://gauchazh.clicrbs.com.br/
ultimas-noticias/tag/marielle-franco/>.
Na segunda categoria, foi identificada uma única notícia, cujo título era: “Globo
exibe vídeo de internauta em homenagem à Marielle”. Tratava-se da repercussão de
uma notícia veiculada pelo Jornal Nacional que mostrava um vídeo, feito em homenagem
à Marielle, por uma influenciadora digital, que teve mais de 1,6 mil compartilhamentos
em sites de redes sociais. Embora na amostra escolhida tenha sido identificada
apenas uma notícia nessa categoria, optou-se por mantê-la pelo entendimento de que
é bastante frequente encontrar notícias baseadas em publicações de pessoas comuns
em mídias sociais que tiveram elevadas quantidades de compartilhamentos.
Por fim, na terceira categoria, foram encontradas 16 notícias:
Título da notícia
Relação com sites de redes sociais
Depois de assassinato de Marielle, PSOL é Os ataques foram publicados como comentários
alvo de ataques na internet
na página do partido no Facebook.
“Não temos bandidos de estimação”, diz Os ataques foram publicados como comentários
presidente do PSOL após ataques na internet na página do partido no Facebook.
PSOL vai ao CNJ contra desembargadora A acusação da desembargadora contra a
que acusou Marielle de ser “engajada com vereadora foi feita no Facebook.
bandidos”
Casada com traficante? Eleita pelo tráfico? As Publicações de boatos sobre a vereadora
mentiras sobre Marielle nas redes sociais
foram feitas em sites de redes sociais, como
Facebook, Twitter e YouTube.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 7
76
Desembargadora que acusou Marielle de ser Para se retratar sobre as mentiras que havia
“engajada com bandidos” diz que se precipitou publicado no Facebook, a desembargadora
usa novamente o próprio Facebook.
Equipe de Marielle Franco cria site para Publicações de boatos sobre Marielle foram
desmentir boatos sobre a vereadora
feitas em sites de redes sociais, como
Facebook, Twitter e YouTube.
CNJ
investigará
publicações
desembargadora sobre Marielle Franco
de Publicações feitas pela desembargadora, que
disseminavam fake news, foram publicados no
Facebook
Justiça manda YouTube retirar vídeos com Vídeos com mentiras sobre a vereadora haviam
mentiras sobre Marielle
sido publicados no YouTube
Jornal revela como fake news sobre Marielle se Publicações de fake news sobre Marielle
espalharam na internet
foram feitas em sites de redes sociais, como
Facebook, Twitter e YouTube
Facebook apaga página e perfis relacionados à Posts com fake news haviam sido publicados
onda de fake news sobre Marielle
no Facebook.
Justiça determina que Facebook retire do ar As fake news foram propagadas no Facebook.
fake news contra Marielle Franco
Facebook diz que vai remover posts com fake As fake news foram propagadas no Facebook.
news sobre Marielle Franco
Facebook terá que informar se MBL patrocinou Posts com fake news haviam sido publicados
posts com fake news sobre Marielle Franco
no Facebook.
Pesquisa inédita identifica grupos de família Embora o Whatsapp fosse o canal onde
como principal vetor de notícias falsas no originalmente os boatos circulavam, era nos
WhatsApp
sites de redes sociais que se tornavam públicos
e ganhavam ainda mais alcance.
Fake news sobre Marielle seguem circulando Postagens contendo fake news
nas redes sociais um mês após sua morte
disseminadas no Facebook e Twitter.
eram
Como uma página no Facebook usou uma As fake news foram espalhadas em sites de
notícia real para espalhar fake news sobre redes sociais.
Marielle
(Tabela 2 – Notícias classificadas na categoria 3 proposta neste estudo).
Fonte: Elaborada pela autora com informações das notícias disponíveis em < https://gauchazh.clicrbs.com.br/
ultimas-noticias/tag/marielle-franco/>.
Ressalta-se que as três classificações estabelecidas não são isoladas e podem
estar relacionadas. Optou-se, neste estudo, por enquadrar cada notícia na categoria
mais adequada a ela, mesmo tendo a compreensão de que uma mesma publicação
poderia estar dentro de mais de uma classificação.
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os sites de redes sociais têm sido cada vez mais acionados em diferentes
momentos dos processos jornalísticos. Hoje, é quase impossível que em uma amostra
de publicações de um website jornalístico ou ao longo da duração de um noticiário
televisivo não seja mencionado o termo “redes sociais”. Essas plataformas estão cada
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 7
77
vez mais integradas ao dia a dia das pessoas, e não é diferente com o jornalismo. Por
essa razão, é natural que sejam apropriadas em diferentes instâncias do processo
noticioso.
Neste artigo, analisou-se uma cobertura jornalística de grande relevância pública
– o assassinato de uma vereadora eleita democraticamente, com indícios de execução
motivada por suas atividades políticas. Das 114 publicações do período selecionado,
29 delas faziam algum tipo de referência a mídias sociais digitais, o que representa
mais de 25% do total. Tal proporção mostra que, ao contrário do que se poderia supor,
os sites de redes sociais não são utilizados exclusivamente em fait-divers ou soft news,
mas também nas hard news.
Na maioria dos exemplos analisados neste estudo, as mídias sociais foram
determinantes para existência da pauta. O maior número de casos encontrados foi o
de “fake news” reveladas, apontadas, desmentidas pelo veículo de comunicação. Se
os boatos sempre existiram, foi com a internet e, especialmente, com as redes sociais
digitais que eles ganharam potencial de alcance global. Nesse contexto, é papel do
jornalismo ser o certificador, confirmar ou rechaçar um boato, reafirmando assim um
valor tão caro para a profissão, que é a credibilidade.
Também foram constatadas situações em que os sites de redes sociais
foram essenciais na elaboração da notícia por serem usados como canais para
pronunciamentos de autoridades – como no caso do presidente Temer – e divulgação
de mensagens por famosos - como Anitta, Nathalia Dill e MC Carol. Nesses casos, os
comunicados poderiam ter sido emitidos de outra forma, mas ao serem feitos em mídias
sociais digitais eles tornam-se públicos e disponíveis a qualquer cidadão com acesso
à internet, o que também aumenta o potencial de se converterem em notícia. Essa
prática de fazer pronunciamentos em sites de redes sociais já se tornou comum em
alguns casos, como no de Trump, presidente dos Estados Unidos, que com frequência
torna-se notícia por suas postagens no Twitter.
A terceira categoria identificada neste artigo foi a de uma publicação feita por
uma pessoa comum que “viraliza”, ou seja, gera muitos compartilhamentos em sites
de redes sociais. Embora tenha sido encontrada apenas uma situação desse tipo nas
notícias analisadas, é comum identificar, em notícias publicadas nas mais diversas
plataformas, fatos ou assuntos que só se converteram em notícia por terem sido muito
compartilhados na internet. Por diversas vezes, essas notícias não têm relevância
jornalística, mas buscam apenas entreter, apresentar um fato curioso e despertar a
atenção da audiência.
A classificação feita neste estudo buscou identificar diferentes tipos de publicações
em mídias sociais que deram origem a pautas jornalísticas. Considera-se, assim, que
as três categorias encontradas podem ser embriões de valores-notícia incorporados
ao jornalismo a partir de sites de redes sociais, tema que será explorado em maior
profundidade na dissertação de mestrado da autora.
Seja qual for o intuito dos jornalistas ao utilizarem-se dos sites de redes sociais
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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na rotina produtiva noticiosa, essas plataformas digitais modificam a maneira como se
faz jornalismo, trazem novas perspectivas para as pesquisas sobre noticiabilidade e
impõem grandes desafios aos estudos a respeito do assunto.
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
FACEBOOK NEWSROOM. Bringing People Closer Together. Facebook Newsroom, Menlo Park,
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WOLF, M. Teorias da comunicação. 6. ed. Lisboa: Presença, 2001.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 7
79
CAPÍTULO 8
PÓS-VERDADE E FAKE NEWS: O JORNALISMO NA
CONTEMPORANEIDADE
João Marcos Maia de Santana da França
Faculdade Anísio Teixeira
Feira de Santana - BA
primordial é confundir e não apurar e informar.
PALAVRAS-CHAVE: Pós-verdade; Fake news;
Jornalismo; Democracia.
Mayara Souza Suzart
Faculdade Anísio Teixeira
Feira de Santana - BA
Daniela Costa Ribeiro
Faculdade Anísio Teixeira
Feira de Santana - BA
RESUMO: Com a popularização das redes
sociais digitais, nos deparamos com uma
nova realidade no jornalismo: a necessidade
de adaptar-se às novas plataformas e
consequentemente às modificações no jeito de
se comunicar. O indivíduo que antes consumia
notícia apenas por meios tradicionais (rádio, TV,
jornal, revista), agora participa deste contexto
digital assumindo demandas de consumo,
produção e reprodução. Este artigo discute
a prática jornalística contemporânea neste
momento de pós-verdade: fenômeno social em
que apelos emocionais têm mais importância
na formação da opinião pública do que fatos
objetivos, apurados jornalisticamente, mas que,
em alguns casos, não expressam a vontade de
uma “massa social”. Relaciona-se a tudo isso as
Fake News como modo de operacionalização
dessa “nova cadeia informativa”, cujo aspecto
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
POST-TRUTH AND FAKE NEWS: THE
JOURNALISM IN CONTEMPORANEITY
ABSTRACT: Due to the popularization of
digital social networks, journalism has come up
against a new reality: the need to adapt to new
platforms and, consequently, changes in the
way of communicating. Those who previously
used news only through the traditional media
(radio, TV, newspaper, magazine) participate
in this new context, digital, as a consumer,
producer and multiply content. This article
discusses journalistic professional practice in
this post-truth moment: a social phenomenon
in which objective facts have less influence on
the formation of public opinion than appeals to
emotion.
KEYWORDS:
Post-truth;
Fake
News;
Journalism; Democracy;
1 | INTRODUÇÃO
A realidade é fonte de inspiração para
uma série de representações. O jornalismo é
um campo profissional em que isso também
acontece.
O
presente
artigo
Capítulo 8
discute
a
80
potencialização da pós-verdade e das fake news por meio das mídias sociais digitais
e seus impactos no jornalismo contemporâneo. Para isso, relacionou-se as narrativas
literárias da pós-ficção com a narrativa jornalística atual, e foi apresentado o conceito e
diferenças entre pós-verdade e fake news e de que maneira se revelam, principalmente
através da influência das mídias sociais digitais.
O objetivo deste artigo é discutir a prática jornalística contemporânea neste
momento de pós-verdade, trazendo à tona o fenômeno das Fake News como modus
operandi de todo esse sistema informativo da pós-verdade: vivenciamos um cenário
noticioso em que os apelos emocionais têm mais importância na formação da opinião
pública do que fatos objetivos, apurados jornalisticamente, mas que, em alguns casos,
não expressam a vontade de uma “massa social”.
Este artigo inicia com a caracterização do conceito de pós-verdade, seguido por
uma contextualização das Teorias do Jornalismo neste cenário. As narrativas literárias
e os discursos jornalísticos são também caracterizados e analisados como modos de
construção pós-ficcional do mundo. E por fim, constextualiza-se as Fake News como
instrumentos das narrativas ficcionais contemporâneas, buscando nos alicerces da
prática jornalística os modos de defesa e garantia da qualidade do conteúdo noticioso
do que se produz e reproduz.
2 | PÓS-VERDADE
O conceito de pós-verdade foi usado pela primeira vez no ano de 1992 em um
ensaio do escritor e dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. O termo, eleito pelo
Dicionário Oxford como palavra do ano de 2016, é um termo que diz respeito a situações
em que a subjetividade (ideologia, opinião, crença pessoal) vale mais que fatos objetivos.
Neste sentido, analisar os efeitos da pós-verdade, observando os processos pelo qual
ela se apresenta, é entender a dinâmica da sociedade contemporânea em que, a
partir do florescimento das mídias sociais digitais, se tornou possível que o indivíduo
produza e compartilhe qualquer informação a partir da rede mundial de computadores,
transformou a forma de nos comunicarmos e consequentemente perceber o mundo.
A Oxford Dictionaries é uma organização que faz parte da Oxford University Press
(OUP), um departamento da Universidade de Oxford, na cidade de Oxford, situada no
Reino Unido. É essa organização que elabora dicionários há mais de 150 anos e é
responsável por publicar o Oxford English Dictionary (OED). Importante repositório de
informações sobre o idioma inglês que demonstra como as palavras foram usadas ao
longo do tempo e como elas se relacionam umas com as outras.
Segundo a instituição, há evidências de que o termo “pós-verdade” tenha sido
usada antes do artigo de Tesich, mas aparentemente com outro sentido, significando
“depois que a verdade era conhecida”, e não se referindo a situações em que a verdade
se tornou sem importância.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 8
81
Dessa forma, este contexto social interfere intensamente na prática jornalística
contemporânea. Pois, a matéria-prima do trabalho do jornalista é o acontecimento,
o fato. Mas, se o fato passa a ser desconsiderado pelo público para julgar o que é
verdadeiro ou não, o jornalismo se depara com um novo dilema: reafirmar-se enquanto
atividade profissional digna de credibilidade, por ser comprometida com a verdade dos
fatos, pautada pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação,
conforme estabelece o código de ética do jornalista.
Ao longo de um ano, o termo pós-verdade ganhou crescente usabilidade e
espaço nas manchetes de grandes jornais dos Estados Unidos, principalmente após
as campanhas do plebiscito do Brexit e da eleição presidencial do mesmo país,
ambas marcadas pela disseminação de notícias falsas através das mídias digitais
sociais. Também por isso, conforme realiza anualmente, a Oxford Dictionaries elegeu
o termo pós-verdade como palavra do ano de 2016. A expressão significa aquilo que
se “relaciona ou denota circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na
formação da opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal”.
2.1 As Teorias do Jornalismo à luz da pós-verdade
A prática jornalística da atualidade é caracterizada por uma ampla liberdade
produtiva. Um estudo realizado pela Columbia University, intitulado Jornalismo PósIndustrial, retrata esse panorama na perspectiva de que o cidadão comum tem agora,
à sua disposição, um banco de informações infinitas e não processadas. Com um
cenário digital que exige cada vez mais urgência e velocidade no trato e divulgação
das informações noticiosas, aliado a um cenário em que os indivíduos tem cada vez
mais dificuldade em discernir entre informação e opinião, chegamos ao que muitos
autores caracterizam como “crise de confiabilidade do jornalismo”.
Kovach e Rosenstiel (2003) ressaltam que o jornalismo sofre modificações com
o passar dos tempos e das gerações, mas que sua essência permanece a mesma.
Para os autores, o objetivo central da atividade jornalística é “contar a verdade de
forma que as pessoas disponham de informação para a sua própria independência”
(KOVACH; ROSENTIEL, 2003, p. 36). Sendo assim, analisar o jornalismo na era da
pós-verdade pressupõe, portanto, adentrarmos aos estudos relativos às Teorias do
Jornalismo, como forma de compreendermos as forças simbólicas que permeiam os
meios midiáticos e os fatores específicos que fazem com que a mídia, sobretudo no
cenário contemporâneo, ainda tenha tanta influência e poder sobre o fortalecimento de
discursos sociais em uma agenda dita pública.
Trata-se aqui como agenda um conjunto temático sobre os quais se discorre.
Essa agenda afeta a mídia e os públicos. Chamamos assim de agenda midiática uma
reunião de temas abordados pelos meios de comunicação e de agenda pública os
temas discutidos pelos agentes sociais fora do escopo midiático. Essas agendas estão
permeadas de critérios, nuances e características que terão um impacto direto no que
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 8
82
é noticiado jornalisticamente e no que é amplamente disseminado pelos indivíduos.
Outros agentes somam-se a esse cenário dos estudos da Agenda Setting e que
impactam diretamente na produção e disseminação das notícias. São eles o veículo
por onde a mensagem é transmitida e o seu conteúdo, propriamente dito.
Neste ponto, relacionamos diretamente o cenário jornalístico na era da pósverdade, fortemente influenciado pelo digital, à teoria da Agenda Setting: como transmitir
credibilidade na produção de notícias se a agenda midiática dialoga diretamente com os
interesses e viés editorial dos veículos midiáticos? E mais: como depositar no receptor
a responsabilidade pela checagem de informações quando este, já bombardeado pelo
excesso noticioso, não é criticamente instrumentalizado no seu percurso formativo, a
ler as mídias de um modo crítico, não conseguindo portanto, como mostram pesquisas
na área, diferenciar uma opinião de uma informação jornalística?
Trazendo a hipótese da Espiral do Silêncio, algumas considerações podem
ser levantadas, do ponto de vista científico, para tentarmos caminhar na direção de
possíveis respostas dessas questões. A pós-verdade, portanto, ganha força em um
contexto no qual indivíduos não estão preocupados em credibilizar a prática jornalística,
mas fazer dela a sua voz em meio a um cenário midiático de discursos heterogêneos.
Os que falam, o fazem através dos discursos majoritários repetidos pelas mídias e os
que se calam o fazem por medo de se sentirem isolados. Para a Espiral do Silêncio, a
nossa sobrevivência no cenário social público, que podemos relacionar aqui ao digital
e às mídias massivas, está diretamente relacionada à capacidade do indivíduo de
adotar estratégias de aproximação, reforçando uma das características mais latentes
do ser humano: o desejo de pertencimento. Para Filho, Lopes e Peres, no cenário da
prática midiática contemporânea “não cabe mais perguntar se, de fato, cada um de
nós pensa o que diz pensar” (2017, p. 44). Adotamos discursos compatíveis com o
que desejamos expressar/ parecer/ vender, sem nos preocuparmos, no entanto, se
esses discursos, jornalísticos ou não, expressam de fato a verdade de uma realidade
concreta em que estamos inseridos.
Seja por desconhecimento da estrutura de um texto noticioso, por medo do
isolamento, pela necessidade de pertencimento ou mesmo por má-fé, práticas que
disseminam discursos falsos cresceram muito nos últimos anos em função do amplo
acesso dos indivíduos a mídias massivas de comunicação, a partir da popularização
dos smartphones, por exemplo.
Para enriquecer a abordagem aqui proposta, podemos também trazer para o
diálogo teórico as ideias disseminadas pela teoria do espelho. Essa teoria diz que
o jornalista é como um mediador despretensioso, com função de observar e relatar
a realidade fielmente, como um retrato fotográfico, sempre com cuidado para que
suas impressões pessoais não influenciem ou interfiram no seu papel de informar,
buscando a verdade acima de qualquer coisa.
