Uma parede nua. Nua e sem vida. Era assim que ela ficava admirada diante de sua capacidade de enxergar o nada em algo tão cheio de vida. Pois bem, a parede tinha vitalidade, mesmo sem uma mera camada de tinta, estava crua, apenas cimento endurecido externamente e entre os tijolos acastelados. Mais é que Catarina, apenas contemplava a superficialidade, e não entendia que a divisória, era muito mais que isso, era inteiramente vital; tinha entre o amontoado de cimento e tijolos, suor humano, tinha dedicação e docilidade estampada na textura por quem a construiu, a parede era inteiramente humanizada, e isso era tão profundo, que ela não conseguia perceber, apenas julgava com a sensação fria que seus olhos vazios podiam lhe proporcionar. Culpa não tinha, seguia seu instinto limitado, pois ainda não descobrira outras formas de vê o mundo... E de vê paredes. De inúmeras formas tentava fazer com que as pessoas os vissem como ela própria considerava: sem sentido. E não é que algumas acreditavam mesmo. Até as crianças que são acostumadas a enxergar as coisas ao redor, com os olhos da alma, todas elas que se aproximaram, foram violentamente contaminadas pela frialdade de suas convicções. Os seres mais fracos, de frágil persuasão, esses eram naturalmente envolvidos com seu ceticismo, o que era um pecado. Não sabia Catarina, que tinha grande força no seu discurso, e que era um sacrilégio impedir crianças de sonhar. Ela mesma não sonhava.
De sua boca apenas manifestava-se o que sentia, e costumava sentir tudo com a dormência de um pós-operatório. Como um deserto castigado pelo sol ininterruptamente, sem a esperança de dias de aguaceiro, porque se chovesse um ínfimo chuviscar que fosse, para sutilmente umedecer-lhe os lábios e a língua branca, talvez experimentasse o espontâneo sentimento de gratidão. Ela não sabia agradecer. Desconhecia tal sentimento, não por nunca a terem ensinado a ser grata, pois isso ela sabia bem: só podia dar o que tinha. E reconhecimentos não havia em seu pálido ser, era puramente ela, a isso sempre fora legítima. Por isso, não era agradecida
à parede, por tê-la simplesmente, aquilo era só tijolo e cimento, nada mais.
Quanto à parede, continuava lá, sendo parede, nua e crua, com todos os desenhos fantásticos que só uma parede desprovida de cores pode ter. É que eles são vivos e autênticos, feitos da substância de que a própria parede fora feita. Uma parede não pede para ser pintada, não necessita de um azul ou vermelho para melhor existir, antes disso, deseja ser virgem, intocável pelas cores. Quando uma parede é pintada, escondem-se sua verdade, suas impressões digitais, seus olhos... Fica toda misteriosa em si mesma, um enigma a ser decifrado. O ato de observar paredes, estando elas em estado bruto, simplesmente com uma vasta camada de cimento seco, o reboco, (os tijolos é o esqueleto) é uma das sensações imaginativas mais fascinantes que se possa viver, é como vê desenhos em nuvens, a diferença é que, as nuvens são efêmeras, as paredes quase imortais. Uma parede só morre quando é pintada. Por vezes, quando uma já pintada, acentua manchas e descascados, ou quando a cor começa a desbotar brandamente, é a essência da parede lutando ferozmente para voltar a existir, é uma ressurreição. É permanente.
Quanto a elas, a parede, e Catarina, continuam convivendo na mesma casa. Juntas no mesmo lugar, trocando olhares... Catarina sempre apática e pretensiosa. A parede sempre desafiadora, na espera por ser descoberta, desejando que nunca Catarina, a cubra de tinta alguma, que nunca a mate, cobiçando humildemente ser tocada com a delicadeza de uma pluma nas pontas dos dedos. Ela, toda simples, conforma-se então, com aranhas, baratas e lagartixas a desvendá-la, já que mãos humanas, as de Catarina, seria o retorno de uma inocência perdida... Que talvez nunca viesse a existir.
22.09.2008
De sua boca apenas manifestava-se o que sentia, e costumava sentir tudo com a dormência de um pós-operatório. Como um deserto castigado pelo sol ininterruptamente, sem a esperança de dias de aguaceiro, porque se chovesse um ínfimo chuviscar que fosse, para sutilmente umedecer-lhe os lábios e a língua branca, talvez experimentasse o espontâneo sentimento de gratidão. Ela não sabia agradecer. Desconhecia tal sentimento, não por nunca a terem ensinado a ser grata, pois isso ela sabia bem: só podia dar o que tinha. E reconhecimentos não havia em seu pálido ser, era puramente ela, a isso sempre fora legítima. Por isso, não era agradecida
à parede, por tê-la simplesmente, aquilo era só tijolo e cimento, nada mais.
Quanto à parede, continuava lá, sendo parede, nua e crua, com todos os desenhos fantásticos que só uma parede desprovida de cores pode ter. É que eles são vivos e autênticos, feitos da substância de que a própria parede fora feita. Uma parede não pede para ser pintada, não necessita de um azul ou vermelho para melhor existir, antes disso, deseja ser virgem, intocável pelas cores. Quando uma parede é pintada, escondem-se sua verdade, suas impressões digitais, seus olhos... Fica toda misteriosa em si mesma, um enigma a ser decifrado. O ato de observar paredes, estando elas em estado bruto, simplesmente com uma vasta camada de cimento seco, o reboco, (os tijolos é o esqueleto) é uma das sensações imaginativas mais fascinantes que se possa viver, é como vê desenhos em nuvens, a diferença é que, as nuvens são efêmeras, as paredes quase imortais. Uma parede só morre quando é pintada. Por vezes, quando uma já pintada, acentua manchas e descascados, ou quando a cor começa a desbotar brandamente, é a essência da parede lutando ferozmente para voltar a existir, é uma ressurreição. É permanente.
Quanto a elas, a parede, e Catarina, continuam convivendo na mesma casa. Juntas no mesmo lugar, trocando olhares... Catarina sempre apática e pretensiosa. A parede sempre desafiadora, na espera por ser descoberta, desejando que nunca Catarina, a cubra de tinta alguma, que nunca a mate, cobiçando humildemente ser tocada com a delicadeza de uma pluma nas pontas dos dedos. Ela, toda simples, conforma-se então, com aranhas, baratas e lagartixas a desvendá-la, já que mãos humanas, as de Catarina, seria o retorno de uma inocência perdida... Que talvez nunca viesse a existir.
22.09.2008