Então começa o trabalho primordial do jornalista, de separar o joio do trigo,
ou seja, separar fatos de opiniões. Neste sentido, a teoria do espelho emerge para
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 8
83
contrapor o jornalismo literário, ideológico, partidário, sensacionalista, evitando todas
as formas existentes de subjetividade.
A teoria do newsmaking rebate a teoria do espelho e acredita que o jornalismo
“está longe de ser o espelho do real. É antes, a construção de uma suposta realidade.”
(Pena, 2010: 128) e mesmo reconhecendo que as notícias retratam a realidade, afirma
que também contribuem na construção dessa mesma realidade.
A explicação para a teoria do newsmaking, é que o processo de produção
jornalístico acompanha uma demanda industrial e passa por diversas etapas entre
pauteiros, repórteres, redatores, editores, diretores, até chegar ao resultado, assim
construindo uma nova realidade.
Embora haja um padrão para os critérios de
noticiabilidade, eles variam de profissionais para profissionais, este poder é atribuído
à Teoria do Gatekeeper.
3 | PÓS-FICÇÃO: NARRATIVAS LITERÁRIAS E O JORNALISMO
O jornalista, no exercício da profissão, é um agente produtor e reprodutor de
realidades. Há muito se discute sobre a parcialidade deste profissional no relato que
faz dos acontecimentos. Conforme afirma Felipe Pena, não é possível transmitir,
através da linguagem, o significado direto, sem mediação, dos acontecimentos. A
forma como se constrói a notícia, o filtro da seleção de informações, o olhar de quem
reproduz o fato, a palavra empregada, todos esses elementos subjetivos contribuem
para a criação/representação de uma realidade com teor de ficção e assim criam suas
próprias verdades, sem a necessidade de ter que inventar ou deixar de transmitir fatos.
Neste sentido, é importante ressaltar o que chama-se de pós-ficção: momento em
que os romances literários ganham uma nova perspectiva, pondo à prova as noções
convencionais de realidade e representatividade, agora não mais percebidas como
elementos separados. Desta forma, o fenômeno da pós-ficção aborda as narrativas de
forma mais próxima da objetividade.
A ficção sempre esteve presente, assim como está nos ensaios, na reportagem,
na autobiografia, e no relato historiográfico, a diferença é que o romance nunca se
assemelhou e pertenceu tanto a essas formas como na era da pós-ficção. Na era da
pós-verdade o jornalismo se aproxima da ficção e na era da pós-ficção os romances
se aproximam da realidade e embora tenham mudado o rumo da sua história, não
houve o abandono total da sua essência. “Narrativas, por fim, em que o narrar avança
sobre outros limites, o narrar testemunha, o narrar disserta, o narrar critica, o narrar
opina” (FUKS, 2017, p. 78).
Romance e testemunho do mundo se fundem ou se confundem como poucas
outras vezes. O romance se faz um gênero híbrido, se aproxima do ensaio, da
reportagem, da autobiografia, do relato historiográfico, dessas outras formas que já
lhe pertenciam, mas assemelhando-se a elas como em nenhum outro tempo (FUKS,
2016, p. 82).
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 8
84
A mídia possui o poder doutrinador de estabelecer verdades absolutas, a partir
da representação/criação de realidades, por meio da ficção. Sendo assim, o que está
fora do espaço da mídia, passa a não existir no ambiente social. Em suma, só é real
e verdadeiro aquilo que a mídia expõe. E para perceber de que forma a ficção atua
na pós-modernidade dentro da área comunicacional, é importante compreender que
quase tudo – ou tudo – produzido pela mídia é ficção ou usa elementos ficcionais
(SCHABBACH, 2009).
Uma ficção produtora de verdade se torna, pois, algo de extrema relevância.
A partir do momento em que os indivíduos recorrem ao ficcional com o intuito de
encontrar as certezas que não possuem na “vida real”, eles passam a absorver as
verdades inerentes àquelas ficções com as quais estão envolvidos, de modo que as
suas concepções de mundo e até mesmo a sua maneira de lidar com outras pessoas
será influenciada por elas. Assim, nota-se que a ficção se torna uma “entidade” capaz de
produzir suas próprias verdades e de influenciar a vida em sociedade (SCHABBACH,
2009).
4 | PÓS-VERDADE E FAKE NEWS
É inevitável discutir a pós-verdade sem adentrar nas problemáticas que podem
advir da divulgação de informações mentirosas com estética de notícia. Pós-verdade
e fake news apesar de se relacionarem intensamente possuem características que
as diferenciam. Segundo Chiara Spadaccini de Teffé, compreende-se por fake news
conteúdos inverídicos, distorcidos ou fora de contexto que são espalhados como se
fossem notícias com a intenção de promover desinformação ao público de forma
proposital. Interferindo assim na percepção do público em relação à realidade.
Fake news é um elemento que se ambienta no fenômeno da pós-verdade.
Ambos não emergem da contemporaneidade, mas se reconfiguraram neste contexto
de conectividade digital.
A história registra casos em que, através dos meios de comunicação tradicionais,
informações falsas eram utilizadas para tentar interferir na formação da opinião pública.
Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o Reino Unido criou uma série de
rádios que se passavam por estações alemãs, para transmitir, além de músicas e
resultados de futebol, notícias falsas e comentários contra Adolf Hitler.
No livro “Padrões de Manipulação da Grande Imprensa”, o jornalista Perseu
Abramo relacionou cinco estratégias para distorcer as notícias e acreditava que
os órgãos de imprensa não refletiam a realidade. A partir da leitura de cada um
dessas estratégias, fica perceptível que as fake news, que hoje circulam também no
ciberespaço, seguem a mesma lógica das apresentadas pelo autor.
Em sua obra, Abramo apresenta as seguintes definições: Padrão de Ocultação:
refere-se à ausência de fatos reais na produção da imprensa; Padrão de Fragmentação:
O real é estilhaçado e dividido em milhões de fatos desconhecidos entre si, desligados
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 8
85
de seus antecedentes e das consequências, evitando assim a consciência crítica do
contexto; Padrão de inversão: Após a descontextualização, há troca de lugares e de
importância dos fatos. São quatro as formas de inversão: Da relevância dos aspectos,
da forma pelo conteúdo, da versão pelo fato e da opinião pela informação; Padrão de
indução: Combinação de graus de distorção para induzir a população a enxergar uma
realidade artificialmente inventada; Padrão Global: Refere-se à ilusão de apresentar a
realidade de forma completa, total, global, definida e acabada.
Com o boom da conectividade digital, a partir da década de 1990, antigas práticas,
como a divulgação de mentiras, também sofreram transformações devido ao novo
contexto tecnológico de comunicação que se desenvolveu, no qual a propagação de
discursos ganham proporções potencialmente maiores e que se legitima à medida em
que é circulado.
Nesse sentido, o jornalismo se depara com mais um desafio que compromete a
credibilidade da profissão, em um contexto que a produção de conteúdo descentralizada
e em larga escala possibilita que inúmeros internautas criem seu canal de produção
de conteúdo, sem necessariamente estarem comprometidos com a verdade e com a
deontologia a qual deve estar submetido o jornalista.
Em resposta, começam a surgir novas empresas jornalísticas especializadas em
checagem de informações, agências e projetos de fact-checking, os quais utilizam
métodos de checagem para certificar o grau de confiabilidade das informações
disponibilizadas em sites, blogs, discursos de autoridades, e se esses dados
apresentados foram apurados e obtidos através de fontes confiáveis.
Levantamento do Duke Reporter’s Lab mapeou 149 iniciativas de checagem de
informações em todo mundo. Mais de 70% deles estão n Europa e América do Norte
e apenas os Estados Unidos contam com boa parcela deste montante: 47 projetos.
Ainda segundo o estudo, o Brasil ocupa o segundo lugar entre os países com mais
checadores. São 8 iniciativas entre as 15 identificadas na América do Sul. Essa posição
pode ser resultado de diversos fatores que vão do senso de oportunidade comercial à
preocupação genuína sobre a crescente influência ilegítima de bots espalhadores de
notícias falsas no debate público.
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo propôs a compreensão da pós-verdade no jornalismo a partir dos
efeitos produzidos pelo uso das mídias sociais digitais, no contexto atual. O trabalho
tem como recorte o ano de 2016, em que a expressão foi escolhida como palavra do
ano pelo dicionário Oxford. Em uma época que fatos objetivos são menos influentes na
opinião pública do que as crenças pessoais, o campo se torna fértil para a disseminação
de fake news.
O momento é decisivo para que o jornalismo se consolide como agente de combate
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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às notícias falsas usando como base um trabalho rigoroso de apuração de fatos e
defesa da credibilidade pautado na ética e compromisso com a objetividade, pilares
para a prática da profissão. Nesse cenário, as agências de fact-checking ganham
espaço ao investigar, repassando ao público e aos próprios veículos jornalísticos o
que foi checado sobre determinadas informações.
A importância deste estudo repousa sobre a ascensão do tema pós-verdade,
fenômeno que afeta diretamente a prática jornalística em sua atuação social,
comprometendo a credibilidade do exercício profissional do jornalista neste contexto
de conectividade digital. Por outro lado, também destaca-se o florescimento de
negócios em jornalismo, voltados especialmente à apuração de informações, diante
da precarização das redações e demissões em massa.
6 | REFERÊNCIAS
Abramo, Perseu. Padrões de Manipulação da Grande Imprensa. São paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2016.
FEDERAÇÃO Nacional dos Jornalistas. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Disponível
em: https://fenaj.org.br/wp-content/uploads/2014/06/04-codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.
pdf. Acesso em 02 mai. 2018.
FUKS, Julián. Ética e Pós-Verdade. Porto Alegre e São Paulo: Dublinense, 2017.
KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: o que os jornalistas devem
saber e o público exigir. São Paulo: Geração editorial, 2003.
OXFORD Dictionaries . Word of the Year 2016 is... Disponíivel em: https://en.oxforddictionaries.com/
word-of-the-year/word-of-the-year-2016. Acesso em: 21 mai. 2018.
PENA, Felipe. Teorias do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2010.
SILVA, Nayane Maria Rodrigues da. Fake News: A revitalização do jornal e os efeitos FactChecking e CrossCheck no noticiário digital. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste
– Fortaleza - CE – 29/06 a 01/07/2017. Disponível em: http://www.portalintercom.org.br/anais/
nordeste2017/resumos/R57-0191-1.pdf Acesso em: 21 mai. 2018.
SOUZA, Carlos Afonso e PADRÃO, Vinícius. Quem lê tanta notícia (falsa)? Entendendo o combate
contra as “fake news”. Disponível em: https://feed.itsrio.org/quem-l%C3%AA-tanta-not%C3%ADciafalsa-entendendo-o-combate-contra-as-fake-news-70fa0db05aa5. Acesso em: 21 Mai. 2018.
STENCEL, Mark; GRIFFIN, Riley. Fact-checking triples over four years. Disponível em: https://
reporterslab.org/fact-checking-triples-over-four-years/. Acesso em: 16 mai. 2018.
TEFFÉ, Chiara. Fake news: como proteger a liberdade de expressão. Disponível em https://feed.
itsrio.org/fake-news-como-proteger-a-liberdade-de-express%C3%A3o-e-inibir-not%C3%ADcias-falsas8058aedd9f5c. Acesso em: 20 Mai. 2018.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 8
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CAPÍTULO 9
PROCESSOS DE CONVERGÊNCIA E
REORGANIZAÇÃO EM REDAÇÕES JORNALÍSTICAS:
UM OLHAR SOBRE A ESTRUTURA E A PRODUÇÃO
DE NOTÍCIAS EM CIBERMEIOS BRASILEIROS
Jonas Gonçalves
Escola Superior de Propaganda e Marketing
São Paulo – SP
RESUMO:
O
presente
trabalho
foi
originalmente
apresentado
na
Sessão
Temática “Ciberjornalismo, Mobilidade e
Convergência” durante o 16º Encontro Nacional
de Pesquisadores em Jornalismo, promovido
pela Associação Brasileira de Pesquisadores
em Jornalismo (SBPJor) de 7 a 9 de novembro
de 2018 no Centro Universitário FIAM-FAAM
e na Universidade Anhembi Morumbi, em São
Paulo. O objetivo foi oferecer uma síntese dos
resultados obtidos com a pesquisa desenvolvida
pelo autor no âmbito do programa de Mestrado
Profissional em Produção Jornalística e
Mercado da ESPM-SP, no período de 2016 a
2018. A dissertação resultante visou elucidar
os constantes ciclos de transformação das
redações
jornalísticas
contemporâneas,
convertidas em ecossistemas adaptáveis com
fluxos de trabalho tecnológicos (“cibermeios”).
Tais mudanças, diretamente influenciadas
pelo fenômeno da convergência, demandam
uma sistematização que viabilize estudos mais
aprofundados. A referida pesquisa estudou os
casos vivenciados pelos sites Estadão e HuffPost
(um analógico digital e outro nativo digital) e
propôs uma metodologia para classificar, por
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
meio de indicadores, os diferentes modelos
de redação em termos de características
estruturais (tipo de ecossistema, etapas de
reconfiguração e contexto organizacional) e
produtivas (procedimentos de pauta, apuração,
edição e publicação de notícias).
PALAVRAS-CHAVE: redações; reorganização;
convergência; Estadão; HuffPost.
ABSTRACT: This work was originally presented
in the Thematic Session “Cyberjournalism,
Mobility and Convergence” during the 16th
National Meeting of Journalism Researchers,
promoted by the Journalism Researchers
Brazilian Association (SBPJor) from November
7th until November 9th of 2018, at the FIAMFAAM University Center and Anhembi Morumbi
University, in São Paulo. The objective was to
offer a synthesis of the results obtained with
the research developed by the author in the
scope of the Professional Master in Journalistic
Production and Market program from ESPM-SP,
in the period from 2016 to 2018. The resulting
dissertation aimed to clarify the constant
transformation cycles of the contemporary
journalistic newsrooms, converted into adaptable
ecosystems with technological workflows
(“cybermedia”).
Such
changes,
directly
influenced by the convergence phenomenon,
demand a systematization that allow in-depth
studies. The referred research investigated the
Capítulo 9
88
cases experienced by Estadão and HuffPost websites (a digital analogic and a digital
native) and proposed a methodology to classify, by means of indicators, the different
newsroom models in terms of structural (ecosystem type, reconfiguration phases and
organizational context) and productive (schedule, investigation, edition and publication
procedures) characteristics.
KEYWORDS: newsrooms; reorganization; convergence; Estadão; HuffPost.
1 | INTRODUÇÃO
O aumento da incidência de processos de integração e convergência nos
ambientes de trabalho jornalístico (as “redações”) torna necessário tanto o debate
acadêmico sobre o assunto quanto o desenvolvimento de uma metodologia que
ampare a investigação científica desses ciclos de reorganização e se configure em
um possível eixo sistemático de estudos comparados sobre a estrutura e a produção
noticiosa dos veículos de mídia, pertencentes ou não a um mesmo tipo de modelo de
negócio.
A dissertação intitulada Reorganização de redações no Brasil: análise dos
processos de produção do Estadão e do HuffPost (GONÇALVES, 2018) procurou
contribuir para o atendimento dessa demanda ao apresentar os resultados obtidos
pela pesquisa, desenvolvida no âmbito do programa de Mestrado Profissional em
Produção Jornalística e Mercado da ESPM-SP no período de 2016 a 2018. O Estadão
serviu como parâmetro de uma Redação Analógica Digital (RAD) por conciliar os fluxos
de trabalho tecnológicos do site Estadão.com.br com os de plataformas jornalísticas
mais tradicionais: um diário impresso (O Estado de S. Paulo), uma emissora de rádio
(Eldorado) e uma agência de conteúdo (Estado/Broadcast). O trabalho constatou que
esse movimento que integrou as rotinas produtivas de diferentes meios permitiu a
consolidação de uma Unidade Produtora de Conteúdo (UPC) na ambiência do Grupo
Estado.
Já a sucursal brasileira do norte-americano HuffPost foi adotada como modelo
para caracterizar uma Redação Nativa Digital (RND), conformação que designa os
novos competidores do mercado jornalístico, criados e impulsionados pela expansão
da internet a partir dos anos 2000. No trabalho de Gonçalves (2018), é delineado
o processo que modificou a estrutura do site, inicialmente concebido como um
Laboratório Nativo Digital (LND) inserido no contexto do tradicional Grupo Abril, que
viabilizou a inserção da marca no mercado nacional. A aliança formada por Abril e AOL
Inc. (controladora do HuffPost), mantida de 2014 a 2016, foi encerrada por iniciativa da
empresa brasileira, o que permitiu à AOL assumir a gestão e transferir o HuffPost Brasil
para um novo ambiente, o de um grupo de empresas de Tecnologia da Informação
(denominado “Oath”), configurando-se no contexto organizacional como um hub de
conteúdo por suas características de curadoria e distribuição de notícias.
A relevância e a atualidade do tema da pesquisa podem ser comprovadas pela
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 9
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profusão, nos últimos anos, de anúncios de mudanças estruturais em diversos veículos,
tanto no Brasil quanto em outros países. Nesse contexto, Pereira e Adghirni (2011), ao
definirem o jornalismo como “uma prática social marcada por um processo de reinvenção
permanente”, salientam que, para uma mudança ser considerada “estrutural”, esta
deve alterar de forma radical a forma como determinada atividade é praticada, visto
que “uma mudança estrutural se contrapõe a um grupo de mudanças conjunturais e
também às microinovações que normalmente afetam aspectos específicos de uma
prática social” (PE-REIRA e ADGHIRNI, 2011, p. 42).
Ao se referir especificamente à estrutura de produção jornalística, Franciscato
(2014) infere que, na contemporaneidade, “novas rotinas de trabalho são desenhadas
para as organizações jornalísticas, tendo como foco a concepção de integração e
convergência dos ambientes de trabalho”. Essa tendência se confirma quando se
observam recentes movimentações de importantes empresas do cenário jornalístico
brasileiro. Em janeiro de 2017, os jornais O Globo, Extra e Expresso, todos do Rio
de Janeiro, tiveram a unificação de suas redações oficializada pelo Grupo Globo. Em
reportagem publicada sobre o assunto, o primeiro veículo assinalou:
A mudança na estrutura e nos processos de trabalho amplia o foco nos ambientes
digitais, especialmente por meio de smartphones. Durante todo o dia, as principais
notícias serão aprofundadas e enriquecidas com análises, vídeos e infográficos
em tempo real. O objetivo é conquistar uma audiência cada vez mais qualificada
e acompanhar as transformações que uma sociedade conectada impõe ao
jornalismo. (O GLOBO, 2017)
Como é possível observar nas Figuras 1 e 2, a estrutura e a produção foram as
duas esferas diretamente impactadas pelas referidas mudanças. Ao mesmo tempo,
ficou evidenciada a ligação intrínseca entre ambas. Na Figura 1, é mostrada a alocação
das equipes de profissionais, feita por meio da ocupação de dois andares das novas
dependências. Já a Figura 2 mostra o fluxo de trabalho decorrente dessa conformação
estruturante. Constata-se que as chamadas “macroeditorias” (País e Economia, por
exemplo) interagem diretamente com a mesa central. Essa interação é alimentada
pelo processo de “enriquecimento” da produção de conteúdo, caracterizada pela
elaboração de infográficos, vídeos e outros recursos complementares ao trabalho de
reportagem.
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Fonte: O Globo
Figura 1 (acima) – No primeiro piso (3º andar), a equipe dedicada às publicações
impressas compartilha a proximidade da mesa central de coordenação (destacada
em vermelho) com a produção multimídia. No entanto, o núcleo de inovação digital e
algumas das editorias tiveram que ser apartadas fisicamente do restante, tendo sido
acomodadas no segundo pavimento (4º andar)
Fonte: O Globo
Figura 2 (à esquerda) – O mapa do fluxo de trabalho mostra que as plataformas
permanecem importantes na esfera da distribuição, mas a produção é “agnóstica”, não
sendo atrelada de forma exclusiva a nenhuma delas
Em abril do mesmo ano, a Gazeta do Povo, do Paraná, apresentou um novo e
amplo projeto editorial, que transformou o jornal diário em uma plataforma mobile first,
passando a publicar somente uma edição impressa nos finais de semana. Logo em
seguida, no mês de junho, o Jornal Nacional, da TV Globo, apresentou o seu novo
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Capítulo 9
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cenário, em formato convergente e que integra as equipes de televisão e internet (ver
Figura 3).
Em 2018, mais veículos iniciaram novos ciclos estruturais e produtivos: a revista
Época e a rádio CBN, ambas também pertencentes ao Grupo Globo; os jornais Folha
de S.Paulo e Agora São Paulo, do Grupo Folha, que tiveram as redações integradas;
e os veículos Zero Hora, Diário Gaúcho e Rádio Gaúcha, todos do Grupo RBS, do Rio
Grande do Sul. Todos os mencionados compartilham as características de veículos
tradicionais que promoveram adaptações a tendências atuais, sendo, portanto,
Redações Analógicas Digitais (RADs) assim como o Estadão, objeto escolhido por
Gonçalves (2018) como parâmetro para a pesquisa deste modelo de ambiente de
trabalho.
O cenário de transformações intensificou a exacerbação das marcas das
empresas de mídia em detrimento das plataformas utilizadas para a distribuição das
notícias. A prioridade para os veículos passou a ser o conteúdo, não mais o produto por
meio do qual este é publicado. Essa nova diretriz impactou diretamente os processos,
gerando fluxos de trabalho mais dinâmicos.
Figura 3 – Nova redação da Globo integra jornalistas de TV e internet (Crédito: João Cotta/
Globo)
Segundo Gandour (2017 apud GONÇALVES, 2018), o desenvolvimento de uma
RAD como a do Estadão pode ser dividido em quatro fases:
Na primeira, os editores replicavam o conteúdo produzido offline para a web. Na
segunda, surgiu o conteúdo já voltado para a internet, mas somente na terceira
(a de convergência) a plataforma passou a ter maior relevância. Na quarta fase,
o impresso passou a ser um subproduto da operação, que se tornou “digitaldriven”. O jornal, na prática, se consolidou como um arrazoado das 24 horas, com
a função de organizar o noticiário de um dia (dentro do que se pode chamar de um
“biorritmo”). As principais alterações se deram no que tange ao processo-mestre
de trabalho. A redação, que era organizada em torno do produto de papel, tratava
o digital como um subproduto do jornal. Posteriormente, ocorre uma adaptação,
seguida de uma convergência que possibilitou a inversão dessa lógica, ou seja, o
impresso é que passou a ser o subproduto. (GANDOUR, 2017 apud GONÇALVES,
2018, p. 39)
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 9
92
Nesse sentido, também cabe mencionar Barbosa (2013), que consolida as
características de uma RAD ao citar a eliminação de fronteiras entre as plataformas
jornalísticas no contexto dos fluxos de trabalho:
As atuais rotinas de produção pressupõem o emprego de softwares, de bases
de dados, algoritmos, linguagens de programação e de publicação, sistemas de
gerenciamento de informações, técnicas de visualização, metadados semânticos
etc. Com isso, já não se tem uma oposição entre meios antigos/tradicionais e os
new media. Sendo assim, medialidade explica melhor esse panorama, quebrando a
retórica do ‘novo’ e, acrescentamos, dissipando a equivocada ideia de concorrência
entre meios que compõem um mesmo grupo jornalístico multimídia. (BARBOSA,
2013, p. 34).
No entanto, é válido trazer para a presente reflexão o fato de que a problematização
em torno dos processos que procuram aglutinar diferentes equipes em um mesmo
espaço de trabalho não se restringe a questões organizacionais: se, pelo lado das
empresas, exalta-se a adaptabilidade destas aos “novos tempos” marcados pelas
tecnologias digitais, entre os pesquisadores do campo jornalístico as preocupações
variam entre a redução de postos de trabalho na quase totalidade dos casos até a uma
questionável “otimização” do trabalho jornalístico.
Castilho (2013), por exemplo, acredita que “o maior dilema de quase todos os
jornais ainda não foi resolvido, apesar de a maioria ter optado pela coexistência numa
mesma redação de profissionais das versões online e impressa”. O dilema citado
consiste, em linhas gerais, na dificuldade em se resolver o paradoxo da sustentabilidade
financeira, pois as marcas tradicionais ainda se ancoram sensivelmente no faturamento
gerado a partir da publicação do jornal impresso, em que pese a circulação deste
produto estar em queda constante nos últimos anos.
Cabe aqui novamente uma referência ao trabalho desenvolvido por Gonçalves
(2018), que constatou tal panorama no Estadão. Apesar de as dimensões do site
Estadão.com.br terem adquirido proporções muito superiores às do jornal O Estado
de S. Paulo em termos de abrangência (conforme ilustra a Figura 4), ainda é o meio
impresso o responsável pela maior parte do faturamento do grupo de mídia.
Figura 4 – Mapeamento do alcance das plataformas que formam a Unidade Produtora de
Conteúdo do Grupo Estado (Fonte: Estadão Media Lab)
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 9
93
2 | CONCEITOS
Em termos de fundamentação teórica, a metodologia proposta por Gonçalves
(2018) está ancorada em três conceitos: convergência, ecossistema midiático e
jornalismo integrado. O primeiro é o “macrofenômeno que se sobrepõe a todos os
demais” apontado por Salaverría e Negredo (2008). Entendida por Jenkins (2008)
como um “processo, não um ponto final”, a convergência pode ser visualizada no
âmbito do trabalho jornalístico como a formatação de um sistema que permite a
interação dinâmica de unidades produtivas relativamente autônomas (“editorias”) com
a mesa central de edição, que coordena a publicação e distribuição das notícias.
O grau de aproximação física depende diretamente de fatores organizacionais
(estruturais, orçamentários, entre outros). Nesse contexto, o layout da redação não
possui um padrão, pois atende às especificidades de cada veículo, mas em alguns
casos é possível encontrar similitudes. Frise-se, no entanto, que o formato em círculos
concêntricos não se impõe como uma obrigatoriedade, podendo sofrer adaptações
conforme as possibilidades físicas oferecidas pelo espaço de trabalho.
Já o ecossistema midiático é definido por Canavilhas (2010) como o “complexo
sistema de relações entre os velhos e os novos meios”. A ecologia dos meios de
comunicação aborda os meios enquanto ambientes, procurando estudar a sua estrutura,
conteúdo e impactos nas pessoas. Envolvendo as esferas da estrutura e do conteúdo
em uma análise, é possível entender uma redação como um ecossistema que se
modifica e se adapta ao longo do tempo aos ajustes provocados pela tecnologia, por
esta ser uma dimensão estruturante (conforme FRANCISCATO, 2014), e pelo formato
convergente, que aproxima as unidades produtivas de um núcleo central de edição.
Os estudos de Salaverría, Avilés e Masip (2010) apontam para a consolidação
nas redações contemporâneas de uma “convergência jornalística”, fenômeno que
fundamenta o conceito de jornalismo integrado, sendo um “processo de integração
de modos de comunicação tradicionalmente separados que afeta a empresas,
tecnologias, profissionais e audiências em todas as fases de produção, distribuição e
consumo de conteúdos de qualquer tipo” (SALAVERRÍA, AVILÉS e MASIP, 2010, p.
58). Para Salaverría e Negredo (2008, p. 51), a integração em si “alude sobretudo a
fusão de duas ou mais equipes de redação em uma só, de modo que [...] a redação
resultante trabalha reunida em um mesmo entorno físico, sob um comando editorial
único e com uma infraestrutura tecnológica comum”.
3 | METODOLOGIA E RESULTADOS
A pesquisa de campo realizada por Gonçalves (2018) nas redações do Estadão e
do HuffPost foi precedida por uma revisão bibliográfica da literatura até então produzida
para identificar o estado da arte consolidado sobre o tema. Nos ambientes supracitados,
foi desenvolvida uma observação sistematizada, conforme o entendimento de Moura e
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 9
94
Lopes (2016, p. 84), que correspondem o método “à investigação propriamente dita, à
defrontação com a realidade, em que o pesquisador, munido de sua problematização
e de suas bases teóricas, vai procurar elucidar suas questões através de um exame
pertinente das coisas e situações”. Trata-se de uma modalidade da pesquisa
empírica, a qual as pesquisadoras apontam como a que “oferece a possibilidade de
um tensionamento entre três elementos diferenciados que se apoiam e se cobram
mutuamente: problematização do objeto; elaboração teórica; e ida à realidade para
sua observação sistemática” (MOURA e LOPES, 2016, pp. 81-82).
Com as informações obtidas, foi possível consolidar um estudo comparado
com base em estudos de caso, combinação que, segundo Bulgacov (1998), facilita a
compreensão do funcionamento de organizações através da investigação empírica.
Enquanto que, para o referido autor, o estudo comparativo possibilita constatações
sobre similaridades e diferenças entre as organizações, o estudo de caso “não faz
comparações genéricas e procura verificar as relações e comportamentos internos
qualitativamente” (BULGACOV, 1998, p. 62).
Em termos de resultados obtidos, a análise comparativa das redações do Estadão
e do HuffPost evidenciou diferenças significativas e algumas semelhanças. No que
tange à primeira grandeza avaliada (estrutura), o tipo de ecossistema RAD do Estadão
passou por seis etapas de reconfiguração entre 1995 e 2017, sendo que as quatro
primeiras tiveram uma longa duração e as duas últimas (ocorridas de 2014 a 2017)
foram mais curtas, um reflexo decorrente da prevalência do modo de produção digital,
consolidado a partir de 2014 com a mudança do layout da redação, que foi planejada e
executada em um período de dois anos. O resultado desse processo foi a manutenção
de um contexto organizacional mais estável, com mudanças controladas e graduais, e
que tem atualmente no site Estadão.com.br o ponto focal de uma Unidade Produtora
de Conteúdo (UPC) formada pelo Grupo Estado, composta ainda por outras mídias
que atuam de forma progressivamente sinérgica.
Diferentemente de outros veículos da mídia tradicional, como O Globo (citado na
introdução deste artigo), o Estadão se manteve em apenas um piso, o que Gandour
(2017 apud GONÇALVES, 2018) entende como uma vantagem por ter sido consolidado
um “news floor”, ou seja, toda a estrutura jornalística ficou instalada em apenas um
pavimento, elevando assim o grau de aproximação das principais editorias em relação
ao núcleo central de edição, onde são tomadas as decisões sobre o que será publicado
(ver Figura 5).
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 9
95
Figura 5 – Embora tenha passado por um processo de convergência, o Estadão foi obrigado
a realizar alguns ajustes em seu ambiente: a editoria de Economia não está anexa ao núcleo
central por ter sido integrada com a equipe da Agência Estado/Broadcast; e a equipe “Now”,
que enriquece o conteúdo do site, não teve a possibilidade de ser instalada junto ao mesão do
digital, como planejado inicialmente (GONÇALVES, 2018)
Já o HuffPost, com seu ecossistema do tipo RND, em que pese ter passado por
somente três etapas de transformação no período de 2014 a 2017, teve um processo
que se tornou particularmente relevante para a pesquisa por ter sido drasticamente
modificado. Os dois primeiros ciclos se deram sob a gestão do Grupo Abril, quando este
era o parceiro que forneceu recursos estruturais e humanos para ter um Laboratório
Nativo Digital (LND) com o qual poderia ter uma experiência jornalística diferenciada
no comparativo com os veículos que já possuía, como as tradicionais revistas Veja
e Exame. Lançado como Brasil Post em janeiro de 2014, a sucursal do então The
Huffington Post teve o nome alterado para HuffPost Brasil em novembro de 2015. Foi
um dos desdobramentos de mudanças internas na estrutura da redação que marcaram
a segunda etapa.
O terceiro ciclo foi desencadeado em janeiro de 2017, quando a administração
passou a ser exercida pela representação brasileira da empresa controladora, a norteamericana AOL Inc., que optou por um enxugamento da equipe visando diminuir
o custo de manutenção da estrutura em um primeiro momento. A consolidação do
processo de mudanças organizacionais veio com a fusão, no mesmo ano, da AOL com
outra empresa da área de Tecnologia da Informação, o Yahoo (também dos EUA). A
proprietária das duas companhias, a Verizon, criou assim uma nova empresa, a Oath.
Em suma, o HuffPost Brasil adquiriu uma singularidade por ter sido transferido de uma
empresa jornalística (onde integrava a UPC do Grupo Abril) para uma tecnológica.
Nesse novo contexto organizacional, tornou-se um hub de conteúdo autônomo, já que
uma de suas diretrizes é a distribuição, em especial via plataformas de mídias sociais
(ver Figura 6).
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 9
96
Figura 6 – A condição de único veículo jornalístico do conglomerado tecnológico Oath (ou seja,
fora de uma Unidade Produtora de Conteúdo jornalística, como a do Grupo Abril, que controla
outros veículos) conferiu ao HuffPost Brasil a configuração de um hub autônomo, que distribui
conteúdos próprios e de outras fontes (GONÇALVES, 2018)
A segunda grandeza (a da produção) foi dividida em quatro indicadores principais:
pauta, apuração, edição e publicação de notícias. Delineando as rotinas do Estadão
e do HuffPost em cada uma dessas fases do processo produtivo, constatou-se maior
proximidade entre os modelos RAD e RND nas esferas da pauta e da publicação e
uma distinção mais evidente quando se observam os procedimentos de apuração e
edição.
A cadeia produtiva do Estadão ainda mantém características transpostas do
jornalismo tradicional, com uma hierarquia composta por repórteres, editores de seções
e editores executivos, o que pode ser compreendido como uma decorrência natural
pela dimensão de seu quadro profissional. Há equipes específicas para diferentes
finalidades (como as que monitoram as redes sociais) e cada editoria possui um fluxo
próprio de trabalho. Em contrapartida, por ter uma equipe fixa reduzida e também
pela própria linha editorial que mantém, o HuffPost fomenta a horizontalidade, com os
editores concedendo expressivo grau de autonomia ao trabalho dos repórteres.
4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo apontou diversos aspectos que compõem o levantamento das
características e da evolução de alguns dos ecossistemas jornalísticos presentes no
mercado brasileiro. As diferenças mais significativas entre os modelos de Redação
Analógica Digital (RAD) e Nativa Digital (RND) residem, em um primeiro plano, no
nível de complexidade de suas estruturas e nas demandas a serem atendidas para
que as respectivas transformações e adaptações a novas rotinas ocorram ao longo do
tempo.
Observou-se que cada etapa de reconfiguração tende a ser mais curta que
a anterior. Trata-se de uma tendência potencializada pelo modo de produção do
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 9
97
jornalismo online, que transformou os ambientes de trabalho mediante a imposição
de uma diretriz convergente, que atrai os fluxos de produção da reportagem para uma
coordenação central com ênfase na aproximação física. O método ora proposto pela
dissertação de Gonçalves (2018) busca sistematizar a compreensão desses ciclos,
viabilizando o entendimento de seus propósitos e os impactos decorrentes sobre a
disposição estrutural das equipes e a produção noticiosa.
Considera-se que, quanto ao primeiro indicador estrutural (tipo de ecossistema),
os modelos RAD e RND aplicados ao Estadão e ao HuffPost podem servir como
parâmetros para análises sobre outros sites de notícias, embora seja pertinente
salientar que, devido a particularidades históricas organizacionais, cada empresa de
mídia irá apresentar diferenças mesmo em relação aos seus concorrentes diretos,
especialmente no que tange às etapas de reconfiguração (o segundo indicador
estrutural). O Estadão, por exemplo, teve a singularidade de ter o seu processo de
adaptação ao jornalismo online iniciado, ainda nos anos 1990, pela Agência Estado,
produtora de conteúdo noticioso tanto para as plataformas do grupo quanto para
veículos externos. O pioneirismo da agência na internet fez com que o principal veículo
da empresa, o jornal impresso O Estado de S. Paulo, passasse a ter o conteúdo
publicado no ambiente web a partir de 1995. E desde o ano 2000, com o lançamento do
Estadão.com.br, iniciou-se de facto a estratégia multiplataforma do grupo, atualmente
consolidada.
Quanto ao HuffPost, é possível afirmar que a mudança de controlador no Brasil
foi decisiva para que o caso atendesse aos requisitos necessários visando a utilização
como objeto de pesquisa, visto que o seu curto período de existência inviabilizaria,
ao menos inicialmente, o enquadramento na metodologia de investigação elaborada.
Quando ocorreu a transição do Grupo Abril para a AOL, em janeiro de 2017, o site foi
instalado provisoriamente em duas sedes (na própria AOL e depois na Verizon) até se
estabelecer em definitivo na recém-criada Oath. A instabilidade estrutural demonstrada
pela RND em poucos meses serviu como um contraponto à RAD escolhida, pois
o Estadão empreendeu uma remodelação com ajustes menos drásticos, visando
diminuir eventuais riscos de inadaptação às novas rotinas. Por outro lado, não se pode
desconsiderar que o modelo RND responde muito mais rapidamente às transformações.
Trata-se de um ecossistema que, por inerência, é mais flexível e adaptável, com ciclos
breves entre as etapas de reconfiguração. O modelo RAD também pode atingir esse
nível de dinamismo, mas os investimentos necessários para isso exigem uma filosofia
que nem sempre é a prevalente nesse tipo de organização.
Ainda há muito a ser apurado sobre os propósitos, as diretrizes e as consequências
das reestruturações dos diferentes modelos de redação existentes no Brasil. Com a
continuidade das pesquisas em torno do tema, pretende-se compreender integrações
ou reestruturações de um ponto de vista científico, agregando novos indicadores
com o objetivo de aprimorar o arcabouço analítico, contribuindo dessa forma para
um entendimento holístico a respeito desse tipo de processo, que envolve todos
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 9
98
os setores de uma empresa de mídia em um esforço conjunto para a adequação à
contemporaneidade do jornalismo.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, S. Jornalismo convergente e continuum multimídia na quinta geração do jornalismo nas
redes digitais. In: CANAVILHAS, J. (Org). Notícias e Mobilidade: O Jornalismo na Era dos Dispositivos
Móveis. LabCom Books, 2013, p. 33-54.
BULGACOV, S. Estudos comparativo e de caso de organizações de estratégias. Organizações e
Sociedade, v. 5, n. 11, jan./abr. 1998. Disponível em: <https://bit.ly/2Kb9LGO>. Acesso em: 25 jul.
2018.
CANAVILHAS, J. O novo ecossistema mediático. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação,
2010. Disponível em: <http://bit.ly/1N2z9iS>. Acesso em: 25 jul. 2018.
CASTILHO, C. A terceira via na integração das redações. Observatório da Imprensa, v. 19, ed. 990,
30 abr. 2013. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/codigo-aberto/a-terceira-via-naintegracao-das-redacoes/>. Acesso em: 12 jun. 2018
FRANCISCATO, C. Inovações tecnológicas e transformações no jornalismo com as redes digitais.
Geintec, v. 4, n. 4, p. 1329-1339, 2014.
GONÇALVES, J. Reorganização de redações no Brasil: análise dos processos de produção do
Estadão e do HuffPost. São Paulo: ESPM, 2018.
JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
MOURA, C. P.; LOPES, M. I. V. (Orgs.). Pesquisa em comunicação: metodologias e práticas
acadêmicas. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016.
O GLOBO. O Globo, Extra e Expresso se integram em uma redação multimídia. Rio de Janeiro: 29
jan. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/o-globo-extra-expresso-se-integram-emuma-redacao-multimidia-20840004#ixzz5I97wOoVB>. Acesso em: 16 jul. 2018.
SALAVERRÍA, R.; GARCÍA AVILÉS, J. A.; MASIP, P. Concepto de convergência periodística.
In: X. López García y X. Pereira (Ed.), Convergencia Digital. Reconfiguración de los medios de
comunicación en España. Santiago, Universidad de Santiago, Servicio de Publicaciones, 2010, pp. 4164.
SALAVERRÍA, R.; NEGREDO, S. Periodismo Integrado - Convergencia de medios y reorganización
de redacciones. Barcelona: Editorial Sol90, 2008.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 9
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CAPÍTULO 10
SOBRE AS CAPAS: NOTÍCIAS E PRODUTOS À
VENDA NA PRIMEIRA PÁGINA
Karenine Miracelly Rocha da Cunha
Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de
Caxias (CEP/FDC)
Rio de Janeiro - RJ
Esta pesquisa faz uma crítica
à introdução de publicidade nas capas de
jornais e revistas. Para tanto, são criadas três
categorias de análise: 1) sobrecapas compostas
por anúncio que encobre a capa totalmente; 2)
sobrecapas parciais, compostas por anúncios
que encobrem a metade esquerda das capas;
3) capa mimética com informe publicitário que
copia o projeto gráfico do jornal. Dentro de um
corpus de análise, são classificadas capas de
jornais e revistas nessas três categorias e, a
partir dessa classificação, tecida uma análise
interpretativa que aponta crítica nessa relação
entre jornalismo e publicidade. Como resultado,
destaca-se a necessidade de se pensar
formas de utilizar a publicidade nas capas sem
prejudicar a atenção do leitor e o percurso da
leitura, ressaltando o valor da independência
financeira do jornalismo.
PALAVRAS-CHAVE:
jornalismo
impresso;
publicidade; capa; independência; consumo.
RESUMO:
PRODUCTS FOR SALE AT FIRST PAGE
ABSTRACT: This research criticizes the
introduction of advertising on the covers of
newspapers and magazines. To do so, three
categories of analysis are created: 1) overlays
composed by advertisement that completely
covers the cover; 2) partial overlays, consisting
of advertisements that cover the left half of the
covers; 3) mimetic layer with publicity report
that copies graphic newspaper design. Within
a corpus of analysis, newspaper and magazine
covers are classified in these three categories
and, from this classification, an interpretative
analysis is woven that points critically at this
relationship between journalism and advertising.
As a result, the need to think of ways to use
the advertising on the covers is emphasized
without undermining the reader’s attention and
the reading course, emphasizing the value of
the financial independence of journalism
KEYWORDS: printed journalism; publicity;
cover; independence; consumption.
1 | INTRODUÇÃO
Capas de jornais e revistas constituem o
primeiro contato desses meios de comunicação
com o leitor. Não é demais dizer que é a primeira
ABOUT THE COVERS:NEWS AND
impressão que o leitor tem da mídia impressa
e a primeira leitura que faz, servindo como um
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 10
100
atrativo ou até mesmo um menu de informações, com as principais notícias daquela
edição dispostas em chamadas, fotos, títulos, legendas e manchete. O presente
trabalho faz uma reflexão de situações em que a publicidade toma conta das capas,
espaço privilegiado e nobre, em detrimento ao que, em tese, deveria ser o produto a
ser comercializado pelo jornalismo impresso: a notícia.
Esta pesquisa atualiza e complementa trabalho publicado (CUNHA, 2007), em
que o objeto de estudo eram capas de jornais e a função de atrair os leitores, incluindo
assinantes ou consumidores de banca, utilizando, para isso, várias estratégias criativas.
De espaço nobre, onde se destacam as notícias mais importantes da edição, as capas
desta pesquisa mostram uma relação entre jornalismo e publicidade nem sempre
favorável ao primeiro. A partir disso, são feitos apontamentos críticos sobre a relação
entre Redação e setor Comercial nos veículos impressos, bem como a dependência do
jornalismo de fontes de renda que não sejam a publicidade convencional, materializada
em anúncios, e as receitas com assinaturas ou vendas em banca.
O corpus da pesquisa é composto por edições dos jornais Folha de S. Paulo e O
Globo e das revistas Boa Forma e Saúde. São edições publicadas entre 2016 e 2018.
O corpus foi composto durante o estudo, a partir de acompanhamento de publicações
impressas que apresentavam estratégias publicitárias nas capas condizentes com o
problema de pesquisa aqui exposto.
A metodologia utilizada é a análise de conteúdo. A partir da fundamentação
teórica pertinente ao estudo, montou-se três categorias para classificação do fenômeno
observado nas edições, sobre as quais é feita uma análise descritiva e interpretativa.
2 | CAPAS: DA EDITORAÇÃO À FUNÇÃO SENSACIONALISTA
Capas são elementos impressos que compõem jornais, revistas, livros, discos
etc. Nos produtos jornalísticos, as capas têm mais que a função de embalagem,
porque são consideradas partes noticiosas dos mesmos, com alto grau de nobreza: a
primeira página de um jornal é a mais importante em qualquer edição, o que confere
peso editorial às notícias nela presentes. Da mesma forma, a capa de uma revista é o
espaço, por excelência, que apresenta o assunto mais importante da semana, no caso
de revistas semanais de informação; ou uma mulher de destaque, como ocorre nas
revistas femininas; ou um alimento, nas revistas do segmento saúde.
Portanto, matéria de primeira página, no caso dos jornais, ou capa de revista,
significa um peso maior na importância da notícia dentre os vários assuntos abordados
na edição. Assim, as capas de jornais e revistas reservam espaço para o cabeçalho
com o nome do veículo e títulos e chamadas redigidos em letras garrafais justamente
para conferir destaque aos assuntos ali tratados (NEIVA, 2013).
Ainda que definam o termo dentro da editoração e das artes gráficas, Rabaça
e Barbosa (2001) destacam essa função mais nobre da capa de jornal e revista, ao
indicar que ela
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 10
101
[…] propicia o primeiro contato visual do consumidor com o produto, motivo pelo
qual é promocionalmente utilizada para atrair a atenção sobre o produto, informando
sobre seu conteúdo e distinguindo-o dos demais nas estantes e prateleiras. A capa
assume, inclusive, função de display ou cartazete, por si mesma, e tem todos os
compromissos inerentes a essas peças promocionais. (RABAÇA; BARBOSA, 2001,
p. 103).
Neiva (2013) explica que a capa em revistas e livros exige um material mais
encorpado e rijo que o miolo justamente para protegê-lo e manter as folhas que o
compõem juntas. Em livros, há inclusive a orelha, a extremidade lateral da capa ou
sobrecapa que se dobra para dentro da mesma.
Sobrecapas, aliás, têm por função envolver e proteger as capas de livros e, por
isso, são conhecidas no meio editorial pelo jargão de jaquetas. Para Rabaça e Barbosa
(2001, p. 687), a sobrecapa é a cobertura de papel móvel, em mesmo formato do livro,
que funciona como elemento publicitário ao divulgar um “apelo visual”.
Em relação aos livros, Rabaça e Barbosa (2001, p. 611) lembram que a quarta
capa, que é a traseira, é “utilizada para fins publicitários ou institucionais”. Os autores
chamam de contracapa cada um dos lados internos da capa de livros ou revistas,
que também podem ser denominados de terceira e quarta capas. No entanto, eles
ressaltam ser errôneo o emprego do termo para designar a quarta capa.
Para além da função editorial, a capa é o primeiro contato do leitor com revistas
e jornais. Ainda que a leitura dos mesmos, em tese, já esteja garantida para o leitor
assinante, é importante lembrar que ele pode se interessar mais ou menos pela
leitura dependendo do que for destacado na capa. Ali (2009) resume bem a função
de uma capa de revista para o leitor que a compra em banca: “Uma revista tem cinco
segundos para atrair a atenção do leitor na banca. Nessa fração de tempo, a capa tem
de transmitir a identidade, o conteúdo da publicação, deter o leitor, levá-lo a pegar o
exemplar, abri-lo e comprá-lo.” (ALI, 2009, p. 67).
3 | JORNALISMO, PUBLICIDADE E INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA
A Teoria Organizacional, de acordo com Pena (2005), explica que os meios de
comunicação estabelecem a cadeia de trabalho como uma organização e que isso
influencia os resultados, ou seja, as notícias e a forma como elas são apresentadas ao
público. Também indica que a forma como um jornal ou revista elabora seu organograma
vai definir a postura editorial do mesmo. Um jornal que demonstre mais importância ao
setor comercial em detrimento da Redação pode, inevitavelmente, submeter o valornotícia à dependência financeira de setores da sociedade que sejam anunciantes.
Pena é categórico ao afirmar a existência dessa dependência:
o jornalismo é um negócio. E, como tal, busca o lucro. Por isso, a organização está
fundamentalmente voltada para o balanço contábil. As receitas devem superar as
despesas. [...]. Então, qual será o setor mais importante da empresa jornalística?
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 10
102
Fácil: é o comercial [...] responsável pela captação de anúncios para sustentar o
jornal. E eles interferem diretamente na produção de notícias. (PENA, 2005, p. 135-6)
Essa submissão do jornalismo aos valores da publicidade também é criticada por
Kunczik (2001, p. 83): “Onde existe a concorrência do capital, a única coisa que tem
importância na produção de notícias é a maximização do lucro.” Dines (2009, p. 124)
lembra que é necessário haver um equilíbrio entre os interesses do capital, impostos
pelo negócio empresarial, e o jornalismo, como “órgão de interesse público”. Porém,
questiona: “como combinar o incombinável?” E logo responde:
pode-se montar uma empresa economicamente lucrativa sob um jornal independente
e vigoroso. [...] Graças, justamente, à sua independência e determinação é que o
jornal se torna respeitado e influente.” (DINES, 2009, p. 126). [...] A pendência
empresa versus imprensa existe apenas para quem não sabe valorizar o jornalismo.
A empresa deve servir de base à instituição pública que é a atuação jornalística.
Quanto mais benfeita, mais independente e influente, melhor servirá à empresa.”
(DINES, 2009, p. 134)
O que é “incombinável” na crítica de Dines (2009) deve ser compreendido como
o capital do jornalismo ou da notícia, termos usados por Marcondes Filho (2009). O
jornalismo, ou melhor, os meios de comunicação que produzem e veiculam jornalismo,
são os comerciantes da informação e têm, de acordo com Marcondes Filho, dupla
clientela: anunciantes e leitores. Ou seja, um jornal ou uma revista tem ao mesmo
tempo um valor de uso e um valor de troca.
Bahia (2009, p. 115) também critica essa dupla clientela:
O jornal é uma mercadoria sui generis, pois é simultaneamente vendida a dois
públicos diferentes: a empresa jornalística fabrica uma mercadoria chamada jornal
e a vende a um público genérico de pessoas que o adquirem nas bancas ou por
assinatura. Esse público torna-se, por sua vez, uma segunda mercadoria que a
mesma empresa jornalística vende a outro cliente, o anunciante.
Da mesma forma que Marcondes Filho faz, Bahia também associa notícia e
mercadoria (2009, p. 210):
Um jornal não é diferente do café solúvel, do sabão em pó ou da máquina de lavar
pelo que contém de mercadoria. Mais perecível até do que frutas e legumes, reúne,
no entanto, fins e valores ético-sociais – qualidade essencial, significação particular
e mérito próprio que, às vezes, o conduzem à história.
É justamente a dependência e a supressão da separação entre publicidade e
jornalismo que reduz este último a uma atividade submetida ao capital. “[...] quando
enfraquece a mercadoria ‘jornal’, a mercadoria ‘público’ enfraquece junto, prejudicando
os negócios com o anunciante. Logo, a empresa precisa investir pesadamente na
primeira mercadoria, pois é dela que a outra sobrevive” (BAHIA, 2009, p. 116)
O estudioso (2009) reconhece que um veículo exclusivamente feito de notícias
é incompatível com a sociedade do consumo. Por isso, além de notícias, jornais e
revistas têm, obrigatoriamente, publicidade. “Publicidade e notícia participam de um
veículo como partes vitais de um todo.” (BAHIA, 2009, p. 214). No entanto, o autor
esclarece que isso não significa dependência do jornalismo à publicidade e essa última
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 10
103
precisa ser “suficiente para que, em nome de princípios éticos, por exemplo, a direção
ou a redação resista a pressões ou simplesmente rejeite anunciantes.”
Assim, é importante diferenciar a necessidade – a publicidade – do jornalismo – a
prioridade. “[...] é a condição sem a qual o veículo não sobreviverá livremente, isto é,
sem ter que submeter a sua opinião a qualquer poder econômico ou político” (BAHIA,
2009, p. 214). E vai além: “Eticamente, o meio é tão responsável pela publicidade
quanto pela notícia” (p. 214). Também enfatiza que a associação entre publicidade e
jornalismo não cria a permissão para que os anúncios possam ser apresentados como
notícia, “o que configura uma fraude”, diz o autor (BAHIA, 2009, p. 214-215).
Como uma empresa qualquer, um jornal ou uma revista precisam de receitas para
se sustentar e lucro para justificar sua existência. Essa é a relação entre o jornalismo
e a publicidade nesses meios de comunicação, pelo menos em tese. Há casos em
que essas empresas submetem-se às regras de mercado de tal forma a vincular
o jornalismo à publicidade, o que interfere desde a disposição das notícias e linha
editorial, com interferências na organização e ganchos de pautas, apuração, escolha
de fontes, vieses, enquadramentos e prática da imparcialidade. Nem sempre esse
domínio da publicidade sobre o jornalismo é explícito, mas pode sê-lo e incomodar o
leitor, prejudicar a apresentação do jornal e da revista ou até confundir a leitura.
4 | JORNALISMO E PUBLICIDADE NAS CAPAS (OU SOBRE ELAS)
Marshall (2003) elencou 25 formas disfarçadas da publicidade no jornalismo,
empregadas muitas vezes em nome da saúde financeira das empresas, para não dizer
a busca incansável pelo lucro. Em um estudo crítico sobre a presença de anúncios
nas capas na era da publicidade de Marshall, Coan (2012) refere-se ao discurso
publijornalístico para nomear esse fenômeno. O autor destaca a diferença dessa
prática e do merchandising editorial, que consiste na evocação intencional das marcas
no espaço editorial, bem como a mimese descrita por Marshall, que é a publicidade
paga, disfarçada, sem identificação que a mesma é um informe publicitário.
Em 2011, um levantamento quantitativo de Singer (2011) identificou que, a
cada três dias, um anúncio de automóvel, supermercado ou banco cobria total ou
parcialmente a primeira página da Folha de S. Paulo, o jornal de maior circulação no
Brasil atualmente. O estudo apontava uma mimese de anúncios, que imitavam os tipos
gráficos, o projeto gráfico e a diagramação do jornal e questionava quais os limites de
ação do departamento comercial sobre o jornalismo. Como conclusão, indicava que se
a situação levava a empresa a lograr êxito financeiro, o leitor ficava no prejuízo, visto
que os tais anúncios prejudicavam o manuseio e ludibriavam o leitor com a mimese
estabelecida. Ou seja, a mesma crítica levantada por Coan (2012): a credibilidade do
jornalismo posta à prova pela publicidade disfarçada ou audaciosa na primeira página.
Em estudo mais recente do que chama “avanço da publicidade sobre o editorial
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 10
104
na área mais nobre dos jornais”, Rabinovici (2016, p. 48) ressalta que a questão atual
não é mais discutir a mistura entre jornalismo e publicidade, diante da inexorável
dependência do capital, mas qual a melhor forma de fazê-lo. “Sem dinheiro, não tem
jornal. A regra agora é reunir jornalistas e publicitários na busca conjunta de produtos
que rendam lucro” (RABINOVICI, 2016, p. 50).
Para a presente pesquisa, são determinadas três categorias de publicidade nas
capas de jornais ou revistas que prejudicam – ou pelo menos tumultuam - as finalidades
das primeiras páginas: apresentação dos assuntos mais importantes da edição e a
função estética e sensacionalista de atrair o leitor. São elas: 1) sobrecapas compostas
por anúncio que encobre a capa totalmente; 2) sobrecapas parciais, compostas por
anúncios que encobrem a metade esquerda das capas; 3) capa mimética com informe
publicitário que copia o projeto gráfico do jornal.
Além dessas categorias e antes de aprofundarmos as classificações do corpus,
uma edição estudada foge à questão das capas, mas não a da subordinação do
jornalismo à publicidade. Nesse caso, não é a capa que foi objeto de subversão, mas
o formato do jornal Folha de S. Paulo (Figura 1).
Figura 1: Folha de S. Paulo – 10 jul. 2017
Na edição de 10 de julho de 2017, o primeiro caderno do jornal foi diagramado
em sete colunas, em detrimento das seis tradicionais. A sétima coluna à direita foi
destinada à publicidade vertical de uma empresa aérea, que se estendeu da capa
até a página 20, a última do caderno. O jornal tem uma largura de 31,75 centímetros,
praticamente padrão entre os jornais do formato standard no Brasil, com altura de 56
centímetros – a largura da área impressa é de 29,7 centímetros. Na edição citada, a
largura do papel usado é de 37 centímetros. Além da alteração da largura do papel e
inserção da “coluna-publicidade” nas 20 páginas do caderno, a campanha da empresa
aérea também usou o espaço da editoria de opinião, tradicional na página 2, e com o
qual os leitores já estão acostumados. As notícias só começam de fato na página 6 do
referido caderno, depois de muita publicidade.
A julgar pelo posicionamento da Folha de S. Paulo (2018) sobre a publicidade, a
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 10
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campanha não traria prejuízos editoriais:
[A Folha] Acredita que uma publicidade livre e diversificada é essencial para manter
a independência do jornalismo. Julga legítima a comercialização de conteúdos
patrocinados, financiados por anunciantes ou parceiros, desde que a natureza
publicitária do produto seja transparente para o leitor e não haja envolvimento da
Redação na sua confecção. (FOLHA DE S. PAULO, 2018, p. 22)
No entanto, dentre os princípios editoriais do jornal, o nono é justamente a
independência editorial a partir da dependência financeira:
Preservar o vigor financeiro da empresa como esteio da independência editorial
e garantir que a produção jornalística tenha autonomia em relação a interesses
de anunciantes; assegurar, na publicação, características que permitam discernir
entre conteúdo jornalístico e publicitário (FOLHA DE S. PAULO, 2018, p. 14)
As edições de setembro e outubro de 2016 da revista Boa Forma, e de setembro
da revista Saúde, ambas publicações da editora Abril, apresentaram uma sobrecapa
classificada na primeira categoria de análise deste estudo (Figuras 2a e 2b). No caso
de Saúde, a sobrecapa envolve completamente a revista (incluindo a quarta capa).
Figuras 2a e 2b: Sobrecapas nas revistas Boa Forma e Saúde
Nas sobrecapas da revista Boa Forma, a cobertura extra é apenas na primeira
página. A sobrecapa é feita com papel com gramatura e textura igual à da capa das
revistas. O produto anunciado é o mesmo: uma marca de pães integrais. Como a
lombada da revista Boa Forma é do tipo quadrada, a sobrecapa apresenta uma linha
picotada para ser retirada. O mesmo recurso não aparece na sobrecapa da revista
Saúde, cuja lombada é do tipo canoa, presa com grampos. Nas três edições, o que
há de mais importante em uma capa de revista – o nome, associado à logotipia, a foto
principal e as chamadas – ficam totalmente encobertas pela sobrecapa publicitária.
Para ter acesso a esses elementos, o leitor precisa ou retirar a sobrecapa e exclui-la,
ou lidar com ela, como se fosse a página zero das revistas.
A mesma classificação recebe a sobrecapa que encobre a capa da edição de 22
de agosto de 2016 do jornal O Globo (Figuras 3a e 3b).
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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Figuras 3a e 3b: Sobrecapa e capa de O Globo 22 ago. 2016
Mais do que classificações ou levantamentos quantitativos de quantas edições
desses veículos são tomadas pela sobrecapa, o objetivo deste trabalho é discutir os
efeitos destes recursos na leitura e nível de subserviência do jornalismo à publicidade.
Essa edição foi escolhida para compor o corpus deste trabalho justamente porque
é a que noticiaria, nos veículos impressos, o encerramento dos Jogos Olímpicos de
2016. O Globo é o principal jornal do Rio de Janeiro e está entre os três periódicos de
circulação nacional com maior tiragem e longevidade. Seria muito natural esperar por
uma primeira página em que o encerramento dos jogos fosse a manchete e, acima de
tudo, foto ou fotos de grande impacto plástico, visto que no dia anterior havia ocorrido
a cerimônia de encerramento das competições. Os Jogos Olímpicos são o tema da
publicidade da sobrecapa, de um banco que patrocinou o evento. Para ler a capa
histórica, o leitor precisa retirar ou manusear a sobrecapa como se ela fosse a página
zero, assim como nas revistas mencionadas anteriormente.
As próximas classificações deste estudo entram na segunda categoria criada
nesta pesquisa, ou seja, são edições dos jornais O Globo ou Folha de S. Paulo que
possuem sobrecapas parciais, compostas por anúncios de redes de supermercados,
papelarias, telefonia etc., que encobrem a metade esquerda de suas capas. Não há
padrão para o verso da sobrecapa: em algumas edições estudadas, ela tem a largura
do jornal; em outras, a terceira e quarta partes da sobrecapa têm a largura da metade
da página, assim como a primeira e a segunda.
A primeira capa classificada é a da Folha de S. Paulo, edição de 1º de setembro
de 2016 (Figuras 4a e 4b):
Figuras 4a e 4b: Cabeçalho da sobrecapa reproduz o da capa
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 10
107
Trata-se de uma capa histórica, pois é a edição que noticia o impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff, decidido no dia anterior por votação no Senado. Daí
subtende-se a importância da manchete do dia e da foto principal, bem como de outros
elementos dispostos em chamadas com títulos subordinados. A capa em questão é
coberta por uma sobrecapa com anúncio de smartphone. No entanto, semelhante aos
informes publicitários, o cabeçalho da sobrecapa reproduz o cabeçalho das capas da
Folha de S. Paulo, com o logotipo do jornal e parte da data.
As próximas três capas classificadas nesta categoria - edições de O Globo de 7
de agosto de 2016 e de 28 de agosto de 2016, e edição da Folha de S. Paulo de 24 de
abril de 2016 - apresentaram uma diagramação que organizou a manchete e chamadas
do lado direito da capa, fora da área de cobertura da sobrecapa (Figura 5). Por isso,
mesmo com a sobrecapa, o leitor consegue visualizar manchete e outros elementos.
É importante ressaltar que a edição da Folha, além de diagramar a manchete do lado
direito, também usa o mesmo cabeçalho tradicional do jornal na sobrecapa, conforme
já relatado no exemplo classificado anteriormente.
Figura 5: Diagramação verticalizada da manchete ao lado da sobrecapa
A diagramação verticalizada aponta uma saída para a relação conflituosa entre
publicidade e jornalismo nas sobrecapas: permite organizar o menu de informações
das chamadas de maneira mais racional, sem confundir o leitor, e possibilitar o acesso
à manchete sem nem manusear a sobrecapa. Isso é importante para a exposição do
jornal em banca, ou para o primeiro contato do leitor assinante com o jornal.
Isso não ocorre nas quatro edições de O Globo analisadas a seguir: 6 de agosto
de 2016, 21 de agosto de 2016, 1º de setembro de 2016 e 8 de abril de 2018.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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Figura 6: Sobrecapa encobre elementos atrativos das capas
As edições de 1º de setembro e de 8 de abril apresentam manchetes historicamente
importantes para a política nacional: respectivamente, o anúncio do impeachment
da ex-presidente Dilma e a prisão do ex-presidente Lula. No entanto, a sobrecapa
encobre a parte esquerda das capas em questão e de suas respectivas manchetes,
diagramadas em tipologia maior que a convencional. Perde-se, pelo menos em parte,
o efeito de impacto das manchetes, redigidas bem objetivamente.
As outras duas edições foram escolhidas por apresentarem fotos muito atraentes,
característica essencial para o fotojornalismo de primeira página. A edição de 6 de
agosto traz uma imagem da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, que ocupa
toda a dobra de cima do jornal e metade da dobra debaixo. Mas a sobrecapa neutraliza
o efeito estético sobre o leitor. Já a capa de 21 de agosto tem duas manchetes: uma
na dobra de cima e outra na dobra debaixo. Manchete não costuma privilegiar esporte
e sim as chamadas hard news, destacando política e economia. A manchete de cima
enfatiza a medalha de ouro do futebol masculino, conquistada sobre a Alemanha, o
algoz do Brasil na Copa do Mundo de 2014. A manchete debaixo é sobre política.
A foto expressiva do craque Neymar, copiando a pose do atleta Usain Bolt, ocupa
metade da página. Mas ninguém vê. A sobrecapa impede.
A terceira e última categoria refere-se às capas miméticas, ou seja, aquelas cujos
anúncios imitam o jornalismo no texto e na disposição das notícias.
Figura 7: Capas miméticas
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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Nos três exemplos apresentados, há o destaque de que se trata de um informe
publicitário. Na Folha de S. Paulo, este tipo de material, embora muito parecido com o
jornalístico, não é de responsabilidade da redação, porque é produzido por um núcleo
de negócios independente, especialista em conteúdo patrocinado, também conhecido
como branded content ou publicidade nativa. Apesar da mimese, a Folha de S. Paulo
afirma categoricamente que esse tipo de publicidade não interfere no jornalismo e que
“Redação e o Comercial são autônomos, sem relação de subordinação.” (FOLHA DE
S. PAULO, 2018, p. 34). Ao salientar a expressão “informe publicitário”, o jornal “deixa
clara para o leitor essa condição”. (FOLHA DE S. PAULO, 2018, p. 35)
Nas edições de 5 de outubro de 2017 e de 3 de dezembro de 2017, a Folha
de S. Paulo apresenta o informe publicitário na capa mimética, que encobre a capa
verdadeira das publicações. Diferentemente da sobrecapa, que envolve o caderno,
a capa mimética é solta, com anúncio na frente e no verso e com diagramação e
tipologia muito próximas da usada pelo jornal, inclusive com cópia praticamente total
do cabeçalho que compõe a logotipia do periódico. A mimese da edição de 25 de março
de 2018 do jornal O Globo só não é igual porque a capa falsa apresenta grifos e setas
que destacam o texto em vermelho. Trata-se de anúncio publicitário da série televisiva
O mecanismo, cujo tema é a corrupção política no Brasil. A capa falsa os elementos
de corrupção do enredo da série na manchete e nas chamadas, tudo diagramado de
forma mimética ao projeto gráfico usado pelo jornal O Globo diariamente.
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa mostra como é tênue a fronteira entre jornalismo e publicidade. Ao
mesmo tempo que reconhecemos que é impossível a prática do jornalismo sem a
intervenção da publicidade, enaltecemos que é importante pensar as melhores formas
para isso ocorrer. É fato que uma empresa jornalística precisa da publicidade, muitas
vezes como fonte de renda responsável por mais da metade dos custos de produção
de um jornal – as outras fontes seriam o comércio de assinaturas e a venda avulsa
em bancas. Também é notório que a dependência da publicidade não deve significar
dependência editorial. “Acuado, o jornalismo em curvando-se ao sistema”, ressaltou
Marshall (2003, p. 24), que diz que o jornalismo na era da publicidade fala a linguagem
do capital.
Falar a linguagem do capital deve significar receitas para manter a empresa,
remunerar bem os jornalistas nela empregados, oferecer subsídios para a produção
de notícia de qualidade para o leitor. Ao mesmo tempo, deve ser o sinal para a reflexão
de como é possível ter espaço para a publicidade de uma forma mais inteligente.
Exemplo que isso é possível é o investimento em uma diagramação verticalizada,
em que a manchete continue em destaque nas edições que por ventura contem com
sobrecapas que encobrem a metade esquerda das primeiras páginas. A mimese da
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 10
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capa também apresenta riscos. Afinal, espaço tão nobre em uma mídia impressa como
é o caso da primeira página precisa mesmo submeter-se ao capital?
Em meio a essa relação por vezes conturbada entre jornalismo e publicidade
nas capas de jornais e revistas, é importante pensar que o leitor pode abandonar o
contrato fiduciário de leitura dessas mídias impressas, uma vez que a capa, onde a
negociação para a leitura começa, não é visualizada em sua integridade. A pesquisa
denota que o leitor perdeu espaço, atenção, mesmo que a Folha de S. Paulo diga que
isso seja essencial: “O leitor é o principal interlocutor do jornalista e quem sustenta o
jornal. Dispõe de tempo cada vez mais escasso e disputado por fontes informativas
abundantes. Para assegurar sua fidelidade, é preciso oferecer conteúdo de qualidade,
esforçar-se para que ele o receba e manter com ele comunicação atenciosa.” (FOLHA
DE S. PAULO, 2018, p. 55). Será?
REFERÊNCIAS
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discurso publijornalístico. Revista Eletrônica de Linguística. v. 6 n. 1 2012 p. 130-147.
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Capítulo 10
111
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www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsma/om1610201101.htm>. Acesso em: 6 abr. 2018.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 10
112
CAPÍTULO 11
VISÕES MÍTICAS NA POÉTICA DE SOPHIA DE MELLO
BREYNER ANDRESEN E O EFEITO CASSANDRA EM
DISCURSOS MIDIÁTICOS
Gisele Centenaro
Centro Universitário Senac
São Paulo – SP
RESUMO: Este artigo apresenta um estudo
do divino mítico feminino na poesia lírica de
Sophia de Mello Breyner Andresen e na poesia
épica de Homero, induzindo reflexões sobre o
caráter pedagógico dos mitos e sobre a cultura
do sacrifício feminino da antiguidade clássica
grega à contemporaneidade, concentrandose no mito de Cassandra e nos efeitos que
ele exerce nas sociedades brasileira e norteamericana por meio de discursos midiáticos.
Teorias de pensadores como Bakthin, Barthes,
Cassirer, Campbell, Eliade, Jaeger e Harari
fundamentaram o desenvolvimento deste
trabalho científico, que, para além da literatura,
identifica criticamente a construção e a
desconstrução de mitos femininos no campo
da política baseado em textos publicados em
jornais e revistas sobre Dilma Rousseff e Hillary
Clinton. Os resultados das análises temáticas,
formais e estruturais dos discursos poéticos e
midiáticos investigados sinalizam a importância
de se intensificar os debates democráticos
sobre conservadorismo e questões de gênero,
bem como sobre a orientação masculina ainda
fortemente enraizada nos sistemas educativos
e de comunicação da sociedade brasileira do
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
século XXI.
PALAVRAS-CHAVE: Sophia de Mello Breyner
Andresen; Cassandra; Dilma Rousseff; Hillary
Clinton; mitos femininos; discursos midiáticos.
MYTHICAL VISIONS IN SOPHIA DE MELLO
BREYNER ANDRESEN LYRIC POETRY AND
THE CASSANDRA EFFECT IN THE MEDIA
DISCOURSES
ABSTRACT: This paper presents a study of
the feminine mythical divine in Sophia de Mello
Breyner Andresen’s lyric poetry and in Homer’s
epic poetry, inducing reflections about the
pedagogical character of the myths and about
the culture of female sacrifice from classical
Greek antiquity to contemporaneity, focusing
the myth of Cassandra and the effects that this
myth exerts in Brazilian and American societies
through media discourses. Theories of thinkers
such as Bakthin, Barthes, Cassirer, Campbell,
Eliade, Jaeger and Harari substantiated the
development of this scientific work, which, in
addition to literature, critically identifies the
construction and the deconstruction of feminine
myths in the field of politics based on texts
published in newspapers and magazines about
Dilma Rousseff and Hillary Clinton. The results
of the thematic, formal and structural analyzes
of the literary and media discourses investigated
Capítulo 11
113
signaled the importance of intensifying democratic debates about conservatism and
gender issues, as well as about the masculine orientation still strongly rooted in the
education and communication systems of Brazilian society of the 21st century.
KEYWORDS: Sophia de Mello Breyner Andresen; Cassandra; Dilma Rousseff; Hillary
Clinton; feminine myths; media discourses.
1 | INTRODUÇÃO
O tema de investigação e análise deste artigo concentra-se não somente na
presença de mitos femininos na poesia épica de Homero e na poesia lírica de Sophia
de Mello Breyner Andresen, mas também na forma de transposição de narrativas
mitológicas para discursos midiáticos contemporâneos que tem a finalidade de
influenciar comportamentos sociais pelo espelhamento entre indivíduos transformados
em mitos na atualidade e figuras mitológicas da antiguidade clássica grega, em ambos
os casos pela propagação de juízo de valor no que concerne a comportamentos
exemplares e reprováveis.
Para atingir esse objetivo, foram buscados, primeiramente, pressupostos teóricos
sobre o conceito de intertextualidade sob enfoque de caráter didático-explícito, como
posto na definição de Barthes reproduzida a seguir.
Todo texto é um intertexto; outros textos estão presentes nele, em níveis variáveis,
sob formas mais ou menos reconhecíveis. A intertextualidade é a maneira real de
construção do texo. Entretanto, quando buscamos localizar e examinar mecanismos
intertextuais de constituição do sentido da literatura, considerando determinadas
fronteiras de linguagem no universo da cultura para estudar as relações entre
diferentes linguagens e estilos literários, averiguamos que o termo intertextualidade
pode limitar nossos procedimentos de análises (BARTHES apud BRAIT, 2006, pp.
163-164).
Hutcheon propõe uma alternatia de enfoque mais abrangente para contrapor
a limitação citada por Barthes, sugerindo o termo interdiscursividade como “mais
preciso para as formas coletivas de discurso” (HUTCHEON, 1991, p. 169). Estudos
de Hutcheon caminham em consonância às teorias de Bakhtin, para quem “a questão
do interdiscursivo aparece sob o nome de dialogismo (FIORIN apud BRAIT, 2006, p.
164), sendo que “as relações dialógias tanto podem ser contratuais ou polêmicas, de
aceitação ou de recusa, de concerto ou de desconcerto” (BAKHTIN apud FIORIN,
2016, p.28).
Com esta fundamentação teórica sobre intertextualidade e dialogismo, passamos
a refletir sobre o diálogo intertextual e dialógico estabelecido por Homero com a
mitologia grega nos poemas épicos Ilíada e Odisseia, como veremos na primeira
parte do desenvolvimento deste artigo. Repetimos o mesmo método de análise ao
estudar, na sequência, o dialogismo como uma das formas composicionais da poetisa
portuguesa Andresen e ao escrutinar o modo pela qual ela insere os discursos de
outos em seus enunciados poéticos, assim como o fizemos também ao investigar
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 11
114
as estratégias adotadas pelos discursos midiáticos para inserirem, em entrelinhas de
textos e em outros tipos de mensagens da imprensa (fotos, charges...), juízos de valor
sobre as falas e o comportamento de indivíduos do gênero feminino que alçaram seu
protagonismo histórico à condição de mitos contemporâneos, conforme apresentado
na última parte do desenvolvimento deste trabalho.
Para a análise da associação entre a visão de mundo de Homero e Andresen,
os ritmos das narrativas mitológicas e da poesia épica e lírica e a trajetória do divino
feminino como fio condutor da criação poética pelo fio condutor da linguagem até
chegarmos no estudo semiológico e semiótico dos mitos nos discursos midiáticos,
recorremos às definições de mito propostas por Barthes (2006), Cassirer (1972),
Eliade (2016), Campbell (2015) e Harari (2017), as quais se complementam no
desenvolvimento deste artigo.
A presença das figuras míticas feminas nas obras poéticas analisadas tem
conexões explícitas e implícitas com o amor que tenta vencer os antagonismos ao
almejar a unidade espiritual, isto é, buscar a substituição do caos provocado por
pulsões psicológicas desenfreadas dos seres humanos pela ordem resultante de uma
síntese dinâmica de suas virtudes.
A capacidade de aceitação das mulheres de amar pelas vias do sacifício ao se
identificarem emocionalmente com os seres amados, mesmo quando essa devoção
contenha em si a expressão da agressividade necessária para destruir inimigos (etéreos
e carnais) dos seres amados e, ainda, conviver com a violência física e psicológica
masculina, conforme apreendemos das narrativas mitológicas gregas e dos poemas
estudados – com mais ênfase em Homero, cuja obra tem um caráter pedagógico de
orientação masculina –, nos impulsionou também a investigar o conteúdo literário
das obras propostas pela perspectiva de Barthes (2006), para quem “o mito é uma
fala escolhida pela história [...] E essa fala é uma mensagem” (BARTHES, 2006,
p.132). Uma mensagem que requer um suporte ou um veículo de comunicação para
se propagar e até se fortalecer, como demonstramos em nossa análise sobre os
discursos midiáticos contemporâneos, nos quais questões de gênero ainda não são
levadas em consideração como instrumento de construção de conhecimento sobre a
harmonia entre os seres humanos, muito pelo contrário, haja vista a predominância
nesses meios da violência psicológica de orientação masculina, o que demonstra uma
continuidade dos valores do patriarcalismo advindos de um passado conservador que
tende a manter a mulher em posição de submissão aos homens, reafirmando em
essência, ou seja, pelo fio condutor da linguagem, uma prática social instaurada pelas
superestruturas nas infraestruturas de produção econômica e cultural – práxis que
está presente na história da humanidade desde a Revolução Cognitiva dos Homo
sapiens. Afirma Barthes:
Neste mundo de essências, a própria mulher tem como essência o estar-ameaçada;
por vezes pelos pais, mais frequentemente pelo homem; em qualquer dos casos,
o casamento jurídico constitui a salvação, a solução da crise [...] (BARTHES, 2006,
p. 75)
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 11
115
Uma “solução” impingida ao universo feminino pela práxis social de manutenção
de aparências, a qual oculta conflitos em vez de tentar realmente solucioná-los,
reprimindo a manifestação de ideias e a luta pela mudança de um statos quo, enquanto
aumentam as taxas de feminicídio nas sociedades menos avançadas economicamente
e se mantém as mulheres cerceadas de sua liberdade plena em boa parte do mundo
oriental.
2 | DEUSES HOMÉRICOS, AS MULHERES E O BUTIM
Na Grécia Antiga, o contar histórias e a difusão dos mitos compunham a essência
da educação em associação com outras atividades disciplinares, como retórica, dança,
religião, música, matemática, filosofia, geografia e ginástica, sob o conceito de paideia
(de paidos, em grego, que significa criança, isto é, criação de meninos). O objetivo do
sistema educativo dos gregos sob o conceito de paideia era a transmissão dos costumes
de geração em geração, entretanto, é importante atentar para as considerações de
Jaeger sobre o fundamento de suas práticas pedagógicas e didáticas:
Os antigos estavam convencidos de que a educação e a cultura não constituem
uma arte formal ou uma teoria abstrata, distintas da estrutura histórica objetiva da
vida espiritual de uma nação; para eles, tais valores concretizavam-se na literatura,
que é a expressão real de toda cultura superior. (JAEGER, 1995, pp. 1-2).
Além de contarem histórias, entretendo receptores e sacralizando as histórias
que contam, os mitos podem ser considerados sinônimo de sabedoria e recurso
educacional. Vem dessa convergência de funções dos mitos a sua qualidade de
patrimônio da humanidade, o que os torna eternamente presentes na história das
civilizações, tanto em sua forma narrativa original quanto por meio de adaptações orais
e escritas, intersecções ficcionais, reinterpretações, interposições, intertextualidade e
dialogismo.
Retornando à Grécia Antiga e considerando lícito afirmar que, sob o conceito
da paideia, foi Homero o maior educador do povo grego em seu período clássico na
opinião de Platão e de pensadores do mundo moderno, também podemos concluir que
mito e poesia foram e são instrumentos pedagógicos de valor incomensurável quando
o objetivo do sistema e dos planos educacionais de uma sociedade é a formação da
cidadania sob o escopo da democracia alicerçada no conceito de justiça.
Autor dos poemas épicos Ilíada e Odisseia, Homero tem sua biografia confundida
com sua própria obra, em razão da falta de dados precisos sobre suas datas de
nascimento e falecimento – supõem-se que ele tenha vivido por volta dos séculos VII
e VIII antes de Cristo. Dentre outras produções artísticas de Homero, destacam-se a
Ilíada e a Odisseia, as quais entrelaçam, em suas narrativas poéticas, as vidas dos
deuses da mitologia grega com as vidas dos seres humanos mortais – pessoas comuns,
vítimas, vilões e heróis. Assim, do encontro entre a tradição do passado representada
por protagonistas e antagonistas da mitologia grega e o protagonismo histórico de
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 11
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homens e mulheres gregos que enfrentam dissabores alusivos a acontecimentos
supostamente reais, como a Guerra de Troia, os poemas épicos de Homero, além de
celebrarem a glória, celebram o conhecimento, a sabedoria e induzem à formação de
cidadãos.
A transposição de narrativas míticas para o contexto da poesia épica nas obras
de Homero compõe um universo literário que reatualiza a grandeza heróica e sagrada
de figuras masculinas e femininas da mitologia grega com o empuxo de representar
o transcendente, porém, não unicamente sob a perspectiva do tempo primordial ou
dos deuses do Olimpo, haja vista que a história de caráter objetivo é também uma das
colunas da narrativa poética que podemos acompanhar na Ilíada, pelo desvelar nas
relações sociais e políticas na Guerra de Troia, assim como a história ficcional vivida
por Ulisses em Odisseia tece redes com os papeis sociais desempenhados na vida
real do tempo da narrativa sob a influência de personagens da mitologia.
Deuses, seres humanos divinizados, entes sobrenaturais são personagens de
poemas de Homero que podem ser identificados como metáforas da transcendência
de um sujeito lírico que empreende trajetórias discursivas do presente dele para o
passado, de lá retornando ao tempo da produção dos enunciados pela presentificação
de episódios míticos buscados no panteão grego e pela adoção de uma forma estética
que se consagrou como cânone literário.
Para além das fronteiras da literatura, todavia, e sob o olhar orientado e orientador
da paideia, o discurso poético de Homero nessas duas obras que aqui contemplamos
tem finalidades que não se restringem ao entretenimento porque ele idealiza, sob
princípios pedagógicos gregos, educar cidadãos, formar e manter conceitos sobre os
mais diversos temas, unificar e fortalecer o mundo grego, mantendo os laços que o
conecta com seu passado histórico e mitológico. Com essa amplitude, a transcendência
do sujeiro lírico à qual nos referíamos anteriormente em relação aos seus pensamentos
e emoções – os quais galgam pela poesia um limiar superior em contraposição à sua
condição terrestre ao dialogar com deuses da mitologia grega, em espiral dialógica
e polifônica – transcende novamente por outros caminhos e estágios, alcançando
a transdisciplinaridade no tempo da antiguidade clássica e no tempo presente dos
leitores atuais, pois ainda hoje suas obras, que servem de inspiração e modelo como
canône literário, também dialogam com outros campos da cultura moderna, como por
exemplo a filosofia do Direito.
Em análise de Campbell (2015, pp. 179-196), a Ilíada é associada a um mundo
de orientação masculina que abarca os povos indo-europeus, isto é, as figuras de
deuses como Zeus e Apolo predominam ao lado das figuras masculinas de heróis
gregos, tanto como protagonistas da ação da narrativa poética épica, quanto como
possuidores da sabedoria divina e humana que se presta à condução social e religiosa
do mundo grego. Recordando brevemente o cerne da narrativa, Helena, esposa do
espartano Menelau, é raptada pelos troianos; Menelau e seu irmão Agamenon reúnem
um exército de heróis, dentre eles Odisseu (Ulisses), e uma frota de navios para lutar
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contra Troia, vencer Heitor e recuperar Helena; Odisseu, durante a batalha, será o
autor de uma das mais conclamadas estratégias de guerra da história da humanidade
pela construção e uso tático do indelével Cavalo de Troia, por meio do qual os gregos
destroem Troia.
Ao apontar o caráter de orientação masculina da narrativa épica Ilíada, Campbell
ressalta o trecho de um diálogo entre Agamenon e seu irmão Menelau, conforme
reproduzimos a seguir:
De modo que Helena é raptada e Menelau vai até seu irmão Agamenon e diz:
“Aquele troiano! Ele fugiu com a minha mulher!” E Agamenon responde: “Hummm!
Isso não está certo. Temos de pegá-la de volta”. Essa resposta mostra a mulher
como propriedade (CAMPBELL, 2015, p. 189).
Helena é reduzida, portanto, à condição de butim, prisioneira tomada pelo
inimigo que deve ser recuperada por meio de batalhas que configuram a guerra entre
gregos e troianos. Mortal, sem poderes divinos e sem os “poderes” da masculinidade,
Helena encarna, na narrativa, a personificação de um roubo ou de uma pilhagem,
ou seja, mesmo sendo uma representante da nobreza, como personagem feminina
Helena é coisificada. Não se vê em situação mais digna, na narrativa, Ifigênia, filha de
Clitemnestra, esposa de Agamenon, que, a pedido dele mesmo, é morta em sacrifício
à deusa Ártemis para que ela fizesse soprar ventos a favor da frota dos gregos a
caminho da batalha com Troia. Embora morta em Ilíada, Ifigênia foi poupada, segundo
a mitologia grega, pela deusa Ártemis no instante final do sacrifício e transformada em
sacerdotisa do templo da deusa Diana. De qualquer modo, Ifigênia foi retirada do seu
convívio social e, assim como Helena, é coisificada na narrativa, na qual, como a musa
de Menelau, é tratada como butim em negociação entre os homens e a deusa Ártemis.
Esses dois exemplos – Helena e Ifigênia –, dentre outros que poderíamos extrair
da Ilíada, confirmam o direito patriarcal, concernente ao sistema patriarcal, que se
contrapõe nessa narrativa épica às bases do sistema matriarcal que imperava entre
os povos pagãos, denotando a preocupação do sistema paideia da Grécia Clássica
em educar pelas vias contrárias do paganismo e do matriarcalismo. As mulheres são,
de modo geral, na visão de Homero, mesmo quando incorporam em sua narrativa
figuras da divindade, submissas à orientação de caráter masculino, servindo, tanto aos
homens mortais como aos deuses, como elementos de ligação destes com as forças
da natureza, terrestres e divinas, acentuadamente pelo capacidade de reprodução, ou
seja, pelas habilidades maternas.
O diálogo entre os gêneros, segundo nossa percepção, tanto na Ilíada, como
na Odisseia, é preponderantemente tendencioso ao enaltecer a masculinidade de
deuses e homens mortais. Mulheres mortais e deusas são, por princípios difundidos
pelos valores gregos, coadjuvantes, sendo faceta de seus poderes sociais e divinos
promover a conexão entre a força masculina, as forças divinas e as forças da natureza,
mas não mais como a principal força criadora do universo conforme apreendemos
da mitologia mais antiga na comparação com a mitologia revisitada por Homero em
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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suas criações. Campbell confirma nossas observações ao analisar o papel das deusas
femininas na Odisseia, em que Penélope espera pelo retorno de Odisseu tecendo o
dia inteiro a parte que lhe cabe de um butim dos poderes tomados por homens da
Grande Deusa, o que leva a própria Penélope a ser transformada também em butim,
enquanto desmancha durante a noite o que às custas de muito sacrifício feminino
consegue produzir durante o dia para se defender de forças masculinas predadoras
– o destino de orientação masculina grega lhe ordena que simplesmeste espere pelo
seu heroi, seu homem-deus, para que ele a salve das crueldades do mundo.
2.1 Visões Míticas de Cassandra na Poesia de Andresen
A transposição de narrativas míticas para contexto da poesia moderna portuguesa
é temática recorrente na obra poética de Sophia de Mello Breyner Andresen. Os
discursos mitopoéticos da poetisa compõem, assim como acontece nas obras de
Homero, um universo literário que reatualiza a grandeza heróica e sagrada de figuras
femininas e masculinas da antiguidade clássica grega com poder de representar o
transcendente. Todavia, ao ressacralizar, pela poesia mítica, memórias importantes
do consciente coletivo das civilizações, Andresen cria, pela linguagem poética, jogos
de percepções objetivas e subjetivas que promovem o tecer de imagens e melodias
expressadas, com intenso lirismo, sob ótica feminina, e singulariza a transposição
de mitos para a poesia moderna portuguesa pelo espelhar da cultura de sacrifício
feminino.
Da natureza (mar, terra, água, flores, sol, lua...), a autora seleciona elementos
para transitar entre o real e o mundo subjetivo da poesia, onde os significados dos
signos que representam os objetos de seu foco lírico são moldados ou tonificados
em graus diversos para servir de estrutura às suas composições que, em muitos
momentos, além de reviver a mitologia grega, aludem reflexivamente à filosofia
cristã, aos valores e aos amores portugueses (triunfos pela busca, as navegações,
as amizades exemplares), havendo ainda espaço literário em suas obras para críticas
sociais – na poesia e na prosa.
O lirismo de Andresen também evoca o amor no sentido etérico, isto é, o amor
como centro unificador que permite a reingração dos seres humanos com universos
simbólicos da Unidade, do equilíbrio primordial, por meio dos discursos poéticos.
O amor cultivado por diferentes formas de sublimação – como o amor glorioso dos
clássicos, o ágape grego, o amor como princípio cosmogônico, o amor divino, o amor
confessional, o amor sem ambição, o amor da renúncia ao império dos sentidos – é
contraposto, em muitos dos seus poemas, às vontades e paixões humanas que iludem
a razão.
O poema Kassandra, da coletânea Dia do Mar, livro publicado em 1947, é uma
das composições da poetisa que se destaca pela transposição para a era moderna
da literatura de uma narrativa protagonizada por uma figura mítica do gênero feminino
e pelo deus grego Apolo, “maestro” das musas do canto e da poesia, ele mesmo
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Capítulo 11
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considerado, em associação com o sol e a beleza da harmonia, o deus protetor e
incentivador da música e da poesia.
O título revela em si o tema mítico, mas há na obra de Andresen outras
composições que remetem o leitor à antiguidade clássica grega sem anunciar
denotativamente à identidade das personagens míticas revisitadas – em alguns casos,
mesmo sem dar nomes de seres, entes e lugares, as “pistas” da autora são evidentes;
em outros, os leitores têm de ser aprofundar na interpretação para estabelecer relações
intertextuais com os episódios míticos reatualizados.
Kassandra, em grego, é um nome formado pela união dos elementos kekasmai e
kad, cuja tradução é “brilhar”, e aner, que significa “homem”, resultando no significado
“a que brilha sobre os homens” ou “a que protege os homens”. Na mitologia grega,
ela é filha de Príamo e Hécuba. Príamo foi aprisionado na infância, ainda com o
nome de Podarces, juntamente com sua irmã Hesíone, durante a tomada de Troia pelo
herói Héracles (Hércules), uma geração antes da Guerra de Troia. A menina Hesíone
foi dada como esposa a Télamon, pelo amigo Hesíone. Nas núpcias, Hesíone pediu
como presente o próprio irmão aprisionado, recebendo direitos sobre ele por compra,
motivo pelo qual o menino, ao deixar de ser prisioneiro, passou a ser chamado Príamo,
cujo significado é “o que foi vendido”. Ao se transformar num jovem guerreiro, Príamo
conquistou o trono de Troia e teve muitos filhos com sua segunda esposa, Hécuba
(famosa por seu poder de fecundidade), dentre eles Cassandra, Heitor, Páris, Heleno,
Troilo. Na lista de Apolodoro (intitulada Biblioteca), que reúne, em grego, todas as
narrativas da mitologia grega e cuja autoria é outorgada a Pseudo-Apolodoro, Príamo
teve 47 filhos homens. Na Guerra de Troia, Príamo já era homem velho, por isso não
mais combatia, e sim presidia os conselhos de guerreiros.
Filha, portanto, de um grande rei, Cassandra costumava visitar templos com
irmãos ainda pequena. Numa das vezes, ela foi esquecida pelos pais juntamente
com seu irmão gêmeo Heleno no templo de Apolo Timbriano. As crianças passaram
ali a noite, sendo encontradas, ao amanhecer, entre duas serpentes. A partir desse
episódio, ambas as crianças desenvolveram o dom de ouvir as vozes dos deuses do
Olimpo.
Cassandra cresceu e transformou-se numa jovem bela, servidora de Apolo,
atraindo os olhares do deus que por ela se enamorou. O dom de profetizar de
Cassandra foi enriquecido por Apolo, que lhe ensinou os segredos da profecia e
fez dela uma de suas pitonisas (sacerdotisas de Apolo, recolhidas ao templo, onde
permaneciam isoladas e proferiam oráculos). Entretanto, assim como Dafne, conta o
mito que Cassandra se recusou a ter relações sexuais com Apolo, motivo pelo qual ele
a castigou, retirando-lhe o dom da persuasão, isto é, ninguém mais no mundo, após
a ira concretizada do deus (ele cuspiu na boca dela), acreditaria nas suas profecias,
ainda que elas dissessem a verdade. Desacreditada em tudo que dizia por ter se
recusado ao amor de Apolo, Cassandra profetizou inutilmente, por exemplo, que o
rapto de Helena traria destruição e morte a Troia; que os gregos invadiriam a cidade
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dentro do cavalo de madeira (ela implorou ao pai, Príamo, que destruísse o cavalo
que Troia ganhou de presente, porém, ele não lhe deu ouvidos); que Heitor, um de
seus irmãos, morreria em combate. Ninguém confiou nos seus presságios, sendo
Cassandra tratada como louca.
Perseguida por Ájax de Lócris, que lutou contra Heitor e o venceu na Guerra de
Troia, a virgem Cassandra foi capturada e violada por ele num templo enquanto se
escondia atrás de uma estátua de Atena, a qual foi partida em pedaços. Na partilha do
butim, fruto da batalha da guerra vencida, Cassandra foi dada de presente, por Ájax,
a Agamenon, que a leva para Micenas. O destino, contudo, fez com que Agamenon
fosse assassinado em Micenas por Egisto, amante de sua esposa, Clitemnestra.
Assim, Cassandra acabou sendo levada por outro guerreiro, Zakíntio, para Cólquida,
onde ele fundou uma nova cidade na companhia da sacerdotisa, missão que ele
alegava ter recebido dos deuses (ambos teriam constituído a descendência de 30
novas gerações). De acordo com algumas narrativas, Cassandra teria sido morta em
Troia ou Micenas.
Presente na Biblioteca de Pseudo-Apolodoro, a tragédia de Cassandra decorrente
do embate que travou com Apolo em defesa de sua castidade e pureza de sacerdotisa,
cuja consequência foi o mergulho da sua mente em delírios proféticos – que, ao serem
por ela proferidos como profecias, causavam repugnância nas pessoas, inclusive nas
vítimas identificadas em suas vidências, como seu próprio pai, Príamo, e seu irmão
Heitor –, exerceu e exerce grande fascínio sobre homens e mulheres das mais diversas
culturas, sendo reatualizada literariamente por muitos autores.
Cassandra está no Canto XXIII da Ilíada, de Homero; na peça de teatro Trólio e
Cressida, escrita por Shakespeare; no Auto da Sibila Cassandra, do poeta português
Gil Vicente; nos Triunfos, de Francesco Petrarca; na novela Kassandra, da alemã
Christa Wolf, de 1983; no filme para cinema Cassandra’s Dream, escrito e dirigido
por Woody Allen, com exibição em circuito nacional em 2007; em peças de teatro,
como a encenada pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, com Claudia Schapira,
em 2016, em São Paulo. Em cada uma das obras citadas, determinados aspectos
do mito são focados com mais ou menos relevância, de acordo com a proposta de
intertextualidade do autor.
Gil Vicente, por exemplo, estabelece uma relação de paródia com o mito pela
função de ironia em harmonia com os traços da comédia de comportamento exemplar
que compôs. Em Trólio e Cressida, Cassandra previne aos troianos, sem ser ouvida,
sobre os ataques vitoriosos dos gregos; em Petrarca, também fala a voz da vidente
desacreditada; na novela alemã, o mito é tema para um discurso crítico sobre relações
de patriarcado e submissão feminina; em Woody Allen, a transposição do mito
fundamenta uma crítica social alusiva aos comportamentos humanos que se excedem
moralmente em razão da ambição desmedida, aos sacrifícios impingidos pelos mais
poderosos aos mais frágeis, ao abandono dos valores éticos que deveriam reger o
convívio social.
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Na transposição do mito de Cassandra feita por Andresen, o passado literário
ressurge como a Idade de Ouro que pode ser recuperada pela poesia, a qualquer
tempo. No instante poético recriado pela poetisa, a forma clássica petrarquiana é
também recuperada, tendo a função de expressar harmonia entre forma e conteúdo
do soneto – coerência formal e temática.
O poema Kassandra tem a forma de composição clássica do soneto chamado
petrarquiano ou soneto italiano, cuja criação primeira é creditada ao poeta italiano
Francesco Petrarca (1304-1374), autor de Il Canzioniere (O Cancioneiro), também
considerado pai do Humanismo, portanto, um dos inspiradores da Renascença. Ele
é composto de rimas perfeitas, com 14 versos decassílabos heróicos e enunciados
que refletem a individualidade dos sujeitos líricos e seus elos com enunciados de
outros sujeitos por meio da apropriação do mito de Cassandra. O destinatário não é
um interlocutor direto do diálogo, selecionado com exclusividade, mas sim toda uma
coletividade apreciadora de poesia. Todavia, as funções da comunicação discursiva do
soneto podem ser avaliadas em seus elementos estilísticos, temáticos e composicionais,
o que significa que há um raciocínio intelectual estratégico em sua composição que
compreende uma série de saberes, dentre eles um profundo conhecimento da língua
portuguesa; os conceitos de composição da poesia clássica; a origem, a história e
as reatualizações do mito grego de Cassandra; conhecimentos sobre a cultura de
sacrifício feminino.
Embora os enunciadores do soneto não tenham eleito um determinado perfil de
leitor como destinatário, as funções da comunicação discursiva demonstram que a leitura
do soneto possui diferentes graus de compreensão, dependendo da bagagem cultural
do leitor e de suas condições de compartilhamento dos saberes interrelacionados pelos
enunciadores (ou sujeitos líricos) em sua expressão poética. Também induzem a uma
experiência de leitura em nível emocional, centrada no Amor idealizado e impossível,
simbolizado por um mito de princípios cosmogônicos que incita a compaixão por uma
mulher devota que se sacrifica em nome da castidade – seja por intuito religioso,
seja por crença na predestinação ao serviço humanitário –, concedendo proteção aos
seres mais frágeis, assim como induzindo ao comportamento exemplar em meio a
relações sociais e até no universo das concepções artísticas (pintura, teatro, poesia,
prosa, música etc). Reproduzimos, a seguir, a segunda estrofe do soneto.
Ó dia de oiro sobre as coisas quentes,
Os rostos tinham almas que mudavam,
E as aves estrangeiras trespassavam
As minhas mãos abertas e presentes.
(ANDRESEN, 2015, p. 159)
O mito de Cassandra conta uma história sagrada, um acontecimento ocorrido
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Capítulo 11
122
no tempo primordial, protagonizado por uma figura feminina humana e um deus
do gênero masculino. Cassandra, devotada a Apolo, já vivia em sacrifício (virgem
adoradora do deus), porém, por veleidade, o deus do canto e da poesia torna o sacrifício
dela ainda mais intenso, fazendo-a desacreditada. Em todas as reatualizações do mito
há uma transposição da narrativa para um novo contexto, nas quais identifica-se a
prática literária da intertextualidade e, em alguns casos, a prática da interdiscursividade,
visto que temos, em alguns casos, a transposição do mito para gêneros discursivos
diferentes, como o cinema e o teatro. Na transposição do mito de Cassandra feita
por Andresen, o passado literário ressurge, conforme já explicitado, como a Idade de
Ouro recuperada pela poesia, a qualquer tempo, sob a forma clássica petrarquiana.
Ao transpor o mito de Cassandra do illo tempore para o tempo da poesia, a autora do
soneto, além de retornar ao passado por meio da apropriação do mito, também mescla
presente e passado nas estrofes ao introjetar, uma na outra, vozes de dois sujeitos
líricos manifestados em primeira pessoa.
O sacrifício feminino de Cassandra – ter visões, profetizar e não ser acreditada,
o que a exclui do viver em harmonia com outros seres (deuses e humanos) –
desumaniza sua condição de vida terrena, mas sacraliza sua existência mítica por
meio da oralidade, cuja essência verdadeira, no caso dela, é invisível aos homens e
mulheres in illo tempore. Mas a descrença em suas profecias não torna sua existência
mítica desimportante, muito pelo contrário, pois quem atenta para a lição exemplar
contida no mito compreende que: um “deus” pode agir por veleidade, sacrificando
um ser humano; há profecias que se realizam, mesmo que mulheres e homens não
tenham fé nas palavras do profeta ou da profetisa.
Cassandra está viva no mito e, segundo sugere a poesia de Andresen, também
está viva como musa poética, ganhando voz de sujeiro lírico em primeira pessoa
no soneto. Mas, a Cassandra do poema de Andresen, desprendida da orientação
masculina da paideia grega, tem consciência da coisificação à qual foi submetida no
tempo primordial da mitologia grega, assim como na reatualização do mito sob a visão
homérica, propondo subliminarmente aos leitores/ouvintes do poema que juntamente
com ela reflitam sobre a sua condição e o confronto do diálogo entre gêneros, no qual
prevalecem os direitos do patriarcalismo. Verifica-se, portanto, que o soneto revela
um sujeito lírico (talvez alterego da autora) que também faz uma autoreflexão sobre
o percurso histórico, literário poético e estilístico que realiza ao revisitar o passado
mítico e o passado clássico da poesia, em busca de inspiração (temas e formas) para
expressar sentimentos experimentados no seu tempo presente, a década de 1940.
Em síntese, a permanência no soneto do rigor estético e da submissão da
sacerdotisa e musa Cassandra ao deus da poesia, Apolo, nos leva a concluir que
o sacrifício feminino, sob a visão de mundo de Andresen, não tem fim, sejam quais
forem o tempo, linear ou mitológico, e o contexto histórico.
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
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2.2 Do Mito ao Ponto de Mutação
A civilização humana tem feito fantásticos progressos científicos, embora nem
sempre um sistema educativo tenha tido (ou tenha) como meta principal combater a
ignorância, construindo e compartilhando conhecimentos, mas sim manter o status
quo de grupos que compõem uma determinada sociedade em determinado tempo e
espaço, confirmando a centralização de poderes conquistada pelo modo de produção
dominante a ela inerente. Harari (2017, p. 257) relata que aproximadamente 500
milhões de Homo sapiens habitavam o mundo por volta de 1500 e, hoje, a população
da Terra é estimada em 7 bilhões, dentre os quais cerca de 3,3 bilhões têm acesso à
internet, segundo estatísticas da International Telecommunications Union, agência da
ONU especializada em tecnologias de informação e comunicação (ITU, 2017).
Apesar das terríveis desigualdades sociais que assolam todos os continentes do
planeta e da fome que ainda nos assombra, a máxima “conhecimento é poder”, cunhada
por Francis Bacon em 1620 (HARARI, 2017, p. 270), é praticamente unanimidade nos
dias de hoje – com ou sem ética, infelizmente. Na ânsia pela conquista de poder,
os Sapiens da atualidade anseiam mais do que nunca pelo conhecimento, buscando
ter acesso a ele pelos mais diversos canais de comunicação, a ponto de muitos
de nós repersonificarmos Homero pela pedagogia da paideia quando nos vemos
admiradamente inclusos nos quadros de renomadas instituições de ensino públicas
e privadas (inclusive as corporativas), nacionais e internacionais. Todavia, confundir
informação com conhecimento é similar a confundir entidades imaginárias (deuses,
nações e corporações) com entidades reais, empregando aqui os conceitos de Harari,
2016) sobre as redes de troca de informações, construções de conhecimento e
cooperação humana.
Ao se examinar a história de qualquer rede humana, é recomendável parar de vez
em quando e olhar as coisas da perspectiva de alguma entidade real. Como se
sabe se uma entidade é real? Muito simples – apenas pergunte a si mesmo: “Ela
é capaz de sofrer?”. Quando pessoas derrubam e incendeiam o templo de Zeus,
Zeus não sofre. Quando o euro se desvaloriza, o euro não sofre. [...] Quando um
camponês faminto não tem o que comer, ele sofre (Harari, 2017, p. 184).
Imaginar e realizar não são atividades humanas necessariamente antagônicas
e representantes, respectivamente, do mal e do bem. Não se trata disso. Trata-se
de questionar como, quando, onde, por quem e por quê mitos são construídos e
destruídos, seja por meio da informação disponibilizada, da ficcção ofertada ou do
processo de ensino-aprendizagem que, pressupomos, tem a missão de construir
conhecimento. “Por exemplo, a crença em mitos nacionais e religiosos pode provocar
a eclosão de uma guerra na qual milhões de pessoas perderão suas casas, seus
membros e até suas vidas”, salienta Harari (2016, p. 184). Os sapiens avessos às
chamadas “teorias conspiratórias” ou que duvidam da capacidade manipulatória
atribuída a grupos e instituições (entidades ora reais, ora imaginárias) de exercer
influência sobre as comunidades, costumam afirmar categoricamente “eu não acredito
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 11
124
em mitos”, independentemente da qualidade do conhecimento que possuem sobre a
criação e a existência dos mitos desde a história antiga da humanidade até os dias
de hoje. Por outro lado, estudiosos do assunto afirmam que o mito está presente no
nosso dia a dia, sim, também no século XXI.
A mitologia está presente na existência cotidiana, no dia a dia. Muitas vezes,
por falta de conhecimento, de tempo ou mesmo de interesse, o fenômeno passa
despercebido. [...] O pensamento mítico faz parte do patrimônio da humanidade
e frequenta a vida mental, espiritual e comportamental de cada indivíduo, grupo
social ou povo, somando-se a outas tentativas humanas, racionais e não racionais,
de compreensão do mundo, da realidade, da vida (LAGE NETO, 2010, p. 29).
Cinema, televisão, internet, livros, jornais, revistas... meios de comunicação
são, de modo geral, veículos usados para construção, propagação, manutenção e
destruição de mitos, fundamentalmente nas sociedades das civilizações ocidentais.
Mitos que reencarnam o ânimus das divindades da mitologia greco-romana em heróis
da ficção pós-moderna, como o Super Homem e a Mulher Maravilha, por exemplo; e
mitos que incorporam o ânimus divino greco-romano não como entidades imaginárias,
mas sim como entidades reais que personificam formas mitológicas graças aos feitos
que os fazem ser reconhecidos globalmente, com sentido positivo ou negativo, como,
respectivamente, Mahatma Gandhi e Hitler. “A sociedade de hoje ainda se espelha
em herois”, sintetiza Lage Neto (2010, p.36). Herois que, dependendo do grau de
informação adquirida e da qualidade do conhecimento construído pelos Sapiens do
século XXI, podem ganhar espaço midiático em nível mundial ao serem eleitos à
fama pelo número de acessos aos seus vídeos no YouTube; eleitos pelo status de
celebridade efêmeras por determinado período de cativação; eleitos pelo desempenho
acima da média – invejado – em determinadas atividades e campos culturais, como
o esporte e a música; eleitos pela esperança que inspiram naqueles que com eles
comugam ideais de transformações sociais em benefício dos seus próprios eleitores e
da sociedade como um todo.
Discursos midiáticos atuais, em todos os meios de comunicação, estão
impregnados de enunciados elaborados sob estética similar dos contadores de histórias
mitológicas, buscando empatia e terreno fértil para germinar nos seus receptores a
imitação de comportamentos propagados como exemplares – são as falas carregadas
de poder de influência mitológico de caráter hegemônico, em consonância com
dimensões da cultura político-intelectual contemporâneas. Saïd, ao discorrer sobre o
Oriente como uma invenção do Ocidente, ressalta:
Em qualquer sociedade não-totalitária, certas formas culturais predominam sobre
outras, do mesmo modo que certas ideias são mais influentes que outras; a forma
dessa liderança cultural é o que Gramsci identificou como hegemonia, um conceito
indispensável para qualquer entendimento no Ocidente industrial (SAÏD, pp 18-19).
Entendemos que, sob a difusão de uma consciência geopolítica e de uma série
de interesses de fundo sociológico, cultural e econômico, há uma hegemonia vigente
em discursos midiáticos dos continentes americanos dos tempos atuais no que
Comunicação e Jornalismo : Conceitos e Tendências 3
Capítulo 11
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concerne à orientação masculina com o intuito de sacralizar comportamentos femininos
considerados exemplares e, simultaneamente, endemonizar comportamentos
femininos considerados indesejados – práticas discursivas estas que podem assumir
(oralmente, visualmente e por escrito) as formas de narrativas ficcionais (novelas
televisivas, filmes de cinema, vídeos de internet, livros de romances, contos, propaganda
etc) e de não ficção (reportagens jornalísticas, editoriais, crônicas, artigos, biografias,
propaganda testemunhal etc.), cabendo muitas vezes aos textos de não ficção, além
da função de informar sobre fatos dados como verídicos e historicamente relevantes
sob perspectivas local ou global para serem amplamente divulgados, a função de os
analisar, mas sob qual prisma?
Nas Américas, citando somente alguns expoentes literários com poder de
influência sobre nós que abordaram o tema, quando refletimos sobre o gênero
feminino cultural, educativa, social e economicamente ainda somos homéricos,
shakespearinos, andresenianos, woodyallenianos...? Afunilando a questão, se
espelharmos a superestrutura ocidental atual com a superestrutura da Grécia clássica,
como definiríamos a orientação dos nossos sistemas educativos, culturais e de
comunicação nos dias de hoje com a relação à questão dos gêneros também enfocada
na mitologia clássica? Permanecemos sob orientação masculina, caminhamos 360º
para a orientação feminina, estamos desorientados, em ponto de mutação ou em
ponto de equilíbrio?
Em razão de inúmeros fatores influenciadores, como modos de produção
socioecômicos, costumes religiosos e produções culturais das intelligentsias
dominantes, as respostas para essas perguntas não são exatas, isto é, não
configuram um padrão que possa retratar com fidelidade a realidade, pois há graus de
diferenciação pela análise do tema de acordo com o contexto social observado, não
somente quando o foco de investigação diverge geograficamente, entre, por exemplo,
New York (EUA) e Alexânia, cidade do entorno do Distrito Federal em Goiás (Brasil),
mas também quando o foco de observação concentra-se em grupos comunitários que,
embora pertencentes a uma mesma sociedade geopolítica, possuem características
distintas decorrentes do acesso à educação formal, aos meios de comunicação, aos
bens de consumo, à diversidade cultural etc.
De qualquer modo, da coisificação e mitificação da atriz Marilyn Monroe,
insufladas por Hollywood (EUA) e transformada em butim na esfera política pelos irmãos
Kennedy, morta em 1962, e da coisificação e mitificação da socialite brasileira Angela
Diniz, assassinada por Doca Street, em 1976, no Rio de Janeiro (Brasil), passando
pelo mito “a mulher de Ipanema” vivido em sua jornada pela quebra de tabus pela atriz
Leila Diniz, morta em 1972, chegamos a novembro de 1917 acompanhando relatos
nas mídias do assassinato da adolescente Raphaella Novinski (RESENDE, 2017),
de 16 anos, no Colégio Estadual 13 de Maio, em Alexânia (Goiás, Brasil), cometido
pelo maior de 19 anos Misael Olair, que, assim como Apolo, odiava esta pequena
Cassandra, simplesmente por ter sido rejeitado por ela amorosa e sexualmente.
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Capítulo 11
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É um estudo doloroso, delicado e de desmistificação, como podemos concluir,
inclusive porque as respostas das perguntas feitas anteriormente têm como ponto de
partida as relações de troca de informações e construção de conhecimentos que se
estabelecem entre os diversos meios de comunicação disponíveis ao público e os
diversos canais que lhe facultam acesso à educação formal, não formal e informal,
dentre eles as escolas, as universidades, as instituições de cursos livres, os museus,
as ONGs etc. Comparando, se a paideia no classicismo grego previa o encontro entre
mitologia e as diversas disciplinas do conhecimento para promover a educação dos
cidadãos, atualmente, a sociedade ocidental prevê em seus sistemas educativos o
encontro, bem como o confronto, entre os meios de comunicação (com todos os mitos
em construção e desconstrução que fazem parte de seus discursos) e as instituições de
ensino formais e não formais para, pedagogicamente, fomentar a cidadania e preparar
cidadãos para o mundo em constante transformação que, mais do que nunca, requer
análises críticas.
Essse estudo nos impulsionou também a incursões sobre mitos femininos em
processo de construção e desconstrução no campo político, tomando como exemplos
a ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff e a ex-candidata à Presidência dos EUA
Hillary Clinton. Para esta investigação, recorremos à Hemeroteca da Biblioteca Mário
de Andrade, em São Paulo, onde consultamos os jornais O Estado de S.Paulo, O
Globo e Folha de S Paulo, de janeiro de 2010 a julho de 2017, incluso neles notícias
e artigos traduzidos de publicações internacionais como o jornal estadunidense The
New York Times, a revista estadunidense Time, o jornal estadunidense Washington
Post, o jornal inglês Financial Times e a revista inglesa The Economist, mais as
revistas brasileiras Carta Capital, Veja, Claudia e Marie Claire, de janeiro de 2014 a
julho de 2017. Antes, porém, de continuarmos a discorrer sobre a presença do efeito
Cassandra pela ridicularização de falas e comportamentos de mitos femininos em
discursos midiáticos, reflitamos sobre o conceito de mito como sistema semiológico
(Barthes, 2006), ampliando a definição de Eliade (2000) com a qual trabalhamos nas
análises das obras poéticas de Homero e Andresen. Eis a proposição de Barthes para
o final da década de 1950:
O que é um mito hoje? [...] o mito é uma fala. [...]São necessárias condições
especiais para que a linguagem se transforme em mito [...] Mas o que se deve
estabelecer solidamente desde o início é que o mito é um sistema de comunicação,
é uma mensagem. [...] Ele é um modo de significação, uma forma. [...] Já que o
mito é uma fala, tudo pode constituir um mito, desde que seja sucetível de ser
julgado por um discurso. [...] o discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema,
a reportagem, o esporte, os espetáculos, a publicidade, tudo isso pode servir de
suporte à fala mítica (BARTHES, 2006, pp. 131-132).
Quando investigamos os enunciados dos editores, redatores, repórteres,
comentaristas e articulistas, bem como o material fotográfico e as imagens produzidas
por chargistas dos jornais e revistas citados em nossa pesquisa na Hemeroteca
Mário de Andrade, concentramo-nos na construção e destruição dos mitos políticos
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127
femininos Dilma Rousseff e Hillary Clinton sob a ótica de Barthes, ou seja, imputamos
às duas mulheres e seus discursos o caráter de significante (aspecto material dado)
e ao trabalho jornalístico de reproduzir e analisar fatos por elas protagonizados e a
elas associados o caráter de significado (aspecto conceitual tecido pela mídia). Da
análise do vínculo estabelecido em ambos os casos entre significante e significado,
elaboramos nossa síntese dialética, permitindo-nos, sem entrar no mérito dos
discursos dessas duas grandes representantes da atuação política das mulheres
nesta segunda década do século XXI (portanto, mantendo-nos sob postura apartidária
como pesquisadores), perscrutar os graus de orientação masculina da mídia
contemporânea e o empobrecimento do debate em torno das questões de gênero,
isto é, dos comportamentos construídos socialmente, do apreço pela liberdade e pela
tolerância. Essa análise nos levou a listar as seguintes constatações:
A - Durante as campanhas partidárias em período anterior às eleições
presidenciais, ambas as candidatas contaram com amplo apoio da mídia de modo
geral, a qual, metaforicamente, comportou-se como Apolo em face de Cassandra, ao
enaltecer os discursos das duas mulheres e os avanços que elas significavam para
a representação feminina na política mundial. A revista Carta Capital, por exemplo,
publicou uma matéria sob o título “Hillary Clinton, a mãe da América” (GRAÇA, 2015),
em abril de 2015. Por sua vez, um dia após a posse do primeiro mandato de Dilma
Rousseff, em 2 de janeiro de 2014, o jornal O Globo publicou uma matéria favorável
ao seu governo, com uma foto de poder ostentador da presidente, ao lado de sua filha,
sendo saudada pela Guarda Nacional em Brasília, abaixo do título “Defesa do legado
com promessa de mudanças” (EQUIPE DE REPORTAGEM BRASÍLIA, 2014). Todavia,
passada a fase de euforia pela celebração da construção desses mitos femininos
vitoriosos, fatos negativos começaram a receber amplo destaque nas coberturas
jornalísticas das vidas privadas e das carreiras políticas de ambas, inúmeras vezes
acompanhados de comentários maldosos que desmerecem a importância feminina
na política, a ponto de o jornal O Estado de S.Paulo intitular uma matéria sobre Hillary
de “Conspiração genital: com ajuda do FBI, falocracia americana faz o que pode para
derrubar Hillary” (AUGUSTO, 2016). A revista Veja não deixou por menos em matérias
alusivas ao processo de impeachment de Dilma, publicando em maio de 2016 uma
foto emblemática (COPPOLA, 2016), clicada por Jefferson Coppola e especialmente
editada para ilustrar o texto de Thaís Oyama, intitulado “Os últimos dias de Dilma
Rousseff”, na qual ela parece arder no fogo (era a tocha olímpica), similarmente a uma
divindade mítica num momento de sacrifício aos deuses do Olimpo.
B - Mesmo na fase de comentários positivos sobre os discursos e fatos relativos
a Dilma e a Hillary, foram incontáveis as piadas jocosas, por meio de textos, fotos e
imagens, que desrespeitavam questões de gênero, buscando inspiração na dualidade
macho X fêmea para atrair leitores. No caso de Hilary, por exemplo, o jornal O Estado
de S.Paulo a denominou como “a noiva deixada no altar em 2008” (GUIMARÃES,
2014), enquanto outros veículos, ao se referirem a ela, insistiram em destacar, inúmeras
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vezes, o “cargo” de ex-primeira-dama dos EUA, como esposa do ex-presidente Bill
Clinton, em detrimento do cargo de senadora anteriormente por ela ocupado, bem
como o de secretária de Estado do Governo Obama. De “noiva” deixada no altar nas
disputas internas do Partido Democrático norte-americano, Hillary passou, segundo
a imprensa, a ter um “flerte” (BARBOSA, 2015) com a Casa Branca, de onde o expresidente Barack Obama comandava a nação durante a disputa eleitoral enfrentada
por ela com o atual presidente dos EUA, Donald Trump.
C – Quando Trump é eleito 45º presidente dos Estados Unidos, em uma vitória
considerada inesperada pela mídia internacionalmente, após sinalizados problemas de
comportamento ético na campanha de Hillary Clinton pelo FBI, o mito político feminino
norte-americano começou a ser descontruído com mais veemência. Os elogios
anteriores foram transformados em novos ataques discursivos que reforçaram o tom
jocoso dirigido à personalidade feminina, novamente com desrespeito a questões de
gênero e à diversidade, dessa vez propagando-se que os enunciados de seus discursos
não estavam fundamentados na realidade norte-americana, ou seja, que o insucesso
do seu programa de governo se deveu, entre outros fatores, ao efeito Cassandra,
entendido como previsões não realizáveis e desacreditadas pelos cidadãos eleitores.
D – No caso de Dilma Rousseff, do início do seu governo como primeira mulher
eleita presidente do Brasil, em 2011, até o final do processo de impeachment durante
seu segundo mandato, em agosto de 2016 (iniciado em dezembro de 2015), o
ataque dos discursos midiáticos a ela, assim como ao gênero feminino, por meio da
desconstrução do mito, foi avassalador, por meio de textos e imagens, em todos os
meios de comunicação. Não foram poupadas denominações desrespeitosas na mídia,
reproduzidas em redes sociais, como “jararaca” e “louca”. Visando o desacreditar da
população nas falas políticas e administrativas da comandante da Nação, bem como nas
falas heróicas e mitológicas de Dilma Rousseff como combatente da Ditadura Militar e
militante do Partido dos Trabalhadores, difundiu-se o descrédito em seus discursos até
mesmo pela criação do termo “dilmês” em referência aos seus enunciados considerados
desconectados da realidade brasileira. Assim como Hillary, a ex-presidente Dilma
sofreu na mídia as consequências do efeito Cassandra: foi ridicularizada em textos
e imagens. Desamada por Apolo (metaforicamente, os representantes do poder
econômico brasileiro e os próprios eleitores, além de companheiros partidários, como
o vice-presidente Michel Temer), Dilma, igual a Cassandra, foi “condenada” a se retirar
do posto para o qual foi eleita sendo acusada de proferir inverdades com relação ao
destino da Nação.
E – Simultaneamente, enquanto iam sendo descontruídos os mitos políticos Dilma
Rousseff e Hillary Clinton, outros mitos femininos continuaram sendo construídos pela
mídia de massa, em continuidade à orientação masculina das superustruturas dos
Estados Unidos e Brasil. No caso norte-americano, o mito Michelle Obama foi um dos
destaques da mídia nesse período, endeusada pelos dons de sua oratória e empatia
popular, embora seu apoio à candidata Hillary não tenha surtido o efeito desejado pelos
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seus eleitores. No Brasil, a esposa do juiz Sérgio Mouro, a advogada Rosangela Mouro,
por exemplo, foi entrevistada nas páginas amarelas de Veja, em dezembro de 2016,
e foi capa de Claudia, lugar de destaque também ocupado por outras personalidades
femininas, como as apresentadoras de televisão Ana Hickman (janeiro de 2016) e
Fátima Bernardes (maio de 2016), assim como as jornalistas Renata Vasconcelos e
Patrícia Poeta ocuparam as capas de Marie Claire, respectivamente, em fevereiro de
2014 e fevereiro de 2017.
Michelle Obama não sofreu, nem sofre ainda, em sua carreira política como exprimeira-dama dos Estados Unidos e atual militante pelos Direitos Humanos, os efeitos
Cassandra provocados pelos discursos midiáticos. Já no Brasil, a senadora pelo PT
Gleise Hoffmann enfrenta os mesmos dissabores que a presidente Dilma, com ataques
discursivos violentos contra ela, os quais empobrecem debates sobre questões de
gênero e insuflam as redes sociais à violência verbal contra as mulheres, tendo ao seu
lado nessa luta “homérica” e “hercúlea” pela defesa dos direitos democráticos à fala
como cidadã uma personalidade feminina defendida pela maior rede de televisão do
País (Rede Globo), a jornalista Fátima Bernardes, em razão de seus posicionamentos
diante de temas polêmicos discutidos em seu programa de TV.
A que ponto chegamos? Longe do equilíbrio, cremos que este estudo aponta
que crises morais, econômicas, políticas e culturais, por mais doloridas que sejam,
não deixam as águas estagnarem, ou seja, os enfrentamentos sociais criados por
essas crises dificultam as relações humanas no dia a dia, todavia, também propiciam
a quebra de paradigmas, estimulando um olhar mais atento e reflexivo sobre o nosso
passado com o objetivo de construirmos um presente e um futuro com base nos
conhecimentos adquiridos pelos erros cometidos, sob visão mais crítica e alicerçada
nos princípios da democracia que defendem, assim como o direito de ir e vir, o direito
de ser e existir em liberdade e com liberdade de opções e manifestações. Chegamos,
portanto, a um ponto de mutação em sociedades americanas (no norte e o sul), o
qual nos conduz ao autoconhecimento para prosseguirmos rumo a ideais de harmonia
social com respeito às diversidades, ideais que não podemos antever como utópicos,
assim como a paideia grega não renegou sua mitologia, ao contrário, pois dela se
valeu para ampliar o acesso ao Olimpo dos seus cidadãos pelas vias da educação
que, como afirma o professor Leandro Karnal “é a única grande revolução para este
país” (KARNAL, 2016).
3 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
“O primeiro tema da reflexão grega é justiça” (ANDRESEN, 2015, p. 644). Esta
afirmação é do sujeito lírico do poema Catarina Eufémia, de autoria de Andresen, no
qual a autora faz uma homenagem em versos de quatro estrofes irregulares e um
monóstico, no tom terno e triste da elegia, a um mito feminino que não pertence ao
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130
panteão da antiguidade clássica grega, mas sim ao Partido Comunista Português.
Trata-se de Catarina Efigénia Sabino Eufêmia, uma ceifeira portuguesa assassinada
a tiros, em maio de 1954, no fim de uma greve de mulheres assalariadas rurais, por
um tenente da Guarda Nacional Republicana. Mãe de três filhos, analfabeta – também
quase homônima da Ifigênia, filha de Agamenon, por ele entregue em sacrifício à
deusa Ártemis em troca de ventos favoráveis para suas embarcações, como narramos
no primeiro capítulo deste estudo –, Catarina Efigénia Sabino Eufêmia teve sua vida
e a do ser que gestava ceifadas aos 26 anos de idade, por ter atuado na resistência
contra o regime salazarista ao se fazer porta-voz do grupo de assalariados que se
manifestava por pão e trabalho.
Rememorando palavras de Harari já citadas neste estudo, “ao se examinar a
história de qualquer rede humana, é recomendável parar de vez em quando e olhar as
coisas de uma perspectiva de alguma entidade real” (Harari, 2017, p. 184). Catarina
Eufêmia foi transformada num mito, mas ela era capaz de sofrer? Sim. A Cassandra
da mitologia grega não sofreu de verdade nas mãos de Apolo, sofreu? Mas, “quando
um camponês faminto não tem o que comer, ele sofre” (Idem, ibidem). Sim, ele sofre,
como sofrem todas as mulheres vilipendiadas pelo machismo, pelo sexismo, pela
coisificação. Como sofrem todos os seres humanos que têm amor pelas mulheres
perdidas como vítimas assassinadas por companheiros, ocorrências diárias no Brasil,
cuja taxa de feminicídios é a quinta maior do mundo, segundo a Organização Mundial
da Saúde (MARTINS, 2017).
A Lei do feminicídio e a Lei Maria da Penha são, no Brasil, pontos de mutação para
modificarmos esse quadro associado às características negativas de uma sociedade
patriarcal, de orientação masculina, que em atitudes cínicas justifica o machismo
sob véus do humorismo, da piada popular e das figuras de linguagem nos discursos
midiáticos, como a ironia e o sarcasmo, cujo conteúdo cruel nada tem de engraçado,
pois não somente provoca ofenças, mágoas e destrói autoestimas, como também
pode alimentar ainda mais a violência numa sociedade já violenta.
Com este estudo, esperamos estimular mais debates sobre questões de gênero,
a leitura crítica do mundo ao nosso redor e as reflexões sobre a cultura de sacrifício
feminino em sociedades sob orientação masculina, presas a um passado conservador
que, mesmo sendo poeticamente belo e epifânico como nas obras de Homero,
precisa ser revisitado sob um olhar de hoje que não confunda submissão feminina
com elementos divinos que ligam a força da mulher às forças da natureza; um olhar
tomado pela consciência sobre o quanto é inaceitável o comportamento social alheio
à dores do outro.
Segundo José Luiz Fiorin, “o discurso crítico se constitui a partir dos conflitos e
das contradições existentes na realidade” (1997, p. 74), enquanto a linguagem pode
ser instrumento de libertação ou de opressão, de mudança ou de conservação. Se os
deuses da mitologia grega são a imagem do retorno, da coerência advinda do caos,
do desfalecimento e do eterno renascer, o discurso filosófico, político e crítico unido às
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narrativas e às falas míticas podem abrir caminho para a refutação do comportamento
de resignação humana às vozes anteriores que conformam uma tradição na qual não
há respeito à diversidade. Simultaneamente, sob a configuração de discurso literário,
seja pela prosa, seja pela poesia, as discussões assim tematizadas podem adquirir
função social, apontando erros que ameaçam a harmonia entre os seres humanos e
impedem a existência de uma militância em busca e a favor dessa harmonia.
Os discursos poéticos narrativos em Homero e Andresen, bem como os
discursos midiáticos que analisamos, abrangem a realidade objetiva e a subjetividade
dos seres humanos, provocando reflexões que não deveriam atingir, pelo caminho
do entretenimento, somente os sentimentos dos leitores relacionados ao culto das
emoções e do gosto estético. Ao mesmo tempo, supomos que esses discursos
poderiam, pela conscientização de caráter humanista, democrático, alinhada com
princípios éticos e a justiça, provocar em nós e nos meios sociais nos quais vivemos
mutações comportamentais de fundo altruísta em sintonia com a razão e os valores
humanos que contribuem para o bem-estar coletivo, e não apenas individual ou de
grupos de minoria eletista e conservadora.
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SOBRE A ORGANIZADORA
VANESSA CRISTINA DE ABREU TORRES HRENECHEN: Graduada em Comunicação
Social/Jornalismo (UEPG); mestre em Crítica de Mídia (UEPG). Tem 10 anos de experiência
em assessoria de imprensa. Atualmente é proprietária de agência de publicidade que presta
serviços na área de marketing e comunicação empresarial.
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Sobre a Organizadora
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